Biomecânica dos Tecidos, MEBiom, IST
Introdução à mecânica da fractura linear elástica
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Análise à propagação da fenda
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• nem todas as cargas que originam a falha do osso são cargas monotónicas
com valor superior à sua tensão de rotura.
• outras cargas, de valor inferior à tensão de rotura, podem originar uma
acumulação de dano, que a prazo podem conduzir à falha do osso.
• podemos distinguir dois tipos de efeitos, de fadiga e de fluência
(eventualmente actuando em simultâneo).
• fadiga é consequência da actuação de cargas cíclicas (de valor inferior
à tensão de rotura).
• a fluência (creep) é consequência da actuação de uma carga constante
(de valor inferior à tensão de rotura).
mecanismos de falha do osso – fadiga e fluência
F
F
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dano – micro fendas
• o dano originado pela fadiga e/ou fluência é visível, em ossos saudáveis, na forma de micro fendas.
• estas micro fendas podem, em certas condições, multiplicarem-se, crescerem tornando-se macro fendas e eventualmente originar a falha do osso. • em geral estas micro fendas são removidas pela remodelação óssea.
• caso a acumulação de dano seja mais rápida que a remodelação óssea, pode ocorrer uma
fractura de
esforço
, surgindo em soldados, dançarinos de ballet,atletas de alta competição, cavalos de corrida, ... • a estrutura lamelar e “osteonica” deflecte e/ou aprisiona as fendas, limitando os danos. • em geral, as fendas têm origem numa sobrecarga ou no efeito da acção das cargas cíclicas. • podem também ser consequência de um “defeito de fabrico” (em geral do colagénio), ou introduzidas por um qualquer processo cirúrgico.
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dano – micro fendas
• o dano acumula-se exponencialmente existindo após os 40 anos mais nas mulheres que nos homens. • foram contabilizados 0.014 micro fendas/mm2 nas
costelas de um homem de 60 anos.
• foram contabilizados 5 micro fendas/mm2 no osso
trabecular das vértebras.
• cerca de 80%−90% das micro fendas no osso
cortical são encontradas no osso intersticial entre os
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evolução com a idade
• a evolução da densidade de micro fendas com a idade é exponencial, como
visualizado no gráfico.
• após os 40 anos regista-se uma superior densidade de micro fendas no sexo
feminino.
• este aumento será proveniente da redução de massa óssea, com o consequente
aumento do nível de extensão, e
consequente aumento do dano por fadiga. • muitas fracturas não traumáticas que ocorrem na velhice (fracturas
osteoporóticas) são essencialmente fracturas de esforço.
• de relembrar o aumento da taxa de
criação de osteons após os 40 anos – estará relacionado?
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mecânica da fractura – introdução
• em mecânica da fractura uma maneira de se “medir” a severidade de uma fenda existente numa estrutura é através do factor de intensidade de tensão, K
K = C.s.(π.a)½ [K]=MPa.m½
onde s representa uma tensão nominal aplicada, a é o comprimento da fenda e C um coeficiente relacionado com a geometria e forma do carregamento.
• em geral, definem-se 3 modos de carregamento, responsáveis pela progressão de fendas:
Modo I – tracção Modo II e III – corte Mecânica da fractura linear
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mecânica da fractura – introdução
• se para uma determinada solicitação o factor de intensidade de tensão, K, for superior ao valor suportado pelo material, Kc, ocorre uma progressão rápida da fenda.
• o valor máximo suportado pelo material (valor crítico), Kc, designa-se por
tenacidade à fractura.
• notar o baixo valor de resistência à fractura por parte do cimento ósseo (PMMA)
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mecânica da fractura – introdução
• na propagação de uma fenda na transversal, ou perpendicular à estrutura lamelar do osso primário ou secundário (osteons), a fenda tende a alterar a sua direcção e evoluir ao longo do eixo principal do osso.
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mecânica da fractura – introdução
Exemplo de aplicação:
• para uma tíbia humana, KIc=4 MPa.m½
• para uma fenda semicircular de raio a na superfície em tracção de um osso longo em flexão, o factor de intensidade de tensão KI pode ser aproximado por,
KI = 2×1.025.s.(a/π)½
• assumindo para o módulo de elasticidade (E) um valor de 20 GPa e para a extensão (ε) um valor fisiológico de 2000 με resulta,
s = E.ε = 20×109 × 2000×10−6 = 40 MPa
• KI = KIc⇒ 2× 1.025.s.(ac /π)½ = KIc ⇒ 2× 1.025 × 40 × (ac / π)½ = 4
⇒ ac= [4 / (2× 1.025 × 40)]2 × π ⇒ ac= 7.5 mm
• o valor obtido para a dimensão crítica da fenda, ac= 7.5 mm, é um valor bastante
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comportamento à fadiga do osso – curva S-N
• o osso tem um comportamento à fadiga, análogo à de outros materiais utilizados em engenharia – com o processo de fadiga diminui o modulo de elasticidade, o logaritmo do número de ciclos até à rotura é linearmente proporcional ao logaritmo da tensão (alternada) aplicada e são visíveis fendas como consequência do processo de fadiga.
• N
F=c / S
q, onde c é um coeficiente e q umnúmero (entre 5 e 15) dependendo do tipo do osso e do modo de carga.
•Para o córtice do fémur humano solicitado a 2 Hz, tracção → NF = 1.445×1053/ S14.1
compressão → NF = 9.333×1040/ S10.3
onde S está adimensionalizado pelo módulo de elasticidade inicial, e tem unidades de με.
• Os valores anteriores foram obtidos para níveis de extensão super-fisiológicos (2600−6600 με). • Extrapolando para níveis fisiológicos (2000 με) resulta uma vida de 4.1 milhões de ciclos em tracção e 9.3 milhões em compressão.
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comportamento à fluência do osso
• numa situação composta de fluência e fadiga o dano acumulado é consequência dos dois efeitos.
• quando o nível de tensão é elevado (consequentemente o
número de ciclos é baixo) o fenómeno que domina é a fluência, enquanto para níveis de tensão baixos (logo para um número elevado de ciclos) o fenómeno que domina é a fadiga.
• este facto é relevante pois alguns ensaios são realizados para níveis de extensões super-fisiológicos (logo de tensões
elevadas).
• numa situação in vivo a maior parte do dano causado no osso é por fadiga, enquanto em alguns ensaios laboratoriais grande parte do dano é consequência da fluência – o motivo do
“elevado” nível de tensão do ensaio é a tentativa de reduzir a duração do ensaio.
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analogia com material compósito (laminado reforçado)
• existe uma certa analogia entre o osso e um laminado reforçado – os osteons
desempenham um papel de “pequenas” fibras (5-10mm) numa matriz de osso intersticial. • a resistência de um material à fadiga depende da sua resistência à iniciação de fendas e da sua resistência à propagação das fendas – em geral um material tem um comportamento antagónico em relação a estes dois efeitos.
• existem dois factores que influenciam a iniciação e proliferação das fendas − a resistência do material e “as fibras”.
• em geral, um material com menor tensão de cedência inicia mais facilmente uma fenda mas limita a sua progressão.
• a interface fibra − matriz é uma zona de “fraqueza”, sendo responsável pela iniciação de diversas fendas, mas também pelo “bom” redireccionamento das fendas.
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analogia com material compósito (laminado reforçado)
• podemos distinguir 3 regiões distintas na evolução das fendas num laminado.
• numa fase inicial (25%) surgem fendas (com início nas interfaces fibra - matriz) delimitadas no interior das lâminas. Em termos micro estas delimitadas
fendas redistribuem as tensões no material, enquanto em termos macro regista-se uma redução da rigidez. • segue-se um período de relativa estabilidade, onde a densidade de fendas se mantém aproximadamente. A progressão foi travada pela interface das lamelas e a sua evolução redireccionada para essa interface originando a delaminagem.
• numa fase final (10%), o nível de tensão nas fibras é excessivo e as fibras começam a romper. Em
termos macro existe uma acentuada diminuição da rigidez.
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comportamento do osso cortical a cargas cíclicas
Evolução da rigidez com o número de ciclos até atingir a rotura (função da extensão):
• à tracção o osso têm uma diminuição inicial da rigidez, seguido de uma zona de
estabilização e de diminuição na fase final • em compressão tem uma fase inicial de estabilidade com uma acentuada redução da rigidez na fase final.
•a vida por fadiga em compressão é superior à da vida em tracção
atender aos níveis super-fisiológicos de extensão.
• estudos à tracção com níveis fisiológicos de extensão (0−1200με a 4Hz) resultaram numa evolução com região tipo I (1-3 milhões de ciclos), seguida de zona tipo II (45 milhões de ciclos) onde se concluiu o ensaio.
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comportamento à tracção e à compressão
• também o tipo de micro fendas que se registam nos dois casos são diferentes. • em tracção as fendas estão, em geral, confinadas ao espaço intersticial do osso cortical.
• em compressão as fendas tendem a
evoluir de um canal de Havers para outro canal de Havers.
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a fadiga e a remodelação óssea
• a principal função da remodelação óssea é a
renovação do tecido ósseo, em particular a remoção do dano por fadiga.
• cálculos um pouco grosseiros estimam que o dano por fadiga e o bone turnover estão intimamente relacionados
• alguns autores teorizam que as micro fendas
interrompem os canais canaliculares, inibindo sinais entre osteocitos e bone lining cells e dando origem a um processo de remodelação óssea.
• diversos estudos e “observações” apontam no sentido da existência de uma maior remodelação óssea perante uma situação de maior quantidade de micro fendas.
• recentemente Bentolila et al. (1997) actuando com cargas cíclicas em cúbitos de ratos, que não possuem
osteons pois não remodelam o osso regularmente,
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criação ou modificação de osso
Modos de criação ou modificação do osso:
• osteogenesis – produção de osso em tecidos moles (tecido fibroso ou cartilagem), associado à formação do osso numa fase de crescimento embrionário (crescimento longitudinal) ou numa fase inicial de cicatrização de uma fractura.
• bone modelling – alterações da estrutura do osso que ocorrem numa estrutura já existente, nas superfícies do osso, por acção em diferentes locais dos osteoclastos e dos osteoblastos. Permitem alterações necessárias, p.ex. num processo de
crescimento ou numa correcção de um callus duma fractura.
• bone remodelling – processo de renovação do osso, numa acção no mesmo local dos osteoclastos e osteoblastos. Tal como o bone modelling ocorre nas superfícies do osso, mas não altera (substancialmente) a quantidade e estrutura de osso.
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adaptação óssea
(“remodelling”)
• bone modelling
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adaptação óssea
• a adaptação não é exclusiva das variáveis “densidade” e orientação.
• a adaptação não é apenas em consequência de factor “anormal”.
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possível classificação de tipos de adaptação
• adaptação da superfície (externa)
• adaptação interna
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adaptação óssea – evolução histórica
• Em 1838 Ward apresenta uma analogia do
arranjo trabecular com um candeeiro de rua
(a região g da figura representa a zona, de
trabéculas esparsas, designada por triangulo
de Ward)
• Em 1867 Von Meyer (anatomista) e
Culmann (engenheiro) constatam que as
trabéculas estão orientadas com as direcções
principais de tensão de uma bengala curva.
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adaptação óssea – evolução histórica
• Em 1892 Wolff (anatomista) publica o livro “Das Gesetz
der Transformation der Knochen”, onde compila algumas
das suas descobertas. Nessa obra é referido (tradução), “Every change in the form and the function of a bone or of
their function alone is followed by certain definite changes in their internal architecture and equally definite secondary alterations in their external conformation, in accordance with mathematical laws”.
• Os postulados de Wolff são conhecidos como “lei de Wolff”, mas muitas vezes é atribuído à “lei de Wolff” muito mais do que o referido pelo próprio Wolff.
• Observações de Wolff :
• postulou que as trabéculas estão orientadas com as tensões principais.
• sugeriu que o osso obtém a máxima eficiência mecânica com a mínima massa. • a estrutura óssea pode adaptar-se em resposta à alteração dos estímulos mecânicos → numa tradução do trabalho de Wolff o termo remodelling é utilizado no lugar de transformação (em alemão)
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adaptação óssea – evolução histórica
• Em 1917, Koch (anatomista) confirma a trajectorial theory, do alinhamento das
trabéculas com as direcções principais de tensão, e sugere uma maior densidade do osso em zonas sujeitas a maiores tensões de corte. Sugere ainda que o osso atinge a máxima resistência com um mínimo de material.
• No fim de 1920, para além das “ideias” anteriormente referidas, surge uma outra “ideia” de que as células ósseas podem responder a esforços locais e adaptar o tecido ósseo de modo correspondente.
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adaptação óssea – evolução histórica
• Entre 1938-1941, Glucksman efectua experiências in vitro (com pintainhos)
com tecidos em fase de crescimento:
• obriga os tecidos em crescimento a diferentes níveis de tensão.
• zonas de maior tensão correspondem a zonas de maior ossificação.
• tecido ossificado alinhado com direcções principais.
• Nos anos 60, Frost (cirurgião ortopédico) investiga os mecanismos
fisiológicos da adaptação óssea.
• refere que a adaptação pode ser atingida através de mecanismos de
modelação ou de remodelação.
• estabelece que na remodelação óssea a acção dos osteoclastos e
osteoblasto é conjunta, não existindo (grande) alteração de massa óssea.
• sugere que a relação entre as extensões e a massa óssea é diferente na
fase de crescimento (modelação) e na fase de maturação (remodelação)
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adaptação óssea – evolução histórica
• Em 1972 Chamay e Tschantz realizam a osteotomia do rádio em cães.
• Constatam hipertrofia significativa, com um aumento de 60-100% da
espessura cortical do osso hiper-solicitado (5000-7000 με, estimativa de
Carter) e a existência de casos de fractura de esforço.
• Cerca de 1981, Carter et al. realizam a osteotomia do cúbito em cães.
• Apesar do aumento do nível de extensão (de 600 para 1500 με) não
foram detectadas alterações substanciais.
• Foi postulado a existência de uma lazy zone na adaptação óssea,
basicamente uma zona patamar para o nível de extensão que, em adultos,
não origina adaptação óssea.
• Trabalhos de Rubin e Lanyon (com perus) levam a conclusões semelhantes
às de Carter, da existência em adultos de um nível homeostatico de extensão.
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adaptação óssea – evolução histórica
• Rubin e Lanyon (1982) compilaram os valores das extensões que ocorrem em actividades diárias de diversos animais. Os picos de extensão estão situados entre 2000-3000 με.
• Rubin e Lanyon constataram que cargas estáticas levam à reabsorção, são necessárias cargas “dinâmicas” para manter o osso (4 ciclos por dia, a 2050 με, revelou-se suficiente).
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adaptação óssea – evolução histórica
• Frost postulou um comportamento à adaptação óssea distinto entre adolescentes e adultos. • Considerou uma maior sensibilidade dos adolescentes ao estimulo mecânico, devido à existência quer de modelling quer de remodelling. A “ausência” do modelling nos adultos diminuía a sua sensibilidade ao estimulo mecânico.
• Outro dos argumentos de Frost era a alteração com a idade ou com a doença do valor de
setpoint de estímulo de extensão.
• Devemos ter em atenção que, nos estudos efectuados e para controlar o processo, são
introduzidas perturbações cirúrgicas que conduzem a resultados onde a resposta do organismo à intervenção cirúrgica pode ser mais relevante que a resposta à acção mecânica.