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Apostila OAB Pratica Penal

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Academic year: 2021

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RODRIGO DE OLIVEIRA ALMENDRA

REVISÃO DE IZABELLA BRAGA Janeiro de 2013

OAB – 2ª FASE – PRÁTICA PENAL

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Prof. Rodrigo Almendra - www.rodrigoalmendra.com . 1

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 4 1º. COAÇÃO FÍSICA ... 5 2º. ATOS REFLEXOS ... 6 3º. ERRO DE TIPO ... 6

ERRO DE TIPO ESSENCIAL ... 7

ERRO DE TIPO ACIDENTAL ... 8

4º. ATOS DE INCONSCIÊNCIA ... 11

5º. DOLO & CULPA ... 11

6º. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ... 13

TEORIA DAS CO-CAUSAS ... 14

TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA ... 16

7º. ATIPICIDADE FORMAL ... 16

8º. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ... 17

9º. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL ... 18

10º. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO ... 18

11º. DESCRIMINANTES PUTATIVAS ... 19

12º. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA & ARREPENDIMENTO EFICAZ ... 20

13º. CRIME IMPOSSÍVEL ... 23

14º. LEGÍTIMA DEFESA ... 23

15º. ESTADO DE NECESSIDADE ... 24

16º. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL ... 25

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2

18º. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO (COMO CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DO FATO ANTIJURÍDICO) ... 26

19º. ABORTO PRATICADO POR MÉDICO ... 26

20º. FURTO DE COISA COMUM FUNGÍVEL ... 27

21º. INIMPUTABILIDADE PENAL ... 27

22º. ERRO DE PROIBIÇÃO INVENCÍVEL ... 28

23º. COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL ... 28

24º. OBEDIÊNCIA À ORDEM DE SUPERIOR HIERÁRQUICO ... 29

25º. DESCRIMINANTES PUTATIVAS (ERRO DE PROIBIÇÃO INDIRETO) ... 30

26º. CAUSAS SUPRALEGAIS DE INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA ... 30

27º. AUSÊNCIA DE PROVAS ... 31

28º. INCOMPETÊNCIA ... 31

29º. DESRESPEITO AO CONTRADITÓRIO ... 32

30º. REFORMATIO IN PEJUS ... 32

31º. AUSÊNCIA DE RÉU PRESO NA AUDIÊNCIA ... 32

32º. DENÚNCIA INEPTA ... 32

33º. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÕES NECESSÁRIAS ... 33

34º. MORTE DO AGENTE ... 33 35º. ANISTIA ... 33 36º. GRAÇA ... 34 37º. INDULTO ... 34 38º. PERDÃO JUDICIAL ... 34 39º. PERDÃO DO OFENDIDO ... 35 40º. RENÚNCIA ... 35 41º. PEREMPÇÃO ... 36

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Prof. Rodrigo Almendra - www.rodrigoalmendra.com . 3 42º. PRESCRIÇÃO ... 37 43º. DECADÊNCIA ... 40 44º. RETRATAÇÃO ... 40 45º. ABOLITIO CRIMINIS ... 41

46º. CAUSA ESPECIAL DO ART. 168-A, § 2º DO CÓDIGO PENAL. ... 41

47º. CAUSA ESPECIAL DO ART. 312, § 3º DO CÓDIGO PENAL. ... 41

48º. ESCUSAS ABSOLUTÓRIAS ... 42

49º. TENTATIVA (CP, ART. 14, II). ... 42

50º. ERRO DE PROIBIÇÃO VENCÍVEL ... 44

51º. ARREPENDIMENTO POSTERIOR ... 44

52º. CONCURSO FORMAL PERFEITO ... 45

53º. CRIME CONTINUADO ... 46

54º. SEMI-IMPUTABILIDADE PENAL ... 47

55º. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ... 47

56º. SURSIS ... 49

QUADRO COMPARATIVO DE DIVERSOS INSTITUTOS ... 50

57º. RETROATIVIDADE DA LEI BENÉFICA ... 51

58º. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ... 51

59º. TESES RELATIVAS AO CONCURSO DE PESSOAS ... 52

60º. OMISSÃO IRRELEVANTE ... 53

ANEXO I - FUNDAMENTO DAS TESES DE DEFESA (PARA DESTACAR NA LEGISLAÇÃO A SER LEVADA PARA A PROVA) ... 0

ANEXO II - GRÁFICO LÓGICO DAS TESES DE DEFESA ... 52

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INTRODUÇÃO

Embora seja comum apresentarmos teses de “defesa” como aquelas adotadas pelos advogados dos acusados, não se pode duvidar que, por vezes, o papel do criminalista é o de “acusar” (como ocorre nos crimes de ação penal privada ou nos casos em que ele atua como assistente do Ministério Público). Portanto, deve o penalista está preparado para sua maior missãor: promover a justiça (seja acusando aquele que incorreu na prática de infração penal ou defendendo aquele que foi injustamente ou excessivamente acusado).

A acusação, em regra, preocupa-se em provar os elementos do crime (Fato Típico, fato antijurídico e agente culpável), em zelar pela regularidade do rito processual (evitando-se alegações de nulidade) e em prevenir a extinção da punibilidade (acelerando o andamento da ação e evitando o desaparecimento de provas, por exemplo). A defesa, por outro lado, deve ser exercida com a máxima técnica e, nesse sentido, deve demonstrar a inexistência do crime (por ausência de qualquer de seus elementos) ou buscar minimizar a reprimenda penal. Portanto, é possível concluir que o entendimento das Teses de Defesa pressupõe uma visão ampla da Teoria do Crime e da Teoria da Pena.

O crime depende da reunião de três elementos1 (Fato Típico, fato antijurídico (ou ilicitude) e agente culpável (ou Culpabilidade)). A ausência de qualquer um dos elementos implica, necessariamente, na exclusão do crime e consequentemente na exclusão da pena.

1

Teoria Analítica Tripartida do Crime. Registre-se a existência de adeptos da denominada “Corrente Bipartida” que prega o conceito de crime como a junção de apenas dois elementos: o Fato Típico e o fato antijurídico. Nesse sentido, vide Damásio de Jesus.

A pena depende, obviamente, da existência de um crime2 e do preenchimento das condições de punibilidade e do respeito ao devido processo legal. Sem crime, sem punibilidade ou sem devido processo legal não há como aplicar qualquer sanção penal.

2 “Não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem prévia cominação legal” – Princípio da Legalidade, CP, art. 1º.

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5 As teses de defesa que recaem sobre a Teoria do Crime são, basicamente, causas de exclusão dos elementos do delito e/ou de seus desdobramentos. Assim, a coação física exclui o crime porque afasta a voluntariedade e sem ela não pode existir conduta, e sem ação ou omissão não pode existir Fato Típico. Portanto, não há que se falar em crime. As teses de defesa que recaem sobre a Teoria da Pena buscam apontar vícios processuais (nulidades), causas de extinção da punibilidade (prescrição, por exemplo) ou mesmo diminuir o quantum de fixação da pena (aplicação de minorantes, atenuantes, etc).

1º. Coação física

Coação é a diminuição da liberdade de escolha por meio de violência física ou moral. Quando o constrangimento é físico, fala-se em coação física; quando é psicológico, fala-se em coação moral. O tratamento dado à coação física é diverso do que foi conferido à coação moral. A coação física é causa de exclusão da voluntariedade (elemento da conduta), ao passo em que a coação moral (Tese 24) é causa de exclusão da exigibilidade de conduta diversa (elemento da Culpabilidade, terceiro requisito do crime).

Voluntariedade é o domínio da mente sobre o corpo. Se você está sentado, nesse instante, lendo esse manual, é porque sua mente controla seu corpo (inclusive seus olhos) e é possível ficar assim, quieto, simplesmente lendo... Isso se chama voluntariedade. Observe que voluntariedade não é sinônimo de vontade. É possível fazer algo mesmo sem vontade, como tomar um remédio amargo para ficar curado de uma doença. Trata-se, nesse exemplo, de uma conduta voluntária (a mente controla o corpo para levar o remédio à boca), mas realizada sem vontade (sem prazer, sem divertimento imediato, sem excitação).

A coação física retira a voluntariedade. Amarrado, empurrado, arrastado o agente deixa de controlar o movimento de seu próprio corpo e passa a funcionar como marionete de outra pessoa (chamada de coator). Assim, seus atos deixam de ser voluntários e, por conseguinte, deixam de ser relevantes penalmente. Como a voluntariedade é um dos elementos da conduta que, por sua vez, é um dos desdobramentos do Fato Típico, podemos concluir que a ausência de voluntariedade provocada pela coação física é causa de exclusão do crime.

Detalhe: a coação física não tem previsão em Lei. Nem no Código Penal e nem na legislação extravagante existe qualquer dispositivo sobre coação física. A coação moral, por outro lado, está prevista no art. 22 do Código Penal, com desdobramentos no art. 65, III, c, do mesmo diploma. Assim, quando constar em uma prova de concurso público (inclusive na do exame da ordem) a expressão “coação irresistível” sem qualquer detalhamento (se tal coação é física ou moral) deve-se considerar que o examinador está se referindo à coação moral, eis que é a única que tem previsão legal. Qualquer questionamento relativo à “coação física” deverá ser expresso.

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2º. Atos reflexos

O ato reflexo é da mesma “escola” da coação física irresistível, ou seja, também é considerado causa supralegal de exclusão da voluntariedade (capacidade que a mente tem de dominar os movimentos do corpo). São reflexos os atos que a mente não controla, tal como fechar os olhos ao espirrar, levar a mão até o ouvido quando algo entra indevidamente no interior da cavidade auricular ou retrair o músculo ao levar um choque.

Imaginemos que alguém, em ato reflexo, empurre acidentalmente um vaso da varanda de um apartamento. O vaso cai e acerta a cabeça do porteiro, levando-o ao encontro da morte (que o aguarda ansiosa e receptiva). Nesse caso, não havendo voluntariedade da conduta não haverá, repita-se, conduta e, sem conduta não há que se falar em Fato Típico e, sem isso, não há crime e nem pena.

Não se deve confundir ato reflexo com ato condicionado. Este última é um movimento voluntário (controlado pela mente) que, em razão da repetição exaustiva, é praticado “quase que sem pensar”. É o exemplo dos que praticam esportes de luta. O ato condicionado não afasta a responsabilidade penal e nem diminui a pena.

3º. Erro de tipo

Erro de tipo é a ausência ou diminuição da consciência sobre a conduta praticada, ou seja, o sujeito faz algo sem entender (total ou parcialmente) o que está fazendo. É claro que nem todas as condutas interessam ao direito penal. Ao contrário, a esse ramo do Direito servem apenas as condutas típicas, assim entendidas aquelas que estão previstas em Lei. Dessa forma, o agente que mata alguém sem ter consciência que está matando, que provoca o aborto sem ter consciência de está-lo provocando, que fere sem saber que está ferindo, que estupra sem saber que está estuprando, etc, não tem consciência sobre a conduta típica praticada e, em razão disso, incorre em erro de tipo.

Não há que se confundir erro de tipo com erro de proibição (tese 23 e 52). No erro de proibição o agente conhece a conduta praticada (tem consciência do que faz), mas ignora – total ou parcialmente – a ilicitude dessa conduta. O agente sabe que mata, mas não sabe que matar é injusto; o agente sabe que provoca o aborto, mas desconhece a proibição dessa conduta; o agente sabe que está ferindo, mas não conhece a ilicitude do ferir, etc.

Na Teoria do Crime podemos observar duas consciências: (1) a consciência da conduta (da ação ou omissão), desdobramento do Fato Típico; e (2) a consciência da ilicitude da conduta, ramificação da Culpabilidade. O erro de tipo pode afastar a consciência da conduta; o erro de proibição, por outro lado, recai sobre a consciência da ilicitude

da conduta praticada. Portanto, o erro de tipo tem repercussão no Fato Típico, ao passo que o erro de proibição influência na Culpabilidade.

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7 O erro de tipo (repita-se: falha de percepção sobre a consciência da conduta típica praticada) pode recair sobre o próprio dolo (que é a essência do crime) ou sobre aspectos secundários (acidentais) do crime. É por esse motivo que a doutrina classifica, tradicionalmente, o erro de tipo em: (a) essencial; ou (b) acidental. No primeiro – essencial – o agente não tinha dolo de praticar o crime; no segundo – acidental – o agente possuía dolo do crime, mas se equivoca sobre aspectos menores do tipo penal (pessoa, lugar, modo, objeto... quase uma “adedonha”).

Exemplos: o agente que mata alguém pensando ser um animal de caça não tem dolo de homicídio (erro de tipo essencial); aquele que mantém relação sexual com menor de 14 anos pensando ser maior não tem dolo de estupro de vulnerável (erro de tipo essencial); aquele que mata Pedro pensando ser João tem dolo de homicídio, equivocando-se apenas sobre a pessoa da vítima (erro de tipo acidental); aquele que atira na esposa e depois enterra, pensando ter causado a morte pelo disparo, mas provocando a morte por asfixia, tem dolo de homicídio, errando apenas quanto ao modo/causa (erro de tipo acidental); aquele que furta bijuteria pensando ser diamante tem dolo de furto, sendo que o erro recai sobre o objeto (erro de tipo acidental), etc.

Erro de Tipo Essencial

É aquele que afasta a compreensão da tipicidade subjetiva dolosa, ou seja, a vontade de praticar o crime (exemplo do agente que subtraiu coisa alheia pensando ser própria e daquele que matou pessoa pensando ser animal de caça). Observação: quando o Código Penal se refere a “erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime” (CP, art. 20) está se referindo ao erro de tipo essencial.

Essa “dica” é importante, pois as bancas realizadoras de concurso público (inclusive Exame da Ordem) seguem a nomenclatura do Código Penal. Assim, se em dada questão constar apenas “erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal de crime” ou “erro de tipo”, sem detalhamentos, deve-se considerar que a banca questiona algo sobre o erro de tipo essencial.

Também da leitura do art. 20 do Código Penal, podemos observar que o erro de tipo essencial sempre exclui o dolo, mas se evitável (vencível ou inescusável) poderá ser punido a título de culpa (desde que a conduta seja prevista em lei na forma culposa, é claro!). Se inevitável, não haverá qualquer crime (por ausência de dolo e culpa).

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8 Em resumo, podemos afirmar que o erro de tipo tem como consequência jurídica a exclusão do dolo e, portanto, a exclusão da tipicidade dolosa da conduta podendo, no caso penal concreto, ser vencível ou invencível:

a) Erro de Tipo Essencial Invencível. Também chamado de erro de tipo essencial insuperável ou escusável, é aquele em que o erro é intransponível para o homem médio, para o homem comum do povo. Essa espécie de erro afasta o dolo e a culpa e, por conseguinte, afasta a própria responsabilidade penal (eis que não existe crime sem dolo ou culpa).

Importante destacar que sem dolo e sem culpa, não existe Fato Típico e sem Fato Típico não existe crime e, por conseguinte, não existe pena. Daí se afirmar que o erro de tipo essencial invencível é causa de exclusão do crime e da pena.

b) Erro de Tipo Essencial Vencível. É comum que as bancas organizadoras de certames públicos também se refiram a esse erro como superável ou inescusável. Trata-se do erro que poderia ter sido evitado se o agente tivesse agido com mais cautela/prudência. Daí que sua conduta, embora não seja punida a título de dolo, poderá ser responsabilizada culposamente (desde que exista crime culposo previsto legalmente, óbvio!). Chama-se de culpa imprópria3aquela que decorre de erro de tipo essencial vencível.

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A conduta culposa pode ser própria (resultante de imprudência, negligência ou imperícia) ou imprópria (fruto de uma conduta equivocada – erro de tipo evitável).

Exemplo: se o agente dispara contra alguém acreditando tratar-se de um animal, sendo possível evitar tal erro, responderá pelo crime de homicídio culposo (CP, art. 121, § 3º); se o erro fosse inevitável, não haveria qualquer responsabilidade penal para o atirador.

Erro de Tipo Acidental

Aqui o agente tem o dolo de praticar a conduta típica, mas se equivoca sobre aspectos secundários (acidentais) do crime, ou seja, vontade o agente tem, competência para bem concretizar sua vontade, não. O erro de tipo acidental pode recair sobre a pessoa da vítima, sobre o objeto do crime etc, daí poder ser assim classificado:

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9 a) Erro de tipo acidental sobre a pessoa (error in persona). Nesse

erro, o agente tem dolo de acertar a vítima “A”, erra e acerta a vítima “B”. O motivo do erro é a proximidade de aparência das vítimas (gêmeos, por exemplo). Observe que o agente tem dolo de disparar, errando apenas em relação à pessoa inicialmente desejada, em razão da aparência similar. O agente deve responder tal como se tivesse acertado quem ele gostaria de ter acertado, ignorando-se as qualidades e condições da vítima real.

Exemplo: uma mãe, sob a influência do estado puerperal, logo após o parto, vai ao berçário desejando matar o próprio filho e assim praticar o delito de infanticídio (CP, art. 123: “matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”). Confunde as crianças e mata o filho alheio (incorrendo em homicídio, em tese). Todavia, deve a mãe responder pelo que desejava: infanticídio.

b) Erro de tipo acidental sobre o objeto. Aqui o criminoso incompetente se equivoca sobre o objeto do crime (por serem assemelhados). O agente desejava, por exemplo, subtrair açúcar, mas levou farinha; desejava subtrair um diamante, mas levou uma bijuteria de pequeno valor; deseja destruir o carro de Pedro, mas incendiou, por erro, o carro de Joana etc. Não há dispositivo de lei para resolver essa situação. A doutrina majoritária, suprindo a omissão legislativa, diz ser possível a aplicação da regra do art. 20, § 3º do Código Penal, por analogia, desde que usada para beneficiar o agente (salvo contrário, o agente deverá responder pelo que realmente fez e não pelo que gostaria).

c) Erro de tipo acidental sobre o nexo causal. Nesse caso, a confusão é sobre a relação de causalidade, ou seja, sobre o que deu causa ao resultado. O agente, por exemplo, intencionava matar fazendo uso de asfixia, mas mata por traumatismo; ou desejava matar com uso de fogo, mas mata por asfixia. Não há previsão legal para a solução desse tipo de problema. A doutrina clássica prega a aplicação, por analogia, do art. 20, § 3º (desde que para beneficiar o acusado).

Observação: o dolo presente nesta espécie de erro é chamado dolo geral. Portanto, se o agente tem intenção de matar do modo X e mata, por equívoco, do modo Y, terá agido com dolo geral.

d) Erro de tipo acidental sobre a execução. É a forma mais interessante de erro. Aqui o agente intenciona praticar o crime contra uma pessoa, mas erra e acerta outra pessoa. Repare que não há confusão sobre a identidade das vítimas (caso contrário haveria um erro de tipo acidental sobre a pessoa). O agente tem a absoluta certeza sobre a identidade da vítima, mas erra apenas quanto à execução (ou seja, quanto à pontaria). Também pode ocorrer em relação ao objeto do crime, desde que o agente erre na execução da empreitada delituosa.

É possível classificar o erro de execução em dois grupos:

I. Erro de execução em sentido estrito. É aquele em que há identidade de objeto material quanto a sua natureza (pessoa x pessoa ou objeto x objeto).

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10 Podem ocorrer duas situações:

(a) Apenas a vítima errada é atingida. O agente intencionava acertar a pessoa “A”, erra a pontaria e acerta a pessoa “B”. Nesse caso, aplica-se a regra do art. 73, 1ª parte do CP (“quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código”), que faz expressa referência à regra do art. 20, § 3º do mesmo diploma, ou seja, o agente responde tal como se tivesse acertado quem ele gostaria de ter acertado.

(b) O agente atinge também quem ele gostaria. O agente, incorrendo em erro, acerta quem ele gostaria e quem ele não gostaria, lesionando ambas. Nesse caso, a solução está no art. 73, 2ª parte do CP (“No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”). O dispositivo faz remissão ao art. 70 do diploma penal (“quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade (...)”).

II. Resultado diverso do pretendido. O agente erra a pontaria e afeta objeto material distinto do desejado, ou seja, há heterogeneidade em relação aos objetos do crime (pessoa x coisa ou coisa x pessoa).

Nesses casos, há de se questionar se ocorreu apenas o resultado diverso do pretendido ou se ambos os resultados (o desejado e o não desejado) aconteceram.

 Se o agente acerta coisa quando gostaria de ter acertado pessoa, deverá responder pela tentativa do crime contra a pessoa. Somente isso. Não responderá pelo resultado indesejado eis que não existe crime de dano na forma culposa. Se Paulo quer matar Pedro, dispara, erra e acerta o carro de Maria, responderá apenas pela tentativa de homicídio. O dano causado ao carro de Maria será apenas indenizável (aspecto civil).

 Se o agente acerta pessoa quando gostaria de ter acertado coisa, deverá responder pela tentativa do crime de dano (na forma dolosa, é claro) e pelo resultado indesejado provado (crime contra a pessoa na forma culposa). Responderá pelos dois crimes, aplicando-se, no caso, a regra do concurso formal (CP, art. 70).

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11  Se o agente acerta pessoa e coisa quando desejava

acerta apenas pessoa, deverá responder pelo crime contra a pessoa (apenas), eis que não existe dano na forma culposa; se agente acerta pessoa e coisa quando deseja acertar apenas a coisa, deverá responder pelos dois crimes (dano na forma consumada e lesão/homicídio na forma culposa) em concurso formal (CP, art. 70).

No Exame da Ordem, as espécies de erro mais frequentes são o erro de tipo essencial, o erro sobre a pessoa e o erro sobre a execução, daí se recomendar especial atenção ao art. 20, § 3º, 70 e 73 do Código Penal.

4º. Atos de inconsciência

Os atos de inconsciência são todos aqueles movimentos corpóreos realizados sem consciência, tal como ocorre com o sonâmbulo e o hipnotizado. Possui natureza jurídica de causa supralegal de exclusão da consciência da conduta e, por conseguinte, da conduta, do Fato Típico, do crime e da pena.

5º. Dolo & culpa

Não se deve confundir dolo com culpa. Existe dolo quando o agente quer o resultado ou, no mínimo, assume o risco de produzi-lo (CP, 18, I); culpa, todavia, ocorre que o agente não quer o resultado e nem assume o risco de produzi-lo (CP, art. 18, II). Também existe culpa quando o resultado é provocado por erro – culpa imprópria – com previsão no art. 20 do Código Penal (erro de tipo vencível).

O dolo pode ser direto ou indireto. Dolo direto é aquele em que o agente deseja o resultado, seja como consequência principal de sua ação (dolo direito de 1º grau) ou como destino necessário e inevitável (dolo direito de 2º grau). O dolo direto é fruto da chamada Teoria da Vontade.

Dolo indireto é aquele em que o agente assume o risco de produzir o resultado, ou seja, concorda com a produção do resultado. Pode ser alternativo ou eventual. Dolo alternativo é aquele em que o agente deseja dois ou mais resultado, alternativamente. Ocorrendo um ou outro, o agente assume o risco da sua produção (exemplo: o agente quer matar ou quer ferir, concordando com qualquer dos dois eventos); dolo eventual é aquele em que o agente não deseja o resultado, embora o aceite como resultado provável de sua conduta. Obviamente que a aceitação do resultado pressupõe que o mesmo seja previsível e previsto. O dolo indireto é consequência da adoção, em nosso sistema, da Teoria do Consentimento4.

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Portanto, conforme o Código Penal, o conceito de dolo é formado pela adoção das Teorias da Vontade e do Consentimento.

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12 Resultado previsível (ou previsibilidade objetiva) é aquele fruto da capacidade que qualquer pessoa – homem médio – tem de antecipar um evento, a partir da análise de determinada conduta. Não é necessário ser um gênio da raça para antecipar que, ao dirigir embriagado, em excesso de velocidade e desrespeitando a sinalização, o condutor poderá atropelar e matar alguém. A previsibilidade do resultado é elemento comum e condição de existência tanto ao dolo como à culpa e não serve para diferenciar os institutos; resultado previsto (também chamado de previsibilidade subjetiva) é aquele que deriva da capacidade de observação do próprio agente, ou seja, é pessoal. O condutor (no exemplo anterior) também era capaz de antever os males que sua conduta poderia causar. Logo, o resultado era previsto para ele.

A conduta culposa pode ser fruto de erro (vide art. 20 do CP) –

culpa imprópria – ou de negligência, imprudência ou imperícia – culpa

própria. A negligência é uma omissão descuidada; a imprudência é uma

ação desatenciosa; a imperícia é a falta de conhecimento sobre determinada arte, ofício ou profissão.

A culpa própria pode ser dividida em inconsciente ou consciente. O critério diferenciador é a capacidade de previsão do resultado pelo próprio agente (previsibilidade subjetiva). Na culpa inconsciente, o resultado, embora previsível por todos (previsibilidade objetiva), não foi previsto pelo agente; na culpa consciente, todavia, o agente foi capaz de prever o resultado por todos previsível, mas acreditava sinceramente que tal resultado não iria ocorrer, ou seja, não se efetivaria.

Em resumo: a diferença entre a culpa inconsciente e a culpa consciente passa pela previsibilidade subjetiva, ausente na primeira e presente na última; a diferença entre culpa consciente e dolo eventual reside na aceitação do resultado, alheia a primeira e viva no segundo.

Observe ainda que o crime culposo admite coautoria, mas não

admite participação. No exemplo clássico do “carona” que incentiva o

“condutor” desavisado a imprimir alta velocidade ao veículo com o intuito de matar alguém, resultado que efetivamente ocorre, ambos (motorista e passageiro) serão coautores do homicídio culposo.

Registre-se, ainda, que não existe, em nosso sistema jurídico, a chamada compensação de culpas, ou seja, o comportamento negligente da vítima não pode compensar ou minorar o comportamento culposo do agente. Por fim, cumpre recordar que o crime culposo não admite a forma tentada, sendo o resultado sempre necessário.

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13 O crime culposo possui 05 elementos (a quantidade de elementos varia conforme a doutrina). Quando se diz “elementos” se diz requisitos, pressupostos, condição de existência. Dessa forma, a ausência de qualquer dos elementos do crime culposo implica na ausência do delito. Eis os requisitos:

 Conduta voluntária. Sim, a conduta é voluntária mesmo nos crimes culposos. Lembre-se que “voluntariedade” é domínio da mente sobre o corpo e, mesmo nos delitos não intencionais, os movimentos corpóreos continuam sob o comando do cérebro.  Resultado indesejado, necessário e previsível. Que nos crimes

culposos o resultado não é intencionado pelo agente, é óbvio. O que não se pode esquecer é que não existe crime culposo sem resultado e, por conseguinte, não existe crime na forma tentada (a tentativa é a ausência de resultado por força alheia à vontade do criminoso). Além disso, o resultado deve ser previsível (previsibilidade objetiva), sob a pena de atipicidade da conduta.  Nexo causal entre a conduta voluntária e o resultado indesejado,

necessário e previsível. Sem nexo de causalidade, não há crime.  Tipicidade culposa. Raros são os crimes previstos na forma

culposa. Raríssimos, para bem dizer. E apenas se houver previsão no texto de lei é que será possível a responsabilização pelo crime na forma culposa, tal como nos explica o parágafo único do art. 18 do Código Penal: “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.

 Inobservância de um dever objetivo de cuidado, ou seja, a não obediência a obrigação de cuidado imposta a todas as pessoas.

Para ilustrar, imaginemos um motorista que de forma prudente e atenciosa, guiando seu veículo com perfeição técnica, atropela e mata alguém que atravessou em sua frente em tempo humanamente impossível de desviar. Nesse caso, não haverá responsabilidade penal pela ausência de inobservância do dever objetivo de cuidado.

Por derradeiro, a conduta preterdolosa é definida como a junção de dolo no antecedente e culpa no consequente, ou seja, o agente realiza uma conduta dolosa cujo resultado vai além do desejado e aceito, causando mais dano do que o pretendido. Também são raros os crimes previstos na forma preterdolosa (ou preterintencional), a exemplo da lesão corporal (dolosa) seguida de morte (culposa), previsto no art. 129, § 3º e do delito de tortura (dolosa) qualificada pela morte (culposa), prevista na Lei 9.455/97.

6º. Ausência de nexo de causalidade

No Fato Típico, a conduta é causa do resultado e o resultado é o efeito da conduta. Essa relação de causa e efeito é chamada de nexo causal (ou nexo de causalidade). Trata-se de condição de existência do Fato Típico e a sua exclusão implica na exclusão do próprio crime e, por conseguinte, da pena. Existem diversas razões que podem afastar a relação causal entre a conduta e o resultado, ou mesmo fortalecer ou explicar essa ligação. Essas “razões paralelas” são chamadas de co-causas. “Co” significa pluralidade. Portanto, ao se falar em co-causa (alguns autores dizem “concausas”) saberemos que a conduta não foi a única causa do resultado, existindo outra causa que deve ser estudada.

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Teoria das Co-Causas

A co-causa pode ser classificada quanto à sua contemporaneidade em relação à conduta (sempre tomada como causa principal), como: (a) preexistente, que já existia antes da conduta ser praticada; (b) concomitante, que surgiu no mesmo instante da conduta; ou (c) superveniente, que apareceu após a conduta. Quanto à sua importância na provocação do resultado, a co-causa pode ser: (1) relativamente independente da conduta; ou (2) absolutamente independente da conduta, sendo capaz de sozinha produzir o resultado.

A co-causa superveniente (critério temporal) relativamente independente (critério de importância) é a única que se subdivide em outras duas espécies: (I) desdobramento normal da conduta; (II) desdobramento anormal da conduta, sendo capaz de “por si só” causar o resultado, nos termos do art. 13, § 1º do Código Penal.

O gráfico ao lado (“planetário das Co-Causas”) ilustra

quais as concausas que rompem e quais as que não rompem o nexo causal. A linha azul mostra as hipóteses de manutenção do nexo causal e, por conseguinte, de responsabilização pelo resultado; a linha vermelha revela as hipóteses de rompimento do nexo causal e, por conseguinte, responsabilização unicamente pela conduta praticada, podendo ser usada como tese de defesa. Vejamos alguns exemplos:

(A) Concausa preexistente relativamente independente: o agente feriu a vítima com uma faca e com dolo de matar. A vítima sangrou até a morte, por ser hemofílica. A perícia revelou que a morte só ocorreu em razão da doença e do ferimento provocado pelo agente. A hemofilia foi preexistente à lesão e incapaz de provocar, sozinha, o resultado morte. Portanto, foi necessário o somatório dos vetores (doença e ferimentos) para a produção do resultado.

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15 (B) Concausa concomitante relativamente independente: o agente colocou veneno na sopa do avô que, coincidentemente, sofreu um AVC no momento em que consumia o alimento. O idoso morreu. A perícia revelou que o veneno, sozinho, não mataria; também que o AVC, por si só, não possibilitaria o encontro do ancião com seus amigos da Segunda Guerra. O AVC foi causa concomitante (verificada ao mesmo tempo do envenenamento) relativamente independente, sendo necessário o somatório do veneno com a doença para a provocação do resultado;

(C-1) Concausa concomitante superveniente com desdobramento normal: o agente feriu a vítima a golpes de faca e com dolo de matar. A vítima foi socorrida e morreu ao chegar ao hospital em razão de uma parada cardíaca. Nesse caso, a parada cardíaca foi superveniente à conduta de esfaquear, sendo que o resultado morte foi provocado por um desdobramento normal da conduta (é comum e mesmo ordinário que a pessoa vítima de ferimentos à faca morra de parada cardíaca).

(C-2) Concausa concomitante superveniente com desdobramento anormal: o agente lesionou a vítima com tiros de revolver. A vítima foi colocada em uma ambulância que cabotou ao fazer uma curva. A perícia revelou que a morte ocorreu exclusivamente pelos ferimentos provocados pelo acidente. Nesse caso, embora se possa afirmar que a vítima só estava na ambulância que capotou em razão dos ferimentos sofridos minutos antes, foi o acidente que casou, por si só, o resultado. Não é comum e nem ordinário que pessoas feridas por disparo de arma de fogo morram em razão de capotamento. Da mesma sorte, é o exemplo em que a ambulância cai em um rio ou no qual se registra um abalroamento de veículos.

(D) Concausa preexistente absolutamente independente: o neto envenenou o avô. Antes que o veneno fizesse qualquer efeito no organismo do idoso, o avô morreu em razão de um câncer. O câncer é uma concausa preexistente (anterior à conduta de envenenar) absolutamente independente da conduta, pois foi capaz de sozinho, causar o resultado morte.

(E) Concausa concomitante absolutamente independente: o neto colocou veneno no copo de suco do avô. Enquanto o avô bebia a substância vitaminada com “chumbinho” e antes que o veneno fizesse qualquer efeito no organismo do avô, o idoso sofreu um enfarto e morreu. O enfarto foi concausa concomitante (contemporânea à conduta de envenenar) absolutamente independente, pois foi capaz de causar o resultado morte sozinho, sem qualquer auxílio da conduta (envenenamento).

(F) Concausa superveniente absolutamente independente: o avô, cansado de ser assassinado pelo neto, ressurgiu das cinzas e colocou veneno no copo de chá de seu descendente. O neto apreciou todo o chá e foi caminhar na praia. Antes que o veneno fizesse qualquer efeito no organismo jovem e saudável do neto, um caminhão descontrolado invadiu a calçada, atropelou e matou o neto. O atropelamento foi uma concausa superveniente (ocorrido após a conduta de envenenar) absolutamente independente, pois foi capaz de sozinho causar o resultado, sem qualquer interferência da conduta (envenenamento).

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16 A co-causa absolutamente independentes (D, E, F) e a co-causa superveniente relativamente independente com desdobramento anormal (C2) são capazes de provocar o resultado “por si só”, excluindo a relação causal entre a conduta do agente e o resultado. Nesses casos, o agente responderá apenas pela sua intenção (na forma de tentativa) e não pelo resultado. Já na co-causa relativamente independente preexistente (A), concomitantes (B) e na superveniente com desdobramento normal (C1), o resultado é provocado pelo somatório da conduta com a concausa, de modo que o nexo causal é preservado e o agente responde, sim, pelo resultado verificado (na forma consumada).

Teoria da imputação objetiva

Também é possível explicar a ausência de nexo causal pelos limites à Teoria dos Equivalentes Causais (adotada no CP, art. 13). Só se considera causa a conduta dolosa ou culposa (limite subjetivo) e criadora de um risco proibido (limite objetivo). Portanto, sem dolo e culpa ou sem a criação de um risco não permitido em Lei, não há que se falar em nexo causal entre a conduta e o resultado.

Por exemplo: aquele que serve uma peixada para alguém (saudável) se alimentar, não responderá por crime de homicídio na hipótese de asfixia provocada por uma espinha de peixe, ainda que tenha desejado a morte (ainda que exista dolo). Dar peixe para alguém comer não representa a criação de um risco proibido em nosso sistema jurídico e, portanto, não pode essa conduta (servir uma peixada) ser considerada a causa do resultado morte.

7º. Atipicidade formal

Todo crime é dotado de tipicidade. A tipicidade deve ser entendida em seu aspecto formal e material. Tipicidade formal é a subsunção do fato ao tipo penal, ou seja, o enquadramento da conduta praticada à descrição legal do crime. Dessa forma, se Pedro dispara contra Maria, matando-a, a conduta dele está prevista no art. 121 do Código Penal (“matar alguém”). Quando a conduta não pode ser enquadrada no tipo penal, diz-se que a conduta é formalmente atípica. Exemplo: são formalmente atípicas as condutas de “causar dano culposamente ao patrimônio de outrem”, de “manter relações sexuais com a própria mãe” e de “dar a vantagem indevida solicitada pelo funcionário público que se corrompe”, entre outras.

Nesse particular, registre o conteúdo da Súmula Vinculante nº 24: não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. Assim, não constitui fato formalmente típico a sonegação de tributos, até que haja o lançamento definitivo do tributo pela administração pública.

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8º. Princípio da Insignificância

A tipicidade material implica em reconhecer uma “utilidade jurídico-social” ao enquadramento da conduta ao tipo penal, de modo que só de pode considerar materialmente típica a conduta que causar lesão

significativa e socialmente reprovável a bem jurídico penal. Uma conduta é

materialmente atípica quando causa lesão insignificante à bem jurídico ou quando a lesão causada, embora significante, é socialmente aceita. Na primeira hipótese – lesão insignificante – temos o chamado Princípio da Insignificância (ou bagatela) que, embora não esteja previsto em Lei, é amplamente aceito como tese de defesa pelos Tribunais.

O STF tratou de enumerar os elementos desse princípio: mínima periculosidade, reprovabilidade, ofensividade e lesão ao bem jurídico tutelado. Também coube à jurisprudência, dado o caráter supralegal do referido Princípio, apontar quais as hipóteses de cabimento ou de não cabimento da insignificância. Nesse sentido, vide a tabela a seguir.

Cabe

Não cabe

Crimes

contra

o

patrimônio

praticados

sem

violência ou grave

ameaça à pessoa (exemplo: furto

simples, estelionato, dano simples).

Crimes

contra

o

patrimônio

praticados

com

violência ou grave

ameaça à pessoa (exemplo: roubo,

extorsão, dano qualificado)

Atos infracionais assemelhados a

crimes insignificantes

Tráfico de entorpecentes (seja qual

for a quantidade de drogas).

Crimes ambientais de bagatela

Crimes praticados por militares,

ainda que insignificantes.

Crimes contra a ordem tributária,

quando o valor sonegado for

inferior a R$ 10.000,00 (inclusive o

delito de descaminho)

Crimes praticados por reincidentes

ou

por

pessoas

com

maus

antecedentes, mesmo que o delito

seja de bagatela (STF).

Crimes contra a administração pública,

conforme entendimento do STJ.

Tráfico de armas e munições, mesmo

que em quantidades mínimas.

Lesão corporal culposa

Falsificação de moeda

Crimes praticados por reincidentes

ou

por

pessoas

com

maus

antecedentes (STJ)

Crimes contra a administração

pública, conforme entendimento do

Supremo Tribunal Federal.

Consumo de drogas

Crimes hediondos ou equiparados.

“Insignificância” não se confunde com “pequeno valor”. Insignificante é a esmola, é o “quase nada”. Pequeno valor é aquele inferior a um salário mínimo, mas que não ingressa no conceito de insignificante. Nos delitos de furto, apropriação indébita, estelionato e receptação, se o criminoso for primário e o objeto do crime for de

pequeno valor, deverá o magistrado substituir a pena de reclusão pela

pena de detenção, diminuí-la de 1/3 a 2/3 ou aplicar somente a pena de multa. Nos mesmos delitos, se o valor for insignificante, deve o magistrado absolver o acusado em razão do Princípio da Bagatela.

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9º. Princípio da Adequação Social

Tipicidade Material implica em conduta significativamente lesiva à bem jurídico e socialmente reprovável. A conduta será materialmente atípica se for aceita socialmente. O Princípio da Adequação Social é uma causa supralegal (sem previsão em Lei) de exclusão da tipicidade material e, por conseguinte, instituto que afasta a tipicidade material, a tipicidade, o Fato Típico, o crime e a pena.

Exemplo de conduta socialmente aceita e de aplicação do citado princípio: a lesão corporal causada em recém-nascido para furar as orelhas e pôr um brinco. Trata-se de conduta que causa significativa lesão ao bem jurídico integridade física (até porque atravessa a cartilagem lado a lado), mas que, em nossos padrões, é algo socialmente aceito e até incentivado. Não se admite aplicação desse princípio no caso de venda de CD´s piratas (e outros crimes contra a propriedade imaterial), no consumo de substância entorpecente e nem nas pequenas lesões domésticas contra as mulheres.

10º. Consentimento do ofendido

O consentimento do ofendido pode ser causa de exclusão da tipicidade (em seu aspecto formal) ou do fato antijurídico. Quando constar no texto de Lei, expressamente, o “não consentimento” como requisito do delito, a presença desse consentimento fará com que a conduta não se ajuste ao tipo penal e, por conseguinte, seja fato formalmente atípico.

Exemplo: “CP, art. 150. Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências”. Se o agente entra em casa alheia com o consentimento do proprietário/usuário não estará incidindo no art. 150 do Código Penal, ou seja, não haverá tipicidade com o delito de violação de domicílio.

Se o tipo penal, por outro lado, for omisso quanto ao “não consentimento”, a presença do consentimento da vítima será causa de exclusão da ilicitude (fato antijurídico). É o que ocorre, por exemplo, no delito de injúria (CP, art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro), em que a aceitação da ofensa, pelo injuriado, é causa de exclusão do crime pela ausência de antijuridicidade. Para outros detalhes sobre essa última hipótese, vide a tese defensiva 19ª.

Outro exemplo do consentimento do ofendido como causa de exclusão da tipicidade formal é o CP, art. 164 (abandono de animais em propriedade alheia). Se houver consentimento do proprietário do imóvel, o fato é atípico e não pode ser punido.

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11º. Descriminantes Putativas

O fato antijurídico pode ser afastado por diversas razões. A tais motivos, em sentido amplo, dá-se o nome de descriminantes penais. As principais descriminantes (rol exemplificativo) são: legítima defesa (CP, art. 25), estado de necessidade (CP, art. 23), estrito cumprimento de um dever legal (CP, art. 22) e exercício regular de um direito (CP, art. 22). Às vezes, o agente se equivoca sobre a existência de fatos que autorizem o uso dessas descriminantes e, às vezes, o equívoco recai sobre os limites das descriminantes. O equívoco é chamado de putatividade. Daí se dizer que uma descriminante putativa é, em verdade, uma causa equivocada de exclusão da ilicitude.

O erro pode ser classificado como “de Tipo” ou “de Proibição” (uma coisa ou outra). Dessa forma, se considerarmos a descriminante

putativa como exemplo de erro de tipo, teremos uma causa de exclusão

da tipicidade dolosa; se considerarmos, todavia, como erro de proibição, temos causa de exclusão da Culpabilidade.

Sobre o tema, o Código Penal adotou a Teoria Limitada da Culpabilidade, segundo a qual a putatividade será exemplo de erro de tipo (chamado de erro de tipo permissivo) quando o equívoco recair sobre as circunstâncias de fato; e será exemplo de erro de proibição (chamado de erro de proibição indireto) quando o equívoco recair sobre os limites da descriminante.

Ainda sobre os conceitos, acesse: http://goo.gl/JTR5K).

A tabela a seguir exemplifica hipóteses de descriminantes putativas e as respectivas classificações como “erro de tipo permissivo” ou “erro de proibição indireto”.

Erro sobre fato Erro sobre limite

Legítima Defesa

“A” pensa que está repelindo agressão injusta quando, em verdade, não há qualquer agressão.

“A” pensa que pode matar em defesa de sua honra quando a mesma é injustamente agredida por terceiro.

Estado de Necessidade

“A” pensa que está sob perigo atual quando, na verdade não existe perigo algum

“A” pensa que pode furtar coisas de valor alheia para matar a sua fome ainda iminente.

Estrito Cumprimento de um Dever Legal

“A” pensa que tem o dever de prender fulano quando, em verdade, não há essa obrigação legal.

“A” pensa que está autorizado, por Lei, a bater em alguém, desde que para extrair verdade relevante.

Exercício Regular de um Direito

“A” pensa que tem o direito de ter várias esposas, desde que as sustente igualmente.

“A”, pensa que tem o direito de humilhar seu filho para exercer o direito de educá-lo. Erro de

Tipo Permissivo

Erro de Proibição Indireto Se a hipótese for de erro de tipo permissivo, é possível classificá-lo como invencível (inevitável ou escusável) ou vencível (evitável ou inescusável). O erro invencível afasta a responsabilidade penal por exclusão do Fato Típico (e não do fato antijurídico, como poderia parecer de início); o erro vencível afasta a tipicidade dolosa, mas permite a punição por crime culposo (se previsto em Lei);

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20 Se o caso for de erro de proibição indireto, devemos igualmente classifica-lo como invencível ou vencível. No primeiro caso – erro invencível – afasta-se a Culpabilidade; no segundo, mantém-se o crime com a pena diminuída de 1/6 a 1/3, nos termos do art. 21 do CP. O gráfico abaixo resume o que foi dito:

Observe, ao final, que as descriminantes penais (ou justificantes penais, em sentido amplo) são causas de exclusão da ilicitude. As descriminantes putativas, todavia, podem ser causa de exclusão do Fato Típico (quando se tratar de erro de tipo permissivo) ou de exclusão da Culpabilidade (quando for hipótese de erro de proibição indireto). As descriminantes putativas nunca excluem a ilicitude.

12º. Desistência Voluntária & Arrependimento Eficaz

O estudo da desistência voluntária remete, inevitavelmente, ao estudo de outros institutos jurídicos, tais como a tentativa, o arrependimento eficaz e o arrependimento posterior. Diz-se voluntária porque o agente agiu conforme sua vontade (ainda que não exista espontaneidade, ou seja, originalidade do pensamento). O que se exige é atuação voluntária e não atuação de ofício. Idêntico raciocínio pode ser aplicado ao instituto do arrependimento eficaz. Em ambas as hipóteses – desistência e arrependimento – a consumação é evitada por força da vontade do próprio agente.

Na desistência voluntária e no arrependimento eficaz o agente só responde pelos atos já praticados. Os atos inicialmente pretendidos não são puníveis por motivo de política criminal. A diferença básica entre desistência e arrependimento é que, no primeiro, o agente cessa suas atividades antes de esgotado os atos de execução; ao passo que, no segundo – arrependimento eficaz -, o agente, após esgotar os atos de execução, vê-se compelido a realizar nova conduta com o fim de evitar a consumação do crime.

Iter Criminis significa “etapas do crime”. O delito possui diversas etapas, a saber: (1) cogitação (que é uma fase interna), (2) preparação, (3) execução e (4) consumação (que são fases externas). Em alguns crimes, fala-se ainda em (5) exaurimento (fenômeno que ocorre nos chamados crimes formais – vide resultado jurídico ou normativo).

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21 A fase da cogitação (1) não é punível. O pensamento criminoso, não exteriorizado, não interessa ao Direito Penal. É possível pensar em matar livremente, sem que isso implique em qualquer delito. Mesmo a preparação (2), também não é punível (em regra). Assim, quem compra uma faca com o intuito de matar alguém, não pode ser preso pela compra da arma, eis que essa aquisição, por si só, não configura nenhum delito autônomo. Todavia, alguns crimes são punidos ainda na fase da preparação. É o que ocorre com o delito de “petrechos para a falsificação de moeda” (CP, art. 291) que nada mais é do que a fase de preparação para o crime de moeda falsa (CP, art. 289).

A execução (3) é a etapa mais importante do Iter Criminis, ao menos para o estudo das teses de defesa da “tentativa”, da “desistência voluntária” e do “arrependimento eficaz”. A diferença entre a fase da preparação e a da execução é a prática, ainda que inicial, de qualquer das condutas descritas no tipo penal (Teoria Objetiva). Iniciada a execução, devem ser observados dois momentos distintos: antes de esgotados os meios disponíveis para a execução; depois de esgotados as vias executórias, ou seja, depois do agente ter feito tudo que gostaria.

Se antes de esgotados os meios disponíveis para a execução, o agente, voluntariamente (controle do corpo pela mente) deixa de prosseguir em sua empreitada criminosa e, em razão disso, não ocorre consumação, teremos o instituto da desistência voluntária. Ocorrendo a desistência voluntária, o agente só responde pelos atos já realizados (CP, art. 15: o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados). Em outras palavras: não há punição correspondente ao dolo inicial, seja ele qual for (matar, furtar, constranger...)

Se depois de esgotados os meios disponíveis para a execução, o agente, voluntariamente realiza nova conduta visando impedir que o resultado ocorra, haverá arrependimento. Se a consumação for efetivamente evitada, então temos o instituto do arrependimento eficaz. Da mesma forma que o instituto da desistência, ocorrendo arrependimento eficaz, o agente só responde pelos atos já realizados (CP art. 15) e não pela tentativa do delito inicialmente planejado.

Existe dissenso doutrinário sobre a natureza da desistência voluntária e do arrependimento eficaz. Alguns autores (autores clássicos e majoritários) entendem ser uma causa de extinção da punibilidade em relação ao crime inicialmente desejado e que, por razões de política criminal, o agente seria beneficiado pela sua nobre conduta de última hora e responderia apenas pelos atos já realizados; outra corrente (moderna e já frequente em concursos públicos) entende que os institutos são causas de atipicidade formal mediata, afasta-se a tentativa (que não deixa de ser uma norma de extensão) e o agente responde apenas pelos atos já praticados. O resultado prático de ambas as correntes é idêntico: o agente é responsabilizado unicamente pelos atos já realizados, ignorando-se o seu dolo inicial.

Exemplo de desistência voluntária: “A”, querendo matar sua esposa, dispara contra ela (uma única vez) e o projétil atinge a perna da vítima. Antes de efetuar o segundo disparo – fatal – o agente reflete com seus botões e vai embora, tal como se ouvindo a voz de um anjo (voluntariedade). Exemplo de arrependimento eficaz: “A”, depois de disparar diversas vezes contra sua esposa, já atingida em diversas regiões do corpo, abandona o propósito homicida e resolve socorrer a vítima ao hospital mais próximo, conduta que impede a consumação.

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13º. Crime Impossível

Diz-se impossível o crime que jamais se consumaria por absoluta impropriedade do meio ou do objeto. Todo crime tem um meio para ser praticado. Exemplo: fogo, explosivo, disparos de arma de fogo, enforcamento etc são meios possíveis de se cometer um homicídio (CP, art. 121). A macumba, todavia, por maior que seja a crença do “macumbeiro” não nos parece um meio hábil a matar alguém, sendo, portanto, um meio absolutamente ineficaz.

O objeto a que se refere o conceito de impossibilidade criminosa é o objeto jurídico do crime. No homicídio, por exemplo, protege-se a vida; no furto, o patrimônio; na falsificação de moeda, a fé pública... dessa forma, é impossível matar o morto, furtar o nada e/ou falsificar cédula de R$ 3,00. Nesses casos, não se ofendeu a vida, o patrimônio e nem a fé pública, respectivamente, por absoluta impropriedade do objeto.

Só é impossível o crime quando o meio ou objeto forem absolutamenteineficazes ou inapropriados. Havendo eficácia, ainda que parcial (relativa), tem-se tentativa (CP, art. 14, II). Nos crimes pluriofensivos (que afetam mais de um bem jurídico ao mesmo tempo, a exemplo do roubo – CP, art. 157 – que afeta simultaneamente a integridade física/liberdade e o patrimônio) a impossibilidade criminosa por absoluta impropriedade do objeto em relação a apenas um dos bens jurídicos tutelados não afasta a responsabilidade penal. Portanto, há crime de roubo mesmo quando a vítima nada traz consigo, pois ainda é possível ofender a integridade/liberdade da vítima. O crime impossível também é chamado de tentativa inidônea e tem base no art. 17 do CP.

14º. Legítima Defesa

Com previsão no art. 25 do Código Penal, diz-se que atua em legítima defesa quem repele agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou a direito de outrem, com uso dos meios necessários, com moderação e com vontade de se defender.

A agressão será injusta mesmo que proveniente do ataque de inimputáveis (doentes mentais, menores de idade), mas, em regra, não cabe legítima defesa contra ataque de animais (a exceção ocorre quando o animal é usado como ferramenta do ataque humano). A agressão pode ser atual ou iminente, mas nunca pretérita ou futura. Portanto, não cabe legítima defesa para o delito de porte ilegal de arma de fogo sob o argumento de que, possivelmente, se poderia encontrar alguma ameaça injusta e seria necessário o porte de arma; também não cabe legítima defesa para justificar agressões passadas. Nesse caso, teríamos uma espécie de vingança e não de defesa.

A legítima defesa pode ser usada tanto para proteção de direitos próprios como de terceiros, desde que com moderação e com uso dos meios necessários. Somente o caso concreto poderá determinar se a defesa foi, ou não, moderada. Todavia, situações esdrúxulas podem desde logo ser identificadas a exemplo do agente que mata outrem para defender a sua honra subjetiva quando ofendido publicamente. Havendo excesso na legítima defesa, o agente responderá na forma dolosa ou culposa, conforme o caso. Não cabe legítima defesa para quem deseja participar de rixas ou de duelos, pois ausente o interesse de se defender.

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24 Em síntese, são elementos da legítima defesa: (a) agressão injusta; (b) agressão atual ou iminente; (c) defesa a direito próprio ou de terceiro; (d) uso dos meios necessários; (e) moderação e (f) animus

defendendi.

A legítima defesa afasta um dos elementos do fato antijurídico: a conduta injustificada. A conduta deixa de ser injustificada justamente porque a legítima defesa é uma justificante penal. Sem a antijuridicidade não existe crime e sem crime não existe pena. Nesse sentido, art. 23, II do Código Penal: “não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa”.

Não cabe Legítima Defesa contra outra Legítima Defesa e nem contra qualquer das causas de exclusão da ilicitude (Estado de Necessidade, Estrito Cumprimento de um Dever Legal ou Exercício Regular de um Direito). A chamada legítima defesa recíproca é, na verdade, uma hipótese de legítima defesa putativa bilateral. Sobre putatividade e descriminantes putativas (vide Tese 11º). Por fim, registre-se que a chamada legítima defesa antecipada não é propriamente uma “legítima defesa”, por ausência do elemento “agressão atual ou iminente”, sendo aplicada apenas no caso de inexigibilidade de conduta diversa (sobre o tema, vide Tese n 26º).

15º. Estado de Necessidade

Ao passo que o elemento central da legítima defesa é a “agressão injusta”, no Estado de Necessidade o núcleo é a existência de um “perigo”. O perigo, em regra, é fruto de um evento da natureza (ataque de um animal feroz, uma enchente, incêndios, naufrágios etc). Eventualmente, o perigo pode ser provocado pela conduta humana (naufrágio provocado por atentado terrorista, incêndio criminoso, inundação criminosa etc). Não poderá invocar o benefício do Estado de Necessidade aquele que tiver, dolosamente, provocado o perigo.

No Estado de Necessidade o perigo deve ser atual (e não atual ou iminente, como consta na legítima defesa quando trata da agressão). Isso porque a noção de perigo atual já traz consigo (em seu conceito) a possibilidade de um dano atual ou iminente. É, portanto, desnecessário e mesmo errado falar em “perigo iminente”5. Ao pé da letra, todos nós estamos em perigo iminente de alguma coisa, sempre... O perigo, como dito, não pode ser provocado dolosamente e não pode ser evitável de outra forma, senão causando lesão ao bem jurídico alheio.

A conduta em Estado de Necessidade busca salvar direito próprio ou alheio e deve ser exercida dentro dos limites da necessidade de salvamento. Se houver excesso, o agente responderá dolosa ou culposamente, conforme o caso. Não pode alegar estado de necessidade quem tem o dever de enfrentar o perigo (policiais, capitães de navio etc).

5

Bancas como a FCC registram entendimento diverso, com o argumento de que a “iminência” do perigo pode ser extraída de uma analogia em bona parts com o art. 25 do CP.

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16º. Estrito Cumprimento do Dever Legal

A diferença entre o ECDL e o ERD é que no primeiro existe uma

obrigação imposta pela Lei e no segundo existe faculdade permitida pela

Lei. Os elementos do ECDL são: (1) existência de um dever legal criado por Lei (em sentido amplo); e (2) exercício do dever dentro dos limites da Lei, sob a pena de haver excesso punível na forma dolosa ou culposa.

O “dever legal” presente no instituto é a obrigação criada por lei em sentido amplo, ou seja, pela norma jurídica (constituição, leis, decretos, portarias, etc). Não se admite, como tese defensiva, o estrito cumprimento de um dever contratual (previsto apenas em contrato sinalagmático firmado entre as partes).

O policial que mata um agente que o ameaça de morte ou ameaça a outra pessoa atua em legítima defesa própria ou de terceiro, respectivamente, e não no Estrito Cumprimento de um Dever Legal.

Alguns outros aspectos merecem destaque:

 Crimes culposos não admitem o ECDL, pois a lei não obriga a negligência, a imperícia e a imprudência;

 No homicídio, o instituto só é admissível na hipótese de guerra declarada e, mesmo assim, quando expressamente permitido em Lei.

 O ECDL não suspende a obediência de outros deveres legais. Dessa forma, o policial que dispara contra suspeito em perseguição não pode alegar ECDL se acertar pessoa alheia e inocente.

17º. Exercício Regular do Direito

O fato antijurídico é composto por: (a) conduta injustificada (que pode ser excluída pelas justificantes penais da Legítima Defesa e do Estado de Necessidade); e também pela conduta antinormativa (ou antinormatividade), que nada mais é que a qualidade atribuída à conduta que é contrária ao ordenamento jurídico considerado como um “todo”, como um bloco monolítico. Se a conduta praticada, embora típica, está autorizada (direito) ou mesmo é exigida (dever) por alguma Lei (em sentido amplo), teremos uma causa de exclusão da antinormatividade. Por óbvio que uma conduta não pode ser contrária ao nosso ordenamento e, ao mesmo tempo, autorizada e/ou obrigada pelas normas.

Portanto, exercício regular de um direito (ERD) é causa de exclusão da antinormatividade e, por conseguinte, do fato antijurídico, do crime e da pena. Os elementos do ERD são: (1) a existência de um direito criado por Lei (em sentido estrito) ou qualquer outra fonte normativa; e (2) exercido de forma regular (estrito) da faculdade dada pela lei, ou seja, dentro dos limites previstos na norma, sob pena de existir excesso punível na forma dolosa ou culposa. Cabe ERC como tese defensiva, por exemplo, para inocentar jogador de futebol que causa lesão corporal em outro jogador na disputa pela bola (respeitada às regras do esporte) ou do boxeador que nocauteia o outro (também em observâncias aos regulamentos da atividade).

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26

18º. Consentimento do ofendido (como causa supralegal de

exclusão do fato antijurídico)

Já tivemos a oportunidade de explicar que o consentimento do ofendido pode ser causa de exclusão do Fato Típico (da tipicidade formal, para ser mais exato), quando a sua ausência constituir elemento do tipo penal. Nas demais hipóteses, o consentimento do ofendido é causa de exclusão da ilicitude e possui os seguintes elementos: (1) bem jurídico disponível (exemplo: honra); (2) capacidade jurídica para consentir que, em Direito Penal, começa aos 14 anos (maior ou igual a quatorze anos); e (3) consentimento anterior ou concomitante à conduta típica praticada (se for posterior, será perdão e não consentimento).

Exemplo de utilização dessa tese defensiva: tatuador não responde pelo crime de lesão corporal em razão da vítima/cliente ter consentido na realização da arte. O consentimento do ofendido, como causa de exclusão da ilicitude, não tem previsão legal: é causa supralegal de exclusão do fato antijurídico.

19º. Aborto praticado por médico

O médico não vai provocar o aborto em si mesmo, é claro! Trata-se da hipótese em que a gestante, em razão de grave e iminente risco de vida, tem no aborto a única chance de sobrevivência; aplica-se também na hipótese de gravidez resultante de estupro, desde que o aborto ocorra com o consentimento da gestante ou de seu representante legal, tudo nos termos do art. 128 do Código Penal.

Ambas as causas de exclusão da ilicitude do art. 128 são de exclusividade do médico. Nenhum outro profissional, ainda que no ramo de saúde, pode se beneficiar dessa tese de defesa. Não se tratando de médico, é possível alegar Estado de Necessidade (CP, art. 24), na hipótese de aborto pelo risco de vida à gestante; ou causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa no caso de aborto proveniente de estupro. Repita-se que a causa especial de exclusão da ilicitude, prevista no art. 128, é que é exclusiva para o médico.

O inciso I é chamado, pela doutrina, de aborto necessário. Exige-se a demonstração através de perícia do perigo para a vida da gestante. O consentimento da gestante não é relevante, podendo o médico, inclusive, contrariar os desejos da mãe para salvar a sua vida em detrimento da vida de seu filho; o inciso II é chamado de aborto sentimental ou humanitário. Qualquer meio de prova admitido em direito é suficiente para demonstrar que a gestação foi fruto de estupro, respondendo a gestante em caso de falso.

O aborto eugênico não possui previsão legal, mas é admitido na jurisprudência. Uma das hipóteses é o abortamento de feto anencefálico. O STF entende que o abortamento de feto com anencefalia é hipótese de crime impossível (atipicidade formal) por absoluta impropriedade do objeto (vida). O feto sem atividade cerebral não é considerado como ser “vivo” e, portanto, não há que se falar em morte. A tese, portanto, é de atipicidade formal e não de exclusão da ilicitude, como nos casos de “aborto necessário” e no caso de “aborto sentimental ou humanitário”. Não se admite, como tese de defesa, o aborto econômico, que é aquele decorrente da livre escolha da gestante com fundamento na inexistência de meios materiais para a criação do filho.

Referências

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