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Repositório Institucional UFC: A ressocialização no sistema carcerário brasileiro

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

RENAN ELIZIO GOMES SOARES

A RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

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RENAN ELIZIO GOMES SOARES

A RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Victor Hugo Medeiros Alencar.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

S676r Soares, Renan Elizio Gomes.

A ressocialização no sistema carcerário brasileiro /Renan Elizio Gomes Soares. – 2011.

64 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2011.

Área de Concentração: Direito Penal.

Orientação: Prof. Me. Victor Hugo Medeiros Alencar. Acompanha 1 CD-Rom.

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RENAN ELIZIO GOMES SOARES

A RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Victor Hugo Medeiros Alencar.

Aprovada em ____/____/________

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Mestre Victor Hugo Medeiros Alencar (Orientador)

Universidade Federal do Ceará – UFC

__________________________________________________ Prof. Mestre William Paiva Marques Júnior

Universidade Federal do Ceará – UFC

__________________________________________________ Mestrando Eric de Moraes e Dantas

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Mário e Elisa, por todo amor, apoio e orientação que me deram.

À minha avó Maria, com quem sempre pude contar quando precisei.

À minha namorada Caroline, a qual estava sempre pronta para me ajudar, independentemente do problema.

(7)

“Seja a mudança que você quer ver no

(8)

RESUMO

O atual sistema carcerário brasileiro é muito ineficiente, não oferecendo as mínimas condições necessárias ao alcance das finalidades da pena privativa de liberdade, o que acarreta uma incapacidade de ressocializar o preso, tendo em vista que o mesmo não tem a oportunidade de se reintegrar à sociedade. Referida situação se deve à precariedade das instalações penitenciárias de nosso país, inexistindo uma infra-estrutura capaz de proporcionar ao apenado algum tipo de assistência, como médica e social, ou uma formação educacional e profissional. Dessa forma, a prisão acaba tendo um efeito contrário ao que deveria ter, visto que, ao invés de auxiliar o condenado em sua recuperação, está contribuindo para sua piora, sendo, por isso, muitas vezes acusada de inseri-lo mais profundamente no mundo do crime, o que resta evidenciado quando nos deparamos com um crescente índice de reincidência no Brasil. Sendo assim, busca-se oferecer possíveis soluções capazes de solucionar ou, pelo menos, amenizar referido problema, discorrer sobre suas possíveis conseqüências na sociedade, além de analisar qual seria a mais eficaz ou a mais viável de se por em prática.

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ABSTRACT

The current Brazilian prison system is very inefficient, not providing the minimum necessary conditions to achieve the purposes of sentence of imprisonment, which causes an inability to re-socialize the prisoner in order that he doesn’t have the opportunity to rejoin society. This situation is due to the precariousness of the prison facilities of our country, not existing an infrastructure capable to provide for inmates some kind of assistance such as medical and social, or educational and vocational training. Thus, the prison ends up having the opposite effect to what it should have, since, instead of assisting the offender in his recovery, it is contributing to their deterioration, being, because of this, often accused of inserting it deeper into the world of crime, which remains evident when we face with an increasing rate of recidivism in Brazil. Therefore, we seek to offer possible solutions that can solve or at least mitigate that problem, discuss its possible consequences in society, and analyze which would be more effective or more feasible to put into practice.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

1 ANÁLISE HISTÓRICA DA EVOLUÇÃO DA PENA...13

1.1 Vingança Privada...14

1.2 Vingança Divina...17

1.3 Vingança Pública...19

1.4 Período Humanitário...21

1.5 Período Científico ou Criminológico...25

2 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS E AS ORDENAÇÕES PENAIS BRASILEIRAS...27

2.1 A Pena Privativa de Liberdade...27

2.2 Os Sistemas Penitenciários...30

2.2.1 Sistema Panóptico...31

2.2.2 Sistema Pensilvânico...32

2.2.3 Sistema Auburniano...33

2.2.4 Sistemas progressivos...34

a) Regime de Montesinos...35

b) Regime Progressivo Inglês...36

c) Regime Progressivo Irlandês...36

2.3 As Ordenações Penais Brasileiras...38

2.3.1 Ordenações Afonsinas...38

2.3.2 Ordenações Manuelinas...38

2.3.3 Ordenações Filipinas...39

3 AS FUNÇÕES DA PENA E A RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO...40

3.1 As Funções da Pena...40

3.1.1 Teorias Absolutas ou Retributivas...40

3.1.2 Teorias Relativas ou Preventivas...42

3.1.3 Teorias Mistas ou Unificadoras...43

3.1.4 A Teoria Adotada pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro...43

3.2 A Ressocialização no Sistema Carcerário Brasileiro...46

3.2.1 A Ressocialização na Execução da Pena Privativa de Liberdade...46

3.2.2 Os Fatores Impeditivos da Ressocialização no Brasil...47

3.2.3 As Possíveis Soluções para o Problema da Ineficiência da Ressocialização no Brasil...52

CONCLUSÃO...61

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa monográfica surgiu de uma preocupação com a incapacidade do sistema carcerário brasileiro de ressocializar o preso, tendo em vista que, quando são libertados, a maioria volta a cometer algum delito.

O objetivo desse estudo é analisar a organização política, jurídica e administrativa de nosso país no que concerne ao sistema penitenciário, destacando sua incapacidade de ressocializar o apenado, assinalando seus pontos negativos, bem como verificando a possibilidade de se colocar em prática algumas medidas solucionadoras ou, pelo menos, amenizadoras da referida problemática, além de suas possíveis conseqüências na sociedade, como forma de reduzir a violência no Brasil, visto que atualmente há um crescente número de crimes.

Pretende-se também avaliar a abrangência do referido tema em nosso ordenamento jurídico, o qual, na Constituição Federal de 1988, afirma ser responsabilidade do Estado garantir a todos os cidadãos direitos e deveres fundamentais, incluindo-se nessa garantia também a população prisional, tendo em vista que ao condenado deve-se fornecer os meios necessários à sua reintegração social.

É fato histórico que a prisão de indivíduos que cometeram algum tipo de delito para puni-los e ao mesmo tempo proporcioná-los meios eficazes de reintegração à sociedade acaba não alcançando o êxito desejado, tendo em vista que, em grande parte dos casos, os criminosos voltam a delinqüir após serem libertados.

Referida incapacidade de se ressocializar o preso é reflexo da falência do sistema prisional brasileiro, o qual não possui a mínima estrutura necessária para fornecer aos condenados meios para se prepararem para uma nova vida em sociedade.

Na atual situação do sistema carcerário brasileiro, muitos direitos constitucionalmente garantidos acabam sendo violados, tais como a dignidade da pessoa humana e a integridade física e moral dos presos.

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teóricas como também práticas, além de algum tipo de trabalho, qualificando os apenados para praticar um ou outro serviço, o que, quando fossem libertados, os ajudaria a obter um emprego e recomeçar suas vidas, evitando a reincidência.

Observe-se que no mundo hodierno damos muito mais importância para a punição do preso do que para a ressocialização do mesmo, o que acaba tornando a prisão em uma medida paliativa, mas que não resolve o problema, visto que, quando soltos, o condenado muitas vezes volta a delinqüir.

Sendo assim, acredito que devemos mudar o foco e passarmos a nos preocupar prioritariamente com a ressocialização do preso, tendo em vista que tal atitude renderá muitos frutos no futuro, diminuindo consideravelmente o índice de reincidência em nosso país.

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1 ANÁLISE HISTÓRICA DA EVOLUÇÃO DA PENA

De forma genérica, podemos definir a pena como uma sanção à prática de um ato considerado socialmente reprovável, a qual é essencialmente retributiva, de maneira que sua aplicação se faz necessária para a manutenção da ordem social.

Os doutrinadores tecem diversos conceitos para o termo pena, com algumas divergências entre eles, porém, acordam quanto ao seu caráter retributivo. Para Rogério Greco, por exemplo, “a pena é a conseqüência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal” 1.

Já Guilherme de Souza Nucci afirma que a pena “é a sanção imposta pelo Estado, através da Ação Penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes” 2.

Por fim, corroborando com a idéia de retribuição da pena, temos o conceito de Magalhães Noronha, segundo o qual “a pena é retribuição, é privação de bens jurídicos, imposta ao criminoso em face do ato praticado. É expiação” 3.

Quanto ao seu objetivo, diversas foram as tentativas de lhe atribuir um que legitimasse a sua existência e aplicação, porém, como salienta Eugenio Raúl Zaffaroni, a pena “há vários séculos procura um sentido e não o encontra, simplesmente, porque não tem sentido a não ser como manifestação de poder” 4.

A evolução da pena se dá de maneira contínua, possuindo cada época suas respectivas sanções, as quais refletem os diferentes pensamentos e necessidades da humanidade ao longo do tempo.

Sobre a sua origem, há quem diga que surgiu antes mesmo das primeiras sociedades organizadas, tendo em vista que mesmo nas primeiras tribos e clãs já havia uma espécie de regra abstrata, a qual, caso desrespeitada, infligia uma pena ao seu infrator.

1 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 4. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Editora

Impetus, 2004. p. 532.

2 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – Parte Geral e Especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 335.

3 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral. 38ª ed. rev. e atual. por Adalberto

José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2004. 1 v. p. 225.

4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal.

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Para muitos doutrinadores, a história da pena está intimamente ligada à história do Direito Penal, cujo desenvolvimento, à semelhança da evolução da pena, varia de acordo com cada povo e região, levando-se em conta o grau de progresso das respectivas culturas.

A pena, juntamente com o Direito Penal, deve ser analisada de acordo com cada período histórico, os quais se entrelaçam formando uma cadeia evolutiva, possuindo, porém, cada qual seus traços e características únicos, o que possibilita delimitar o início e o fim de cada um, além de diferenciá-los entre si.

Saliente-se, ainda, que referidas fases não são independentes entre si, sendo as mesmas intimamente interligadas, de forma que convivem por longos períodos, até que uma consiga sobrepujar a outra.

A divisão desses períodos se dá, geralmente, em vingança privada, vingança divina, vingança pública, período humanitário e período científico ou criminológico, dos quais faremos uma breve análise de seus principais pontos.

Imperioso salientar que a pena evolui com a própria sociedade, posto que cada época foi marcada por um tipo de sanção penal distinta, demonstrando, assim, que sua transformação e seu aperfeiçoamento evolui conjuntamente com as necessidades da humanidade.

Desse modo, no presente capítulo, será feita uma abordagem acerca da evolução histórica das penas e suas aplicações em diferentes épocas, objetivando, pois, um melhor entendimento das diversas funções da pena ao longo dos anos.

1.1 Vingança Privada

O período da vingança privada teve início juntamente com a origem do homem, prolongando-se até o final do século XVIII. Em virtude do fato de o homem ser um animal coletivo, desde o começo procurou se aproximar de outros indivíduos, o que fez surgir as primeiras comunidades, como as tribos, os clãs e as aldeias.

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Nesse período, a pena constituía-se na base da vingança, isto é, por meio da autocomposição, denominada também de “vingança privada”, a qual era utilizada pelo próprio ofendido com o intuito de sanar o litígio formado.

Não havia qualquer espécie de senso de justiça ou base jurídica, sendo as punições aplicadas aos infratores da época, muitas vezes, incompatíveis e desproporcionais aos delitos por eles cometidos, sendo algumas, inclusive, deveras cruéis. Além disso, em diversas ocasiões, a sanção nem mesmo se dirigia ao agressor, sendo muitas vezes praticada contra membros de sua família ou clã, o que, não raro, ocasionava situações bastante tensas entre infrator e vítima.

A reação do ofendido era natural, por instinto, a seu livre arbítrio, não tendo nenhuma regra a ser seguida, o que ocasionava, frequentemente, respostas desproporcionais como práticas de tortura, penas de morte, prisões desumanas, banimentos, dentre outras afins.

Na situação específica de o ofensor pertencer à mesma tribo ou clã da vítima, muitas vezes a punição consistia no seu banimento, também denominado de perda da paz, ficando exposto às atitudes hostis de outros grupos e às dificuldades da vida solitária.

Nesse caso, a pena tinha, além da vingança, um outro objetivo, o de manter a integridade do grupo, tendo em vista que, mesmo nessa época, os indivíduos já necessitavam de algo para adorar e cultuar, o que era denominado de Totem, o qual deveria ser respeitado e para o qual deveriam ser cumpridos diversos deveres.

Sendo assim, quando uma pessoa praticava, por exemplo, uma agressão a um companheiro de tribo, estava desrespeitando o objeto cultuado, motivo pelo qual deveria ser banido, de maneira a manter a dignidade do grupo.

A esse respeito, Aníbal Bruno afirma:

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as reações vingadoras dos seres sobrenaturais, a que o grupo estava submetido.5

Porém, com a evolução da humanidade, a idéia de reação natural e instintiva, que marcou o início do período da vingança privada, deu lugar a duas importantes vertentes, as quais dividiram-se em dois importantes momentos, sendo o primeiro o da Lei de Talião, marcada pela máxima do “olho por olho dente por dente”, e o segundo o da Composição, no qual, havendo a possibilidade de o infrator reparar o dano causado, o mesmo se livraria de um castigo maior caso o fizesse.

A Lei de Talião surgiu com o objetivo de limitar o direito de vingança. Inicialmente, conforme explicitado anteriormente, o ofendido não tinha limites às suas punições, as quais eram muitas vezes desproporcionais ao dano causado pelo infrator. Com o advento da pena de Talião, a sanção passou a se basear na proporcionalidade entre o mal causado e o castigo imposto, sendo, por esse motivo, conhecida pela máxima do “olho por olho, dente por dente”.

Referida Lei surgiu no Código de Hamurábi, em 1780 a. C., no reino da Babilônia. Como conseqüência, não extinguiu a violência existente nas vinganças da época, porém, ao menos limitou-as, de maneira a evitar as já costumeiras penas cruéis e desproporcionais, criando uma noção de compatibilidade entre a pena e o dano provocado.

Vale destacar a seguinte passagem do Código de Hamurábi, a qual retrata muito bem o espírito da Lei de Talião dizendo que “Se um indivíduo destruiu o olho de outro indivíduo: destruirão o seu olho. Se quebrou o osso do outro, quebrarão o seu

osso. Se arrancou o dente de outro: arrancarão o seu dente”.

O segundo momento do período da vingança privada foi o da composição. Essa fase ficou marcada pela possibilidade de o infrator livrar-se de um castigo mediante a reparação do dano causado à vítima.

Referida retratação por parte do ofensor era vista de diversas formas, uns a consideravam como uma verdadeira submissão ao ofendido, outros já entediam ser o preço a se pagar para “comprar” o direito de vingança da vítima.

5

BRUNO, Aníbal. Apud SHECAIRA, Sérgio Salomão. In Teoria da Pena. Ed. Revista dos Tribunais.

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A composição esteve presente no Código de Manu, na Índia, no de Hamurábi e também no Pentateuco, o qual, entre os judeus, é chamado de Torá. Além disso, foi amplamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das formas modernas de indenização do Direito Civil e da multa no Direito Penal.

Referido instituto restou bem caracterizado no artigo 209 do Código de Hamurábi, o qual dizia que “Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto”.

De maneira objetiva, pode-se dizer que houve uma mudança considerável nos tipos de pena, tendo em vista que, anteriormente restrita à sanções corporais, passou a admitir o pagamento de certos valores como forma de resolver o conflito. Conforme acima relatado, alguns doutrinadores afirmam ter sido a composição a base para o surgimento tanto das indenizações cíveis quanto das multas penais, sanções atualmente previstas nos códigos brasileiros.

Em síntese, verifica-se que o período da vingança privada tinha como objetivo principal punir o agressor, revidando o mal por ele causado. Inicialmente, se deu de forma, muitas vezes, desproporcional, visto que não havia um senso de justiça nem uma base jurídica a serem seguidos, porém, em seguida, refletindo o desenvolvimento da humanidade, surgiram leis e códigos que forneciam algumas diretrizes a serem observadas, passando-se a adotar uma certa compatibilidade da sanção com o dano causado, não ficando mais a punição do agressor ao livre arbítrio da vítima.

1.2 Vingança Divina

Este período caracteriza-se pela presença de uma forte influência da Igreja, a qual surgiu como uma forma de oposição à prática individualista da vingança privada, também conhecida como vingança de sangue. A idéia central era a de que a repressão ao crime correspondia à satisfação dos Deuses.

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respectiva sanção teria, além do objetivo de punir o infrator, o de satisfazer a divindade insultada, vingando a ira do Deus que foi desrespeitado.

Acreditava-se que os delitos eram pecados e que, caso não fossem punidos, todos iriam sofrer as conseqüências da cólera divina, visto que os Deuses ficavam irados com a desobediência às suas regras. Muitas vezes, quando ocorria algum fenômeno da natureza que causasse prejuízo, como um período de seca, a população o considerava como uma resposta a algum crime cometido.

O período caracterizou-se, também, pela crueldade das penas, tendo em vista que quanto maior a importância da divindade agravada, mais atroz seria a punição. Dessa forma, a fase da vingança divina é considerada como aquela na qual apareceram as penas mais desumanas, as quais eram o reflexo do fanatismo religioso que reinava na época.

Os sacerdotes eram os responsáveis pela administração da justiça, como também pela aplicação das punições. Dessa forma, em virtude dessas características, o Direito Penal vigorante foi denominado Direito Penal Teocrático.

Um dos fatores que contribuiu para essa forte influência da igreja foi o fortalecimento do poder centralizado do Direito Germânico, o qual tinha como objetivo alcançar um caráter de poder público estatal, sendo, por isso, considerada a Igreja como forma de oposição à pratica individualista da vingança privada utilizada no início do domínio dos povos germânico, conforma acima mencionado.

Neste período, Estado e Igreja confundiam-se ao exercer o poder, tamanha a influência que esta exercia, porém houve uma evolução quanto à pena de prisão, a qual passou a ter duas finalidades, uma de punir, mantendo o infrator sob custódia, e outra de fazê-lo meditar e refletir, o que, como conseqüência, poderia levá-lo a se arrepender do delito praticado. Ressalte-se que foi nesta fase histórica que surgiu a pena de privação de liberdade, motivo pelo qual o cárcere era considerado como penitência e meditação, o que deu origem à palavra penitenciária.

Quanto a esta fase histórica, vale salientar os seguintes pensamentos de Canto:

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sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça. Aplicavam-se penas cruéis, severas, desumanas. A "vis corpolis" era usada como meio de intimidação. (...) No Antigo Oriente, pode-se afirmar que a confundia-se com o Direito, e, assim, os preceitos de cunho meramente religioso ou moral, tornavam-se leis em vigor. Legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel.6

A vingança divina foi adotada na legislação indiana, através do Código de Manu, na babilônica, por meio do Código de Hamurábi, na israelense, com o Pentateuco, na egípcia, através dos Cinco Livros, na chinesa, por meio dos Livros das Cinco Penas, além de muitas outras, sendo todas elas exemplos desta fase.

1.3 Vingança Pública

Subseqüente ao da vingança divina, este período surgiu a partir da perda, por parte da Igreja, da força e influência que possuía, o que ocorreu devido ao crescimento intelectual e organizacional da sociedade, a qual passou a questionar as regras impostas, levando ao nascimento do poder público e, conseqüentemente, da figura do comandante, do chefe de Estado.

Esta fase foi caracteriza pela grande insegurança jurídica que aterrorizava as populações. Deixando de lado o caráter teocrático das penas, a vingança pública baseia-se na proteção da coletividade, impondo, para isso, sanções oficiais, aprebaseia-sentadas pelo Estado, em nome do povo.

Porém, ao contrário do que muitos esperavam, referido período ficou marcado pela utilização abusiva do poder por parte do comandante do Estado, o qual definia, de acordo com a sua conveniência, quais condutas seriam consideradas criminosas.

Um marco deste período foi a histórica frase dita pelo rei francês Luís XIV, na qual afirma que “O Estado sou eu”, retratando perfeitamente o pensamento

predominante à época, quando o comandante poderia fazer o que bem entendesse visto

6 CANTO, Dilton Ávila. Regime Inicial de Cumprimento de Pena Reclusiva ao Reincidente.

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que não existia quem o controlasse, pois a igreja já não possuía mais força suficiente para se opor ao soberano.

Dessa forma, o que se via, muitas vezes, era a punição dos mais pobres e a absolvição dos mais ricos, tendo em vista que estes últimos geralmente possuíam uma maior proximidade com aquele que detinha o poder.

Sobre este período, seguem as palavras de Magalhães Noronha:

Roma não fugiu às imposições da vingança, através do talião e da composição, adotadas pela Lei das XII Tábuas. Teve também caráter religioso seu direito penal, no início, no período da realeza. Não tardaram muito, entretanto, a se separarem direito e religião, surgindo os crimina publica (perduellio, crime contra a segurança da cidade, e parricidium, primitivamente a morte do civis sui juris) e os delicta privara. A repressão destes era entregue à iniciativa do ofendido, cabendo ao Estado a daqueles. Mais tarde surgem os crimina extraordinaria, interpondo-se entre aquelas duas categorias e absorvendo diversas espécies ou figuras dos delicta privara. Finalmente, a pena se torna, em regra, pública.7

O período da vingança pública notabilizou-se também pela crueldade de suas penas, sendo muitas vezes o infrator torturado ou condenado à morte, não importando o crime que havia cometido. Os processos eram sigilosos, não sabendo o réu nem sequer qual era a imputação que lhe era feita, predominando o entendimento de que, caso inocente, o acusado não precisaria de defesa, se culpado, a ela não teria direito.

Tal fato decorria do já mencionado livre arbítrio do chefe de Estado, mostrando claramente a insegurança jurídica existente à época. A maior preocupação era a defesa do soberano e dos favorecidos, enquanto que as classes mais pobres sofriam com punições desumanas, processos sigilosos, meios inquisitoriais, tudo isso aliado a leis imprecisas, lacunosas e imperfeitas, o que favorecia o poder absoluto do comandante e ocasionava o desprezo dos direitos humanos.

Quanto à crueldade das penas, saliente-se o pensamento de Eduardo Lins e Silva:

7 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal – Volume 1 (Introdução e Parte Geral). São Paulo: Saraiva

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A pena de morte era uma sanção largamente difundida e aplicada por motivos que hoje são considerados insignificantes. Usava-se mutilar o condenado, confiscar seus bens e extrapolar a pena até os familiares do infrator. Embora a criatura humana vivesse aterrorizada nessa época, devido à falta de segurança jurídica, verifica-se avanço no fato de a pena não ser mais aplicada por terceiro, e sim pelo Estado. Tempo de desespero, noite de trevas para a humanidade, idade média do Direito Penal... Vai raiar o Sol do Humanismo.8

Contudo, esse período evoluiu para o qual se denominou de humanitário, que veio combater a repressão penal absolutista, refletindo a reação dos indivíduos ao cruel tratamento que estavam recebendo dos governantes.

1.4 Período Humanitário

No século XVIII, denominado “século das luzes”, ocorreram grandes modificações em diversas áreas do saber como as ciências, as artes, a filosofia, não tendo o Direito fugido à regra, participando também desta verdadeira revolução mundial do bem.

Este período foi iniciado com muitos protestos por parte da população, os povos não agüentavam mais tanta barbaridade, motivo que os levou a reagirem por meio de tais movimentos, os quais tinham como objetivo extinguir as penas cruéis e, muitas vezes, injustas que eram aplicadas aos infratores de forma arbitrária e desumana, e humanizá-las, para que fosse criada uma proporcionalidade entre delito e punição, sendo seus pensamentos contrários a qualquer tipo de injustiça.

Referido movimento, formado por juristas, magistrados, parlamentares, filósofos, e legisladores e técnicos do direito, defendia um exercício justo e moderado do direito de punir, o qual deveria ser praticado sem excessos, consistindo em uma verdadeira reação à barbárie.

Esta fase foi marcada por pensadores que contestavam os ideais absolutistas, tendo seu início durante o Iluminismo. Protestava-se por mudanças tanto das leis como

8 LINS E SILVA, Eduardo. A história da pena é a história de sua abolição. Revista Consulex, Ano V,

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também da maneira pela qual a justiça era gerida. O povo clamava pelo fim do barbarismo disfarçado.

Vários reformadores como Montesquieu, Voltaire, Rousseau e D’Alembert, por meio de suas teorias, fomentaram o surgimento do humanismo e da transformação liberal e humanista do Direito Penal. Tais filósofos baseavam-se numa ideologia moderna, a qual defendia a aplicação da justiça utilizando-se a razão no lugar da arbitrariedade e a fixação legal dos crimes e suas respectivas penas ao invés da determinação ao livre alvedrio do soberano.

Quanto ao referido movimento iluminista, segue raciocínio de Eduardo Lins e Silva:

Os pensadores iluministas, em geral, defendiam uma ampla reforma do ensino, criticavam duramente a intervenção do Estado na economia e achincalhavam a Igreja e os poderosos. Nem mesmo Deus escapou às discussões da época. O Deus iluminista, racional, era o "grande relojoeiro" nas palavras de Voltaire. Deus foi encarado como expressão máxima da razão, legislador do Universo, respeitador dos direitos universais do homem, da liberdade de pensar e se exprimir. Era também o criador da "lei", e lei no sentido expresso pelo filósofo iluminista Montesquieu: "relação necessária que decorre da natureza das coisas".9

Com o Iluminismo, o direito de punir, não mais cabendo ao comandante, passou a pertencer a toda a sociedade, representada pelo Estado. Essa mudança decorreu do interesse da classe burguesa, a qual queria diminuir o domínio do soberano de forma que pudesse passar a exercer o poder político.

Diante dessa nova realidade, as penas cruéis e desumanas deram lugar às privativas de liberdade, em virtude não apenas dos ideais dos filósofos iluministas, mas também do interesse da burguesia em mão-de-obra barata, a qual seria mais facilmente encontrada caso as penas de morte fossem extintas.

Um dos maiores expoentes deste período foi Cesare Bonessana, também conhecido como Marquês de Beccaria, o qual foi um grande filósofo, criado em família abastada, nascido em Milão no ano de 1738.

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Cesare Bonessana, aos 27 anos, publicou a obra “Dei Delitti e Delle Pene”,

que, posteriormente, foi chamada de “pequeno grande livro”, por ter se tornado o símbolo da reação liberal ao desumano sistema penal. Os princípios básicos pregados por Beccaria formaram o alicerce do Direito Penal moderno, tendo muitos desses princípios, até mesmo, sido adotados pela declaração dos Direitos do homem, da revolução Francesa. Segundo ele, deveria ser vedado ao magistrado aplicar penas não previstas em lei.10

Segundo Oliveira:

A lei seria obra exclusiva do legislador ordinário, que "representa toda a sociedade ligada por um contrato social". Quanto a crueldade das penas afirmava que era de todo inútil, odiosa e contrária à justiça. Sobre as prisões de seu tempo dizia que "eram a horrível mansão do desespero e da fome", faltando dentro delas a piedade e a humanidade. Não foi à toa que alguns autores o chamaram apóstolo do Direito: O jovem marquês de Beccaria revolucionou o Direito Penal e sua obra significou um largo passo na evolução do regime punitivo.11

Dessa forma, resta evidente a grande influência de Beccaria, tendo sua obra ocasionado uma verdadeira revolução no Direito Penal, o qual passou a utilizar uma concepção utilitarista da pena, ou seja, ela deveria produzir, além do castigo para o infrator, um benefício para todos, através de seu caráter preventivo.

Outro grande expoente desta fase foi John Howard, considerado o pai da ciência penitenciária. Para ele, a prisão deveria ter como objetivo a reabilitação do condenado, sendo o trabalho o principal meio para se atingir esse fim. Howard defendia ainda que os estabelecimentos penais deveriam possuir instalações adequadas a um tratamento digno do encarcerado.

Neste período de humanização da pena houve também a influência do Direito Natural. A Escola naturalista, de Hugo Grócio, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant, surgiu entre os séculos XVI e XVIII, tendo como pontos

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principais a natureza humana como fundamento do Direito, o estado de natureza como suposto racional para explicar a sociedade, o contrato social e os direitos naturais inatos. Referida Escola, de conteúdo humanitário e influenciada pela filosofia racionalista, concebeu o Direito Natural como eterno, imutável e universal.12

Enquanto que a Escola do Direito Natural teve uma certa duração, a corrente que se formou, ou seja, o jusnaturalismo prolongou-se até a atualidade. Romagnosi, um dos iniciadores da Escola Clássica, fundamentou sua obra, "Gênesis do Direito Penal", concebendo o Direito Penal como um direito natural, imutável e anterior às convenções humanas. Embora ainda sob uma pseudo-compreensão de alguns juristas, o Direito Natural tem sobrevivido e mostrado que não se trata de idéia metafísica ou princípio de fundo simplesmente religioso.13

Sendo assim, percebe-se claramente que o Direito Natural possuiu e ainda possui, atualmente através do jusnaturalismo, grande influência no Direito Penal, tendo muitos de seus princípios sido utilizados na luta pela criação de direitos fundamentais dos infratores, e, conseqüentemente, na humanização das penas.

Por fim, ressalte-se a contribuição da Escola Clássica para este período. Referida Escola teve como fundadores o italiano Gian Domenico Romagnosi, o inglês Jeremias Bentham e o alemão Anselmo Von Feuerbach.

No que diz respeito à finalidade da pena, a Escola Clássica possuía três teorias. A primeira, denominada de absoluta, entendia ser a pena uma condição para se alcançar a justiça. A segunda, chamada de relativa, defendia ter a pena uma finalidade preventiva. A terceira e última, intitulada de mista, como decorrência lógica do nome, adotava o posicionamento de que a pena teria, simultaneamente, o caráter de condição para se alcançar a justiça e uma finalidade preventiva.

Na mencionada Escola, destacaram-se dois grandes períodos: o filósofo ou teórico e o jurídico ou prático. No primeiro, ressalta-se a incontestável figura de Beccaria. Já no segundo, aparece o mestre de Pisa, Francisco Carrara, que se tornou o maior vulto da Escola Clássica. Carrara defende a concepção do delito como ente

12

OLIVEIRA, Eduardo. Direitos Humanos - A luta contra o arbítrio numa visão global. Revista Consulex, Ano V, nº 100 – 15 de maio/2001, p. 22. Brasília – DF.

13

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jurídico, constituído por duas forças: a física (movimento corpóreo e dano causado pelo crime) e a moral (vontade livre e consciente do delinqüente).14

1.5 Período Científico ou Criminológico

Iniciou com um movimento naturalista, no século XVIII, o qual pregava a supremacia da investigação experimental em oposição à indagação puramente racional. Numa época de franco domínio do pensamento positivista no campo da filosofia (Augusto Comte) e das teorias evolucionistas de Darwin e Lamark, das idéias de John Stuart e Spencer, surgiu a chamada Escola Positiva.15

Nesta fase, o Direito Penal passou a ser estudado de forma mais científica e metodológica. Os estudiosos, além de analisar a legislação, passaram também a criar definições e teorias jurídicas, sociais e antropológicas, objetivando visualizar de maneira abrangente o fenômeno criminal, como também descobrir as funções de cada instituto penal.

Neste diapasão, o criminoso, antes esquecido, passou a ser estudado, visando entender sua personalidade e seu modo de pensar, além de descobrir o que lhe motivou a cometer a infração.

De acordo com Eduardo Lins e Silva:

Foi César Lombroso, autor do livro L’uomo Delinquente, quem apontou os novos rumos do Direito Penal após o período humanitário, através do estudo do delinqüente e a explicação causal do delito. O ponto nuclear de seu pensamento é a consideração do delito como fenômeno biológico e o uso do método experimental para estudá-lo. Foi o criador da "Antropologia Criminal". A seu lado surgem Ferri, com a "Sociologia Criminal", e Garofalo, no campo jurídico, com sua obra "Criminologia", podendo os três serem considerados os fundadores da Escola positiva.16

14 LINS E SILVA, op. cit., p.15.

15

SÁ, Geraldo Ribeiro de. A Prisão dos Excluídos – origens e reflexões sobre a pena privativa de liberdade. Rio de Janeiro: Diadorin, 1996, p. 89.

16 LINS E SILVA,

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Considerado um dos maiores expoentes deste período, Lombroso entendia que os indivíduos que nascessem com determinadas características morfológicas e de personalidade deveriam ser considerados criminosos natos, tais como: zigomas salientes, possuir habilidade em ambas as mãos (ambidestro), possuir cabelos abundantes, ser vaidoso, preguiçoso etc. Baseado nessa teoria, Lombroso chegou até mesmo a criar uma classificação de criminosos.

Porém sua tese, que inicialmente impressionou, começou a perder espaço à medida que se descobriam casos de pessoas que possuíam as características ditas de criminosos, mas que nunca haviam cometido nenhum crime, e, por outro lado, de indivíduos que eram delinqüentes perigosos e, contudo, não apresentavam os respectivos sinais.

Mesmo assim, é inegável a importância de César Lombroso para a evolução do Direito Penal, visto que foi ele quem atentou para a necessidade de se estudar também o agente criminoso, sendo, por isso, considerado o criador da Antropologia Criminal.

Já Henrique Ferri, com sua obra “Sociologia Criminal”, defendia a existência de um trinômio causal do delito formado pelos fatores antropológicos, sociais e físicos. Dessa forma, segmentou os delinqüentes em cinco tipos: o nato, o louco, o habitual, o ocasional e o passional. Por fim, ainda separou a paixão em duas categorias: a social, como o amor, a caridade, a fraternidade, e a anti-social, como a inveja, a raiva, o rancor.

Finalmente, completando o trio dos considerados fundadores da Escola Positiva, temos Rafael Garofalo que, no campo jurídico, com sua obra “Criminologia”, notabilizou-se por ter sido o primeiro a usar a palavra “criminologia” para se referir às Ciências Criminais. Garofalo direcionava seus esforços para o estudo do crime, do infrator e da pena.

(27)

2 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS E AS ORDENAÇÕES PENAIS BRASILEIRAS

2.1 A Pena Privativa de Liberdade

Uma das mais utilizadas na atualidade, a pena de prisão originou-se juntamente com a sociedade, tendo sido, porém, apenas recentemente adotada como forma de sanção penal.

Na antiguidade, a pena privativa de liberdade não era utilizada como a punição propriamente dita, mas apenas como meio de se assegurar o cumprimento da sanção cominada aos delinqüentes. Posteriormente, as prisões foram criadas com o intuito de substituir as penas cruéis, porém, para tanto, a gravidade do delito seria levada em conta.

De acordo com Leal:

O declínio das penas corporais fez com que se buscasse uma alternativa penal, encontrada na privação da liberdade física do condenado, que fica sujeito ao isolamento do meio social (encarceramento), durante algum tempo ou perpetuamente, num estabelecimento penitenciário. A prisão transformou-se no núcleo do sistema punitivo estatal, a partir do final do século XVIII. 17

A pena de prisão foi inicialmente adotada nos mosteiros como forma de sanção aos monges ou clérigos que cometiam algum ato faltoso, determinando que fossem isolados para meditarem e, conseqüentemente, se arrependerem da falta cometida, fazendo as pazes com Deus.

Nesse diapasão, a religião teve um importante papel na adição à pena de uma função preventiva, além do já existente caráter punitivo, objetivando, dessa maneira, uma restauração tanto moral como espiritual do apenado.

A partir dessa situação foi que surgiu a idéia da criação da primeira prisão, a House of Correction, construída em Londres entre 1550 e 1552. As primeiras prisões caracterizavam-se pelo trabalho coletivo durante o dia, e pelo silêncio solitário no

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período noturno, sendo a classificação dos condenados baseada em seus respectivos delitos.

Porém, a utilização da prisão, no Direito, como pena propriamente dita iniciou-se na Holanda, a partir do século XVI, quando em 1595 foi construído Rasphuis de Amsterdã.

Para Canto:

As instituições penais originaram-se por exigência do próprio homem, pela necessidade de um ordenamento coercitivo que assegurasse a paz e a tranqüilidade em sua convivência com os demais seres humanos. Trata-se de uma imposição do próprio relacionamento inerente ao contrato social.18

A pena de prisão, atualmente, tem uma função dupla: a primeira, no sentido penal, consiste em servir de instrumento coercitivo estatal, decorrente da aplicação de uma sanção penal transitada em julgado; a segunda, no sentido processual, baseia-se na sua utilização como instrumento cautelar de que se vale o juiz no processo para impedir novos delitos pelo acusado, para aplicar a sanção penal ou para evitar a fuga do processado, além de outros motivos e circunstâncias ocorrentes em cada caso concreto.19

Além disso, ressalte-se também o fim ressocializador que deve ter referida pena, mas que na prática, em nosso país, não alcança êxito, visto que o seu objetivo, que é fazer com que, após o cumprimento da pena, o infrator tenha condições de voltar a viver em sociedade, afastando-o do mundo do crime, não é atingido. Como reflexo da ineficiência dos modelos adotados para sua efetivação e da precariedade existente no sistema carcerário de nosso país, o que se vê é um altíssimo índice de reincidência.

No Brasil, a primeira prisão data de 1551, localizada na Bahia, a qual possuía uma sala de audiência e uma câmara no andar superior, pois naquela época as prisões eram instaladas no térreo das câmaras municipais, fazendo parte do poder local. Referida prisão não era cercada, tendo os reclusos contato com o mundo exterior, visto que eram separados apenas por grades.

18 CANTO, op. cit., p. 12. 19 CANTO,

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Marcando o início da preocupação das autoridades com o estado das prisões, em 1821, um decreto foi firmado pelo príncipe regente D.Pedro declarando que: ninguém será “lançado” em “masmorra estreita, escura ou “infecta” porque “a prisão deve só servir para guardar as pessoas e nunca para as adoecer e flagelar”.20

Reforçando referida preocupação com as condições da prisão, a Constituição Imperial de 1824 determinava que as cadeias fossem seguras, limpas e bem arejadas, e que houvessem diversas casas para a separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes. Nessa Constituição, a pena de morte, na forca, ficou restrita aos casos de homicídios, latrocínios e insurreição de escravos, ao contrário do regime anterior, no qual mencionada pena estava prevista para mais de 70 infrações.21

Com a República desapareceram do cenário punitivo a forca e o galés, consistindo, este último, em trabalhos forçados em obras públicas. Com o novo Código, a prisão celular passou a ser a base do sistema de penas. Dessa forma, em 1920, foi inaugurada a penitenciária de São Paulo, no bairro do Carandiru, a qual foi saudada como um marco na evolução das prisões, sendo visitada por juristas e estudiosos do Brasil e do mundo, como sendo um “instituto de regeneração modelar”. 22

Em seguida, as autoridades, preocupadas com o problema da superlotação carcerária, reformaram parcialmente o Código Penal em 1977, ampliando os casos de sursis, instituindo a prisão albergue e estabelecendo os atuais regimes de cumprimento da pena de prisão (fechado, semi-aberto e aberto). Além disso, referido movimento se acentuou com mais uma reforma parcial em 1984, que, entre outras medidas, criou as penas alternativas. Porém, nas duas últimas décadas, com os crescentes índices de criminalidade, têm ocorrido retrocessos legislativos capazes de levar para prisões pessoas que, objetivamente, nelas não precisam estar.23

Por fim, saliente-se que a pena privativa de liberdade tornou-se a mais utilizada pelo Estado como forma de reprimir e prevenir o crime. Porém, referida punição tem sido alvo de diversas críticas feitas pelos doutrinadores do Direito Penal,

20 SALLA, Fernando. As Prisões em São Paulo: 1822-1940. São Paulo: Annablume, 1999, p. 43.

21 DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas Para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998, p. 52.

22 CARVALHO FILHO, Luiz Francisco. A prisão. São Paulo: Publifolha, 2002, p. 43. 23

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principalmente porque não cumpre com uma de suas principais finalidades que é a ressocialização do apenado.

2.2 Os Sistemas Penitenciários

Os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos, frutos da luta de muitos defensores das punições menos cruéis, o que proporcionou o surgimento de um sistema capaz de reunir os criminosos, objetivando não só a garantia ao recluso de uma aplicação justa da pena, como também a certeza para a sociedade da presença do Estado na aplicação das sanções.

Inicialmente, o preso, como se já não bastasse o seu afastamento do convívio social, era tratado de forma cruel e desumana, sendo, inclusive, muitas vezes obrigado a se submeter a situações prejudiciais à sua saúde, tendo, em algumas ocasiões, sua vida posta em risco.

Apenas por volta do século XVIII, com o surgimento da prisão-pena, é que começam a aparecer os sistemas penitenciários, os quais, por força de um movimento liderado por juristas e filósofos que defendiam a liberdade das pessoas e a dignidade do encarcerado, tinham como fundamento a razão e a humanidade.

Atualmente, no Brasil, a legislação prevê diversas formas de prisão, as quais se diferenciam de acordo com as características do crime, do delinqüente, além de outros pontos específicos de cada caso concreto. Porém, independentemente do crime ou da pessoa que o cometeu, a dignidade da pessoa humana deverá sempre ser respeitada, conforme o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, caso contrário, o princípio de Estado Democrático de Direito restaria desconsiderado.

(31)

Acompanhando a evolução dos sistemas penitenciários ao longo da história, examinaremos a seguir as principais características de cada um deles.

2.2.1 Sistema Panóptico

Dentre os mecanismos de vigilância do início do século XVII, podemos destacar o Panóptico, de Jeremy Bentham, que consiste em um método arquitetural criado para organizar a distribuição das pessoas em diversos estabelecimentos, nos quais, como forma de intimidação, seriam observadas e controladas. Sua origem resultou da necessidade de se controlar a peste que se propagava rapidamente àquela época, sendo necessário, para tanto, a invenção de um modelo eficaz de isolamento dos indivíduos doentes.

O Panóptico era uma casa de penitência formada por um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro, onde ficavam os inspetores. Referida torre era coberta por um material transparente que permitia aos vigilantes verem o que acontecia do lado de fora sem serem vistos.

O prédio principal dividia-se em pequenas celas separadas apenas por grades que davam tanto para o dentro quanto para fora da construção, deixando o interior dos cubículos totalmente à vista. Dessa forma, o olhar do vigilante alcançava todos os cantos da cela, não havendo nenhum ponto cego, o que, conseqüentemente, deixava exposto tudo o que o encarcerado fazia.

Sendo assim, pode-se concluir que o panoptismo é a tomada integral, por parte do poder disciplinador, da vida de um indivíduo. A pessoa passa a ser vigiada de uma maneira que não pode ver quem a está observando, nem saber quando está sendo monitorada. Segundo Foucault, a finalidade do Panóptico era:

Induzir no detido um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento autoritário do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente nos seus efeitos... que a perfeição do poder tenta tornar inútil a actualidade do seu exercício.24

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Para Bentham, qualquer tipo de sanção deve ser entendida como um espetáculo, sendo o seu efeito sobre quem é castigado menos importante do que as impressões daqueles que vêem o castigo ou que dele ficam sabendo. Dessa forma, deve-se utilizar o sistema Panóptico deve-sempre que deve-se dedeve-sejar impor uma tarefa ou um comportamento a uma multiplicidade de indivíduos.

Então, de acordo com Foucault, referido sistema permite aperfeiçoar o exercício do poder de várias maneiras, porque pode reduzir o número dos que o exercem, ao mesmo tempo em que multiplica o número daqueles sobre os quais é exercido. Sua força é nunca intervir, é se exercer espontaneamente e sem ruído, além de vigiar todas as dependências onde se quer manter o domínio e o controle. Mesmo quando não há realmente quem assista do outro lado, o controle é exercido, pois o importante é que as pessoas se encontrem presas numa situação de poder de que elas mesmas são as portadoras, sendo essencial que saibam estarem sendo vigiadas.25

2.2.2 Sistema Pensilvânico

O presente sistema, também chamado de sistema da Filadélfia, visto que essa é a maior cidade do estado americano da Pensilvânia, teve como principais influenciadores Benjamin Franklin e William Bradford.

Franklin, baseado nos pensamentos de Howard, destacou-se pela idéia da necessidade do isolamento do preso, o que veio a ser uma das mais relevantes características do sistema pensilvânico.

Uma das associações que mais influenciaram esse sistema foi a

Philadélphia Society for the Alleviating the Miseries of Public Prision, fundada em

1787. Foi referida associação que impulsionou as autoridades a iniciarem, em 1790, a organização de uma instituição que, baseada no isolamento do preso, na prática de orações e na total privação de bebidas alcoólicas, tivesse como objetivo dar uma nova vida aos condenados, recolocando-os no caminho certo.

Conforme Nucci:

25

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Essencialmente, o isolamento celular dos intervalos, a obrigação do silêncio, a meditação e a oração, nessa forma de pagar a pena, reduzia os gastos com vigilância. Mesmo tendo causado graves efeitos, o isolamento de presos ainda é uma forma de aplicabilidade de punição e controle penitenciário.26

Uma das principais críticas ao referido sistema penitenciário consiste no fato de que o isolamento total adotado equivalia a uma verdadeira tortura. Como conseqüência, os resultados de referida segregação foram catastróficos, gerando muitas vezes uma revolta do preso contra tudo e contra todos, alcançando um fim contrário ao da ressocialização do apenado, tendo em vista que, quando libertados, freqüentemente voltavam a delinqüir praticando crimes mais graves e cruéis.

Apesar de não merecer ser considerado como uma técnica de tratamento e reabilitação devido às suas conseqüências nefastas, o isolamento total continua sendo adotado como meio de controle penitenciário.

2.2.3 Sistema Auburniano

O sistema auburniano surgiu em Nova Yorque, em 1821, como decorrência da necessidade de se superar e corrigir os erros do sistema pensilvânico, e tinha o trabalho forçado do condenado e o silêncio absoluto como princípios básicos.

De acordo com Nucci:

O Sistema Alburniano considera o trabalho como agente transformador, de um ponto de vista idealista de reforma, encontrando muitos defensores, pois esse sistema vincula à atividade de labor, o ensino de ofício, com a reabilitação do apenado, considerando o trabalho como instrumento de tratamento do delinqüente.27

Foi o Capitão Elan Lynds um dos indivíduos que mais influenciaram a formação do sistema auburniano, tendo sido o diretor da prisão de Auburn a partir de 1821. Lynds caracterizava-se por ser um militarista rígido, que não acreditava na recuperação do apenado, preocupando-se, dessa forma, apenas em torná-los os mais

26NUCCI, Guilherme Souza. Individualização da pena. São Paulo, RT, 2005, p. 41. 27

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obedientes possíveis, com o fim de alcançar o máximo de segurança na prisão que dirigia.28

Diferentemente do sistema pensilvânico, no qual havia uma grande valorização das religiões, no auburniando prevaleciam motivações econômicas, sendo o interesse de ter o preso sob total domínio uma maneira de utilizá-lo como mão de obra e, ao mesmo tempo, garantir uma máxima segurança na penitenciária.

No sistema auburniano, os detentos não podiam falar entre si, somente com os vigilantes, em voz baixa e condicionado a uma prévia autorização. Já o trabalho forçado, apesar de na teoria ser possível tornar-se um agente transformador, na prática servia apenas para utilizar o preso em prol do sistema capitalista.

A ressocialização neste sistema era tratada como uma conseqüência do trabalho forçado, sendo muitas vezes deixada em segundo plano, visto que o objetivo principal era tornar o recluso em um elemento útil para o regime político-econômico.

Oliveira, analisando referida questão, afirma que enquanto que o sistema filadélfico objetivava a transformação do homem criminoso em bom e de alma pura através do arrependimento levado pela reflexão, o sistema auburniano pretendia condicionar o apenado pelo trabalho, disciplina e mutismo.29

2.2.4 Sistemas progressivos

Em meados do século XIX, simultaneamente com o fim dos sistemas auburniano e pensilvânico, a pena privativa de liberdade tornou-se a principal espécie de sanção criminal e os regimes progressivos surgiram com bastante força. Referidos regimes progressivos foram adotados definitivamente após a Primeira Guerra Mundial, primeiramente pela Europa.

Uma das primeiras mudanças foi na terminologia utilizada, trocando “sistema” por “regime”, pretendendo, dessa forma, adotar uma nomenclatura que

28 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 4. ed. São Paulo:

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melhor se adaptasse com a finalidade de tornar a pena mais eficaz e eficiente em seu aspecto curativo.

A idéia fundamental do regime progressivo fundamenta-se na divisão da pena em diversos períodos, os quais teriam sua duração definida com base na distribuição de privilégios e benefícios que o apenado conquistasse, de acordo com o seu comportamento, ou seja, com a sua boa conduta. Nesse regime foi criada a essência do livramento condicional, visto que era permitido ao apenado a sua reintegração social antes do término da pena, demonstrando o tratamento reformador existente.

a) Regime de Montesinos

Considerado o precursor do tratamento humanitário, Manuel Montesinos e Molina nasceu em São Roque, Campo de Gibraltar, em 1796. Sua obra destacou-se pela grande relevância que dava aos apenados, de modo que fossem tratados dignamente e possuíssem condições de alcançar uma ressocialização.

O regime em questão pregava um total respeito à dignidade do preso, baseando-se na idéia de que o objetivo principal de uma penitenciária deveria ser a transformação do condenado em um indivíduo capaz de viver em sociedade novamente. Para atingir tal fim, o regime de Montesinos defendia ser o trabalho o meio mais eficaz para alcançá-lo, ressaltando ainda que referido serviço deveria ser remunerado como forma de estimular os reclusos.

Porém, devido ao sucesso atingido pelo trabalho desenvolvido na prisão, com a fabricação de produtos de qualidade, muitos fabricantes, comerciantes e artesãos, que estavam perdendo mercado, começaram a reclamar, alegando que referido serviço não estava sujeito à onerosa carga de impostos existente.

Diante de tal situação, o governo viu-se obrigado a diminuir a qualidade dos trabalhos prisionais, o que levou as oficinas carcerárias ao descrédito novamente, dificultando diretamente a obtenção do fim ressocializador que tinha o serviço na prisão.

(36)

O regime progressivo inglês, também denominado de mark system (sistema

de vales), surgiu, em tese, no presídio de Valência, em 1834, o qual recebia os mais perigosos criminosos da Inglaterra.

Referido regime adotava um modo de determinar o tempo de pena que se baseava na soma do trabalho e da boa conduta do condenado. O resultado dessa soma era representado por marcas ou vales, sendo a quantidade dessas unidades de medida proporcional à gravidade do crime cometido. Dessa forma, pode-se perceber que somente após o início do cumprimento da pena é que a sua duração poderia ser determinada.

Sendo assim, para conseguir ser libertado, o preso deveria obter o número de vales ou marcas equivalente à referida soma. Diariamente, segundo a quantidade de trabalho produzido, creditava-se ao condenado uma ou várias marcas, deduzidos os suplementos de alimentação ou de outros fatores. Multas eram aplicadas em caso de má conduta, o que gerava descontos nos vales creditados. Somente o excedente dessas marcas, o remanescente desses “débitos-créditos”, seria a pena a ser cumprida.30

O regime progressivo inglês era composto por três fases. A primeira consistia no isolamento celular diurno e noturno, o qual tinha a finalidade de fazer com que o condenado refletisse sobre o crime que cometeu. A segunda baseava-se no trabalho em comum sob a regra do silêncio, onde, no período diurno, os apenados trabalhavam juntos e em silêncio e, no período noturno, eram segregados. Já a terceira e última fase era a da liberdade condicional, na qual o preso obtinha uma liberdade limitada, por um período de tempo determinado, devendo obedecer a certas condições para, ao final, caso tudo corresse bem, obter sua liberdade definitiva.31

c) Regime Progressivo Irlandês

Tendo por base o regime progressivo inglês, o irlandês diferenciou-se por dar uma maior importância à preparação do apenado para sua volta ao convívio social. Para atingir tal fim, foram criadas as chamadas “prisões intermediárias”.

30 BITENCOURT, op. cit., p. 99. 31

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Referidas prisões tinham como objetivo fornecer ao condenado um período intermediário entre as prisões e a liberdade condicional, funcionando como um meio de readaptar o preso à vida em liberdade.

De acordo com Canto, nesse regime ainda era adotado o:

Sistema de vales e preparação para a vida em liberdade. Os presos eram deslocados as prisões intermediárias, semelhante a um método progressivo de regime, sendo abolido o uso de uniformes. Por outro lado, foi admitido o trabalho no campo, com autorização para conversação, objetivando o fomento para o retorno à sociedade.32

O regime progressivo irlandês era composto de quatro períodos. O primeiro consistia numa reclusão celular diurna e noturna, sem comunicação e com uma alimentação reduzida. O segundo caracterizava-se por uma reclusão celular noturna e um trabalho diurno em comum, durante o qual o silêncio deveria ser absoluto. O terceiro era o período intermediário, que, conforme acima relatado, ocorria entre a prisão comum em local fechado e a liberdade condicional. Finalmente, o quarto período era o da liberdade condicional, no qual, à semelhança do regime inglês, o preso obtinha uma liberdade limitada, por um período de tempo determinado, devendo obedecer a certas condições para, ao final, caso tudo corresse bem, obter sua liberdade definitiva.33

Segundo Canto, o Brasil adotou este regime, excluindo o uso de marcas ou vales, mas acrescentando a observação, o trabalho com isolamento noturno, o regime semi-aberto ou colônia agrícola e a liberdade condicional.34

2.3 As Ordenações Penais Brasileiras

Nos primórdios da colonização, o sistema penal brasileiro estava contido nas ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Elas consagravam a desigualdade de classes perante o crime, devendo o juiz aplicar a pena de acordo com a gravidade do

32 CANTO, op. cit., p. 14. 33 BITENCOURT, op. cit., p. 101. 34 CANTO,

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caso e a qualidade da pessoa. Os nobres, em regra, eram punidos com multa, já aos peões ficavam reservados os castigos mais pesados e humilhantes.35

2.3.1 Ordenações Afonsinas

Ao tempo da descoberta do Brasil, em 1500, o regime jurídico que regia Portugal eram as Ordenações Afonsinas, as quais foram publicadas em 1446, durante o reinado de D. Afonso V, vigorando até 1521. Elas formaram uma espécie de coletânea ou código de leis e outras fontes jurídicas, reunindo toda a legislação em vigor naquela época. Sendo assim, foi este nosso primeiro ordenamento jurídico.

Referidas ordenações constituíram a primeira compilação oficial do direito do país, o que as colocou numa posição de destaque na história do direito português. Com a publicação das Ordenações Afonsinas, as leis tornaram-se uniformes para todo o país impedindo, desta forma, os abusos praticados pela nobreza no que respeita à sua interpretação, permitindo ao rei amplificar a sua política centralizadora.

No Brasil, as Ordenações Afonsinas não tiveram muita aplicação prática, servindo mais como um modelo para as ordenações posteriores, até porque logo começaram a vigorar as Ordenações Manuelinas.

2.3.2 Ordenações Manuelinas

As Ordenações Manuelinas continham as disposições do Direito Medieval, elaborado pelos práticos, e confundiam religião, moral e direito. Vigoraram no Brasil entre 1521 e 1603, ou seja, somente após o seu descobrimento, não chegando a ser verdadeiramente aplicadas porque a justiça era realizada pelos donatários.36

Então, apesar de formalmente estarem vigorando ao tempo das capitanias hereditárias, referidas ordenações não constituíam a fonte do direito aplicável no Brasil, visto que, na prática, prevalecia a vontade dos donatários, os quais determinavam as

35 TELES, Ney Moura. Direito Penal; Parte Geral – I. 1 ed. São Paulo: Editora de Dereito, 1999, p. 59. 36

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regras jurídicas que deveriam ser aplicadas, independentemente do disposto nas Ordenações Manuelinas.

Ficaram em vigor até 1603, quando foram substituídas pelas Ordenações Filipinas.

2.3.3 Ordenações Filipinas

Na época da União Ibérica, o rei da Espanha e Portugal, Filipe II, em 1603, editou as Ordenações Filipinas, as quais vieram a ser aplicadas efetivamente no Brasil, sob a administração direta do Reino, tendo vigência a partir de 1603 até 1830, quando da constituição do Código do Império.

A matéria penal estava contida no Livro 5, denominado o Famigerado. As penas fundavam-se na crueldade e no terror. Distinguiam-se pela dureza das punições. A pena de morte era aplicada com freqüência e sua execução realizava-se com peculiares características, como a morte pelo fogo até ser reduzido a pó e a morte cruel marcada por tormentos, mutilações, marca de fogo, açoites, penas infamantes, degredos e confiscações.37

Porém, segundo Canto:

Com o advento da independência, a Assembléia Constituinte de 1823 decretou a aplicação provisória da Legislação do Reino; continuaram, assim, a vigorar as Ordenações Filipinas, até que com a Constituição de 1824 foram revogadas parcialmente. Naquele mesmo ano de 1823 foram encarregados de elaborar um Código Penal os parlamentares José Clemente Pereira e Bernardo Pereira de Vasconcelos. Tendo cada um apresentado seu projeto, preferiu-se o de Bernardo, que sofreu alterações e veio a constituir o Código de 1830. Nele manteve-se, ainda, a pena de morte, que acabou sendo tacitamente revogada por D. Pedro II quando do episódio da execução de Mota Coqueiro, no Estado do Rio, que, acusado injustamente, depois de morto teve provada sua inocência.38

Por fim, ressalte-se que as Ordenações Filipinas foram o ordenamento jurídico penal que mais tempo vigorou no Brasil, tendo durado mais de dois séculos, de 1603 a 1830.

37Ibid., p. 59. 38 CANTO,

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3 AS FUNÇÕES DA PENA E A RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Neste capítulo, pretende-se apresentar as funções da pena, abordando as diversas teorias que foram criadas ao longo do tempo para explicá-las, partindo desde uma concepção retributiva da pena até uma preventiva.

Em seguida, será analisada a eficácia da ressocialização do apenado no sistema carcerário brasileiro, indicando os problemas e suas possíveis soluções.

3.1 As Funções da Pena

Desde o surgimento da Ciência Penal, o debate a respeito das funções da pena tem tido bastante relevância no cenário jurídico-penal. Referida discussão se dá porque, ao se debater sobre os fins das penas, abordam-se questões bem maiores, as quais influenciam o Direito Penal como um todo, além de temas polêmicos como a legitimidade da intervenção penal estatal.

Dessa forma, o problema da justificação da intervenção penal estatal acaba tendo uma grande relevância, visto que, atualmente, o Direito Penal, dentro do contexto de um Estado Social e Democrático de Direito, não pode mais ser entendido apenas como meio de resolução de conflitos e controle social, mas sim e principalmente, como forma de promoção da dignidade da pessoa humana.

Sendo assim, traçar-se-á uma breve descrição das teorias que objetivaram definir tais finalidades (teorias absolutas, relativas e mistas), contextualizando-as historicamente e indicando suas principais características.

3.1.1 Teorias Absolutas ou Retributivas

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Referidas teorias têm por fundamento a retribuição ou compensação do dano causado pela conduta criminosa. A partir de tais teorias, não se vislumbra qualquer outra finalidade da pena a não ser a de punir o delinqüente, lhe causando um prejuízo oriundo de sua própria conduta, sendo uma forma de conscientizar o apenado de que está sendo punido por ter desrespeitado as normas jurídicas e seus semelhantes.

Para essas teorias, a pena não é uma forma de ressocializar o condenado, muito menos de reparar o dano causado, não havendo que se falar em finalidade de dignificar o preso, mas sim, de punir e castigá-lo pela conduta contrária às normas que praticou.

Segundo Silva:

Pela teoria absoluta ou retributiva, a pena apresenta a característica de retribuição, de ameaça de um mal contra o autor de uma infração penal. A pena não tem outro propósito que não seja o de recompensar o mal com outro mal. Logo, objetivamente analisada, a pena na verdade não tem finalidade. É um fim em si mesma.39

A partir dos fundamentos acima demonstrados, fica claro que as teorias absolutas ou retributivas têm como único fim o de punir o condenado, retribuindo o mal por ele causado. Além disso, é utilizada também como uma forma de demonstrar o poder de punir do Estado, de forma que o criminoso entenda que sua pena é uma conseqüência de seu próprio ato criminoso. Sendo assim, a pena era considerada uma forma de fazer justiça, não havendo segundo tais teorias, qualquer outra finalidade senão punir o delinqüente.

Criticando tais teorias, Dias afirma que, como teoria dos fins da pena ela deve ser recusada porque o que se pretende é justamente o contrário, ou seja, a pena como entidade independente de fins. Além disso, clara se apresenta sua inadequação à legitimação, à fundamentação e ao sentido da intervenção penal, haja vista que um Estado Democrático, pluralista e laico não pode se arvorar numa entidade sancionadora do pecado e do vício, mas deve se limitar à proteção de bens jurídicos essenciais.40

39 SILVA, Haroldo Caetano da, Manual de Execução Penal, 2º edição, Ed. Bookseller, Campinas, 2002,

p. 35.

40 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Revista

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