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Unidade II. Unidade II

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Academic year: 2021

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Revisão: Janandréa - Diagr

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Unidade II

5 Valores, Moral e Ética 5.1 Valores

O ser humano, no seu dia a dia, constantemente faz escolhas, por exemplo: Qual roupa usar? Qual caminho percorrer até o centro comercial? Quais alimentos optar em um almoço por quilo? Assistir a um filme da mostra internacional ou a o filme nacional, que entrou em cartaz? São escolhas que muitas vezes se faz sem grandes dilemas. Outras escolhas podem demandar maior análise e reflexão, por exemplo: Que profissão devo escolher? Devo me casar agora ou esperar um pouco mais? Ou ainda: será que devo me casar? Como devo educar meus filhos? Devo aceitar uma proposta rentável, mas imoral? O fato é que o ser humano é um ser que faz escolhas, mesmo que seu leque de opções seja limitado. E qual a base para essas escolhas? São os valores que atribuímos às coisas.

No seu dia a dia e no seu contato com as coisas, os seres humanos fazem juízos de valor e juízos de realidade. Juízos de realidade são feitos quando constatamos as coisas existentes. Por exemplo, quando

afirmamos que esta apostila é do curso de Pedagogia ou quando se olha pela janela e afirmamos que parou de chover. Nesses casos, estamos fazendo constatações sobre o existente, estamos fazendo juízos de realidade. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos juízos de realidade, podemos também fazer juízos de valor. Por exemplo, podemos dizer que esta apostila, além de ser do curso de Pedagogia, ela é muito interessante. Podemos olhar pela janela é afirmar que parou de chover e acrescentar que a rua molhada ficou mais bela (ARANHA; MARTINS, 2005).

O ser humano, diante do existente, não fica indiferente, ele faz julgamentos, ele valora a realidade. E o que são valores? Valores são aquilo que valem, aquilo que se julga importante, aquilo que se dá

prioridade. Todos os seres humanos possuem uma escala de valores, mesmo que não se tenha refletido muito sobre ela. Geralmente, são considerados importantes valores como: saúde, amizade, felicidade, educação, bem‑estar, entre outros. Dessa forma, os valores orientam a ação, uma vez que a pessoa irá agir de acordo com os valores que julga mais importante. Assim, pode‑se afirmar que ser humano valora as coisas a sua volta e faz escolhas com base nesses valores.

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A reflexão sobre os problemas educacionais inevitavelmente nos levará à questão dos valores. Com efeito, se esses problemas trazem a necessidade de uma reformulação da ação, torna‑se necessário saber o que se visa com essa ação, ou seja, quais são os seus objetivos. E determinar os objetivos implica definir prioridades, decidir sobre o que é válido e o que não é válido. Além disso – todos concordam – a educação visa ao homem; na verdade, que sentido terá a educação se ela não estiver voltada para a promoção do homem? Uma visão histórica da educação mostra como esta esteve sempre preocupada em forma determinado tipo de homem. Os tipos variam de acordo com as diferentes exigências das diferentes épocas. Mas a preocupação com o homem, esta é uma constante (SAVIANI, 2000, p. 35).

Se educar pressupõe valores, a educação deve refletir sobre os valores herdados no meio social questionando se os mesmos estão a serviço do bem‑estar comum ou não.

5.2 Moral e ética

Como podemos definir o que é moral? E o que é ética? No dia a dia, muitas vezes, essas duas palavras são utilizadas como sinônimos. A palavra ética vem do grego êthos que significa costume, modo de ser; a palavra moral vem do latim mores que possui o mesmo significado. Embora ambas as palavras, do ponto de vista etimológico, tenham um sentido comum, na perspectiva filosófica possuem significados diferentes. Pode‑se definir a ética como uma reflexão filosófica sobre os fundamentos da moral. Já a moral, pode ser entendida como um conjunto de regras que visa a regular a vida social. Segundo explica Rios:

A ética se apresenta como uma reflexão crítica sobre a moralidade, sobre a dimensão moral do comportamento do homem. Cabe a ela, enquanto investigação que se dá no interior da filosofia, procurar ver [...] claro, fundo e largo os valores, problematizá‑los, buscar sua consistência. É nesse sentido que ela não se confunde com a moral. [...]

A moral, numa determinada sociedade, indica o comportamento que deve ser considerado bom e mau. A ética procura o fundamento do valor que norteia o comportamento, partindo da historicidade presente nos valores (RIOS, 2001, p. 24). Será que o ser humano já nasce moral? Se a moral esta ligada ao costume, ao hábito, pode‑se dizer que ninguém nasce moral. O ser humano nasce amoral, ou seja, sem nenhuma moral, mas aos poucos vai se apropriando da língua, dos costumes, da moral do seu grupo. Podemos, ainda, dizer que, enquanto a moral parte de um fato, que se torna norma e, portanto, se transforma em valor, a ética segue o caminho inverso. Ela parte um valor, que visa a virar norma, e, portanto, se transformar em fato. Segundo Marilena Chauí:

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agente ético é pensado como sujeito ético, isto é, como um ser racional e consciente que sabe o que faz, como um ser livre que decide e escolhe o que faz, e como um ser responsável que responde pelo que faz. A ação ética é balizada pelas ideias de bom e mau, justo e injusto, virtude e vício, isto é, por valores cujo conteúdo pode variar de uma sociedade para outra ou na história de uma mesma sociedade, mas que propõem sempre uma diferença intrínseca entre condutas, segundo o bem, o justo e o virtuoso. Assim, uma ação só será ética se for consciente, livre e responsável e só será virtuosa se for realizada em conformidade com o bom e o justo. A ação ética só é virtuosa se for livre e só será livre se for autônoma, isto é, se resultar de uma decisão interior ao próprio agente e não vier da obediência a uma ordem, a um comando ou a uma pressão externos. Enfim, a ação só é ética se realizar a natureza racional, livre e responsável do agente e se o agente respeitar a racionalidade, liberdade e responsabilidade dos outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é uma intersubjetividade. A ética não é um estoque de condutas e sim uma práxis que só existe pela e na ação dos sujeitos individuais e sociais, definidos por formas de sociabilidade instituídos pela ação humana em condições históricas determinadas (CHAUÍ, 1999).

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Sócrates é considerado o fundador da ética, uma vez que adotou como lema o imperativo délfico “conhece‑te a ti mesmo”, buscou incessantemente colocá‑lo em prática e, também, exortava seus concidadãos a fazerem o mesmo. Para Sócrates “uma vida sem exame não vale a pena viver”, ou seja, é necessário saber por que se age de tal forma e não de outra, já que o conhecimento do bem propicia o “agir bem”. Sócrates não se limitava a simplesmente seguir os costumes, mas buscava investigar quais eram seus fundamentos, buscava por conceitos universais. A fidelidade a sua missão, como se sabe, custou‑lhe a própria vida.

observação

Délfico: relativo ao oráculo, localizado na cidade de Delfos, que

profetizava em nome do deus Apolo.

Qual a relação entre a ética e a educação? A ética é fundamental para a educação. Se ser ético pressupõe agir de forma consciente, autônoma e responsável, então é desejável que as pessoas se relacionem de forma ética umas com as outras. Pode‑se afirmar que um dos objetivos da educação é formar o sujeito ético. E ser um sujeito ético implica em agir com consciência, responsabilidade e autonomia. O sujeito ético é livre e responsável. Mas, como propiciar que isso ocorra? Platão, em sua obra A República, relata o mito do anel encontrado pelo pastor Giges, que pode ser útil para refletir sobre essa questão, conforme segue abaixo:

“Platão e o anel de Giges”

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sem receio o que quisesse da ágora, introduzir‑se nas casas para se unir a quem lhe agradasse, matar uns, romper os grilhões a outros e fazer o que lhe aprouvesse, tornando‑se igual a um deus entre os homens. Agindo assim, nada o diferenciaria do mau: ambos tenderiam para o mesmo fim. E citar‑se‑ia isso como uma grande prova de que ninguém é justo por vontade própria, mas por obrigação, não sendo a justiça um bem individual, visto que aquele que se julga capaz de cometer a injustiça, comete‑a. Com efeito, todo homem pensa que a injustiça é individualmente mais proveitosa que a justiça, e pensa isto com razão, segundo os partidários desta doutrina. Pois, se alguém recebesse a permissão de que falei e jamais quisesse cometer a injustiça nem tocar no bem de outrem, pareceria o mais infeliz dos homens e o mais insensato àqueles que soubessem da sua conduta; em presença uns dos outros, elogiá‑lo‑iam, mas para se enganarem mutuamente e por causa do medo de se tomarem vítimas da injustiça. Eis o que eu tinha a dizer sobre este assunto (PLATÃO, 1997). Um dos objetivos da educação é a passagem da moral heterônoma para a moral autônoma. O que isso significa? Na moral heterônoma se age de determinada forma devido à pressão externa, como o medo do castigo, por exemplo. Já na moral autônoma o indivíduo se torna um sujeito ético, ou seja, se torna capaz de agir não apenas porque esta seguindo uma regra, mas porque refletiu sobre a mesma e esta consciente que deve seguir. Ou seja, mesmo que possuísse um anel, como o de Giges, um sujeito ético agiria de forma consciente e responsável.

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6 a Ética aristotÉlica e a questão do liVre arbítrio 6.1 a ética aristotélica

Aristóteles diz que toda ação humana tem por objetivo alguma finalidade, algum bem. Por exemplo, podemos estudar para nos formar e ter uma profissão. Podemos guardar algum dinheiro para fazer uma viagem nas férias. Podemos planejar uma alimentação mais saudável visando a manter uma boa saúde. Também podemos fazer uma poupança para comprar uma casa própria. Pode‑se dizer que há uma hierarquia de bens, ou seja, alguns são mais fundamentais do que outros. Mas qual seria o suprassumo do bem, será que há um bem final? Existe um fim último superior que condiciona todos os outros? Algo que é desejado por si mesmo sem estar condicionado a outro fim?

Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa desejamos com vistas em outra (porque, então, o processo se repetiria ao infinito, e inútil e vão seria o nosso desejar), evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem (ARISTÓTELES, 1973, p. 249).

Segundo Aristóteles, esse fim último é a felicidade. Dessa forma, segundo Valls, “[...] a ética aristotélica é finalista e eudemonista, quer dizer, marcada pelos fins que devem ser alcançados para que o homem atinja a felicidade (eudaimonia)” (VALLS, 1989, p. 29). A felicidade é o fim último que todo ser humano deseja. Mas, o que é a felicidade? A felicidade estaria nos prazeres sensuais? A felicidade se encontraria na glória? A felicidade seria atingida com o acúmulo de bens materiais, de riqueza? Segundo explica Valls,

Aristóteles não isola muito um bem supremo, pois ele sabe que o homem, como um ser complexo, não precisa apenas do melhor dos bens, mas sim de vários bens, de tipos diferentes, tais como amizade, saúde e até de alguma riqueza. Sem um certo conjunto de tais bens, não há felicidade humana. Mas é claro que há uma certa escala de bens, pois os bens são de várias classes e uns melhores do que os outros (VALLS, 1989, p. 30).

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Não será simplesmente o viver, pois os vegetais também vivem, se nutrem, crescem; nem será o sentir prazer e dor, pois estes sentimentos existem também nos animais; mas o pensar, que não existe nem nos vegetais nem nos animais, é exclusividade do homem. Portanto, a atividade racional, o exercício da mente é a finalidade específica do homem e nisto está a sua realização final, a sua felicidade. Portanto, a finalidade do homem é uma atividade racional, uma função da alma. (PEGORARO, 2006, p. 42)

Dessa forma, a atividade mais elevada do ser humano é sua atividade racional, seu pensar. Como o ser humano é sujeito às paixões, o intelecto deve exercer sob os instintos uma “administração inteligente”. O ser humano deve aprimorar suas virtudes intelectuais: a sabedoria e a prudência para fazer escolhas com discernimento e equilíbrio e desenvolver a prática de bons hábitos.

Chauí faz uma síntese dos grandes princípios éticos encontrados nos filósofos gregos. São eles:

1. por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela conduta virtuosa;

2. a virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e na conduta definida pela vontade guiada pela razão, pois cabe a esta última o controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na natureza de todo ser humano;

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6.2 santo agostinho e o livre arbítrio

Figura 16 – Santo Agostinho

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Agostinho e seu amigo Evódio, em que se discute sobre a questão do livre arbítrio, da liberdade e do pecado.

1. Ev. Se possível, explica‑me agora a razão pela qual Deus concedeu ao homem o livre‑arbítrio da vontade, já que, caso não o houvesse recebido, o homem certamente não teria podido pecar.

[...]

3. Ag. [...] Pois, se é verdade que o homem em si é bom, e que não poderia agir bem, a não ser querendo, seria preciso que gozasse de vontade livre, sem a qual não poderia proceder dessa maneira. Com efeito, não é pelo fato de uma pessoa poder se servir da vontade também para pecar, que é preciso supor que Deus no‑la tenha concedido nessa intenção. Há, pois, uma razão suficiente para ter sido dada, já que, sem ela, o homem não poderia viver retamente. Ora, que ela tenha sido concedida para esse fim pode‑se compreender logo, pela única consideração que se alguém se servir dela para pecar, recairão sobre ele os castigos da parte de Deus. Ora, seria isso uma injustiça, se a vontade livre fosse dada não somente para se viver retamente, mas igualmente para se pecar. Na verdade, como poderia ser castigado, com justiça, aquele que se servisse de sua vontade para o fim mesmo para o qual ela lhe fora dada?

Assim, quando Deus castiga o pecador, o que te parece que ele diz senão estas palavras: “Eu te castigo porque não usaste de tua vontade livre para aquilo a que eu a concedi a ti”? Isto é, para agires com retidão. Por outro lado, se o homem carecesse do livre‑arbítrio da vontade, como poderia existir esse bem, que consiste em manifestar a justiça, condenando os pecados e premiando as boas ações? Visto que a conduta desse homem não seria pecado nem boa ação, caso não fosse voluntária. Igualmente o castigo, como a recompensa, seria injusto, se o homem não fosse dotado de vontade livre. Ora, era preciso que a justiça estivesse presente no castigo e na recompensa, porque aí está um dos bens cuja fonte é Deus. Conclusão, era necessário que Deus desse ao homem vontade livre. (AGOSTINHO, 1997, p. 74)

[...]

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Tal defeito, porém, sendo voluntário, está posto sob nosso poder. Porque, se de fato o temeres, é preciso não o querer; e se não o quiseres, ele não existirá. Haverá, pois, segurança maior do que te encontrares em uma vida onde nada pode te acontecer quando não o queiras? Mas é verdade que o homem que cai por si mesmo não pode igualmente se reerguer por si mesmo, tão espontaneamente (AGOSTINHO, 1997, p. 142).

7 a Ética racional kantiana. os direitos huManos 3

7.1 a ética racional kantiana

Figura 17 – Immanuel Kant (1724‑1804)

Sabe‑se que uma das preocupações centrais de Kant foi com relação ao problema teórico, sua investigação sob as condições e possibilidades da produção do conhecimento. Donde resultou a chamada “inversão copernicana” kantiana. Este problema teórico apresentado está relacionado diretamente à outra preocupação fundamental para Kant: o problema prático, ou seja, a fundamentação de uma ética. Na verdade, Kant, ao discutir o problema teórico, já estava preocupado em subsidiar a fundamentação de uma ética. Para tanto, é necessário responder questões do tipo: “o que devo fazer?” e ainda “por que devo fazer desse modo e não de outro?” Segundo esclarece Porta,

3 O texto desse item foi extraído e adaptado de: FERNANDES, Vladimir. Reflexões sobre epistemologia e moral em

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Trata‑se, pois, em última instância, de fundamentar a objetividade do dever, isto é, sua universalidade e sua necessidade. Entretanto, como já sabemos, universalidade e necessidade não podem ser fundadas empiricamente (PORTA, 2002, p. 118).

Ou seja, a observação empírica pode nos informar a respeito de como as pessoas agem e se comportam, mas não pode dizer por que elas devem se comportar dessa forma. Assim, não é possível fundar universalidade e necessidade com base na experiência. “Logo, se é possível universalidade e necessidade na esfera da ética, ela só pode ser fundada de um modo não empírico, ou seja, a priori” (PORTA, 2002, p. 119). Dessa forma, a questão sobre um conhecimento a priori passa a ser central na discussão ética de Kant. Lembrando que conhecimento a priori é o conhecimento não empírico, é o conhecimento universal e necessário produzido pela razão. Assim, Kant busca uma fundamentação racional para ética.

No decorrer dos tempos, as respostas à pergunta “por que devo?” tiveram algumas variações, mas em geral apontava para um motivo externo as pessoas: Deus, tradição, a autoridade paterna etc.

Kant elabora uma resposta que segue outro caminho, ele diz:

[...] “devo” – porque sou um ser racional. Eu não preciso perguntar a ninguém o que devo nem por que devo, mas unicamente a mim mesmo enquanto ser racional. A fonte última do Dever não é outra coisa que a Razão; a moralidade é autolegislação de um ser racional. A Razão, enquanto razão prática, dita a sua própria lei. Ela não toma esta lei de nenhuma instância transcendente a ela, mas apenas de si mesma. A Razão é, pois, a verdadeira fonte da objetividade prática (PORTA, 2002, p. 121).

Porta esclarece que esta é apenas uma parte da resposta e, embora seja uma parte fundamental, ainda não está completa. Conforme foi exposto, as leis práticas, segundo Kant, tem como fonte a Razão, mas essas leis não são em si mesmas imperativas, elas não dizem: “faça isso” ou “tu deves”. Daí, como compreender que elas assumem uma forma imperativa na concepção de Kant, por exemplo, “tu deves”?

A resposta kantiana é, ao mesmo tempo, consequente e surpreendente: na realidade, eu não “devo” porque sou um ser racional, mas sim porque sendo racional, não sou um ser total ou exclusivamente racional, mas também sensível. (ou seja, submetido a impulsos e paixões). Um ser absolutamente racional seguiria a lei ética de modo espontâneo. Esta legalidade não seria para ele um ‘Dever’. Contudo, para um ser que não é absolutamente racional, ou seja, que eventualmente pode entrar em contradição com a Razão, à lei adquire o caráter de um imperativo (PORTA, 2002, p. 121).

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capacidade de agir segundo a representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade” (KANT, 1980, p. 123). Mas essa vontade pode ou não ser determinada exclusivamente pela razão. O ser humano não é um ser absolutamente racional, é um ser também sensível. A vontade não é perfeita, ela pode também ser influenciada por inclinações da sensibilidade. Se a vontade fosse pura, ela obedeceria à razão automaticamente, mas como não é, ela precisa ser constrangida pela razão. Daí que as leis da razão aparecem como mandamentos para a vontade.

Uma vontade divina ou santa, que é perfeitamente boa, se submete à razão sem sentir‑se obrigada. Daí que os imperativos não valem nesse caso. Se o ser humano agisse apenas pela razão, os mandamentos éticos seriam seguidos espontaneamente. Mas a vontade humana necessita dos imperativos para determinar sua vontade segundo leis da razão. Os imperativos são hipotéticos quando vinculam à determinada ação como necessária para se atingir determinado fim. E são categóricos quando ordenam ações necessárias em si mesmas, sem relação com quaisquer fins. Nas palavras de Kant:

No caso de a ação ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, o imperativo é hipotético; se a ação é representada como boa em si, por conseguinte, como necessária numa vontade em si conforme a razão como princípio dessa vontade, então o imperativo é categórico (KANT, 1980, p. 125).

Para se entender o pensamento ético de Kant, é importante compreender a relação fundamental que ele elabora entre liberdade e legalidade.

O ser livre não é aquele que age sem lei alguma, mas aquele que impõe a si mesmo sua própria lei. Em consequência, um ser livre é um ser racional e vice‑versa. A vontade é um modo de causalidade próprio dos seres racionais. A liberdade é uma propriedade da vontade. O que é livre, ou não, é à vontade. A vontade é livre quando se autodetermina. Uma vontade livre é uma vontade autônoma. Vontade livre e vontade submetida às leis morais são, para Kant, a mesma coisa. A lei moral não é outra coisa que a legalidade de uma vontade livre (PORTA, 2002, p. 122).

Daí que o agir moral implica em autodeterminar à vontade, em agir segundo a razão, o que significa seguir o imperativo: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, 1980, p. 129). O ponto central do imperativo kantiano é que se deve querer

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As coisas que existem no mundo possuem valores relativos, possuem valores para nós, já as pessoas

possuem um valor em si. “O homem, e, duma maneira geral, todo ser racional, existe como fim em si

mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade” (KANT, 1980, p. 135). Esse

valor em si é absoluto, daí que as pessoas não podem ser empregadas como meios para quaisquer

outros fins.

A existência dos imperativos categóricos depende de tomar as pessoas como fim em si mesmas, pois essa é a condição para existência de valores absolutos. Porque se as pessoas não possuírem um valor em si, nada mais possuirão. Dessa forma, temos a formulação de outro imperativo categórico kantiano: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio” (KANT, 1980, p. 135).

Este imperativo da humanidade como fim não deriva da experiência, ele é extraído da razão pura. Ele se aplica a todos os seres racionais, isso implica conceber a humanidade como fim objetivo, daí que todos os fins subjetivos devam ser limitados por esse fim objetivo mais amplo.

O ser humano é dotado de um valor intrínseco, que é a dignidade. As coisas que têm um preço permitem uma troca entre equivalentes, mas quando algo não permite uma troca de equivalentes, significa que ela está acima de qualquer preço, significa então, segundo Kant, que ela possui dignidade,

portanto é merecedora de respeito. O ser humano, além de dignidade, é um ser dotado de autonomia, um ser capaz de se guiar por uma vontade absolutamente boa. E o que significa isso?

É absolutamente boa a vontade que não pode ser má, portanto quando a sua máxima, ao transformar‑se em lei universal, se não pode nunca contradizer. A sua lei suprema é, pois, também este princípio: Age sempre segundo aquela máxima cuja universalidade como lei possas querer ao mesmo tempo [...] (KANT, 1980, p. 141).

A vontade é uma causalidade própria dos seres racionais. A liberdade da vontade é a autonomia. Daí que uma vontade livre é uma vontade que obedece às leis morais. Dessa forma, a autonomia da vontade pressupõe escolher máximas passíveis de universalização. O ser humano é livre não quando age sem lei, mas sim quando é capaz de agir seguindo as próprias leis que foram ordenadas pela sua própria razão. Daí que, na perspectiva kantiana, ser livre é ser racional, é agir segundo os mandamentos da razão. 7.2 os direitos humanos

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Segundo Bobbio (2000), as palavras contidas no início da Declaração Universal dos Direitos do Homem – “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” –, não eram novas quando foram proclamadas. A defesa da liberdade e da igualdade já aparecia nos jusnaturalistas, em Locke, na Declaração de independência dos estados americanos, de 1776 e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Mas o que é novo é o campo de validade que busca alcançar com suas disposições. Daí, que é possível falar, de um modo geral, de três grandes etapas da busca de consolidação dos direitos do homem.

Figura 18 – Deusa da Justiça (Diké)

Em uma primeira etapa, os direitos naturais ficam restritos ao plano ideal de uma teoria filosófica. É o caso da defesa feita pelos jusnaturalistas e por Locke. Em uma segunda etapa, os direitos naturais são inseridos em algumas constituições liberais e democráticas modernas. Daí, que esses direitos deixam de ser apenas ideais e tornam‑se direitos constitucionais e, dessa forma, ganham o apoio de uma jurisdição e a proteção do poder público. A terceira etapa ocorre quando a Assembleia Geral das Nações Unidas reconhece os direitos naturais e esses passam a fazer parte da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Dessa forma, passa a existir uma pretensão de proteção na esfera internacional, isto é, até contra o Estado em particular, quando esse faltar com seus compromissos.

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Mas essa possibilidade de as pessoas exigirem proteção internacional encontra‑se apenas no plano hipotético e ainda, em muitos países, seus cidadãos não conseguem contar nem com a proteção dos direitos assegurados pela própria constituição federal do seu país.

Em outro momento, Bobbio sugere uma quarta etapa na evolução dos direitos do homem, denominada por ele de “especificação dos direitos”, que surgiu nos últimos anos. Segundo ele, a expressão “direitos do homem” defendida pela Declaração Universal, já soa um tanto genérica. Assim, especificações ulteriores vão se fazendo necessárias conforme vão surgindo reivindicações que conseguem ganhar justificação, como por exemplo, em relação às mulheres, à infância, aos idosos, aos enfermos, aos deficientes entre outros.

Tal fato revela, por um lado, o desenvolvimento coerente da ideia de indivíduo dotado de direitos, que uma vez justificados, visa a ser assegurados. Por outro lado, explicita o caráter dinâmico dos direitos humanos, ou seja, que eles podem sempre ser aperfeiçoados ou mesmo revistos quando necessário.

Isso posto, cabe refletir sobre os meios para controle e efetivação desses direitos. No âmbito convencional, é possível contar com os mecanismos de aprovação ou desaprovação social das ações dos agentes. Na perspectiva do sociólogo Max Weber:

Todo sistema ético realmente válido sociologicamente, provavelmente fundamentar‑se‑á na convenção, ou seja, na probabilidade de desaprovação generalizada que se segue à sua violação. Entretanto, nem toda norma convencional ou legalmente sancionada reclama ser ética (WEBER, 2005, p. 61).

Por outro lado, supondo que os princípios defendidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem encontrem essa garantia convencional nas diferentes sociedades, seria suficiente? Os próprios fatos mostram que as regras de convenção são importantes, mas não suficientemente eficientes como garantia de aplicação, ainda mais nas modernas sociedades complexas.

A evidência da não punição, em geral, favorece o não cumprimento das leis. Platão, em sua obra A República (1997), oferece um exemplo significativo disso, ao contar a história de Giges e do seu anel que tem o poder de torná‑lo invisível (conforme visto no item 5.2). O relato que Platão faz de Giges e do uso do seu anel ilustra que a certeza da impunidade favorece para que não se pratique aquilo que é considerado justo ou mesmo legal. Para Glauco, interlocutor de Sócrates nessa passagem, todos praticariam a injustiça se perdessem o temor de qualquer punição. Mas, para Sócrates e Platão, o problema está relacionado à ausência de conhecimento do bem, uma vez que, para eles, ninguém praticaria o mal intencionalmente, se conhecesse verdadeiramente o bem, mesmo que possuísse um anel como o de Giges. Por outro lado, o problema aumenta quando se pensa no alerta de Kierkegaard: o homem pode conhecer o bem e optar pelo mal. Para ele, o agir bem não é uma decorrência necessária

do conhecer o bem, como para Sócrates e Platão. Para estes, o problema do mal estava ligado à

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Na verdade, seu enfoque está na liberdade, que não significa o mesmo que conhecimento, mas sim que diante de uma escolha o homem pode escolher entre alternativas.

Dessa forma, mesmo que os princípios defendidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem tenham uma garantia convencional, pautada apenas na aprovação ou desaprovação social, será necessário buscar por uma garantia legal, ou seja, no sentido weberiano, de possuir um aparato de controle e punição. Weber, ao falar, de um modo geral, do conceito de lei, defende que “[...] à lei internacional tem sido negada sempre a qualidade de lei precisamente porque carece de um agente de coerção supranacional superior” (WEBER, 2005, p. 59). Por outro lado, a ideia de um mecanismo supranacional, com poder coercitivo para controle dos direitos humanos, exige uma reflexão cuidadosa para que não haja riscos de se criar uma espécie de “leviatã mundial”.4

observação

Leviatã: 1 monstro marinho do caos primitivo, mencionado na Bíblia.

2 o Estado, como soberano absoluto e com poder sobre seus súditos que assim o autorizam através do pacto social. (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa).

Portanto, o grande desafio está em buscar meios para passar do plano ideal para o real. Nas palavras de Bobbio:

Que fique claro, uma coisa é a pretensão, mesmo que justificada com os melhores argumentos, outra coisa é a sua satisfação. À medida que as pretensões aumentam, a sua proteção torna‑se cada vez mais difícil. Os direitos sociais são mais difíceis de proteger do que os direitos de liberdade; a proteção internacional é mais difícil do que a proteção no interior do próprio Estado. Poderíamos multiplicar os exemplos do conflito entre o ideal e o real, entre as solenes declarações e a sua aplicação, entre a grandiosidade das promessas e a miséria das realizações. Já que interpretei a vastidão que assumiu atualmente o debate sobre os direitos do homem como um sinal de progresso moral da humanidade, seria oportuno repetir que esse crescimento moral deve ser medido não pelas palavras, mas pelos fatos. De boas intenções está pavimentado o caminho para o inferno. (BOBBIO, 2000, p. 483)

Assim, o fato de existir essa declaração deve possibilitar a busca pelos mecanismos que possibilitem o seu efetivo implemento, sem esquecer que há uma relação intrínseca entre direitos e deveres.

4 HOFFE, em A democracia no mundo de hoje, discute esta e outras questões relativas aos princípios de uma justiça

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Segundo Marina, em Crónicas de la ultramodernidade (2000), os direitos são construções sociais, mas não se pode esquecer que os deveres também o são e que a existência de um está condicionada a existência do outro. Para ele, é necessário recordar continuamente que os direitos não são algo dado naturalmente, mas que resultam do esforço da inteligência. Os direitos aumentam nosso poder de atuar. E de onde vem essa força? Justamente da comunidade que outorga reconhecimento para atuar. “Os direitos são realidades mancomunadas, como são a linguagem e os costumes” (MARINA, 2000, p. 237).

Dessa forma, se os direitos são construções da inteligência humana, não “há” direitos humanos, não “há” direitos por natureza que funcionariam independentes das ações humanas, como funcionam as leis da gravidade. Há uma construção dos direitos assim como há uma construção da ética. Marina explica que o que chama de ética:

[...] é o projeto de uma Constituição universal da espécie humana, cujo primeiro artigo diria: “Nós, os membros da espécie humana, nos constituímos como espécie dotada de dignidade.” E o que é a dignidade? A posse de direitos. Os direitos, que são poderes simbólicos, são mantidos existentes por um projeto mancomunado (MARINA, 2000, p. 239).

Marina utiliza a seguinte metáfora para expor a relação entre direitos e deveres: se os direitos são como aviões que necessitam ter o motor funcionando para poder voar, os deveres são o combustível desse avião. Todavia, salienta que há uma discrepância entre ambos: “[...] vivemos o meio dia dos direitos e o crepúsculo dos deveres” (MARINA, 2000, p. 241). Há uma ênfase muito forte na defesa dos direitos, mas pouco se fala dos deveres. Marina acredita que há um mal entendido nessa questão e expõe claramente a tese que irá defender: “O que chamamos crepúsculo do dever não é mais que o resultado de um ensinamento débil, paternalista, bem intencionado, mas vazio, dos direitos” (MARINA, 2000, p. 242). Daí que, para ele, é necessário recuperar a importância dos deveres. Mas, para não cair num discurso vazio, é imprescindível colocar as perguntas fundamentais, fazer uma genealogia dos deveres. Tal qual afirmou sobre os direitos – que não são algo natural – o mesmo acontece com os deveres.

As reflexões a seguir resultaram do convite que Marina recebeu para participar do Foro para a Declaração dos Deveres Humanos, promovidos pela UNESCO, em Valença.

observação

UNESCO: sigla de Organização das Nações Unidas para Educação,

Ciência e Cultura.

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implantação eficaz de todos os direitos humanos estão estreitamente vinculados às responsabilidades e deveres implícitos em tais direitos” (MARINA, 2000, p. 244). Daí que Marina questiona se a nova Declaração, que estava sendo discutida, seria apenas para explicitar o que já estava implícito em 1948. Para ele, as coisas não são tão simples assim, pois se trata de refletir sobre nossa situação real e propor uma mudança cultural. Marina questiona o que levou à tal situação problemática de apartamento entre os direitos e deveres: “Como foi produzida uma separação tão grande entre direitos e deveres, que se há considerado necessário fazer uma declaração solene dos ‘deveres’ implícitos nos ‘direitos’?” (MARINA, 2000, p. 244).

Há vários fatores. Marina expõe que nos trabalhos de elaboração das Declarações de 1789 e 1948, discutiu‑se a possibilidade de incluir também uma declaração dos deveres, mas que tal possibilidade não se efetivou. Por quê?

Muitos constituintes achavam que os direitos precediam os deveres do ponto de vista ontológico e, dessa forma, não queriam colocar os dois no mesmo plano, já que os deveres resultam de uma reflexão sobre os direitos. Outros pensavam que seria mais adequado pensar sobre os deveres em um trabalho posterior. Mas, segundo Marina, há outros motivos de menor alcance que, no entanto, foram fundamentais: o clero defendia a inclusão dos deveres; Pufendorf defendia a inclusão dos deveres que levasse em conta três divisões: em relação a Deus, em relação a nós mesmos, em relação aos outros homens.

Daí que havia uma desconfiança em estabelecer uma declaração dos deveres que ameaçasse as liberdades. Segundo Marina: “O rechaço de uma declaração dos deveres era, sobretudo, um movimento crítico que intentava conseguir uma completa reconstrução da sociedade” (MARINA, 2000, p. 247).

O tema dos deveres veio novamente à tona durante a elaboração da declaração de 1948. Marina chama a atenção para os artigos 1 e 29:

1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e de consciência e devem agir uns em relação aos outros com espírito de fraternidade.

29. O indivíduo tem deveres em relação à comunidade sem a qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é impossível (DUDH in BRANDÃO, 2001, p. 99 e p. 104, grifos nossos).

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Daí que, para Marina, se torna fundamental esclarecer de forma precisa o que vem a ser um dever. Para ele:

Um dever é uma obrigação. Um vínculo, uma legalidade que exige ou pede obrar de uma determinada maneira. A exigência – essa pressão para que o sujeito execute algo que depende de sua vontade – procede de uma ordem, de um compromisso ou de um projeto. Há, pois, de entrada, ao menos três tipos de deveres. Deveres de submissão. Deveres de compromisso. Deveres de projeto. (MARINA, 2000, p. 249)

Os deveres de submissão são aqueles decorrentes do cumprimento de uma ordem ou lei advinda de uma autoridade. Marina acredita que era em relação a este dever que havia um receio dos constituintes das declarações de 1789 e 1948.

Sobre os deveres de compromisso, afirma que são aqueles decorrentes de uma promessa, compromisso ou contrato. Aquele que promete, estabelece para aquele que a recebeu o direito de reivindicar o seu cumprimento. Esse tipo de contrato não depende de autoridade externa, já que o contratante é quem legisla sobre ele. Daí sua importância na história da humanidade, uma vez que implica a capacidade de assumir e cumprir compromissos.

Sobre o terceiro tipo de deveres “[...] o que chamamos de deveres construtivos ou deveres derivados de um projeto. Não são nem de submissão à autoridade, nem de contrato, senão que dependem de uma meta elegida” (MARINA, 2000, p. 251). Todas as atividades criadoras possuem deveres derivados de um projeto, ou seja, se tenho um projeto, tenho necessariamente metas a serem alcançadas, daí que devo

fazer coisas necessárias para alcançá‑las.

Todas as atividades criadoras [...] são o desenvolvimento de uma liberdade que se submete aos deveres de seu projeto. Neste caso convém deixar claro que a eleição de um fim implica, inevitavelmente, a aceitação dos meios para chegar ao fim (MARINA, 2000, p. 251).

Se os direitos são uma atividade criadora e são também projetos, então, implicam em deveres para o seu fim. Por outro lado, se se considera que os direitos são algo dado de forma natural, que já nascemos com eles então não é necessário fazer nada, apenas reivindicá‑los.

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8 a perspectiVa Ética de nietzsche, Weber e haberMas

8.1 nietzsche e a genealogia da moral5

Figura 19 – Friedrich Wilhelm Nietzsche

Quando consultamos um dicionário qualquer de vernáculo em busca do significado de bom e de mau, encontramos as seguintes definições:

Bom.(do lat. bonu) adj. 1. Que tem todas as qualidades adequadas a sua natureza e função. 2. Benévolo, bondoso, benigno. 3. Misericordioso, caritativo. 4. Rigoroso no cumprimento de suas obrigações (Dicionário Aurélio Eletrônico).

Mau.(do lat. malu.) adj. 1. Que causa mal, prejuízo ou moléstia. 2. Malfeito; imperfeito, irregular. 3. De má qualidade; inferior. 4. Nefasto, funesto. 5. V. malvado (1): pessoa má. 6. Fam. Traquina(s), travesso (Dicionário Aurélio Eletrônico).

5 O texto desse item foi extraído e adaptado de: FERNANDES, Vladimir. Reflexões sobre epistemologia e moral em

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Na verdade, antes mesmos de consultarmos um dicionário, “já sabemos” de antemão o significado de bom e de mau. Quando nascemos, ingressamos num mundo já constituído e somos educados desde a mais tenra idade como devemos nos comportar, falar, agir pensar, o que é certo e o que é errado. Se agirmos em conformidade com a moral vigente seremos considerados bons, bondosos, benignos e, se agimos ao contrário, seremos considerados maus, malvados, causadores de temores etc.

O pensamento de Nietzsche vem para abalar nossas certezas nos significados desses valores. Para este filósofo, é necessário rever como estes valores foram estabelecidos para descobrir qual o seu verdadeiro valor.

A investigação de nietzschiana sobre a moral segue um caminho diferente de Kant. Em sua obra Para genealogia da Moral, Friedrich Wilhelm Nietzsche (1983), se propõe a investigar qual a genealogia dos valores bom e mau, isto é, qual a origem desses valores e qual o valor que eles têm. Conforme interroga no prefácio da referida obra: “... sob que condições inventou‑se o homem aqueles juízos de valor, bom e mau? e que valor têm eles mesmos?” (NIETZSCHE, 1983, p. 298).

Para Nietzsche, é necessário examinar como estes valores foram fundamentados para descobrir qual o seu verdadeiro valor, qual o seu valor de origem.

Segundo o filósofo, os historiadores da moral explicam, em sua genealogia, que a origem do conceito “bom” esta relacionado às ações não egoístas, consideradas boas para aqueles a quem eram úteis. Depois, pelo costume do uso, de tanto serem consideradas boas, passaram por esquecer

a origem dessa atribuição e as ações altruísticas foram tomadas como boas em si mesmas. Para Nietzsche, nesses historiadores da moral falta o espírito histórico, pois tiram esse conceito de onde não existe.

Nietzsche expõe que o juízo “bom” foi cunhado pelos próprios “bons” que se intitularam como tal. Não tem origem no bondoso, no benigno, mas sim nos nobres e poderosos, que são os capazes de criar valores e selar cada coisa com um nome.

[...] o juízo “bom” não provém daqueles a quem foi demonstrada “bondade”! Foram antes “os bons”, eles próprios, isto é, os nobres, poderosos, mais altamente situados e de altos sentimentos, que sentiram e puseram a si mesmos e ao seu próprio fazer como bons, ou seja, de primeira ordem, por oposição a tudo o que é inferior, de sentimentos inferiores, comum e plebeu (NIETZSCHE, 1983, p. 299).

Os “superiores”, os “bons”, do distanciamento que se encontravam dos “inferiores” tomaram para si o direito de criar valores, sem se preocupar com a utilidade dos mesmos.

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“vulgar”, “plebeu”, “baixo”, transforma‑se na ideia de “mau”. Destaca que, nas raízes da palavra “bom”, está à matriz de homens superiores e que, em contraposição, “mau” designa os simples, comum, “ruim”, baixo.

A moral de senhores é a moral dos nobres, dos fortes, dos poderosos, e a moral de escravos é a moral dos fracos, a moral de rebanho, dos ressentidos. “Dessa perspectiva, bom é quem extravasa a própria força e ruim quem é rancoroso; bom é quem não hesita de pôr‑se à prova, de enfrentar o perigo, querer a luta, e ruim quem não é digno de participar dela” (MARTON, 1993, p.52). Mas acontece que: “‘Os senhores’ foram abolidos; a moral do homem comum venceu” (NIETZSCHE, 1983, p. 300). Para Nietzsche, este fato tem como base o judaísmo e o cristianismo, que inverteram os verdadeiros valores e criaram uma rebelião dos “escravos da moral”.

O levante dos escravos da moral começa quando o ressentimento mesmo se torna criador e pare valores: o ressentimento de seres tais, aos quais está vedada a reação propriamente dita, o ato, e que somente por uma vingança imaginária ficam quites (NIETZSCHE, 1983, p. 301).

A moral dos nobres tem na sua origem uma autoafirmação, um dizer sim a si mesmo. Suas forças são ativas, são dominantes e superiores. Segundo Gilles Deleuze (2001), na sua obra Nietzsche e a Filosofia, “apropriar‑se, apoderar‑se, subjugar, dominar são as características da força ativa” (Deleuze, 2001, p. 66). Já a moral dos fracos, dos ressentidos, se origina de uma negação. Como eles não podem se igualar e combater os mais fortes, os nobres, designam estes por maus e por contraposição se autodesignam por “bons”. Veem na força e na potência dos senhores um mau, um perigo a ser combatido. O ressentido caracteriza‑se pela não ação, por um estado em que as forças reativas predominam sobre as forças ativas. É aquele que não esquece e também não exterioriza a sua ação. Impossibilitado de vencer os fortes inverte então os valores

Incapaz de admirar o forte, o ressentido imputa‑lhe justamente o erro de ser forte. Reúne fatos e testemunhas para montar sua peça de acusação, cujo objetivo último é o de introduzir no âmago do forte o vírus corrosivo da culpa (MARTON, 1993, p. 55).

Já no homem nobre, quando surge o ressentimento, este não o “envenena”, visto que o homem nobre age de imediato, exteriorizando sua vontade numa ação, não fica dissimulando e se escondendo como o fraco e, assim sendo, tem na ação o próprio “antídoto” contra o ressentimento.

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para os fracos. Querem uma democracia. Daí as críticas de Nietzsche à democracia e ao cristianismo. Segundo Eugen Fink:

[...] es para Nietzsche la Revolución Francesa, el triunfo de todos los mediocres, el nacimiento de las ideas modernas. Sólo en Napoleón vuelve a aparecer, en medio de la rebelión desenfrenada de la plebe, el gran hombre, el hombre noble [...]. El cristianismo es para él sólo la aparición más poderosa de algo más general: el cristianismo es moral de esclavos (FINK, 1966, p. 189).

As críticas de Nietzsche à democracia e ao cristianismo estão de acordo com as ideias defendidas pelo filósofo até então. Pois se, segundo ele, não há uma igualdade natural entre os homens, se o livre arbítrio é apenas uma invenção linguística, então a ideia de igualdade, qualquer que seja ela, democrática, cristã ou outra, contraria a ideia da correlação de forças ativas e reativas entre senhores e escravos.

Segundo Nietzsche, é natural que a força se manifeste enquanto tal, isto é, dominando e subjugando. A força, para Nietzsche, não esta isolada, mas esta sempre relacionada à outra força. Conforme explica Deleuze:

O conceito de força é, portanto, em Nietzsche, o de uma força que se relaciona com outra força: sob este aspecto, a força chama‑se uma vontade. À vontade (vontade de poder) é o elemento diferencial da força (DELEUZE, 2001, p. 13).

E esse elemento diferencial é a vontade que se exerce não sobre um elemento material, mas sobre outra vontade. Força e vontade estão juntas, mas não são a mesma coisa. “A força é quem pode, a vontade é quem quer” (DELEUZE, 2001, p. 78). As forças, de acordo com sua qualidade, podem ser ativas ou reativas e em ambas existe a vontade de poder. A vontade de poder nos senhores é afirmativa e sua força ativa. Nos escravos, sua vontade de poder é negativa e sua força reativa. Assim, para Nietzsche:

Exigir à força que não se manifeste como tal, que não seja uma vontade de dominar uma rede de inimigos, de resistência e de combate, é tão insensato como exigir à fraqueza que se manifeste como força (NIETZSCHE, 1992, p. 35).

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recupere as suas forças vitais e diga sim à vida. Para ele, deve‑se viver a vida como ela é, ou seja, com seus altos e baixos sem buscar um motivo transcendente para os acontecimentos. Propõe também que se resgate o elemento dionisíaco que ficou obscurecido pelo elemento apolíneo. Na mitologia grega, Apolo é o deus solar, que representa a razão, o equilíbrio, a medida e, de certa forma, se opõe ao deus Dionísio, deus do vinho, que representa o êxtase, a embriaguez, a exuberância. Mas esses dois deuses não são excludentes, pelo contrário, deve existir um diálogo entre ambos. Sousa (2009) faz pertinentes considerações sobre a filosofia dionisíaca de Nietzsche e a formação do educando:

[...] Uma boa educação é aquela em que “Apolo” conversa com “Dionísio”, é aquela que tem no dionisíaco sua “formação geral”, visto que a vida é movimento, porém sem esquecer que, nesse movimento, a plasticidade se faz presente, contudo não para “engessar” a vida, e sim para colocá‑la frente ao desafio de ser bem vivenciada em cada instante. Nesse viés, cada instante vital é um instante em que está presente a vida em plena força, visto que aí se encontra um plus de movimento.

É com disciplina para ser um criador, e também destruir tábuas de valores que não correspondem à vida enquanto mais vida, que professor e aluno podem vir a ser o que devem ser: autênticos em sua formação, tipos elevados de homens. [...] Tornar‑se que se é (subtítulo de Ecce homo)... eis o projeto maior que uma educação deve proporcionar ao seu educando. Não ter “pena” de si mesmo, ser duro consigo mesmo para não virar mercadoria, para não ser rebanho, para não ser “massa” (Sousa, 2009, p.78).

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Figura 21 ‑ Estátua de Dionísio. Museu do Vaticano

O poeta Píndaro da antiguidade sentenciou: “homem, torna‑te o que és”, também para Nietzsche cada um deve buscar tornar‑se que se é, ou seja, é necessário cada um buscar dentro de si o autoconhecimento para viver com intensidade e autenticidade o constante devir da existência.

8.2 Weber: ética da convicção e ética da responsabilidade6

Figura 22 – Max Weber

6 O texto desse item foi extraído de: FERNANDES, Vladimir. Filosofia, ética e educação na perspectiva de Ernst

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Max Weber, no início do século XX, busca desenvolver uma ética que leve em conta suas possíveis consequências práticas, principalmente na esfera política. Este sociólogo, logo após a I Guerra Mundial e após sua participação na comissão alemã que firmou o tratado de paz de Versalhes, passou a ser questionado no meio acadêmico, por ter participado de um tratado tão desfavorável e vexatório para a Alemanha (cf. COMPARATO, 2006). No seu texto “A política como vocação” (1919), ele aborda sobre a questão dos meios e fins na esfera ética. Para Weber, há dois tipos distintos de ética: a ética de convicção e a ética de responsabilidade. Weber critica uma ética como a de convicção, por se pautar no puro axioma ético sem levar em conta as possíveis consequências práticas.

[...] toda a atividade orientada segundo a ética pode ser subordinada a duas máximas inteiramente diversas e irredutivelmente opostas. Pode orientar‑se segundo a ética da responsabilidade ou segundo a ética da convicção. Isso não quer dizer que a ética da convicção equivalha à ausência de responsabilidade e a ética da responsabilidade, à ausência de convicção. Não se trata disso, evidentemente. Não obstante, há oposição profunda entre a atitude de quem se conforma as máximas da ética da convicção – diríamos, em linguagem religiosa, “O cristão cumpre seu dever e, quanto aos resultados da ação, confia em Deus” – e a atitude de quem se orienta pela ética da responsabilidade, que diz: “Devemos responder pelas previsíveis consequências de nossos atos” (WEBER, 2004, p. 113).

Na ética da convicção, toda ação é alimentada na convicção aos princípios valorativos fundamentais da própria crença. Ou seja, o adepto age segundo sua convicção moral que é boa e, portanto, justifica as ações necessárias para a consecução de um fim, e quando os fins se mostram catastróficos, o adepto não se julga responsável por tal resultado. Uma vez que fez sua parte, agindo por convicção, se o resultado não foi o esperado, esse pode ser atribuído à vontade divina, à incompreensão humana, à decadência do mundo etc. Sua única responsabilidade é manter acesa a chama da convicção para que ela não se extinga.

Os partidários da ética da convicção, teoricamente condenam o uso de meios violentos ou perigosos. Mas, segundo Weber, isso só ocorre no plano teórico, já que na ação prática, sempre se recorre a esses meios para justificar que se alcance a paz ou um mundo melhor. Por exemplo, quando um ataque violento é justificado como necessário para instaurar a paz. Ou quando a igreja lançou mão das práticas da inquisição para purificar os infiéis e produzir um mundo melhor. As guerras santas das diferentes religiões sempre se apoiaram na defesa da fé legitima e com isso justificavam suas ações violentas.

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Já os adeptos da ética da responsabilidade, segundo Weber, contam em suas ações com as fraquezas e contradições humanas e sabem que não podem lavar as mãos às possíveis consequências dos seus atos. Para Weber, na esfera política, deveria imperar a “ética da responsabilidade” e, segundo ele, as três qualidades fundamentais para o homem político são: a paixão, o sentimento de responsabilidade e o senso de proporção. “Paixão no sentido de ‘propósito a realizar’, isto é, devoção apaixonada a uma ‘causa’, ao deus ou ao demônio que a inspira” (WEBER, 2004, p. 106). Dessa forma, a paixão não deve ser entendida como uma forma de agir puramente subjetiva e vazia. Para ele, essa paixão a serviço de uma causa não pode estar desconectada de um sentimento de responsabilidade, que funciona como a estrela guia da ação. A essas duas qualidades deve‑se unir o senso de proporção, ou seja, o chefe político “[...] deve possuir a faculdade de permitir que os fatos ajam sobre si no recolhimento e na calma interior do espírito, sabendo, por consequência, manter à distância os homens e as coisas” (WEBER, 2004, p. 106).

Essa é a grande dificuldade para o chefe político: saber unir a ardente paixão ao frio senso de proporção. É necessário, ao mesmo tempo, possuir a paixão por uma causa e a capacidade de recolhimento para tomar as melhores decisões.

Weber atesta que um inimigo muito comum e humano a ser enfrentado pelo político é a vaidade. Que embora seja um tanto frequente, no meio intelectual e acadêmico, quando ocorre com o cientista, apesar de causar antipatia, não chega a atrapalhar a própria produção científica. No caso do político, a vaidade é uma inimiga mortal já que ela joga contra a responsabilidade, contra a devoção a uma causa. Para Weber:

Em verdade e em última análise, existem apenas duas espécies de pecado mortal em política: não defender causa alguma e não ter sentimento de responsabilidade – duas coisas que, repetidamente, embora não necessariamente, são idênticas. A vaidade ou, em outras palavras, a necessidade de se colocar pessoalmente, da maneira mais clara possível, em primeiro plano, induz frequentemente o homem político à tentação de cometer um ou outro desses pecados ou os dois simultaneamente (WEBER, 2004, p. 107).

O poder é um instrumento necessário para a ação política, mas acontece que, frequentemente, ele passa de um meio para um fim em si mesmo. O desejo de poder pelo poder – pelas benesses do poder – sem se colocar a serviço de uma causa e sem responsabilidade pelas ações, transforma o poder em apenas uma caricatura vazia e nefasta.

Weber propõe‑se a investigar o problema da relação entre ética e política.

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7 O texto desse item foi extraído de: FERNANDES, Vladimir. Filosofia, ética e educação na perspectiva de Ernst

Cassirer. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação. Universidade de São Paulo, São Paulo, capítulo 4.

A ação política, muitas vezes, recorre à violência para a consecução de seus objetivos. As justificativas para o uso de meios violentos são colocadas nos fins nobres a serem alcançados. Esse argumento é

usado tanto por bolchevistas quanto pelos nazistas.

Na esfera política, a violência está intrinsecamente relacionada à sua forma de atuação, já que o Estado é o detentor da violência legal e por vezes lança mão dessa violência. Segundo Weber:

A originalidade própria dos problemas éticos no campo da política reside, pois, em sua relação com o instrumento específico da violência legítima, instrumento de que dispõem os agrupamentos humanos (WEBER, 2004, p. 118).

O chefe não é senhor absoluto dos resultados de sua atividade, devendo curvar‑se também às exigências de seus partidários, exigências que pode ser moralmente baixas (WEBER, 2004, p. 119).

Aquele que se dedica à política deve estar consciente desses paradoxos éticos e deve ser responsável pelos desencadeamentos que possam ocorrer em virtude desses paradoxos.

Está análise não esgota, entretanto, a matéria. A nenhuma ética é dado ignorar o seguinte ponto: para alcançar fins “bons”, vemo‑nos, com frequência, compelidos a recorrer, de uma parte, a meios desonestos ou, pelo menos, perigosos, e compelidos, de outra parte, a contar com a possibilidade e mesmo a eventualidade de consequências desagradáveis. E nenhuma ética pode dizer‑nos a que momento e em que medida um fim moralmente bom justifica os meios e as consequências moralmente perigosos (WEBER, 2004, p. 114).

Weber não discutiu exaustivamente, nem respondeu de forma plena essas questões. Ele enfatiza as dificuldades da relação entre ética e política e defende a ética da responsabilidade como uma forma de os governantes não lavarem as mãos às consequências desencadeadas por seus atos, ou dito de outra forma, assumirem a responsabilidade por suas ações, mesmo quando desencadeiam fatos não previstos.

8.3 habermas e a ética discursiva7

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Figura 23 – Silhuetas de pessoas (sombras)

As fórmulas do imperativo categórico de Kant concebem uma comunidade de seres racionais num reino de fins. Daí que, na perspectiva de Habermas, a razão prática kantiana só pode ser comunicativa, já que pressupõe a intersubjetividade de seres racionais.

A ética discursiva de Habermas é uma tentativa de reconstrução da ética kantiana, buscando superar aquilo que ele concebe como problemático nesta. A principal crítica de Habermas refere‑se ao caráter solitário e isolado da ética kantiana, já que as máximas universalizáveis resultam de um monólogo de foro íntimo. Para Habermas, esse critério não é seguro. Daí a proposta de Habermas de que o imperativo deve ser reconstruído em termos discursivos, ou seja, a validação das normas a partir de consensos. Dessa forma, as normas para serem válidas devem encontrar aceitação de todos os participantes do discurso.

A ética habermasiana destaca‑se por buscar dar resposta ao problema ético contemporâneo, buscando estabelecer uma ética universal e racional. Sua chamada ética discursiva tem como referencial o paradigma da linguagem presente nos atos de fala das relações sociais. O discurso racional é a condição para que as regras adquiram normatividade e aceitação universal. Por sua vez, a condição para o discurso racional e para o acordo racional é a existência de uma situação ideal de fala, ou seja, para Habermas, a situação ideal de fala (ideale Sprechsituation) é aquela em que o discurso decorre livre, isento de todas as formas de coações e se pauta em bons argumentos. É a situação “[...] em que as comunicações não só não vêm impedidas por influxos externos contingentes, como também por coações que se seguem da própria estrutura da comunicação. A situação ideal de fala exclui as distorções sistemáticas da comunicação” (HABERMAS, 1997, p. 153).

Além dessa necessidade geral de simetria, Habermas acrescenta mais quatro condições:

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todo momento tenham a oportunidade tanto de abrir um discurso como de perpetuá‑lo mediante intervenções e réplicas, perguntas e respostas. Todos os participantes em um discurso têm que ter igual oportunidade de fazer interpretações, afirmações, recomendações, dar explicações e justificações e de problematizar, dar razão ou refutar as pretensões de validade delas, de sorte que de um modo geral nenhum prejuízo fique subtraído à tematização e a crítica. (HABERMAS, 1997, p. 153)

Essas duas primeiras condições, Habermas denomina como triviais, já que são básicas e garantem que todos possam participar do discurso de forma equitativa, ou seja, que haja uma igualdade de oportunidades para todos os participantes poderem propor um discurso, perguntar, responder, replicar, concordar, problematizar, refutar etc.

As duas outras condições que se seguem, Habermas denomina como não triviais, são necessárias para que haja de fato um discurso e não apenas um discurso imaginário que opere segundo as coações da ação. São eles:

Para o discurso, só se permitem falantes que como agentes, é dizer, nos contextos da ação, tenham iguais oportunidades de empregar atos de fala representativos, isto é, expressar suas atitudes, sentimentos e desejos. Pois só a recíproca sintonização dos espaços de expressão individual e a complementaridade no jogo de proximidade e distância nos contextos de ação garantem que os agentes, também como participantes do discurso, sejam também verazes uns com os outros e façam transparente sua natureza interna.

Para o discurso só se permite falantes que como agentes tenham a mesma oportunidade de empregar atos de fala regulativos, é dizer, de mandar e opor‑se, de permitir e proibir, de fazer e retirar promessas, de dar razão e exigi‑las... (HABERMAS, 1997, p. 154).

Note‑se que a terceira condição defende o princípio de veracidade entre os participantes do discurso, ou seja, que estes sejam transparentes nas suas verdadeiras intenções. Daí dizer que a verdade é condição necessária para o desenvolvimento do discurso prático.

O postulado da veracidade assinalado na terceira condição descreve a propriedade formal da ação comunicativa pura, que há de exigirdes dos participantes nos discursos práticos para que estes possam desenvolver a força de uma motivação racional. (HABERMAS, 1997, p. 154)

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Daí, que um consenso que é produto da situação ideal de fala, é um consenso racional que tem pretensão de validade para a tematização realizada. Mas como diferenciar um consenso racional,

produto de uma situação ideal de fala, de um consenso enganoso? Habermas reconhece que há

dificuldades para a realização de um consenso obtido pela situação ideal de fala, pois:

Toda fala empírica, tanto pelas limitações espaçotemporais do processo de comunicação, como pelas limitações da capacidade psicológica dos participantes no discurso, está submetida, em princípio, a restrições que excluem um inteiro cumprimento dessas condições ideais (HABERMAS, 1997, p. 154).

No entanto, o filósofo entende que essa situação é passível de superação e a objeção que considera mais grave é o questionamento sobre a possibilidade de uma comprovação empírica do cumprimento das condições necessárias para uma situação ideal de fala. A solução habermasiana para esses impasses é a explicação de como concebe a situação ideal de fala.

A situação ideal de fala não é nem um fenômeno empírico nem uma simples construção, senão uma suposição inevitável que reciprocamente nos fazemos nos discursos. [...] Prefiro falar, portanto, de uma antecipação, da antecipação de uma situação ideal de fala. Só esta antecipação garante que com o consenso faticamente alcançado podemos associar a pretensão de um consenso racional [...]. (HABERMAS, 1997, p. 155)

Dessa forma, Habermas se utiliza dessa “suposição inevitável”, ou seja, da situação ideal de fala, como um pressuposto que irá assegurar a associação entre o consenso faticamente alcançado e a pretensão de consenso racional, uma vez que, ao estabelecer um entendimento intersubjetivo, essa suposição é adotada de modo subjacente.

A ética do discurso de Habermas pressupõe o conceito de “aprendizado construtivo” desenvolvido por Piaget e Kohlberg, pois a situação ideal de fala pensa em participantes do estágio pós‑convencional, ou seja, pessoas que tiveram um desenvolvimento progressivo da consciência moral e revelam capacidade de autonomia.

A ética habermasiana tem como base um discurso intersubjetivo fundamentado de tal forma que visões axiológicas restritas não tenham espaço, já que não serão passíveis de uma recepção consensual. Com esse mecanismo, sua proposta ética se opõe ao relativismo cultural.

Habermas acrescenta o princípio do Discurso (princípio D) ao princípio de Universalização. O princípio ‘D’ defende que: “Toda norma válida encontraria o assentimento de todos os concernidos, se eles pudessem participar de um discurso prático” (HABERMAS, 1989, p. 148).

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possível resolver racionalmente o problema da validade das normas. Mas essa racionalidade defendida por Habermas, que leva a universalidade das normas, é diferente da racionalidade kantiana que embasa a universalidade das normas. Para Kant, a lei moral resulta de uma ordem da razão que se apresenta na forma de um imperativo categórico. A lei moral universal provém do imperativo da razão. Dessa forma, o indivíduo que submete sua vontade ao imperativo da razão age moralmente. Já para Habermas, a racionalidade é o pressuposto do discurso prático, e este é um processo que visa a examinar coletivamente a validade ou não das normas, e não a sua produção. A validação ou não dependerá do discurso prático. Assim, a universalização de uma regra dependerá do discurso prático realizado pela ação comunicativa. Fica clara, aqui, a diferença com o imperativo categórico de Kant, já que o critério de universalização não ocorre de modo isolado em cada um dos sujeitos, mas sim resulta da busca de consenso na esfera do discurso. A ética do discurso diferencia‑se também de outras éticas universalistas, normativas, formalistas, já que não admite que determinados conteúdos normativos sejam fixados por uma autoridade filosófica ou outra qualquer e sejam simplesmente aceitos. Na perspectiva de Habermas, não há uma orientação conteudista para as normas. Os conteúdos das normas a serem discutidas provêm das relações sociais, provêm do que Habermas chama de mundo da vida, já sua validade ou não será produto do discurso prático coletivo.

A validade universal será obtida pelo discurso prático e este obedece às regras pragmáticas da comunicação. Dessa forma, apenas as sociedades modernas, ou seja, as que são capazes de operar uma racionalidade comunicativa serão capazes de chegar ao consenso via argumentação. Daí que há a possibilidade de comunicação entre as culturas, desde que elas operem seu discurso segundo o que foi afirmado anteriormente.

Diante da questão da pluralidade de culturas, de religiões, de projetos individuais e coletivos de diferentes concepções de bem, Habermas afirma que:

[...] essas diferentes concepções de vida boa têm que poder coexistir com diferentes direitos. Por isso, necessitamos de normas de convivência de uma vida justa que assegurem a integridade de cada indivíduo no contexto da própria forma de vida. E cabe ainda referir à difícil comunicação do mundo ocidental com outras grandes culturas que têm surgido de tradições autônomas e que podem estar orgulhosas de sua própria religião universal, de sua própria civilização. A hermenêutica filosófica deixa claro por que o entendimento intercultural só poderia produzir‑se em condições de perfeita simetria. Pois o próprio conceito de ‘entendimento’ implica em que ambas as partes tenham que permanecer abertas e dispostas a aprender uma com a outra (HABERMAS, apud HERMANN, 2001, p. 125).

Dessa forma, Habermas aposta no discurso racional para resolver problemas relativos à moral contemporânea. Seu pressuposto é de que é possível chegar a uma validade cognitiva para as normas.

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mundo, apesar de se tornar cada vez mais uma “aldeia global”, continuará a conviver com diferentes manifestações culturais e axiológicas. Implica buscar caminhos que superem o individualismo exacerbado e coloque em foco que os seres humanos são os responsáveis pelo seu próprio devir. Tais questões, necessariamente, precisam ser refletidas pela educação e pela filosofia.

Para Refletir:

Qual a relação entre moral, ética e educação?

resumo

No seu dia a dia e no seu contato com as coisas, os seres humanos fazem juízos de valor e juízos de realidade. Juízos de realidade são

feitos quando constatamos as coisas existentes. Juízos de realidade são feitos quando fazemos avaliações sobre o existente. O ser humano faz escolhas a partir de valores. E o que são valores? Valores são aquilo que valem, o que se julga importante; o que se prioriza.

A palavra ética vem do grego êthos que significa costume, modo de ser, e a palavra moral vem do latim mores que possui o mesmo significado. Embora ambas as palavras, do ponto de vista etimológico, tenham um sentido comum, na perspectiva filosófica possuem significados diferentes. Pode‑se definir a ética como uma reflexão filosófica sobre os fundamentos da moral. Já a moral, pode ser entendida como um conjunto de regras que visa a regular a vida social. Um dos objetivos da educação é formar o sujeito ético. Ser um sujeito ético implica em agir com consciência, responsabilidade e autonomia. O sujeito ético é livre e responsável.

A ética de Aristóteles é finalista, isto é, marcada pelos fins que devem

ser buscados para que o ser humano alcance a felicidade, chamada pelos gregos de eudaimonía (cf. VALLS, 1989, p. 29). O homem não deve apenas viver, mas viver bem. Viver bem implica em aprimorar‑se enquanto ser humano: controlar as paixões, fazer escolhas com discernimento e equilíbrio e desenvolver a prática de bons hábitos.

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