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RAÇA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS: A SUBALTERNIDADE NOS CONCEITOS DE ANARQUIA E ESTADO FALIDO

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RAÇA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS: A SUBALTERNIDADE NOS CONCEITOS DE “ANARQUIA” E “ESTADO FALIDO”

Vitor Ferreira Lengruber1

Resumo: A histórica centralidade da disciplina de Relações Internacionais na comunidade Ocidental tem por consequência a construção de discursos e práticas (conscientemente) políticas de subalternização de sociedades não-brancas em relação aos colonizadores. Tal dinâmica, presente em hipóteses desenvolvidas e utilizadas pelas Teorias de Relações Internacionais até os dias atuais, tem sido amplamente exposta e criticada por acadêmicos nas últimas décadas, ainda que a disciplina tenha se mostrado resistente a essas constatações. O principal efeito deste fenômeno é a manutenção de uma relação de subordinação de sociedades não-brancas em relação às antigas metrópoles coloniais, que atualmente possuem nesta dinâmica um instrumento discursivo e concreto de política internacional. Dessa forma, a partir de uma metodologia majoritariamente qualitativa, o objetivo central do presente trabalho é apresentar a permanência de estruturas racializadas nas Teorias de Relações Internacionais, especialmente no que tange aos conceitos de “anarquia” e “Estado falido”. Por fim, também serão debatidas as conclusões auferidas da discussão proposta de modo a identificar possíveis soluções para lidar com o problema mencionado.

Palavras-chave: Teoria das Relações Internacionais; subalternidade; raça. Grupo de Trabalho: Teoria das Relações Internacionais

Introdução

A partir de uma metodologia majoritariamente qualitativa, o objetivo central do presente trabalho é apresentar a permanência de estruturas racializadas nas Teorias de Relações Internacionais, especialmente no que tange aos conceitos de “anarquia” e “Estado falido”. Além da conclusão resultante da proposta de pesquisa, também serão apresentados, na última seção, duas pequenas orientações para confrontar o problema discutido: primeiro, adotar agendas de pesquisa e epistemologias relevantes ao Sul Global, sem, no entanto desconsiderar questões clássicas da disciplina; segundo, fazer uma releitura crítica da história, apresentada como oficial e universal, das Relações Internacionais. Para isso, o texto estará dividido em quatro partes: a primeira discutirá o desenvolvimento das Relações Internacionais como disciplina; a segunda abordará os tópicos de raça e subalternização; a terceira analisará os conceitos de “anarquia” e “Estado falido”; a quarta será responsável por fazer considerações finais.

Relações Internacionais e Grandes Debates

1 Relações Internacionais, Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA), Universidade Católica de Petrópolis (UCP).

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A origem da disciplina de Relações Internacionais, aqui também referida pela sigla RI, é comumente associada ao ano posterior a Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918). Tal datação ocorre em função da criação de uma cátedra específica de Relações Internacionais na Universidade de Wales, Reino Unido, em 1919. A institucionalização da disciplina no departamento supracitado, que tinha por objetivo analisar as causas da paz e guerra de modo a evitar conflitos semelhantes, logo ganhou força com a proliferação de textos introdutórios, como o International Relations de Steven Allen2 (Allen, 1920; Sarfati, 2005). Além disso, o desenvolvimento institucional da disciplina também contou com o impulso de jornais especializados em relações internacionais, exemplo do famoso Foreign Affairs, cuja primeira publicação sob o nome que tornou-o mundialmente reconhecido ocorreu em 1922 - ainda que o mesmo seja continuação direta do Journal of Race Development (1910 - 1919), que entre 1919 e 1922 foi re-nomeado para Journal of International Relations (Iriye, 1997).

Os chamados Grandes Debates também contribuíram para a concretização das Relações Internacionais como disciplina em si. O primeiro debate conhecido ocorreu entre a escola Realista e Idealista de RI, sendo a primeira uma reação à última, entre as décadas de 1920 e 1940. O principal expoente da escola Idealista foi Woodrow Wilson, presidente dos EUA entre 1913 e 1921. À vista disso, os Catorze Pontos de Wilson - plano baseado em preceitos liberais para estruturar uma ordem mundial que evitasse novas catástrofes - podem ser reconhecidos como constituintes do discurso idealista após a Primeira Guerra Mundial. Dentre outras coisas, Wilson solicitava à comunidade internacional a criação de uma instituição mundial para resolução de controvérsias através da diplomacia. Alguns anos depois, entretanto, tais aspirações foram questionadas por Edward Carr (2016), que apresentou duras críticas ao Idealismo a partir da constatação de que poder e interesses estão no cerne da política mundial. A publicação de Politics Among Nations, em 1948, por Hans Morgenthau (1948) concretiza o estabelecimento da escola Realista de RI e sua oposição aos Idealistas, também chamados de Utópicos.

Logo, o Primeiro Grande Debate cedeu lugar ao Segundo Grande Debate, entre as décadas de 1950 e 1960, cujo foco era essencialmente metodológico. Em outras palavras, discutia-se como o conhecimento na área de Relações Internacionais deveria ser produzido. Os atores de tal debate eram majoritariamente Anglo-Saxões: no Reino Unido, a emergência da Escola Inglesa refletia uma tradição historiográfica, característica de seus fundadores, enquanto

2 Isso não significa, entretanto, que indivíduos não escreviam, pensavam ou discutiam fenômenos internacionais. O que pretende-se com esta contextualização é demonstrar o reconhecimento que as Relações Internacionais ganham, a partir do século XX, como disciplina independente da Ciência Política, História ou Economia.

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nos EUA acadêmicos demandam a aplicação de métodos quantitativos (Bull, 1969). O último Grande Debate é caracterizado por uma discussão metateórica, ou seja, sobre a teoria utilizada para produzir modelos teóricos na disciplina. Nesse sentido, o debate foi caracterizado pela oposição entre positivistas e positivistas. Um dos aspectos questionados pelo pós-positivismo, por exemplo, é em relação às premissas e suposições assumidas pelas teorias clássicas de RI (Lapid, 1989).

É justamente durante o desenrolar do Terceiro Grande Debate que temas relacionados à raça obtém maior abertura, entre teóricos pós-positivistas, para discussão3. Além da identificação de que teorias são criadas para alguém e por algum motivo (Cox, 1981), o pós-positivismo não é ontologicamente rígido e, portanto, discussões podem ser aprofundadas, além de ser permitida a atores que até então eram marginalizados pelos modelos teóricos clássicos a possibilidade de agência. Mais do que propor respostas a serem universalmente aplicadas, o pós-positivismo busca fazer perguntas (Loughlin, 2012). A partir de então, abordagens sobre raça e subalternidade, questões historicamente omitidas do mainstream de RI, puderam ser feitas com maior frequência.

Raça e Subalternização

O terceiro Grande Debate impulsionou discussões sobre racismo, colonialismo e subalternização no campo das RI. Recentemente, expôs-se, por exemplo, o caráter racista da disciplina de Relações Internacionais, que surgiu como subcampo da Ciência Política com o objetivo de compreender os dilemas surgidos na expansão colonial (Hobson, 2012; Anievas, Manchanda, Shilliam, 2015). Esta natureza pode ser exemplificada no primeiro título da revista

Foreign Affairs: Journal of Race Development. Para Julie Reeves (2004, p.26), “the choices of

the journal’s title tells us something of what early IR scholars considered the subject of international relations to be about”.

Acerca da conceituação do termo raça, é válido mencionar reflexões feitas por Roxanne Doty (1993). Segundo a autora, até mesmo entre teóricos pós-positivistas, há uma tensão entre “the (...) recognition that race is more than merely a physical marker and the theoretical/methodological imperative to have clear and unambiguous definitions of concepts” (p.448). Devido a discussões ainda em andamento sobre o conceito de raça, somadas à tensão acima mencionada, aqui não pretende-se definir ou realizar uma revisão bibliográfica sobre o

3 Novamente, isso não implica que teóricos não discutiam raça e fenômenos internacionais anteriormente ao Terceiro Debate. Por exemplo, o sociólogo estadunidense, W.E.B. Du Bois, e sua teoria de global colour line são considerados uma das primeiras tentativas de inserir a problemática de raça e racismo na disciplina de Relações Internacionais.

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termo, mas entender que a ideia de raça, a partir de uma narrativa de subalternização do colonizado, foi desenvolvida com o objetivo de auferir legitimidade à conquista colonial (Quijano, 2005).

A permanência de estruturas racializadas no campo internacional, cujo propósito central é a manutenção da relação de subalternização entre antigos Estados colonizadores e colonizados - ou seja, entre o Ocidente branco e os “Outros” não-brancos -, deve ser compreendida a partir do caráter sistemático do racismo (Quadros, 2019). Conforme Silvio Almeida (2019, p.25),

o racismo – que se materializa como discriminação racial – é definido por seu caráter sistêmico. Não se trata, portanto, de apenas um ato discriminatório ou mesmo de um conjunto de atos, mas de um processo em que condições de subalternidade e de privilégio que se distribuem entre grupos raciais se reproduzem nos âmbitos da política, da economia e das relações cotidianas.

Em escala internacional, W.E.B. Du Bois contribui para o debate. No início do século XX, o sociólogo estadunidense afirmou: “the problem of the twentieth century is the problem of the color-line, - the relation of the darker to the lighter races of men in Asia and Africa, in America and the islands of the sea” (Du Bois, 2007, p.15). Em outras palavras, a “linha de cor” faz referências às inúmeras dimensões - geográfica, política, econômica - que separam os brancos dos não-brancos (Quadros, 2019). Sendo um elemento fundamental para a criação do sistema mundial moderno, a raça modela representações e práticas da política internacional, contribuindo para a manutenção de uma ordem mundial estratificada onde aqueles do Sul Global estão em uma posição subalterna e são identificados como racialmente inferiores (Persaud e Walker, 2001; Said, 2007). A perpetuação de tais práticas exclusionárias e de subalternização do Outro, ainda que de forma subliminar, é o modus operandi das Relações Internacionais - como fenômeno e disciplina - até os dias de hoje (Anievas, Manchanda, Shilliam, 2015).

Um grande exemplo demonstrador da permanência de tais estruturas e práticas pode ser encontrado na chamada História das Relações Internacionais, ou História Mundial, que possui sua periodização em eventos históricos do Ocidente4 ao mesmo tempo que nega agência a sociedades não-brancas, cuja única aparição ocorre dentro de discursos de subalternização, como a o período em que estiveram subjugados pelo imperialismo (Tickner e Waever, 2009; Achaya e Buzan, 2010). Walter Mignolo (2013), por exemplo, aponta para a História Ocidental,

4 Até o momento, tive a oportunidade de cursar a disciplina História das Relações Internacionais em dois países: Brasil (UCP) e Rússia (FEFU). Em ambas as experiências, a mesma linha cronológica foi seguida: Paz de Vestfália, Revolução Francesa, Concerto Europeu, Imperialismo, Grandes Guerras, Guerra Fria.

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com ênfase nas Grandes Navegações, Renascença e Revolução Francesa, para demonstrar como a narrativa de direitos humanos - supostamente universais - amparou a colonização de sociedades não-brancas a partir da justificativa de exportação da civilização e humanização.Outros autores, como Immanuel Wallerstein (2007), também compartilham esta argumentação.

A partir disso, próxima seção estará encarregada de analisar outro grande exemplo do fenômeno mencionado: os conceitos de “anarquia” e “Estado falido” como categorias embebidas por uma racionalidade racista e de subalternização de povos, sociedades e Estados não-brancos - ou não-Ocidentais.

Anarquia e Estado falido

Como visto, as relações internacionais contemporâneas continuam estruturadas por concepções racistas datadas do período colonial. Neste trabalho, o primeiro exemplo a ser analisado com a intenção de expor a permanência de tais estruturas é o conceito de “anarquia”, premissa central assumida pelas teorias clássicas da disciplina - (neo)realismo e (neo)liberalismo. A conceptualização de “anarquia” deriva dos hipotéticos cenários, onde o ente estatal é inexistente e os seres humanos convivem em um estado de natureza, desenhados por teóricos contratualistas, como Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant. No campo internacional, a anarquia expressa a ideia de ausência de uma autoridade suprema e legítima que regule as relações entre os Estados (Nogueira e Messari, 2005; Henderson, 2015).

Charles Mills (1997)5, entretanto, argumenta que o contrato social, assinado pelos indivíduos no estado de natureza para a criação do Estado, está inserido no escopo de um “contrato racial” mais amplo.

The Racial Contract is that set of formal or informal agreements or meta-agreements (higher-level contracts about contracts, which set the limits of the contracts' validity) between the members of one subset of humans, henceforth designated by (shifting) "racial " (phenotypical/genealogical/cultural) criteria Cr, C2, C3 ... as "white, " and coextensive (making due allowance for gender differentiation) with the class of full persons, to categorize the remaining subset of humans as "nonwhite" and of a different and inferior moral status, subpersons (Mills, 1997, p.11).

Dessa forma, o contrato racial estabelece uma comunidade humana heterogênea organizada hierarquicamente e que reflete um dualismo demarcado pela raça. Este dualismo,

5 John Hobson (2012) tece críticas semelhantes a filósofos políticos ocidentais que desenvolveram suas perspectivas contribuições desde o século XVIII.

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inerente às teses de contrato social, argumenta o autor, foi transmitido às teorias de RI que advêm destas teses. Assim, tal dualismo racial persistiria até a atualidade.

Por exemplo, ainda que as proposições de Hobbes aparentam ser racialmente neutras em um primeiro momento, Mills utiliza o texto original do filósofo inglês para demonstrar que Hobbes oferece um único exemplo de sociedades no estado de natureza. De acordo com o próprio Hobbes

It may peradventure be thought, there was never such a time, nor condition of war as this; and I believe it was never generally so, over all the world: but there are many places, where they live so now. For the save people in many places of America, except the government of small families, the concord whereof dependeth on natural lust, have no government at all (Hobbes, 1998, p.85).

Percebe-se uma lógica racial na obra: o estado de natureza literal é exclusivo aos não-brancos, enquanto que para os brancos é hipotético. Ou seja, na literatura contratualista o estado de natureza é “really a nonwhite figure, a racial object lesson for the more rational whites, whose superior grasp of natural law (...) will enable them to take the necessary steps to avoid it and not to behave as “savages”” (Mills, 1997, p.66). A expansão colonial europeia consolidou o mundo em que o estado de natureza é reservado às sociedades não-brancas, que deveriam ser governadas pela civilização européia, que, por sua vez, gozava dos benefícios da democracia liberal (Du Bois, 1966).

Como visto, o conceito de “anarquia”, no qual as teorias clássicas de Relações Internacionais assumem como ponto de partida, deriva de um cenário supostamente inerente às raças primitivas e inferiores do chamado Terceiro Mundo. Dessa forma, somente o sistema de administração colonial, como muitos teóricos da disciplina defendiam, garantiria que tal cenário de violência não contaminasse o mundo moderno e causasse conflitos entre as potências brancas. Nota-se, que as preocupações com a anarquia estão baseadas em um discurso racista concentrado na missão de povos superiores de estabelecer a ordem em território anárquico, através da administração colonial, de modo a impedir que o caos se espalhe em regiões civilizadas (Henderson, 2015).

O segundo conceito a ser analisado neste trabalho é o de “Estado falido”. Nas últimas décadas, o termo tem sido amplamente utilizado para se referir a Estados não-brancos, especialmente na África (Branch e Cheeseman, 2009). Brevemente, pode-se entender o conceito em termos de capacidade estatal. Segundo Joel Migdal (1988, p.4), “capabilities include the capacities to penetrate society, regulate social relationships, extract resources, and appropriate or use resources in determined ways. (...) weak states are on the low end of a

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spectrum of capabilities”. Jean-Germanin Gros (1996, p.456) também contribui: “‘failed states’ may be identified as those in which public authorities are either unable or unwilling to carry out their end of what Hobbes long ago called the social contract”.

Branwen Jones (2015), entretanto, argumenta que o conceito deve ser entendido dentro de uma linguagem de desenvolvimento e modernização, cujo objetivo é legitimar práticas de atores Ocidentais em prover assistência ou conselhos em questões políticas, econômicas e sociais, surgida durante o processo de descolonização. A noção de desenvolvimento, portanto, possui um caráter teleológico, uma vez que que as categorizações de “menos desenvolvido”, “em desenvolvimento” e “desenvolvido” são usadas para expressar evolução e civilização. Assim, a narrativa de “Estado falido” insere-se em uma lógica hierárquica na qual o critério de posicionamento dos Estados dá-se em termos de formas institucionais e capacidade de governar. “In fragile states, the gap between the model of the rational-legal bureaucratic state of academic literature and development practice and institutional forms on the ground is often very wide” (Ingram, 2010, p.8). Em outras palavras, o conceito está inserido dentro de uma estrutura racializada que historicamente legitimou práticas de conquista, escravização e dominação.

Além de desconsiderar a estrutura racista na qual o discurso de “Estado falido” está inserido, o vocabulário conceitual e sua metodologia, majoritariamente quantitativo, também expressam o sucesso do mainstream de Relações Internacionais em ocultar todo o processo histórico de colonialismo, imperialismo, intervenção, exploração e opressão racial que resultou nas atuais condições sociais, políticas e econômicas dos Estados denominados falidos. Índices de “boa governança” e “Estado falido” representam hierarquias de julgamento internacional e racialização que continuamente posicionam Estados brancos no topo e Estados não-brancos no fim. Isso legitima, dentre outras consequências, intervenções militares na periferia subalternizada (Jones, 2015; The Fund for Peace, 2020).

Considerações Finais

Este artigo buscou demonstrar a expressão da natureza racista da disciplina de RI nos conceitos de “anarquia” e “Estado falido”. A discussão proposta no presente trabalho, além de demonstrar a permanência de estruturas racializadas nas Relações Internacionais e na política internacional, motiva o autor a fazer duas provocações a estudantes e pesquisadores do campo de RI e áreas correlatas. Primeiro, é necessário contestar a chamada Colonialidade do Saber, ou seja, a importação de agendas de pesquisa, da ontologia e de epistemologias ocidentais pelo Sul Global juntamente com a ofuscação de potenciais contribuições do último para as Relações Internacionais. Não se pretende, com esta abordagem, deixar de debater questões relacionadas

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a guerra e paz, mas inserir na academia de Relações Internacionais agendas caras às sociedades do Sul, como a própria noção de raça e subalternização - ainda mais complexa, e talvez crítica para os Estados do Sul, em função de sua natureza sistêmica, estrutural e subliminar. Segundo, também é urgente fazer uma releitura da história oficial das Relações Internacionais de modo a expor seu caráter racista. Somente a partir de então será possível entender melhor as dinâmicas sociais, políticas e econômicas de sociedades do Sul Global antes de sua categorização, a partir de critérios cegos aos legados resultantes de séculos de exploração econômica, opressão racial e escravização de indivíduos, como “selvagens” ou “falidos”. Além disso, tal leitura também permitiria a atores não-brancos a possibilidade de agência na história. Por que, por exemplo, estuda-se mais os impactos da Revolução Francesa do que os da Revolução Haitiana na academia de Relações Internacionais do Sul? Aqui, ressalta-se novamente: o objetivo desta abordagem não é desconsiderar a universalização de princípios iluministas, mas investigar os impactos da luta de Toussaint Louverture contra a colonização e opressão racial em um período onde a realidade latino-americana era caracterizada por essa dinâmica. Da mesma forma, como pode-se discutir o desenvolvimento da democracia liberal contemporânea, atualmente sob ameaça ao redor do mundo, sem analisar as conquistas alcançadas pelos movimentos de direitos civis e descolonização que exigiam o fim da seletividade dos princípios liberais? Tais discussões, entretanto, não fazem parte do escopo de pesquisa deste trabalho e, sendo assim, permanecem abertas para futuros estudos de aprofundamento.

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Referências

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