Artroplastia total do quadril com prótese CO-10: resultados preliminaries*
JOÃO RODRIGUES QUEIROZ, JOSÉ WAGNER DE BARROSINTRODUÇÃO
A artroplastia do quadril é um procedimento utilizado há quase meio século no tratamento das patologias da articulação coxofemoral(18,25) e sua aplicação tem demonstrado nítida evolução de idéias. Moore, em 1950(25), preconizou uma prótese femoral metálica fenestrada para permitir a formação de travessas ósseas, com o propósito de melhorar a estabilização do implante. Entretanto, Charnley, em 1961 (7), foi responsável por grande avanço nas cirurgias de artroplastia do quadril introduzindo o componente acetabular de politetrafluoretileno associado ao componente femoral metálico, fixados ao osso com metilmetacrilato. Essa prótese foi largamente utilizada no tratamento das patologias do quadril(13,30,31) . No entanto, observou-se, ao longo dos anos, alto índice de afrouxamento asséptico (1,3,8,10,11,29) . Almejando melhores resultados, pesquisadores dedicaram-se ao estudo de um implante, objetivando a fixação sem o uso de cimento ortopédico(4,9) .
Em decorrência do grande avanço da bioengenharia, da industria metalúrgica e do desenvolvimento tecnológico, foi possível na última década a utilização de próteses com integração biológica, exercendo, conseqüentemente, relevante progresso nas cirurgias ortopédicas (6).
O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados preliminares obtidos no tratamento cirúrgico de diversas patologias do quadril utilizando-se prótese tipo CO-10.
MATERIAL E MÉTODOS
No período de 1989 a 1991, 41 artroplastias foram realizadas em 34 pacientes. Em todos os quadris, a artroplastia do quadril foi primária e o modelo de prótese utilizado, do tipo CO-10. O prazo médio de seguimento foi de 24 meses, variando de 15 a 39 meses.
Dos pacientes reavaliados, 20 (58,8%) eram do sexo masculino e 14 (41,2%), do feminino. A idade média era de 46 anos, variando de 18 a 73 anos. Em relação ao lado, tivemos 22 (53,5%) quadris direitos e 19 (43,6%) esquerdos.
Quanto aos diagnósticos etiológicos, observaram-se: 18 (43,9%) osteoartroses primárias, nove (21,9%) seqüelas de Legg-Calvé-Perthes, quatro (9,7%) artrites reumatóides, três (7,3%) necroses avasculares, duas (4,8%) anemias falciformes, duas (4,8%) seqüelas de artrite séptica, duas (4,8%) espondilites anquilosantes e uma (2,4%) seqüela de fratura do colo do fêmur.
Na avaliação pré-operatória, as radiografias foram cuidadosamente examinadas, analisando-se, para todos os casos, as seguintes características: aspectos anatômicos do acetábulo, textura óssea, largura do canal femoral e deformidades pélvica e femoral.
A protese tipo CO-10 utilizada constituiu-se de componente femoral de liga de titânio, com diâmetro da haste variando em números ímpares de 11 a 19mm, e componente acetabular com a forma de um segmento trapezoidal de titânio, com roscas escalonadas, variando em números pares de 40 a 70mm de diâmetro.
Ambos os componentes apresentaram porosidade em sua superfície (fig. 1).
A via de abordagem, em todos os casos, foi a lateral direita(12), com o paciente em decúbito látero-contra-lateral. A fascia lata e o trato iliotibial foram incisados no sentido longitudinal, possibilitando o rebatimento subperiostal do vasto lateral e a secção do glúteo médio, na região anterior do grande trocanter, bem como a exposição da cápsula articular. Iniciou-se a preparação do canal femoral, utilizando sequencialmente instrumental apropriado, até se obterem as dimensiões desejadas. A seguir, preparou-se o acetábulo com raspas de diâmetro progressivo e fixou-se então o componente acetabular de igual tamanho, acoplando ao mesmo sua parte complementar de polietileno de alto peso molecular. O componente femoral foi impactado no canal medular e a cabeça encaixada ao colo. Finalizando, executaram-se as manobras de redução, testaram-se a mobilidade e a estabilidade e procedeu-se ao fechamento da incisão por pianos.
A antibioticoterapia realizada com cefalotina foi de lg endovenoso a cada 6h, usada rotineiramente pelo período de 72h, iniciando-se em média 6h antes do ato operatório.
A rotina no pós-operatório dos pacientes foi da seguinte maneira: colocação de coxim abdutor para MMII por sete dias; nas duas semanas seguintes, manutenção em cadeira de rodas para locomoção; a seguir, marcha com muletas ou andador, sem apoio, durante três semanas; e, finalmente, carga parcial mantida por seis semanas, seguida de carga total aos três meses.
A avaliação objetiva dos casos no pré e pós-operató-rio foi realizada pelo método de Merle D’Aubigné & Pos-(24). A pontuação máxima para a dor (ausência total), mobilidade (igual ao quadril normal) e marcha (normal) é seis, conforme a tabela 1. Os resultados foram subdivididos em excelentes, bons, regulares e maus, classificados pelos mesmos autores, preconizando valores de pontuação mínima (tabela 2). A avaliação subjetiva realizada considerou as complicações pós-operatórias imediatas e índice de satisfação pessoal.
As características gerais dos pacientes quanto à idade, sexo, tempo de seguimento, diagnóstico e lado operado encontram-se na tabela 3.
RESULTADOS
A avaliação clínica global dos 34 pacientes submetidos a 41 artroplastias totais do quadril, analisados subjetiva (opinião dos pacientes) e objetivamente (método de Merle D’Aubigné & Postel), demonstrou que 29 pacientes (87,80%) foram considerados bons ou excelentes, três (7,31%), regulares e dois (4,87%), maus. As figuras 2, 3 e 4 mostram a avaliação objetiva quanto à dor, marcha e mobilidade no pré e pós-operatório, conforme o método de Merle D’Aubigné e Postel.
A média do somatório dos escores no pré-operatório foi de 6,87, que evoluiu para 15,3 na avaliação realizada. Foram considerados maus resultados os dois pacientes que tiveram infecção profunda, necessitando remover a prótese.
DISCUSSÃO
A procura de uma forma de fixação duradora dos componentes protéticos para artroplastia total do quadril constitui objeto de grande interesse na pesquisa em cirurgia ortopédica.
O metilmetacrilato usado na artroplastia total do quadril proporcionou grande sucesso terapêutico. Entre-tanto, após reavaliações dos resultados a longo prazo, verificaram-se altos índices de afrouxamento dos compo-(14-16,23) . Por esse motivo, intensificaram-se os estudos de novos tipos de fixação das próteses e de vários (5,20,22) . Desses tipos, a fixação biológica ganhou notoriedade por ser não cimentada(2,9,11) , Além disso, a destruição óssea que ocorre no osso com implante cimentado e maior do que na prótese biológica, no caso de soltura dos
componentes(26),
A idéia de fixação biológica é antiga Sivash, Bom belli e Judet(5,19,28) , entre outros, foram os primeiros defensores da prótese não cimentada. O modelo usado por nós desde 1989 é a prótese CO-10. O componente acetabular metálico fixa-se ao cótilo através de rosca autofresante, proporcionando rígida estabilização inicial, que resultará em agregação biológica integrada. As lâminas das roscas são escalonadas, podendo penetrar no osso até 3mm de cada lado.
A haste femoral da prótese CO-10 possui um mode-lo cilíndrico de pistonagem diafisária. sendo alargada na região metafisária, onde preenche toda a cavidade medular e apresenta microporosidade. O diâmetro da haste deve ocupar 70 a 80% do canal femoral, A prótese CO-10, cujo componente femoral é mais cilíndrico e semelhante ao formato da cavidade medular, provavelmente melhora a distribuição das forças e a fixação inicial.
Galante (9) observou, em animais de laboratório, que em seis semanas a resistência do crescimento ósseo no titânio é igual ao cimento e Zweymuller(32) enfatizou a extrema biocompatibilidade do titânio, que permite ao osso crescimento para o metal sem interposição de fibras.
A patologia pré-operatória de maior incidência foi a osteoartrose primária em 43,9%. O paeiente mais jovem, de 18 anos, apresentou artrite reumatóide bilateral em estádio avançado no quadril esquerdo e o mais ido-SO, de 73 anos, com osteoartrose primária, apresentava osso de boa qualidade para a realização da cirurgia sem a cimentação.
A via de abordagem utilizada neste estudo foi a lateral direita. De fácil realização, permitiu boa orientação do implante e possibilitou corrigir alguma deformidade prévia existente. Em nenhum caso, realizamos osteotomia do grande trocanter. Não foram observadas complicações intra-operató-rias como perfuração do fundo acetabular, fratura diafisária do fêmur e paralisia ciática. Provavelmente, esses resultados decorreram do fato de todas as cirurgias serem realizadas de maneira a obedecer severa observância à técnica cirúrgica e planejamento prévio. Complicações pós-operatórias, como luxação da prótese e trombose venosa profunda, tambem não ocorreram. Nos casos de infecção, foi realizado o tratamento de acordo com o protocolo preconizado para as infecções em artroplastias do quadril (17) e, nos dois casos, o implante foi retirado.
de resultados bons e ex- celentes, semelhantes aos relatados na literatura(21,27) . Apesar de nossos estudos serem preliminares, pare- ce-nos que o modelo de prótese que utilizamos correspon- deu aos objetivos pretendidos. Entretanto, somente futu- ras avaliações permitirão conclusões definitivas, princi- palmente no que concerne à fixação biológica e, em espe- cial, a da prótese aqui empregada, tipo CO-10.
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