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2 Ética Ambiental: Perspectivas e Modelos

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Ética Ambiental: Perspectivas e Modelos

Introdução

No capítulo precedente, procurou-se mostrar o panorama no qual emergiu a crise socioecológica. Uma autocompreensão fortemente antropocêntrica, reforçada pelo dualismo cartesiano, promoveu uma racionalidade técnico-científica que está na base de nossa civilização industrial, causando uma poluição que degrada tanto a pessoa humana quanto o meio ambiente.

Como reação a essa mentalidade predatória, emergiu no âmbito da ética a temática da preservação ambiental, suscitando debates e tentativas diversas de responder aos novos questionamentos morais. Os posicionamentos dividiram-se basicamente em duas tendências, uma de corte antropocêntrico, a outra, baseada num ecologismo biocentrista. A partir desses dois posicionamentos, os modelos e orientações seguidos apresentam uma variedade de idéias e pressupostos que se assemelham à diversidade própria de uma comunidade biótica. Identificá-los não é tarefa fácil, seria percorrer um imenso campo com possibilidade de seguir diferentes veredas. O que nos interessa aqui é evidenciar os dois pressupostos básicos – antropocentrismo e biocentrismo – que nortearam as diferentes perspectivas. Sem pretensão de sermos exaustivos, apresentaremos a seguir os principais modelos de ética ambiental, que surgiram em torno dessas duas perspectivas.

2.1

O início do dilema

O alvorecer do movimento ambientalista, nas primeiras décadas do Século XX, viu surgir a proposta pioneira de uma “Ética da Terra” pelo biólogo norte-americano Aldo Leopold que, juntando seus conhecimentos científicos à denuncia

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da degradação do meio ambiente, alertava para a necessidade de novas formas de relação do ser humano com o seu entorno natural. Em sua obra póstuma95, publicada em 1949, Aldo Leopold sugeria a ampliação da ética tradicional afirmando que plantas, animais, homens e a terra constituem uma comunidade de partes interdependentes – a “comunidade biótica” do planeta – para a qual devemos ter respeito e amor. Na base deste ponto de vista biocêntrico, está a recusa de uma concepção do ser humano como dono e proprietário do meio, da natureza, para compreendê-lo como simples parte dela. Abandonando-se uma perspectiva antropocêntrica, busca-se uma igualdade ecológica onde todas as formas de vida têm o direito de desenvolver-se com normalidade96.

Com o agravamento da problemática ambiental a partir da década de 1970, a discussão ética nessa perspectiva ecológica tem suscitado modelos de uma “ética centrada na vida” (biocentrismo) como alternativas às correntes de uma “ética centrada no homem” (antropocentrismo)97. Estas duas tendências, que se excluem entre si, apresentam diferentes pontos de partida: uma acentua o pressuposto tradicional da ética, isto é, o ser humano em sua moralidade: somente os humanos, com sua racionalidade, podem tomar decisões e agir moralmente, mantendo, portanto, uma posição central e protagonista no mundo em que vivem e habitam. Em oposição a esta corrente antropocêntrica, a tendência biocentrista atribui à vida – seja dos organismos vivos, seja na totalidade da biosfera em sua constituição planetária – aquele lugar central ocupado pelo ser humano, agora considerado como um simples elo entre tantos de uma imensa cadeia, de forma que a ética passa a ser compreendida segundo os valores ecológicos e os parâmetros determinados pela biologia.

95

LEOPOLD, A. A Sand CountyAlmanac and Skethes Here and There (1949), New York: Oxford University Press, 1968.

96

SOSA, Nicolas M. Ética Ecológica: entre la falácia e el reducionismo. Laguna. Revista de

Filosofia, 7, (2000), p. 307-327.

97

A apresentação destes modelos segue basicamente os seguintes trabalhos: GÓMEZ-HERAS, JOSÉ. Ética del médio ambiente. Problema, perspectiva, historia. Madrid: Tecnos, 2001; CALLICOTT, J. B., “Meio Ambiente. Ética do meio ambiente”. In: M. CANTO-SPERBER (Ed.),

Dicionário de ética e filosofia moral, vol. 2, São Leopoldo: Ed. Unisinos, p. 158-161; SOSA, N.

M. Ecologia e Ética. In: VIDAL, Marciano. Ética Teológica: Conceitos Fundamentais, Petrópolis: Vozes, 1999, p. 783-795. Cf. também JUNGES, J. R. Ética Ambiental, São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2004.

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2.1.1

A perspectiva Antropocêntrica

Diante da crescente preocupação com os problemas advindos da crise ambiental, criou-se entre os ecologistas um parâmetro comum para pensar a natureza como um sistema, um organismo integrado, ou seja, um ecossistema. O ser humano é uma parte desse sistema de equilíbrio delicado. Foi então que começou a surgir perspectivas não antropocentradas em matéria de uma ética que respondesse aos problemas ambientais.

Frente a isso, os defensores da ética convencional se viram diante do desafio de apresentar, em face dos inéditos questionamentos suscitados pela problemática ecológica, um programa que respondesse a esses problemas ambientais dentro do esquema já estabelecido, firmado sobre a primazia do ser humano, como um ser racional e, portanto, com responsabilidade diante de si e da natureza. Tratava-se, pois, de não abdicar do pressuposto antropocêntrico. Diante do questionamento levantado pelo influxo da ecologia - “é necessária uma nova ética?” – afirmavam que não! Tal foi a posição, por exemplo, de John Passmore, cuja obra Man´s

Responsability to Nature, de 1974, é uma das pioneiras em favor de uma ética

ambiental antropocentrada98. Esforço semelhante encontra-se na reflexão de Kristin Shrader-Frechette ao aplicar as teorias éticas modernas (Kantismo, por exemplo) aos problemas suscitados pela crise ambiental99.

Seguindo esta linha de reflexão, não são necessários novos princípios morais que orientem o comportamento do ser humano com relação ao meio ambiente, pois a moral convencional é suficiente para fundamentar deveres e obrigações dos seres humanos para com a natureza. Na reflexão ética, não entra em questão o postulado econômico do crescimento nem o da ideologia do progresso ilimitado; os interesses humanos são sempre legítimos e precedem os valores do mundo natural. Os danos da crise ambiental são vistos como uma agressão, em primeiro lugar, ao direito que todos os seres humanos – do presente e do futuro – têm de utilizar os bens naturais. A conservação da natureza é uma preocupação derivada da necessidade de preservar um recurso que pertence ao ser humano. A ética, que já contém princípios e normas que regulamentam a ação

98

PASSMORE, J., Man´s Resonsability to Nature, New York: Scribner´s, 1974. 99

SCHRADER-FRECHETTE, K., Environmental Ethics, Pacific Grove: Boxwood, 1981.

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humana para que esta não seja nem agressiva nem danosa aos direitos de outro ser humano, é suficiente para regular os efeitos negativos sobre o ambiente100. Vê-se, portanto, que se trata de uma ética fortemente antropocêntrica, embora apresentando uma certa “sensibilidade” ambiental.

Para enfrentar os problemas suscitados pela crise ecológica, segundo esta linha de reflexão, é necessário apenas que a ética amplie o seu campo temático – dentro da esfera de responsabilidade do ser humano para consigo mesmo e nas suas relações com seus semelhantes – e inclua os problemas gerados pela ação tecnológica sobre o mundo natural. Valores e bens morais, já consignados pela ética convencional, seriam também atribuídos pelos seres humanos – enquanto agentes morais - aos bens da natureza (plantas, animais, biosfera) de modo que, embora desprovidos de valor intrínseco, não sejam tratados como meros recursos a serem explorados pela ganância humana, como o foram até agora. A ética, ao incluir esta perspectiva ecológica, estaria corrigindo um lapso na ética convencional e, portanto, apontado uma resposta satisfatória no enfrentamento da crise ambiental. Dito de outro modo, a interpelação moral suscitada pela alteridade (dever para com outro ser humano) se estende também ao modo como os humanos se relacionam com a natureza: um bem a serviço de todos, que deve ser preservado da destruição pela ganância de alguns.

Permanece, assim, o pressuposto central de que o âmbito da moralidade está circunscrito à ação humana, o sujeito exclusivo da ética é o ser humano. O argumento para sustentar esta condição privilegiada e única do ser humano se desdobra na afirmação de que somente a espécie humana é dotada de razão, de liberdade e de linguagem e, por conta disso, pode tomar decisões livres, assumir responsabilidades e exigir o cumprimento de deveres. Ao contrário, o mundo da natureza (plantas, animais e espaços naturais) é um campo “eticamente neutro” porque não tem as condições de comportamento e de ação semelhante ao humano101.

Ora, dentro deste horizonte de compreensão, não é possível nem é necessário postular um “novo paradigma de ética” para se enfrentar as questões

100

SOSA, N. M, op. cit., p. 311. 101

A base filosófica moderna para tal distinção pode ser encontrada na distinção que Kant estabelece entre o mundo da natureza, regido pela causalidade “segundo a necessidade”, e o mundo gerado pela “causalidade segundo a liberdade”. Este último, exclusivo do homem, constitui o mundo moral, o campo específico da ética. Cf. GÓMEZ-HERAS, J. op. cit., p. 31, nota 34.

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levantadas com o surgimento da crise socioambiental. Urge, isto sim, uma tomada de consciência diante das graves conseqüências geradas pela exploração irresponsável da natureza, o que cada vez mais vai se tornando evidente. Isto ninguém pode negar. Mas esta problemática pode ser refletida e considerada em suas implicações éticas, dentro das categorias e arcabouço teórico dos quais este campo do saber já dispõe. Assim, somente é necessário: a) ampliar a temática da reflexão ética, incorporando na mesma a problemática ambiental; b) aplicar a esta temática os principais princípios racionais que fundamentam os sistemas éticos. Além de desnecessário, seria um reducionismo injustificável – do ético ao ecológico – este novo paradigma moral exigido pelos partidários do biocentrismo102.

Assim, não se trata de uma “nova ética”, mas de um setor especializado, um capítulo da ética, derivado da crise ecológica. Este novo setor, com os conhecimentos e as informações necessárias, fornecidas pelos estudos de biologia e ecologia, constituiria uma parte da ética aplicada, ampliando o âmbito da consideração moral de modo a incluir problemas ligados à problemática ambiental.

2.1.2

Um modelo utilitarista

Os modelos de ética ambiental, inspirados nessa concepção antropocêntrica, se preocupam com a conservação dos recursos naturais tendo em vista o bem dos próprios seres humanos. Procuram estabelecer critérios e normas no uso da natureza segundo as necessidades e preferências humanas. A natureza deve ser conservada, protegida da intervenção destrutiva dos seres humanos, para satisfazer as necessidades da própria espécie humana, sejam interesses puramente materiais, sejam interesses estéticos e culturais. É um modelo, portanto, que segue o sistema normativo do princípio da utilidade103.

102

Ibid., p. 32 103

Ibid., p. 32, nota 37. Segundo o princípio da utilidade, o que qualifica moralmente uma conduta, uma norma ou uma ação é a sua utilidade que pode se expressar com bem-estar,

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Assim, a partir do princípio de utilidade, constrói-se um discurso que fundamenta uma série de normas e obrigações morais para os seres humanos em seu relacionamento com o meio ambiente. Um imperativo ético é formulado com formatação ecológica: “para atender os interesses da humanidade, protege e preserva a natureza”. O valor de utilidade que a natureza pode apresentar, conforme atende às necessidades e interesses humanos, estende-se numa variada escala que vai desde os recursos energéticos até a sua valoração como meio de lazer, estímulo para o bem-estar psicológico, deleite espiritual e como riqueza cultural104.

Um modelo de ética ambiental, de corte antropocêntrico e utilitarista, é o que põe em destaque o argumento de respeitar “os interesses das gerações futuras”. Os patrocinadores desta corrente insistem no dever que a humanidade tem de cuidar do ambiente que vai ser herdado pelos nossos descendentes. Não é legítimo nem admissível que o relacionamento atual da humanidade com a natureza resulte em ameaça para a sobrevivência das próximas gerações. O egoísmo de uma geração não pode por em perigo a vida da geração subseqüente. Postula-se, assim, “uma solidariedade com as gerações vindouras”. A degradação ambiental é vista como um ato de injustiça e falta de solidariedade com a própria espécie humana105. Os riscos para as novas gerações têm suscitado uma chamada de atenção moral para o presente:

“Aos vícios derivados da falta de solidariedade com o futuro correspondem novas virtudes segundo a ética ambiental: a economia energética, a sobriedade no consumo de bens industriais ou uma paternidade responsável em vista de evitar uma superpopulação do planeta. A partir dos riscos para o futuro, em decorrência das ações humanas, as categorias clássicas do mundo moral (responsabilidade,

felicidade ou prazer. Cf. também AUDARD, C. “Utilitarismo”. In: M. CANTO-SPERBER (Ed.),

Dicionário de ética e filosofia moral, vol. 2, São Leopoldo: Ed. Unisinos, p. 737-744.

104

Sobre a natureza como um valor profilático, prevenindo os estresses da vida moderna, cf. E. PARTRIDGE, “Nature as a moral Resource”, in: Environmental Ethics 6 (1984), p. 101ss; T.E. HILL, “Ideals of Human Excellence and preserving Natural Environments”, in

EnvironmentalEthics 5 (1983), pp. 211ss. Como um valor cultural, ver M. SAGOFF, “On

Preserving the natural Environment”, in The Yale Law Journal 84 (1974), pp. 205-267. Sobre a consideração da natureza em seu valor estético, fundamentando a obrigação moral de preservar o belo natural em analogia com a beleza artística, ver R. CARTWRICHT, “Beauty: A Foundation for Environmental Ethics”, in Environmental Ethics 7 (1985), pp. 197-208; E. C. HARGROVE,

Foundations of Environmental Ethics, Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1989; Id., “Weak

Anthropocentric Intrinsec Value”, in The Monist 75 (1992), pp. 183-207. 105

Cf. B.G. NORTON, “ Environmental Ethics and the Rights of Future Generations” in

Environmental Ethics, 4 (1982), p. 319-338; R.J. SICORA and B. BARRY (eds.), Obligation to Future Generations, Buffalo: Prometheus Books, 1981; P. WENZ, “Ethics, energy Policy and

future generations” in Environmental Ethics, 5 (1983), p. 195-209; E. PARTRIDGE (ed.),

Responsabilitie to Future Generations, Buffalo: Prometheus Books, 1981.

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dever, obrigação, etc) adotam, para o momento presente, formulações antes não consideradas pelo discurso ético”106.

Embora mantendo como ponto de partida os interesses dos seres humanos na preservação dos ecossistemas naturais, um modelo de ética ambiental que tem merecido marcante atenção é o que leva a diferenciar entre dois tipos de antropocentrismo, um fraco e outro forte. Proposto por Bryan Norton107, tal modelo tem como base a distinção que podemos fazer entre as preferências do ser humano: há aquelas que são meramente sentidas (imediatas e irreflexas) e outras que são refletidas (consideradas e ponderadas). No primeiro caso, por exemplo, estaria a confecção de casacos de pele às custas da vida de preciosos animais, ou ainda, o cultivo de plantas geneticamente modificadas prescindindo de uma rigorosa investigação sobre os riscos e implicações futuras ao meio ambiente. Um antropocentrismo forte consideraria legítima a satisfação dessas necessidades porque o seu valor é dado pela espécie humana, considerada superior em relação às demais. Para B. Norton, esse tipo de antropocentrismo é o que prevalece ainda hoje, movido, sobretudo, por uma racionalidade instrumental e economicista. Por outro lado, um antropocentrismo débil ou sábio, estaria voltado para a satisfação do segundo grupo de necessidades: aquelas que são coerentes com uma visão mais integrada do ser humano com a natureza, que estão embasadas por conhecimentos científicos, seguros e abertos às considerações morais. Esse antropocentrismo débil, ao se basear nas preferências refletidas, seria suficiente para estabelecer uma base crítica aos sistemas de valores que têm se mostrado nocivos ao meio ambiente.

Fiel à sua concepção utilitarista, Bryan Norton acredita que, quando os autênticos e legítmos interesses de todos os seres humanos, inclusive os membros das gerações futuras, forem realmente levados em conta, haverá uma convergência entre os defensores do antrocentrismo e aqueles que propõem uma ética ambiental de corte não-antropocentrado. Tal aproximação, na prática, levaria ao acatamento de normas e interdições comuns às duas perspectivas. Haveria, assim, a formalização de normas e obrigações em vista da preservação de espécies

106

GÓMES-HERAS, J. op. cit., p. 34. 107

Cf. NORTON, B. “Environmental Ethics and Weak Anthropocentrism”, in Environmental

Ethics 6 (1984), 131-148; Ibd,. Why Preserve Natural Variety?, Princeton: Princeton University

Press, 1987; Ibd., Toward Unity Among Environmentalists, N. York: Oxford University Press, 1991; Ibd., “Epistemology and Environmental Ethics”, in The Monist 75 (1992), 208-225.

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não humanas e interdições referentes à poluição do meio ambiente, acordadas pelos defensores das duas tendências108.

Essa convergência, na visão dos que seguem o modelo proposto por Bryan Norton, deve-se a importância do conhecimento da natureza, enquanto objeto de estudo da ecologia, para a formação do caráter moral do ser humano. O conhecimento ecológico, além de mostrar a situação dos humanos enquanto parte de uma comunidade biótica - caracterizada por um sistema de inter-relações e pela interdependência de seus membros -, também proporciona uma instância transformativa para a espécie humana. A ecologia ajuda no processo de passagem das preferências (ou necessidades) imediatas para as refletidas, conduzindo à decisões ponderadas e, portanto, a fundamentar decisões éticas que incidem responsável e positivamente sobre o meio ambiente.

Esse otimismo de Bryan Norton – como se pode prever – não encontra facilmente a adesão dos biocentristas. Porém, tem o mérito inegável de apresentar um modelo de ética ambiental que não se restringe às normas e interditos, mas que também chama a atenção para a necessidade da formação do caráter moral da pessoa, a partir do conhecimento da natureza que leva a uma redefinição da pessoa e do mundo. Dito de outro modo, o chamado modelo antropocentrismo débil, ao diferenciar os níveis de valor que estão por trás dos interesses humanos (preferências imediatas e consideradas), ajuda a dispor no interior do próprio agente humano uma atitude virtuosa frente ao ambiente natural. Ou seja, mostra a necessidade de um compromisso ético, através da mudança de valores e atitudes básicas109.

2.2

A perspectiva biocentrista

À medida que a crise ecológica se punha em evidência, não foram poucas as vozes que se pronunciaram, apontando críticas aos sistemas de ética, fundamentados sobre o antropocentrismo, e questionando se os mesmos ainda

108

Cf. CALLICOTT, J.B. “Meio Ambiente. Ética do meio ambiente”, op. cit., p. 158. 109

Cf. JUNGES, J. R. Ética Ambiental, op.cit., pp. 18-19.

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podiam responder de modo adequado aos novos e complexos problemas morais, surgidos como nocivos subprodutos de um uso predatório da natureza pela civilização técnico-industrial. Para enfrentar essas questões, seria necessária uma reforma profunda ou mesmo uma ruptura com os modelos éticos desenvolvidos pela tradição ocidental em moldes antropocêntricos. Foi na década de 1970 que, em variados modelos e tendências, a perspectiva biocentrista começou a ser sistematicamente pensada e proposta:

“Arne Naess (1973) sugeria que todo ser vivo tem ‘um igual direito a viver e a se desenvolver’; Richard Routley (1973) sustentava ser preciso nada menos que uma ética totalmente nova, para barrar o ‘chauvinismo humano’, desastroso do ponto de vista ecológico. Holmes Rolston (1975), observando que havia se tornado quase banal deparar com uma indignação moral nitidamente separada de todo antropocentrismo frente aos maus tratamentos infligidos aos animais, perguntava: ‘Depois da fauna, não podemos incluir a flora, as paisagens terrestres e marinhas, o ecossistema’ no domínio da ética? E ele acrescentava, então, ‘Seria magnífico se a consciência evoluísse até englobar o todo’”110.

Para esses e outros estudiosos da temática ambiental, fazem-se necessários novos modelos de ética, mais extensivos, permitindo incluir componentes não humanos, e estruturados em categorias tiradas da ciência ecológica ou da biologia. Na avaliação de H. R. Leis, essa orientação biocentrista

“é responsável não apenas por fazer convergir uma grande quantidade de vertentes de pensamento em seu apoio, como também por ter introduzido com muita força valores ecológicos no debate de idéias e, em conseqüência, inspirado a criação de um enorme número de associações preservacionistas da vida das espécies e ecossistemas em todo o mundo”111.

Dentro desta perspectiva biocêntrica, podemos encontrar duas tendências ou orientações: a primeira adota uma postura ética individualizada para os seres vivos; a outra tendência, mais comunitária, privilegia a visão sistêmica e orgânica, mais abrangente e adequada às comunidades bióticas.

110

CALLICOTt, J. B., op. cit., p. 158. 111

LEIS, H. R. “Ética ecológica: análise conceitual e histórica de sua evolução”, in VV.AA.

Reflexão Cristã sobre Meio Ambiente, São Paulo: Edições Loyola, 1992, p. 63.

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2.2.1

Orientação individual ou atomizada

Os modelos que seguem uma orientação individual sustentam que seres detentores de vida e de sensações são titulares de direito e, por isso, merecem uma consideração ética. Aqui se encontram os defensores da liberação animal (“Animal Liberation”), movimento representado, sobretudo, por T. Regan e Peter Singer.

Segundo T. Regan, os animais superiores são sujeitos de vida, possuem uma identidade psicofísica, não podendo ser reduzidos a puros objetos. O valor da vida independe do significado de utilidade para os outros. Como sujeitos de vida, exigem justiça por direito e não por simples compaixão112.

Para Peter Singer113, é a capacidade de sentir dor e prazer que faz um ser vivo merecedor de consideração moral e não a sua capacidade de falar, de ter consciência ou mesmo a sua racionalidade114. Peter Singer parte de um problema central apresentado às teorias morais modernas: é a racionalidade que qualifica os seres humanos como dotados de um valor moral; os animais podem, então, ser tratados como simples meios para fins determinados pelos seres humanos. Ora, como ficam os seres humanos desprovidos de racionalidade (deficientes mentais, crianças)? Podem ser tratados como os animais? Deve haver, então, um outro critério para que tais seres humanos sejam incluídos no campo da moralidade. Para Peter Singer, esse critério é a sensibilidade, é a capacidade de sentir prazer e dor. Os seres humanos desprovidos de razão podem ser contados como sujeitos morais. A conclusão a que Peter Singer chega é a de estender o mesmo direito a todos os animais dotados de sensibilidade.

Assim, os defensores da liberação animal dão um passo a frente, ultrapassando o antropocentrismo das teorias éticas até então vigentes:

“Diz-se, de tal teoria em ética do meio ambiente, que ela é extensionista; a forma mais geral de sua argumentação consiste em tomar como ponto de partida uma

112

JUNGES, J. R. Ética Ambiental, op. cit., p. 24. 113

SINGER, P. Animal Liberation, New York: New York Review, 1975; Ibid., Ética Prática, São Paulo: Martins Fontes, 1994.

114

JUNGES, J. R. op. cit., p. 25.

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teoria moderna em sua forma clássica, para depois estender seu alcance até englobar um conjunto de entidades naturais não humanas”115.

Outro modelo biocêntrico de corte individualista é o apresentado por Paul Taylor116. Ele apresenta um biocentrismo bem mais radical, incluindo no campo da moralidade todos os seres biologicamente organizados e não apenas os que têm sensações e preferências de bem-estar. Assim, todo ser vivo tem um valor inerente, não apenas porque é um centro de vida teleológica, mas como um ser particular em sua individualidade e irrepetibilidade. Cada ser vivo merece ser considerado como um fim em si mesmo e não como meio, conseqüentemente todo organismo vivo possui tal valor de maneira igual. Apesar do seu extremismo biocêntrico – um mosquito teria o mesmo direito que a pessoa humana, o que torna sua teoria bastante problemática -, Paul Taylor não levou em conta o nível mais abrangente dos ecossistemas, permanecendo no campo individual sem considerar o todo da biosfera117.

2.2.2

Orientação comunitária ou ecocentrismo

A tendência que prevalece neste grupo não é a consideração de entidades endividuais, mas o reconhecimento da natureza como um todo organizado, um conjunto onde as partes se encontram interrelacionadas e interdependentes. O ser humano faz parte desse conjunto sistêmico no qual todos os componentes são portadores de consideração moral.

Como foi assinalado no início deste capítulo, o pioneirismo desta orientação ecológica coube à “Etica da Terra”, proposta pelo biólogo Aldo Leopold, ainda em 1949. Na base de sua ética está o reconhecimento de que a Terra é uma comunidade biótica, merecedora de sentimentos de amor e de respeito; uma comunidade na qual os humanos somos participantes junto com os demais componentes (água, solo, plantas, animais e outros espaços naturais) numa relação

115

CALLICOTT, J. B., op. cit., p. 159. 116

TAYLLOR, P. W. Respect for Nature. A Theory of Environmental Ethics, Princeton: Princeton University Press, 1986.

117

Cf. JUNGES, J.R., op. cit., pp. 26-27.

(12)

de interdependência. Para Leopold, o imperativo ético parte do próprio equilíbrio interno da natureza: “Algo é justo quando tende a conservar a integridade, a estabilidade e a beleza da natureza. É injusto quando o destrói e perturba”118. Na aventura da vida, somos todos companheiros. Essa percepção nos é dada pela biologia evolutiva. Esse parentesco biológico, à semelhança das relações humanas que emergem nas comunidades mais primitivas até as formas de sociabilidade mais evoluídas (tribos, famílias, nações até a comunidade planetária), desperta sentimentos de lealdade, simpatia e respeito119. A Ética da Terra, portanto, se estrutura não a partir do ser humano como sujeito moral autônomo e independente, mas a partir da natureza da qual ele faz parte.

A Ética da Terra, de Leopold, tem inspirado outros modelos, como o da ética ecológica de H. Rolston III120 para quem os interesses de uma comunidade biótica (estabilidade e equilíbrio) determinam os critérios éticos. A ética ambiental não é uma construção humana, mas a sistematização de normas inscritas na natureza. Os componentes estão subordinados ao bem-estar da comunidade biótica121.

Também profundamente marcado pela Ética da Terra está o modelo defendido por John B. Callicott para quem a ética conduz a uma grande aliança com toda a comunidade biótica, baseando-se nos instintos de simpatia presentes no ser humano e numa estratégia de defesa da biosfera122. Para tanto é necessário assumir o dinamismo sistêmico da comunidade biótica (a Terra), caracterizada pela interdependência biológica de todos os seres viventes e não viventes.

Um outro modelo de biocentrismo pode ser encontrado na ética do respeito à vida, apresentada pelo teólogo e missionário luterano Albert Schweitzer123. Toda forma de vida, humana e não humana, merece solidariedade e simpatia já que nela se encontra “a vontade de viver” que pulsa em toda a Terra e confere a todo organismo vivo uma condição de sacralidade. Assim, tudo que tem vida recebe uma consideração moral e deve ser respeitado. O programa ético de Schweitzer

118

A. LEOPOLD, A Sand County Almanac, p. 224, citado por GÓMEZ-HERAS, J.M.G, op. cit., p. 39.

119

CALLICOTT, J.B., op.cit., p. 160. 120

ROLSTON III, H. Environmental Ethics: Duties to and Values in Nature, Philadelphia: Temple University Press, 1988.

121

JUNGES, J. R. op. cit., p. 33-34. 122

CALLICOTT, J.B., In defense of the Land Ethic. Essays in Environmental Philosophy, New York: State of New York University Press, 1989.

123

SCHWEITZER, A. Kultur und Ethik, Munchen: s. ed. 1958.

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pode ser expresso nesta sua frase que se tornou famosa: “Eu sou a vida que quer viver em meio à vida que quer viver”124.

Essa ética da sacralidade da vida vai encontrar ressonância no modelo de Kenneth Goodpaster cuja reflexão ética substitui “a vontade de viver” pelo “interesse de bem-estar” dos seres vivos125. Para Goodpaster, todos os seres com interesses têm direito a “serem levados em conta do ponto de vista moral”126. Todo ser vivente, por ser uma entidade de bem-estar, não depende de um juízo de valor humano, pois já tem em si mesmo uma valoração moral. O interesse de bem-estar está ligado a todos os processos funcionais que permitem o dinamismo da vida. Interesse funcional não é algo que se tem, mas se é. A vida já é o seu próprio funcionamento127.

Nesse quadro bastante diversificado de tendências e modelos para uma ética que, de modo adequado, possa tratar dos problemas morais suscitados pela crise socioambiental, entra em cena, em meados dos anos 1970, principalmente nos ciclos filosóficos de língua inglesa, o chamado Deep Ecology Movement128, proposto pelo filósofo norueguês Arne Naess129. Pregada como uma “ecosophia” (“sabedoria ecológica”), a ecologia profunda quer se contrapor e superar as outras formas de pensar o relacionamento com a natureza, qualificadas como um “ambientalismo superficial”130. Esse ecologismo superficial consistiria em, dentro da tradicional visão antropocentrada, limitar-se à adoção de medidas pontuais ou à mera ampliação temática da ética tradicional no tratamento das questões

124

Citado por JUNGES, J. R., op. cit., p. 29. 125

GOODPASTER, K. E. “On Being Morally Considerable”, in Journal of Fhilosophy 75 (1978), pp. 308-325.

126

CALLICOTT, J.B., “Meio Ambiente”, op.cit, p. 159. 127

JUNGES, J. R., op. cit., p. 30 128

Não é unânime a caracterização desse movimento como sendo de orientação biocentrista, como o fazem GÓMEZ-HERAS, J.M.G e CALICOTT, J. B. em suas obras citadas. JUNGES, J. R, no texto aqui seguido, classifica a Ecologia Profunda ainda como um modelo de ética antropocentrada, pp. 21-22. Por outro lado, LEIS, H. R. situa a Deep Ecology como um ecologismo biocêntrico em transição da orientação individual para uma orientação comunitária. Cf. LEIS, H. R., op. cit., pp. 63-64.

129

NAESS, A. “The Shallow and the Deep, Long-Range Ecological Moviment”, Inquiry 16 (1973), pp. 95-100.

130

NAESS, A. “Ecosophy: Deep versus Shallow Ecology”, in TOBIAS, M. (edd.), Deep Ecology, San Diego; Avant Books, 1985. As implicações ético-filosóficas da ecologia profunda também são apresentadas por Naess em “The Deep Ecological Movement: some philosophical aspects” in

Philosophical Inquiry, 172 (1986), pp. 10-31; “A Defense of the Deep Ecological Movement” in Environmental Ethicsi, 6 (1984), pp. 265ss; Ecology, Community and Lifestyle, Cambridge:

Cambridge University Press, 1989. O pensamento de Naess é também desenvolvido por DEVALL, B. and Sessions, G., Deep Ecology: living as if nature mattered, Salt Lake City: Peregrine Smith Books, 1985.

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levantadas pela agressão ao meio ambiente. Frente a isso, a ecologia profunda defende a necessidade de um novo modelo para compreender a realidade como um todo, propondo um biocentrismo ou igualitarismo ecológico como uma proposição básica que assegure o direito de todas as formas de vida a se desenvolverem com normalidade.

A proposta defendida pela ecologia profunda apresenta oito pontos básicos, a saber: a) O bem-estar e desenvolvimento das formas de vida humana e não humanas na Terra têm um valor intrínseco, independentemente da sua utilidade para os seres humanos; b) a riqueza e a diversidade das formas de vida são valores por si mesmos; c) os seres humanos não temos o direito de diminuir esta riqueza e diversidade, exceto para atender as nossas necessidades vitais; d) a atual intervenção humana na natureza é excessiva e está piorando rapidamente; e) o desenvolvimento da vida humana é compatível com uma redução substancial da população humana; essa redução é necessária para o florescimento dos demais seres vivos; f) deve haver mudanças significativas nas políticas, envolvendo as dimensões econômicas, tecnológicas e ideológicas; g) a principal mudança ideológica consistirá em desejar mais a qualidade de vida do que o aumento no nível de vida, havendo, portanto, uma profunda consciência da diferenciação entre quantidade e qualidade; e finalmente h) quem adere aos pontos precedentes obriga-se a participar direta ou indiretamente dos esforços para se conseguir as mudanças necessárias.

Na base desta plataforma de defesa ambiental está a busca daquilo que, para Naess e seus discípulos, se chama de auto-realização ou realização de si, isto é, a identidade entre a pessoa e a natureza, que faz surgir um novo relacionamento onde o ser humano, despojando-se do seu comportamento egoico (espécie dominante e separada da natureza e do resto do mundo), assume uma atitude

ecoica em que se compreende como um ser em relação, que se coloca no ponto de

vista do todo. Surge assim, um ser humano novo e diferente cuja relação com a natureza se caracteriza em primeiro lugar como uma relação emotivo-afetiva (mais do que ético-civil, ético-intelectual ou ético-estético) que lhe possibilita superar as diversas patologias decorrentes do velho relacionamento131. Essa conversão da compreensão de si e da percepção da configuração do mundo se

131

JUNGES, J. R. , op.cit., p. 21-22.

(15)

apresenta como um imperativo a partir do conhecimento ecológico, pois aprendemos da ecologia que não existe separação absoluta entre o ser humano e o ambiente natural.

Portanto, a ecologia profunda significa uma excelência de comportamento que dispensa ou vai além da própria ética, pois brota do conhecimento da natureza, da implicação metafísica da ecologia, uma vez que destruir a natureza significaria a destruição do próprio ser humano. Não se trata de uma questão exclusivamente ética. Para os seguidores da ecologia profunda, mais do que a elaboração de normas e imperativos, o que realmente importa é adquirir um modo novo de viver e sentir em relação a si mesmo e com o meio ambiente. E isso se consegue através de um interesse e engajamento pessoal, cada vez mais aprofundado, na ecologia132. A Deep Ecology, ainda que tenha como ponto de partida a pessoa humana, apresenta um horizonte igualitarista no qual o ser humano é submergido nas águas totalizantes do biocentrismo133.

2.2.3

Um biocentrismo de esquerda

Alguns autores, como David Orton134, reconhecem a contribuição da Deep

Ecology na tarefa de descentralizar a espécie humana dos sistemas éticos que

buscam refletir sobre a questão ambiental. Contudo, algo mais precisa ser enfocado. Os defensores da ecologia profunda não põem em pauta a grave questão da justiça social. Há a necessidade de se postular um “biocentrismo de esquerda” que, além de seguir uma orientação ecocêntrica, coloque a questão da justiça social como um componente básico do movimento ecológico de cunho mais radical.

O biocentrismo de esquerda aceita a plataforma ecocêntrica dos oito pontos, acima mencionados, proposta pela ecologia profunda. Mas também inclui uma

132

CALICOTT, J. B., “Meio Ambiente”, op.cit., p. 161. 133

Um posicionamento crítico às teses da Deep Ecology, qualificando-as de pré-modernas, encontra-se em FERRY, L. El nuevo orden ecológico. El árbol, el animal y el hombre, Barcelona: Tusquets, 1994; e em CHESNEY, J. “The neo-stoicism of Radical Environmentalism”,

Environmetal Ethics, 11 (1989), pp. 293-325.

134

ORTON, D. “El biocentrismo de izquierdas”, Ecologia Política 12 (1996), 153-155.

(16)

forte crítica à sociedade industrial moderna e à sua lógica de acumulação e consumo. Buscar a sustentabilidade no caminho dessa lógica, é entrar por um caminho ilusório. Significa aceitar a subordinação dos seres vivos e da própria Terra aos interesses humanos. Igualmente faz uma crítica aos ambientalistas que, mesmo de orientação ideológica de esquerda, conservam uma posição centrada na espécie humana. Esse antropocentrismo deveria ser completamente abolido se o ser humano realmente almeja uma nova, autêntica e sustentável relação com a Terra. Para os seguidores do biocentrismo de esquerda, não se pode defender a justiça social passando por cima da justiça ambiental e vice-versa.

Conclusão

O quadro aqui desenhado, com os diferentes traços e variadas cores que caracterizam as tendências e orientações dos estudiosos da ética do meio ambiente, nos dá uma idéia da complexidade do tema. O campo é vastíssimo e o quadro ainda poderia ser ampliado com muitos outros nomes e modelos que não foram mencionados135. Nota-se ainda que nenhuma posição é monolítica, apresentando cores e nuances que se mesclam. Contudo, pensamos que o delineamento básico foi traçado, mostrando os dois eixos em torno dos quais se desenvolve o debate sobre a formulação de uma ética que contemple e seja capaz de dar respostas às questões levantadas pela crise socioambiental.

O primeiro eixo é o posicionamento que parte e privilegia o ponto de vista humano, configurando modelos, cujo acento na perspectiva humana varia de um forte a um mitigado antropocentrismo. Somente o ser humano, por sua racionalidade, pode ser considerado um sujeito moral, titular de direitos; a natureza, só enquanto referida à espécie humana, pode ser objeto de consideração moral. Do lado oposto, o segundo eixo desloca o ser humano e põe a vida como centro estruturador da reflexão ética, seja privilegiando entidades individuais (biocentrismo individual ou atomizado) ou acentuando as comunidades bióticas (biocentrismo comunitário ou sistêmico). Nessa perspectiva biocentrada, a vida,

135

Cf., por exemplo, a perspectiva ecofeminista apresentada por K. J. WARREN em sua obra

Ecofeminist Philosophy. A Western Perspective on What it is and Why it matters. Lanham:

Kowman & Littlefield Inc., 2000.

(17)

em suas variadas expressões, por si mesma é detentora de consideração moral e o ser humano é visto como um componente entre outros que constituem os sistemas bióticos.

Diante desse quadro, parece-nos que o grande desafio é encontrar um denominador comum que supere a confrontação de posicionamentos extremos ou excludentes. É necessário um referencial de equilíbrio que permita revisar e superar os tradicionais pressupostos antropológicos, ao mesmo tempo, incorporando os conceitos e categorias relacionais que nos são dados pela ecologia, sem que com isso venhamos a cair num biocentrismo igualitarista e indiferenciado. Para fazer frente a esse desafio, além das balizas que nos oferecem a ética teológica, acreditamos que outras premissas e paradigmas podem nos ajudar. A nossa investigação, no capítulo seguinte, seguirá por essa trilha.

Referências

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