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Territórios discursivos : discursos sobre a Vila Dique e suas aplicações para o entendimento do território

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TERRITÓRIOS DISCURSIVOS:

Discursos sobre a Vila Dique e suas aplicações para o entendimento do território

RAI NUNES DOS SANTOS

PORTO ALEGRE

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RAI NUNES DOS SANTOS

TERRITÓRIOS DISCURSIVOS:

Discursos sobre a Vila Dique e suas aplicações para o entendimento do território

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito para obtenção do título de Mestre em Geografia.

Orientador: Doutor Álvaro Luiz Heidrich Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

PORTO ALEGRE

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RAI NUNES DOS SANTOS

TERRITÓRIOS DISCURSIVOS:

Discursos sobre a Vila Dique e suas aplicações para o entendimento do território

Dissertação defendida como requisito para obtenção do título de Mestre em Geografia pela banca examinadora constituída por:

____________________________________________________________

Professora Doutora Claudia Luisa Zeferino Pires (POSGEA/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

____________________________________________________________

Professora Doutora Heleniza Ávila Campos (PROPUR/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

____________________________________________________________

Professora Doutora Maria Lidia Soria (Universidad Nacional de Luján - Argentina)

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AGRADECIMENTOS

O momento de agradecer é também um momento de reconhecer a importância das pessoas. Ninguém vive sozinho, vivemos em constante relação com as outras pessoas, e por isso é necessário agradecer por essas trocas e encontros. Acredito que somos muito do que deixamos e tomamos dos outros, uma pessoa é constituída de muitas outras pessoas.

Em primeiro, gostaria de fazer um especial agradecimento à minha família. Aos meus pais por acreditarem e fornecerem todas as condições para os meus estudos, sem a dedicação deles esta tarefa não seria possível. À minha irmã por ser também um exemplo de pessoa e de profissional desde suas pesquisas acadêmicas. Este trabalho foi dedicado à minha avó, que nos deixou ano passado. Meu maior reconhecimento por toda sua vida.

Gostaria de agradecer também aos amigos, são tantos! Estão espalhados do São Geraldo a Montevidéu. Vão de Buenos Aires a Medellín. Dificilmente poderia nomear todos eles, mas sem dúvida todos contribuíram nesta jornada, nos encontros e desencontros, nas conversas e nos silêncios.

Meu mais profundo obrigado, sem vocês esta jornada teria sido mais dura.

À Luciane, pelo incentivo e por estar presente em todos os momentos.

Um especial agradecimento ao meu orientador, professor Álvaro, pois este trabalho possui muito dos seus ensinamentos e contribuições, de nossas pesquisas. Convivemos desde 2013 em pesquisas e trabalhos, é fonte de inspiração para seguir pesquisando e também inspira pela pessoa que é. Em diversos momentos, quando cheguei com o pensamento desorganizado e com angústias, ouviu e organizou as ideias de forma conjunta.

Agradeço aos moradores da Vila Dique pela confiança depositada em mim, obrigado pela disposição em me receber. Por mais que outros problemas surgissem, sempre havia tempo para uma conversa. Espero que se sintam incluídos na construção desse trabalho, pois vocês são parte dele.

Agradeço ao povo brasileiro que financia desde 2013 as minhas pesquisas através do pagamento de seus impostos, desde a época da graduação, quando fui bolsista via CNPQ, até a pós-graduação, quando também fui bolsista da CAPES. Espero que muito em breve todo esse financiamento possa ser revertido em desenvolvimento social para nosso país.

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“E a ilha desconhecida, perguntou o homem do leme, A ilha desconhecida não passa duma ideia da tua cabeça, os geógrafos do rei foram ver nos mapas e declararam que ilhas por conhecer é coisa que se acabou desde há muito tempo.”. (José Saramago, 1998 – Conto da Ilha Desconhecida)

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RESUMO

Este trabalho tem como tema de pesquisa a inclusão dos discursos como uma das categorias de análise para desvendar as relações territoriais. Parte-se, como problema de pesquisa, do processo de remoção da Vila Dique, que ocorre desde o ano de 2009 na cidade de Porto Alegre, RS. Esta remoção é legitimada a partir dos argumentos promovidos pelo poder público e ganha força perante a sociedade a partir do que é enunciado pela mídia. Neste sentido, propomos fazer uma análise a partir da compilação de notícias que tiveram esta temática. Esse recorte se dá desde 2009, ano da primeira remoção, até o ano de 2018. A partir dessas notícias, realizamos uma análise para mostrar que esses discursos a respeito da remoção impõem uma visão sobre a Vila para quem é de fora e também acaba por condicionar as ações dos moradores, gerando incerteza na permanência da comunidade. Em contraponto, adotamos também a estratégia de registrarmos os discursos dos moradores da Vila Dique, compilando falas e conversas que tivemos com os mesmos no transcorrer desta pesquisa. Este registro propicia conhecer a Vila Dique do cotidiano e como território de moradia, pois esses moradores não tiveram espaço de fala dentro das notícias que compilamos. Verificamos que esses discursos e contrastes são importantes para o entendimento das relações de poder sobre o espaço, bem como das dinâmicas de apropriação e dominação do espaço em território. Neste sentido, apontamos os ganhos da inclusão dos estudos sobre discursos para os entendimentos territoriais, nos quais, então, um discurso pode legitimar o desaparecimento de um território, e o discurso de quem habita o território nos fornece pistas para entender como o mesmo se constitui.

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RESUMÉN

Este trabajo tiene como tema de investigación la inclusión de los discursos como una de las categorías de análisis para desvelar las relaciones territoriales. Se parte, como problema de investigación, del proceso de remoción de la Vila Dique, que ocurre desde el año 2009 en la ciudad de Porto Alegre, RS. Esta remoción es legitimada a partir de los argumentos promovidos por el poder público y gana fuerza ante la sociedad a partir de lo que es enunciado por los medios de comunicación. En este sentido, proponemos hacer un análisis a partir de la compilación de noticias que tuvieron esta temática. Ese recorte se da desde el año 2009, año de la primera remoción, hasta el año 2018. A partir de esas noticias, realizamos un análisis para mostrar que esos discursos sobre la remoción imponen una visión sobre la Vila Dique para quien es de fuera y también terminan por condicionar las acciones de los habitantes, generando incertidumbre en relación a la permanencia de la comunidad. En contraposición, adoptamos también la estrategia de registrar los discursos de los habitantes de la Vila Dique, reuniendo sus hablas y nuestros diálogos en el transcurso de esta investigación. Este registro propicia conocer la Vila Dique del cotidiano y como territorio de vivienda, pues estos moradores no tuvieron espacio de habla dentro de las noticias que hemos compilado. Verificamos que esos discursos y contrastes son importantes para el entendimiento de las relaciones de poder sobre el espacio, así como de las dinámicas de apropiación y dominación del espacio en el territorio. En este sentido, apuntamos a los provechos de la inclusión de los estudios sobre discursos para los entendimientos territoriales, en los que, entonces, un discurso puede legitimar la desaparición de un territorio, y el discurso de quien habita el territorio nos proporciona pistas para entender cómo el mismo se constituye.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Esquema para pensar o urbano com a trialética do espaço de Lefebvre... 20

Figura 2. Compreensão de Território a partir do Espaço ... 21

Figura 3. Perspectivas entre território e territorialidade. ... 26

Figura 4. Tensionamento de discursos a partir do território. ... 32

Figura 5. Cartografia de inserção da Vila Dique ... 50

Figura 6. Escola da comunidade nos anos 1990... 52

Figura 7. Placa de sinalização sobre o bloqueio da Av. Dique ... 54

Figura 8. Obras de duplicação da Av. Severo Dullius. ... 55

Figura 9. Remoção das primeiras famílias da Vila Dique e cercamento da área. ... 56

Figura 10. Informações em linha do tempo da Vila Dique. ... 57

Figura 11. Mulheres recicladoras na década de 1990. ... 59

Figura 12. Associação de catadoras de materiais recicláveis Santíssima Trindade. ... 60

Figura 13. Área do Conjunto Habitacional do Porto Novo. ... 72

Figura 14. Cartografia de situação da Vila Dique frente ao Aeroporto. ... 75

Figura 15. Legenda do sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre. ... 77

Figura 16. Sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre. ... 78

Figura 17. Recorte e destaque para as Sub-bacias da Zona Norte de Porto Alegre. ... 79

Figura 18. Recorte e destaque Sistema de Proteção Inundações Porto Alegre... 80

Figura 19. Recorte e destaque do PDDUA onde a Vila Dique aparece como área de APP ... 82

Figura 20. Ligação dos vocábulos escolhidos. ... 98

Figura 21. Nuvem de palavras a partir das 38 notícias compiladas. ... 100

Figura 22. Mosaico de imagens que acompanharam as notícias compiladas... 102

Figura 23. Mobilização para limpeza no caminho das crianças para escola. ... 108

Figura 24. Contaminação no Arroio da Areia. ... 109

Figura 25. Avenida Dique, paisagem do cotidiano. ... 110

Figura 26. Avenida Dique após um dia de chuva. ... 111

Figura 27. Cartaz na entrada da Escola Migrantes informando sobre a reunião com DEMHAB. ... 113

Figura 28. Marcação da área para o Posto de Saúde. ... 114

Figura 29. Horta na frente de casa e banho de sol do cachorro... 115

Figura 30. Criação de Porcos na Vila Dique. ... 116

Figura 31. Avenida Dique em uma tarde durante a semana. ... 118

Figura 32. Evolução da área da Vila Dique e remoções. ... 120

Figura 33. Nuvem de palavras destacadas nas vozes locais. ... 122

Figura 34. Dia de visita do Plano Popular na Vila Dique. ... 126

Figura 35. Reunião entre o DEMHAB, a Caixa Econômica e os Moradores. ... 129

Figura 36. Relações de dominação, apropriação e desviação. ... 132

Figura 37. Notícia sobre o fechamento da Avenida Dique. ... 138

Figura 38. Buraco no muro que cerca a área cedida ao aeroporto e bloqueia a Av. Dique. ... 139

Figura 39. Pontilhão destruído para evitar a passagem. ... 140

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SUMÁRIO

Introdução: como o pesquisador chegou até aqui? 13

Apresentação do trabalho 15

Organização dos capítulos 17

Capítulo 1 – Uma Construção e Orientação Teórica 19

1.1 O Espaço como produto social 19

1.2 Território/Territorialidade 22

1.3 Agentes/atores produtores do espaço 28

1.4 Aproximação com teorias de Linguagem 30

1.5 Representações, Linguagem e Território. 33

Capítulo 2 – Aspectos Metodológicos 36

2. Percurso Metodológico 36 2.1 Revisão de Literatura 37 2.2 Compilação de Mídias 38 2.2.1 Fichamento de notícias 38 2.2.2 Google Alertas 39 2.2.3 Nvivo 10 39

2.2.4 Construção de Banco de Dados 40

2.3 Observações de Campo 40

2.3.1 Observações diretas 41

2.3.2 Participação em Reuniões da Associação de Moradores 41

2.3.3 Participação em debates públicos sobre a Vila Dique 41

2.3.4 Intervenções do Plano Popular de Habitação da Vila Dique 42

2.3.5 Registros Fotográficos 42

2.3.6 Diário de Campo 43

2.4 Utilização de Sistemas de Informações Geográficas 44

2.4.1 Elaboração de Cartografia de Referência 44

2.4.2 Elaboração de Cartografias Temporais 45

2.5 Análise de Dados 45

2.5.1 Utilização de softwares para análise de conteúdo 45

2.5.2 Corpus de pesquisa 46

2.5.3 Sistematização e escrita 47

Capítulo 3 – E a Vila Dique? Que Território é esse 48

3.1 Vila Dique – Onde se localiza 49

3.2 Um pouco da história 51

3.3 Caracterização a partir de dados 58

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3.3.2 Vila Dique em dados do IBGE 61 3.3.3 Vila Dique em dados da Prefeitura Municipal de Porto Alegre 61 3.3.4 Dados do Levantamento de 2015: Vila Dique: a Santíssima Trindade que

Resiste. 64

Capítulo 4 – Os argumentos de uma remoção 69

4.1 Expansão da Pista do Aeroporto Salgado Filho 70

4.1.2 Desinteresse na área atual da Vila Dique 73

4.2 Área de Risco de Inundação 76

4.2.2 Bacias Hidrográficas 78

4.2.3 Sistema de Proteção Contra Inundações de Porto Alegre 79

4.3 Área de Preservação Permanente 81

Capítulo 5 – Discursos de remoção 84

5.1 Notícias do Jornal Zero-Hora 85

5.2 Notícias do Jornal Correio do Povo 91

5.3 O que mais foi dito? 95

5.4 Enunciado para quem? 97

5.5 O que ficou? 99

5.6 Representações Visuais 100

Capítulo 6 – Vozes a partir dos atores locais 104

6.1 Outro discurso da Vila Dique 106

Capítulo 7 – Notas de Campo do pesquisador 123

7.1 Dificuldades 124

7.2 Indo e vindo da Vila Dique 125

7.3 Descobertas 129

Capítulo 8 – Vila Dique: Territórios 132

8.1 No meio do caminho havia um Dique 132

8.2 Territórios para pensar 135

Fechamento 144

Vila Dique: território, discurso sobre território, falando sobre o território 144

Referências 147

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Introdução: como o pesquisador chegou até aqui?

Esta dissertação tem como ponto de partida o ano de 2015, quando ainda estava cursando a disciplina de Organização e Gestão Territorial do curso de Bacharelado em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nesta disciplina, foi apresentada e requerida uma demanda, que partiu de movimentos sociais, para realização de um diagnóstico sócio-econômico-territorial sobre a Vila Dique. Até aquele momento, eu não tinha contato com esta comunidade, apenas sabia de sua existência próxima ao aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre.

A partir da realização deste trabalho com outros colegas, surgiu um relatório técnico chamado “Vila Dique: A Santíssima Trindade que Resiste”1 (2015) e também

outro documento chamado “Reconhecimento territorial: Caderno de Mapas da Vila

Dique” 2 (2015), ambos produzidos dentro da disciplina no segundo semestre de 2015.

Alguns dados e informações obtidos junto a estes dois documentos serão apresentados também neste trabalho como fonte de informações, visto que este ainda é o levantamento mais recente realizado nesta comunidade.

Na realização do diagnóstico, tivemos a oportunidade de conhecer as demandas da comunidade da Vila Dique a partir das falas dos moradores, intermediadas pela associação de moradores, e entender também um pouco do processo de remoção que ali estava ocorrendo. Neste levantamento, tivemos apenas duas visitas para obtenção dos dados na comunidade, mas levantamos uma significativa amostra de cerca de 200 famílias que responderam aos questionários. Quando da finalização do trabalho, o mesmo foi entregue e apresentado para a comunidade em uma reunião em dezembro de 2015, servindo então como base do processo de usucapião movido pela associação de moradores da Vila Dique junto ao Ministério Público Estadual.

A partir desses desdobramentos, os caminhos do pesquisador e da comunidade da Vila Dique se entrecruzaram, pois enquanto pesquisadores fomos chamados para prestar esclarecimentos técnicos3 sobre o relatório e, com isso, foi firmada uma parceria

junto a associação de moradores e movimentos sociais para continuarmos os estudos sobre esta comunidade. Acreditamos ser importante fazer essa inserção de onde o

1 Disciplina de Organização e Gestão Territorial, Departamento de Geografia, Instituto de Geociências,

UFRGS. Vila Dique: a Santíssima Trindade que resiste. Porto Alegre: 2015.

2 ALVES, Isabel Perez; SANTOS, Raí Nunes dos. Reconhecimento territorial: caderno de mapas da

Vila Dique. Instituto de Geociências, Departamento de Geografia, UFRGS Porto Alegre: 2015.

3 Dirigente do Nudeam conhece projeto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para a Vila

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pesquisador se situa com relação ao trabalho, para uma melhor compreensão do leitor acerca do processo que acompanha o desenvolvimento deste texto. Não vamos esconder os ativismos das pesquisas acadêmicas, acreditamos que os ativismos e as pesquisas podem colaborar para novas interpretações teóricas e, além disso, ser instrumento de informação para transformações sociais.

Mas os documentos produzidos em 2015 não foram suficientes para dar garantias à comunidade da Vila Dique. Naquele momento, o principal argumento utilizado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA) e pelo Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB) ainda girava em torno da realização da Copa do Mundo de Futebol na cidade de Porto Alegre, que havia ocorrido um ano antes, mas havia deixado obras em prosseguimento, sendo que uma delas apontava para a necessidade da remoção dos moradores para a realização da expansão da pista do aeroporto Salgado Filho.

As primeiras remoções com esta justificativa ocorreram em 2009, quando cerca de 1000 famílias foram realocadas para bairro Rubem Berta, na mesma cidade. Em 2015, a Copa do Mundo já havia ocorrido, as obras de ampliação do aeroporto não haviam ficado prontas em tempo e as obras da Copa do Mundo de 2014 já haviam ocasionado remoções de comunidades por todo país, além de gastos bilionários em estádios e aeroportos. Passado o evento, o argumento para uma remoção mudou: a Vila deveria ser removida por estar alocada em uma área de risco de inundação. Outra justificativa que a Prefeitura Municipal de Porto Alegre utiliza é a de que a área é gravada como Área de Preservação Permanente (APP) pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA). No entanto, de 2015 para cá, notamos como estes discursos em prol de uma remoção foram sucessivamente sendo alterados e adaptados para legitimar a retirada da Vila Dique.

Com esta dinâmica de pressão e argumentação do poder público municipal e com a rapidez com que os discursos legitimadores de uma remoção foram se modificando, a partir deste período já iniciamos a observar como os mesmos eram divulgados através da mídia. É importante apontar também que, de forma igualmente permanente, seguimos produzindo informações técnicas para poder munir a comunidade com contra-argumentos frente ao poder público, e disponíveis para prestar esclarecimentos técnicos junto aos órgãos públicos quando solicitados.

Portanto, essa dissertação também gera uma expectativa para a comunidade, pois se caracteriza como novo documento que organiza informações relacionadas à Vila Dique e que serve para os moradores como instrumento de informações sobre a situação da própria comunidade neste novo intervalo temporal. Outra importância que podemos

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destacar desta dissertação é a de colocar em circulação as informações que aqui foram reunidas e organizadas, elencar os diferentes discursos que buscam legitimar a remoção, relacionando tudo isso com as implicações diretas no território e na vida dos moradores.

Apresentação do trabalho

Como existiram diversos argumentos que buscaram legitimar a remoção, iniciamos com algumas perguntas para pensar: como o Estado enunciou esta comunidade para a sociedade? Como a mídia tratou do tema? E quais ações se efetivaram no espaço? Os argumentos utilizados pelo poder público apareceram diversas vezes nas mídias compiladas e em documentos divulgados pelo poder público municipal. Estes discursos são suficientes para conhecermos a Vila Dique? Acreditamos que não, e buscamos discorrer sobre isso em nosso trabalho.

Com o objetivo de realizar o contraponto a estes discursos hegemônicos, apresentamos também o registro das vozes dos atores locais: os moradores da Vila Dique. Estes moradores que por muitas vezes estão silenciados frente aos atores hegemônicos, por não conseguirem acesso aos meios de divulgação, possuem a sua trajetória de vida vinculada a este espaço, e mesmo assim pouco se interessam pelas suas histórias.

Sendo assim, a nossa primeira estratégia metodológica escolhida foi a de realizar estes registros na forma de entrevistas, pensando em ser o instrumento metodológico adequado para dar visibilidade a essas vozes. Mas por motivos de organização interna da comunidade e momentos de apreensão, em que os moradores estavam com outras demandas, podendo estar com a fala direcionada para outras lutas, foi necessário suspender este procedimento de entrevista. Acreditamos, no entanto, que por mais que possamos deixar de registrar algumas vozes neste trabalho, não realizar as entrevistas auxiliou a comunidade no sentido de não gerar expectativas sobre quem seria entrevistado, e nem atrapalhou a dinâmica do cotidiano e a nova organização interna da comunidade, como as eleições para nova direção da associação de moradores.

Para esse registro das trajetórias dos moradores, utilizamos outros instrumentos e estratégias de campo, sendo estes o de registrar e apontar fragmentos de conversas em diversos momentos em que estivemos em contato com os moradores. A partir desses fragmentos, sinalizamos a riqueza de encontrarmos indícios que nos contam como esta

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porção de espaço foi apropriada, diferenciou-se e ganhou uma grafia, passando a

constituir um território.

Portanto, essa pesquisa visa a caracterização e identificação do território e do contexto da comunidade da Vila Dique, a partir de uma compilação de dados com informações geradas pela pesquisa, com vivências de campo e também a partir dos diferentes discursos em contraste. Essa experimentação metodológica que utiliza técnicas de registro de mídias, trabalho de campo e de análise de discursos percorre diferentes escalas, já que nelas atuam e perpassam os atores sociais envolvidos neste problema de pesquisa. Visando contribuir com este segmento metodológico de análise discursiva, utilizando uma metodologia que dialoga com as técnicas das teorias de linguagem, com maior força a utilização da Análise de Discurso e Análise de Conteúdo, podemos relacionar as teorias espaciais com as vozes dos atores, e a partir disso entender como estas relações foram se expressando como geografias.

Como discorremos brevemente, nestes anos em que está ocorrendo o processo de remoção e descaracterização da Vila Dique, diferentes discursos e argumentos foram utilizados para legitimar estas ações relacionadas às remoções. Portanto, este trabalho tem como prerrogativa a apresentação de como os discursos sobre um território podem ser contextualizados e diferenciados visando responder algumas perguntas disparadoras: quem está enunciando? Para quem se enuncia? Discurso é para dentro ou para fora do território? De quais posições de sujeito partem estes discursos? Quais são suas intencionalidades?

Acreditamos que, compreendendo essas diferenças enunciativas, outras geografias sobre o território se revelam, e estas nos fornecem pistas sobre as diferentes formas de uso, sobre as relações de apropriação e dominação dos atores que ali atuam e também sobre os possíveis silenciamentos/invisibilidades ocasionados. Sendo assim, argumentamos em nosso texto que a forma de se enunciar um território está imbricada com as diferentes práticas vividas e com as intencionalidades de quem o enuncia. É dizer, inúmeras são as formas de enunciar ou informar sobre como um território se constitui, sobre como são suas práticas e o que o legitima, e essas formas podem elaborar uma opinião sobre um território e ser sua representação por muito tempo. Portando, é preciso ter cuidado em observar quem está enunciando sobre o território. Por estarmos tratando com um aspecto simbólico do território, a sua caracterização discursiva, não a encontraremos marcada propriamente no território, mas sim nestas minúcias dos discursos observados e – por que não? – vividos. Esta ausência de materialidade no território poderia ser apontada como um impeditivo metodológico

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para registrar e analisar como estes discursos são enunciados, mas lembramos das relações de poder que estes discursos materializam, e que o território está compreendido pelas relações que o constituem, e não apenas da materialidade como exterioridade.

Por mais que estejamos falando também dos discursos a respeito do território, falamos sobre o território em si, onde, então, apontamos que os discursos também legitimam ações diretas, tais como intervenções realizadas pelo poder público que geram incertezas e medo nos moradores para saber o tempo de permanência que possuem naquele território. Em nossa compreensão, o território é produto das relações de apropriação e dominação do espaço, a partir das ações e representações dos diferentes atores, por isso consideramos a importância de registro dos discursos como uma categoria analítica do território.

Por fim, além de realizar um diálogo entre o teórico-prático, nosso texto faz registro das relações territoriais a partir de observações de uma comunidade em processo de descaracterização. É nossa expectativa que este trabalho possa se somar às demais contribuições metodológicas e contribuir também para outros trabalhos que pretendem registrar comunidades periféricas. Pretendemos assim colaborar para o avanço nas pesquisas territoriais, oferecendo mais um tipo de abordagem para as pesquisas, observando o campo simbólico e das relações de poder sobre um território, assim como observando esses adjetivos ou ainda batismos que o espaço vai recebendo a partir de apropriação/dominação – e que se legitimam a partir do que é enunciado nas diferentes escalas sobre esta porção do espaço.

Organização dos capítulos

Esta pesquisa está organizada em 8 capítulos, além das seções de introdução e fechamento. Nesta construção textual, passamos por diferentes aspectos. Tentaremos expor de maneira sintética como organizamos o trabalho a cada dois capítulos.

O capítulo 1 trata de realizar nossa argumentação teórica, fundamentar o nosso ponto de partida, onde avisamos os leitores a partir de quais lentes interpretativas estamos expondo o nosso objeto de estudo, além de que isso fundamenta a compreensão de mundo que possuímos. O capítulo 2, demonstra os passos, experimentações e estratégias metodológicas que adotamos em busca de cumprir nossos objetivos. A partir de nosso percurso metodológico, os leitores também

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possuem a ideia do caminho realizado pelo pesquisador na construção desta pesquisa.

O capítulo 3 é dedicado a fazer o registro e caracterização do território que estudamos, a Vila Dique. Neste capítulo compilamos informações sobre a comunidade que enfrenta o processo de remoção desde 2009. Estas informações são trazidas desde dados oficiais, outros trabalhos realizados e consultas a documentos. O capítulo 4 é onde apontamos e elencamos os argumentos que justificam a remoção da comunidade que estudamos, neste capítulo trazemos as informações e justificativas em que o poder público baseia os suas justificativas para a remoção.

Os capítulos 5 e 6 tratam dos discursos a respeito do território, no capítulo 5 apresentamos a compilação de notícias veiculadas pela mídia nos últimos 10 anos que trataram do tema, onde expomos a forma em que a comunidade, a obra e remoção foram enunciadas. No capítulo 6, registramos os discursos dos moradores, estes como uma forma de contrapor as enunciações midiáticas e de conhecer como o território da Vila Dique foi se constituindo. É o capítulo que traz as vozes dos atores locais, aqueles que fazem e fizeram esse território.

Já na seção dos capítulos 7 e 8, trazemos percepções que o pesquisador observou durante a realização deste trabalho, bem como uma junção entre o que foi observado e as teorias sobre o território, outras possibilidades que nos foram reveladas durante a pesquisa. O capítulo 7 trata muito mais das observações e anotações em campo realizadas pelo pesquisador. A ideia é de trazer os leitores para dentro da experiência de campo e pesquisa, para entender como nosso argumento foi ganhando solidez a partir do campo. E o capítulo 8 trata dessas observações de campo e possibilidades pensadas para o campo teórico, aproximações com conceitos, onde a prática e a teoria se encontram.

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Capítulo 1 – Uma Construção e Orientação Teórica

1.1 O Espaço como produto social

Vamos iniciar a partir do conceito que funciona como um campo de abertura teórica na geografia, o espaço geográfico. Fazer isso nos permite observar diversas construções teóricas a partir desta abertura. Em nossa construção, compreendemos o espaço geográfico como um produto indissociável entre a espacialidade e a temporalidade, a partir do que foi proposto por Milton Santos (1996) a respeito de que o espaço geográfico é o conjunto sistêmico de objetos e o conjunto de ações. Isto nos leva a pensar que o espaço está composto tanto da materialidade quanto da imaterialidade apontada como o campo das ações, ou ainda daquilo que é aparentemente fixo e daquilo que é ação.

Com essas primeiras concepções, parece-nos oportuno partir para uma aproximação em direção ao espaço social, pensando então que o espaço social pode ser entendido como o espaço que está apropriado, transformado e em produção pela sociedade, sendo assim entendido como um produto social. Aqui abarcamos a ideia de Marcelo Lopes de Souza (2013) de que o espaço geográfico é um conceito mais amplo e o espaço social é mais específico, mais tangível. Pois se o espaço geográfico é um grande conjunto de objetos e ações, o espaço social é o resultado dessas interações pela sociedade.

Mas é a conceituação de espaço geográfico que nos fornece uma importante contribuição para pensar o espaço social, é dizer, se o espaço está composto de objetos e ações, está impregnado de intencionalidades, manifestadas nas formas e técnicas de produzir o espaço. Com as especializações cada vez mais impressas nos objetos, o espaço social acaba condicionado e determinado para que apenas determinadas ações se realizem, e com isso trazemos a compreensão de que os objetos só se realizam por completo a partir das ações dos sujeitos. Milton Santos (1996) nos fornece esta compreensão quando nos diz que:

As ações são cada vez mais precisas e, também, mais cegas, porque obedientes a um projeto alheio. Em virtude do papel dos objetos técnicos, a ação é cada vez mais racional, mas a sua razão é, frequentemente, uma razão técnica. (SANTOS, 1996, p. 81).

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Ao tomarmos o espaço como um produto social, percebemos ele não existe por si próprio ou como condição dada, ele é produzido. A partir desse entendimento, Henri Lefebvre (2013) rompeu com a ideia generalizada de que o espaço seja uma realidade material independente. Para tal abordagem, o espaço e o tempo devem ser entendidos como aspetos da prática social, sendo assim, não existem em uma teoria universal, sendo compreendidos apenas no contexto de uma sociedade ou grupo em específico. Na leitura de Blanca Ramírez (2004), para conceber e perceber o espaço, é necessário viver no espaço, e neste sentido o espaço é real e mental simultaneamente, sendo, por isso, um produto social, imbricado de espaço e tempo. Desse modo, o espaço é composto também por práticas e representações, que se somam ao conjunto de objetos e ações.

Destacamos a partir de obra de Henri Lefebvre (2013) a compreensão de que o espaço é produzido e de que a produção do espaço se dá em três dimensões dialeticamente conectadas, ou seja, não se separam. Estas dimensões se afetam, provocam-se e relacionam-se. A tríade conceitual proposta por Henri Lefebvre (2013) é ao mesmo tempo individual e social, pois denota de processos individuais e sociais em simultâneo, e está composta das práticas espaciais, das representações do espaço e do espaço de representações. É, então, o espaço (social) um produto dialético entre estas três dimensões: o percebido, o concebido e o vivido.

Figura 1. Esquema para pensar o urbano com a trialética do espaço de Lefebvre.

Elaborado pelo autor, 2017.

Partindo em direção ao território, tomamos a proposição de Claude Raffestin (1993) de que o espaço é anterior ao território, sendo então o espaço uma categoria

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mais abrangente. Para tanto, adotamos que o território é espaço, mas com informações e caracterizações que o permite distinguir, dando noções a partir de limites e também pela sua utilização.

Falar de território é fazer uma referência implícita à noção de limite que, mesmo não sendo traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém com uma porção do espaço. A ação desse grupo gera de imediato, a delimitação. (RAFFESTIN, 1993, p.10).

Estas distinções estão dadas pelas práticas ali estabelecidas, sendo assim, entendemos o território como uma porção de espaço distinguida a partir das relações de apropriação e dominação, bem como das práticas de poder manifestadas nas diferentes escalas por um grupo ou ator social. Pensando o território desta forma, conseguimos entender que exista uma multiplicidade de territórios, pois tantos serão os territórios quanto são os grupos e atores que atuam, praticam e se apropriam do espaço. Para avançar com este raciocínio, tomamos a obra de Claude Raffestin (1993), que nos diz que o território dá a noção de limite, seja ela por uma fronteira ou por uma zona de transição. O território exprime a forma como um ator ou um grupo se relaciona com o espaço, organiza-se e tem sua atuação. Aqui a ideia das ações nos faz muito necessária, pois as ações estão impregnadas de intencionalidades e objetivos, assim como de relações de poder e controle de determinada área.

Figura 2. Compreensão de Território a partir do Espaço

Elaborado pelo autor, 2018.

Com esta compreensão de que existem múltiplos territórios, incide a ideia de que são os atores sociais, a partir de suas ações, que desenvolvem e diferenciam determinadas porções do espaço em territórios. Estas práticas também podem ser entendidas como territorialidades, concepção na qual há uma aproximação que se objetiva a partir da ideia de Di Méo (1998), segundo a qual sem os atores e suas ações não existiriam territorialidades e, sendo assim, não existiriam também territórios, pois

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são estas ações que dão significados a partir dos usos e circunscrevem cada porção do espaço em um território.

Com isso, podemos entender que o espaço nos permite pensar em um campo de abertura teórica, no qual estão imbricados espacialidade e tempo, objetos e ações, materialidades e imaterialidades; é uma categoria de análise mais ampla e ponto de partida de nossa lente de orientação teórica. Quando nos orientamos ao espaço social, partimos dos estudos de Pierre Bourdieu (2013), Souza (2013) e Henri Lefebvre (2013). A partir dessa construção teórica, o espaço social é entendido como o que é apropriado, como o espaço geográfico que foi modificado, usado e constituído, engendrado e pensado em sua constituição como algo mais mensurável, em uma primeira aproximação podendo ser pensado até como algo mais material.

O território está dado a partir das relações sociais manifestadas com e neste espaço social, que se diferenciam a partir das relações de poder, de uso, dominação e apropriação pelos mais diferentes atores e grupos sociais. O território está sobretudo aderido nas relações e não propriamente na materialidade, mas é esta materialidade que nos fornece um importante substrato de referência para que estas relações se realizem.

Assim, é compreensível que exista uma multiplicidade de territórios no espaço, e, portanto, podemos apontar que diferentes são os grupos que atuam em cada um deles, ou mesmo em mais de um. A própria cidade em si nos remete a uma complexa malha, que vai além da configuração espacial propriamente dita, este emaranhado também é formado por um conjunto de territórios, que são singulares, diferenciam-se e podem se sobrepor. O espaço da cidade é condicionado para que determinadas práticas ocorram, e também é impeditivo para tantas outras. Apontamos o espaço urbano como um espaço fragmentado, pois torna-se porções espaciais diferentes a partir dos tipos de relações de apropriação e dominação praticadas pelos atores sociais.

1.2 Território/Territorialidade

O conceito de território na Geografia possui diversas abordagens, é dotado de diferentes interpretações e contextualizações segundo as correntes, fatos empíricos e métodos de pesquisa empregados. Como um ponto de partida para a reflexão aqui proposta está a obra Abordagens e Concepções de Território (2007), de Marcos Saquet. Nesta obra, Saquet analisou diferentes interpretações e utilizações dos

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conceitos de território e territorialidade na geografia, sobretudo brasileira, e suas influências, apontando para uma diversidade de utilizações dos conceitos a partir das interconexões das realidades sociais abordadas e dos problemas de escalas de abordagem.

A utilização do vocábulo território tem maior difusão no sentido de porção de terra que ocupa um Estado, Nação, Município, etc., como um limite administrativo, noção de posse de uma área delimitada. Observamos nos dicionários que esta é a primeira acepção sobre o território. No dicionário de língua portuguesa Michaelis (2015), por exemplo, o termo território é definido como “porção da superfície terrestre pertencente a um país, estado, município, distrito etc.”. No mesmo sentido, Luis Fernando Paso Viola, em sua obra Diccionário de términos: geografía (2003, p. 202), define o território como “espaço geográfico delimitado, pertencente a uma nação, estado, etc.”.

Ainda a respeito destas definições que aparecem nos dicionários, outras duas nos parecem importantes de serem apontadas: no dicionário Michaelis (2015), o território aparece ainda como “área que uma pessoa, um grupo ou um animal considera sua ou sob seu controle e a defende contra a entrada daqueles que considera intrusos” e na obra de Viola (2003, p.202) como “unidade espacial onde uma sociedade desenvolve suas atividades a partir de diferentes formas de ocupação e organização”. Essas últimas concepções se aproximam mais de como estamos tratando o território, dando ideia de uma porção de espaço apropriada, ou controlada, por uma sociedade, e aqui acrescentamos grupo social, que se organiza e se apropria, dando características distintivas a esta porção de espaço.

Essa noção de limite de porções apropriadas carrega consigo uma concepção de controle e poder sobre o espaço. Souza (1995), em primeira aproximação, diz que o território é um espaço delimitado por e a partir de relações de poder. Sobre estas relações de poder com o território, Souza (2013) também sinaliza que o poder só se exerce por meio de um território, onde então não encontraremos sociedades ou grupos sociais sem uma conexão com o espaço, ou seja, as sociedades estão atreladas a uma condição espacial. Essas relações de poder são fundamentais para entendermos a importância do controle do território, mas lembramos que o poder se exerce de maneira contínua sobre o território. Como apontou Rogério Haesbaert (2004) com as ações de apropriação/dominação do espaço, um grupo ou sociedade vai se territorializando, atribuindo significados, relações de afetividade e imaginários a este.

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Pensando nas relações de exercício de controle sobre um território, podemos apontar para diferentes formas de se relacionar com esta porção de espaço, como a apropriação/dominação, construção de barreiras físicas, modificação de sua configuração, impedimentos jurídicos, constituição de estados-nação, mas todos estes apontam para que o território, substantivo, seja acompanhado de um adjetivo que denota a função ou posse do território. Alguns exemplos recorrentes: Território Nacional, Território Brasileiro, Território Indígena, Território Quilombola, Território de Preservação, Território Comunitário, etc.

É a partir desta constatação que podemos observar que o território também estabelece relações de poder no campo discursivo e enunciativo, é dizer, para adjetivar e dar legitimidade ou não para um território, é necessário falar deste território, e aqui nos desperta o interesse em saber como os discursos se estabelecem, quais são as estratégias, quais as unidades de comunicação que são transmitidas para um território a partir de diferentes atores. Apontamos que para além da materialidade da porção de espaço, das relações de poder exercidas, o território é sobretudo uma construção social das relações sociais na qual, apontando para uma utilização e manifestação de uma noção de limite, pode ou não existir materialmente, mas que sobretudo está tratado no campo das ações e das representações (HEIDRICH, 2013).

A partir dessa abrangência nas utilizações do conceito, é necessário apresentar como propomos pensar e entender o território nesta investigação. Entendemos o território a partir dos estudos de Raffestin (1993), Souza (1995, 2013), Bonnemaison (1997, 2002), Claval (1999), Di Méo & Buléon (2007), Haesbaert (2004, 2014) e Heidrich (2010, 2013 e 2017), os quais permitem vê-lo como uma porção do espaço apropriada por um grupo/agente/ator que, a partir das suas práticas (ações) e das relações de poder que ali desenvolvem, apropriam-se, dominam e dão a noção de limite, ou ainda, de grafia para esta porção de espaço em um território definido. O território não é constituído de absoluta fixidez, e sim requer constante exercício de poder e de relações sociais entre os atores/grupos/agentes com esta porção de espaço apropriada.

Uma situação compartilhada por comunidades periféricas está em ocupar e transformar esse espaço de acordo com as suas práticas e necessidades de reprodução social. Isto se deve principalmente por questões de não obtenção do acesso ao mercado formal de terras, o qual podemos pensar que dispõe de espaços muito mais ordenados e regulados, ou ainda, concebidos. É de se pensar: ocupam as áreas periféricas e sem prestígio, sem infraestrutura e serviços, como parte de sua

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estratégia de sobrevivência e de garantir o acesso à cidade, ao trabalho, à moradia, uma vez que são nas cidades que estão condensadas as oportunidades de emprego e renda.

Avançamos para que o conceito de território seja muito mais que apenas uma área delimitada, mas para isso é necessário que pensemos também em territorialidades como práticas territoriais. Para tanto, assumimos que nem toda a territorialidade está contida dentro do território, essas práticas podem estar espalhadas. Ao mesmo tempo, o território delimitado garante uma porção de terra e é buscado por diferentes grupos sociais como uma referência material para desempenhar suas práticas. Sendo assim, este território estaria ocupando seu primeiro objetivo que é o de abrigo e lugar de retorno para estes grupos sociais.

Podemos refletir que os grupos sociais entendem que obter uma porção de área delimitada pode oferecer melhores condições de reprodução social, quando comparadas as suas às condições de grupos que não possuem este território de referência. E uma forma de acessar e obter esta porção de área delimitada é através de políticas públicas específicas, onde existem regulamentações e editais a fins de acesso para demarcação de uma área destinada a um grupo.

Na cidade de Porto Alegre, por exemplo, as Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) são áreas demarcadas para reurbanização de assentamentos informais, e os grupos sociais se articulam para uma movimentação política para estas demarcações em esfera Nacional. É o Estatuto da Cidade (2001) que regula essa política de demarcação a partir da criação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que destinam vazios urbanos e imóveis não utilizados para habitação de interesse social.

A manifestação das práticas, trajetos e pontos de referência estão associadas com as territorialidades dos atores, por isso dizemos que elas nem sempre estão contidas dentro dos territórios oficiais (do espaço concebido), pois estas são relações com o contexto, com a inserção, e nem sempre uma lógica formal de delimitação de territórios dá conta disso. O que queremos propor é que as práticas territoriais nem sempre estão confinadas na área demarcada e reconhecida como território, mas sim, podem transpassar, não configurando uma expressão em mancha, mas também em linhas, rotas, percursos e pontos de referência. Esquematizamos nossa proposição teórica a seguir na figura 3.

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Figura 3. Perspectivas entre território e territorialidade.

Elaborado pelo autor, 2017.

Seguimos com essa lógica a partir da ideia de Rogério Haesbaert (2014) de que as territorialidades são concepções mais amplas que o território e apontamos para esse sentido de que a lógica formal tenta enquadrar como territorialidades para serem contidas no território. Observamos isso em comunidades periféricas, indígenas, quilombolas, ocupações, etc., e apontamos que essas comunidades não podem ser pensadas e simplificadas apenas em áreas determinadas, mas, sim, há a necessidade de respeitar sua constituição e inserção dentro do espaço.

A territorialidade funciona como fator de identificação, defesa e força. Laços solidários e de ajuda mútua informam um conjunto de regras firmadas sobre uma base física considerada comum, essencial e inalienável, não obstante disposições sucessórias porventura existentes. (ACSELRAD et al., 2015, p. 118)

Com isso, assinalamos a ideia de Henri Acselrad et al (2015) segundo a qual a territorialidade é também um fator de identificação sobre uma base física comum. Sendo assim, apontamos também sua importância para que os grupos sociais possam reconhecer a sua inserção no espaço, o que é muito relevante para entendermos constituições como territórios. A essa noção, somamos a ideia de Bonnemaison (2002) de que as territorialidades aportam o que é fixo e o que é móvel, assim pensamos as relações que os grupos mantêm com diferentes pontos do espaço, e não apenas dentro do território delimitado e fixo. Dessa forma, podemos compreender as territorialidades como itinerários, trajetos e caminhos, lembrando que o território se

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constitui não apenas de uma continuidade espacial, mas também de descontinuidade, ou fragmentos espaciais.

A partir destas interações é que o espaço se torna marcado por símbolos, e com isso a criação de identidades territoriais – conforme Bonnemaison (1997), Claval (1999), Di Méo & Buléon (2007) e Haesbaert (2004) – se faz presente em forma de apropriação de espaço, de um determinado lugar, por um determinado grupo. Estas criações de identidades territoriais são entendidas também a partir das proposições de Álvaro Heidrich (2006 e 2017), que nos demonstra, a partir da ideia de vínculos territoriais, que é através das práticas sociais que se produz território e se constituiu uma territorialidade.

Incorporamos a este entendimento de aglomeração urbana o de que a parte estrutural da cidade é também algo em construção, modificação e não algo estanque. Logo, os símbolos e as práticas de apropriação espacial em territórios estão sempre sendo constituídos, pensados e engendrados. Portanto, dar voz aos atores desta comunidade e analisar os seus discursos irá nos permitir ter um entendimento a respeito de como estes processos se desenvolvem e são percebidos a partir de territórios periféricos da cidade, bem como dentro daquele próprio território. Devemos, então, pensar a questão da territorialidade como as diferentes formas de apropriação do espaço urbano, porque são diferentes os atores sociais e suas práticas. Robert Sack (2011) também propõe que:

Territorialidade é uma expressão geográfica primária de poder social. É o meio pelo qual espaço e sociedade estão inter-relacionados. As funções de mudança da territorialidade nos ajudam a entender as relações históricas entre sociedade, espaço e tempo. (SACK, 2011, p. 63)

Ao trabalhar com o espaço urbano, as territorialidades em acumulações de tempo e espaço tornam-se ainda mais dinâmicas, por isso entendemos que as territorialidades podem estar sobrepostas e, ainda, em construção, podendo existir ou não conflitos de uso territorial – estes entendimentos vistos na escala de cidade, bem como na escala do território em destaque. A articulação teórica, então, é entender como as ações se diferenciam a partir do lugar que acontecem, e ao partir disso demonstrar as características singulares que os territórios adquirem e demonstrar suas condicionantes para que as práticas espaciais e de reprodução social se manifestem ali.

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1.3 Agentes/atores produtores do espaço

Adotamos que o espaço é produzido. Sendo assim, o que chamamos de espaço urbano também é produzido e é intencional, sendo realizáveis diferentes formas de incorporação e produção do mesmo. Roberto Lobato Corrêa (1989) classificou estas formas como agentes promotores, sendo estes: proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, promotores imobiliários, Estado e grupos sociais excluídos. O próprio autor posteriormente realiza uma espécie de atualização destas categoriais:

Reflexo, meio e condição social, o espaço urbano é constituído por meio de processos e práticas espaciais postos em ação por diversos agentes sociais, as grandes empresas do capital industrial-financeiro, os proprietários de terras, os promotores imobiliários, o Estado, os grupos sociais excluídos e os movimentos sociais organizados. (CORRÊA, 2011. p. 24).

Entendemos que é no espaço urbano que estão condensadas e entrelaçadas as ações destes agentes sociais. Em nosso entendimento, notamos que estes agentes atuam com maior ou menor grau de intervenção. Nesta pesquisa vamos dar destaque para os grupos sociais dos excluídos, associando também os movimentos sociais organizados em resistência, as práticas do Estado, os proprietários de terras e os promotores imobiliários. Este panorama é importante para a compreensão do nosso estudo de caso, não iremos nos deter em explicar a atuação de cada um deles, mas sim, a partir das objetivações e influências que estes exercem sobre o território em estudo.

As questões de diferenciações da produção do espaço urbano nas cidades estão associadas com as fragmentações em territórios dentro do próprio espaço urbano. Para esse entendimento consideramos a abordagem do conceito de espaço social de Pierre Bourdieu (1989), em que a manifestação destas desigualdades em acesso ao bem-estar e as disputas entre atores por direitos a estes recursos estão materializados no espaço urbano, bem como as diferenças de acessibilidade, estilos de vida e amenidades. Em outro aporte, Pierre Bourdieu (2013) aponta para o entendimento de que o espaço físico está definido pela exterioridade e o espaço social é definido pela distinção das posições que o constituem.

Pensamos que o lugar e o local ocupados por um ator/agente no espaço físico consiste em indicadores de sua posição no espaço social. É dizer, um está impresso no outro. Mas devemos ter o cuidado, o espaço social não é o espaço físico, mas o

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espaço social encontra-se realizado na distribuição do espaço físico. Assim, visamos interpretar a resistência da comunidade ao processo de remoção como defesa do território, pois não se trata apenas de uma mudança de sítio, mas tem a ver com a posição (relativa) no espaço social (urbano). Além de tudo isso, somam-se as apropriações de estilo de vida e a dependência espacial da comunidade para sua reprodução social e econômica, a partir do entorno.

Pensado em um primeiro momento para realizar estas construções para o espaço urbano, justifica-se, então, a escolha deste elemento assim como para David Harvey (2013), que afirma que as cidades sempre foram lugares de desenvolvimentos geográficos desiguais. É, então, no espaço urbano que estão condensadas as relações capitalistas, onde para ter acesso à moradia e à terra urbana utilizamos o entendimento de que:

[...] para morar é necessário ter capacidade de pagar por esta mercadoria não fracionável, que compreende a terra e a edificação, cujo preço depende também da localização em relação aos equipamentos coletivos e à infraestrutura existente nas proximidades da casa/terreno. (RODRIGUES, 1991. p. 14).

Além da terra urbana, a localização também é fundamental para o entendimento de acessibilidade ao solo urbano, por isso é também um fator de segregação socioespacial, pois com a elevação dos preços do mesmo nas posições de maior prestígio, em lugares com melhores serviços disponíveis, dificulta o acesso das camadas de baixa renda. Assim, devemos entender que cada lugar é único no seu sentido de posição no espaço urbano, possuindo um conjunto de vantagens e desvantagens.

Logo, podemos perceber como o espaço urbano é engendrado, pensado e constituído, podendo ser também objetivado a partir da ideia de Milton Santos (1996, p. 94) sobre as intencionalidades. Como o autor afirma: “Então, à intencionalidade da ação se conjuga a intencionalidade dos objetos e ambas são, hoje, dependentes da respectiva carga de ciência e de técnica presente no território”. Pensando assim, o sentido dos objetos e das ações são pensados e moldados ao território, ou seja, são intencionais. Esta articulação permite a compreensão de que a produção do espaço urbano é condicionada e segmentada a determinadas práticas territoriais. Também levando em consideração os diferentes níveis de poder dos agentes produtores deste espaço, estas distintas escalas de poder se manifestam não só no acesso, mas também nas formas que legitimam através de discursos a utilização do território.

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No caso da Vila Dique, os tensionamentos em seu território estão postos através da promoção do Estado, a partir dos processos de remoção e reassentamento desde o ano de 2009, que se justificaram pelas obras de ampliação da pista do Aeroporto Internacional Salgado Filho, incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)4 e impulsionadas pela Copa do Mundo de Futebol de 2014, dentro

do papel de dotar o território de uma melhor infraestrutura. Mas este tipo de promoção se opõe a da comunidade da Vila Dique, onde, na constituição desta comunidade e na incorporação da área ao espaço urbano, o tipo de promoção dos grupos sociais excluídos, por falta de acesso à cidade e à moradia digna, ocupou e se estabeleceu naquela área como forma de garantir sua sobrevivência no meio urbano, já que não possuía capital para adquirir terra urbana através do mercado formal de terras.

1.4 Aproximação com teorias de Linguagem

Constituindo uma aproximação das dinâmicas espaciais com as teorias de linguagem, buscamos encontrar e diferenciar estas vozes que enunciam um mesmo objeto, no caso, um mesmo território, mas que o representam de maneiras distintas. Podemos chamar este fenômeno de diferenças discursivas dos atores, visto que, para Di Méo & Buleón (2007), o ator é o agente com intencionalidade. Adotando que os territórios são constituídos por múltiplas vozes e sujeitos, para cada ator existirá uma forma de enunciar o território, a partir de sua intencionalidade, e em contraponto a essas enunciações existirá também um discurso dito oficial, ou hegemônico, um discurso midiático/estatal que buscará legitimidade a partir de sua repetição. Este discurso oficial também será um formador de opinião pública sobre o mesmo lugar, o que pode convergir ou não com a versão dos atores locais, gerando um tensionamento destas vozes em torno da legitimação/negação das práticas e usos daquele território. Bakhtin traz algumas considerações a respeito do enunciado:

A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas (BAKHTIN, 2014, p. 290).

4 Programa de Aceleração do Crescimento – Ampliação de Pista de Pouso e Decolagem Aeroporto

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O modo de se levar a vida está expresso na forma e também no estilo em que os atores se manifestam no lugar, assim, marcam-se e diferenciam-se; ainda, é possível que eles se diferenciem a partir de enunciados e discursos das práticas realizados para fora daquele lugar, funcionando como uma forma de distinção entre lugares. Estes enunciados e discursos não apenas marcam as diferenças entre as práticas dos atores e grupos, mas também as caracterizam e assim também grafam as diferenças geográficas dos lugares em relação às associações das práticas vinculadas aos discursos. É dizer, os discursos e os enunciados condicionam determinadas formas e práticas que se dão no lugar e influenciam nas práticas que podem, neste lugar, se desenvolver. Voloshinov (2005) explicita essa questão em relação ao enunciado:

A característica distintiva dos enunciados concretos consiste precisamente no fato de que eles estabelecem uma miríade de conexões com o contexto extra verbal da vida, e, uma vez separados deste contexto, perdem toda a sua significação – uma pessoa ignorante do contexto pragmático imediato não compreenderá estes enunciados. (VOLOSHINOV, s/d, apud BRAIT e MELO, n.p., 2005).

Os enunciados nos levam a uma caracterização dos lugares e a uma ideia de que por meio dos discursos, podemos observar uma unidade de comunicação, que estará condicionando as relações de afetividade ou repulsão do lugar, mesmo que sem as práticas vividas. Isso nos aproxima da proposição de Tuan (1980) com os conceitos de topofilia e topofobia. Nesta investigação vamos utilizar as conversas com os moradores para caracterizar o que e como se fala do lugar em que se vive, podendo assim contrastar o que é passado pelo discurso hegemônico. Estas falas dos moradores são importantes para registro dos discursos impregnados pela prática e pela vivência do território pelos moradores.

As diferenças nos discursos e enunciados se justificam, como foi proposto por Bakhtin (1992), pois possuem linguagem de um ponto de vista histórico, cultural e social. Ainda dentro dessas proposições, tomamos a ideia de que uma mesma frase pode ter sentidos diferentes, pois as formas semânticas da linguagem são variáveis, assim como o contexto também se modifica. É com estas proposições que apresentamos os enunciados, ou seja, as unidades de comunicação que os moradores da Vila Dique associam à representação de seu território.

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Elaborado pelo autor, 2017.

Mas se o espaço é uma categoria anterior, como os territórios se diferenciam? Nossa proposição com esta investigação é de pensar que a partir de enunciados o território é adjetivado, ganha uma significação e uma conotação. Aqui compartilhamos a proposição de Ana Clara Torres Ribeiro (2014), de que apontar os sistemas de ações, sem realizar uma análise sobre estes discursos, não é entender as ações, mas sim as atividades que se desenvolvem.

Podemos pensar que o território e seu enunciado promovem a noção prévia de sua função, controle, prática ou pertencimento. Mas esta situação de enunciação sobre os territórios pode estar em tensão quando diferentes atores disputarem o controle das práticas com uma mesma objetivação ou intencionalidade, queremos dizer com isso, quando houver uma disputa por um mesmo território. Os atores que interagem com este território são formadores e portadores de discursos, e estes são reflexos das inter-relações sociais manifestadas naquele território.

Desse modo, partindo do sujeito enunciador, os discursos enunciam modos de se viver particulares dentro de um território, mas também são parte da estratégia desenvolvida para a apropriação daquele espaço em território, distinguindo os seus praticantes e os associando a esta porção de espaço determinada. Sendo assim, somamos a compreensão de Stuart Hall (2016), que apresenta a concepção de que compreender os discursos é entender a capacidade e a consequência política das representações, assim como o autor explicita:

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[...] conhecimento elaborado por determinado discurso se relaciona com o poder, regula condutas, inventa ou constrói identidades e subjetividades e define o modo pelo qual certos objetos são representados, concebidos, experimentados e analisados. (HALL, 2016, p. 27).

Portanto, a partir do ponto de vista de Stuart Hall (2016), se pode afirmar que os discursos são formas de poder e, também, possuem a capacidade de associar ou construir identidades; mas mais que isso, possuem a capacidade de definir, ou ainda, rotular determinados objetos. Em relação a esta pesquisa, queremos mostrar como os discursos possuem a capacidade de influenciar a forma de ver um território, sem antes o experimentar e conhecer a sua formação como porção diferenciada do espaço.

1.5 Representações, Linguagem e Território.

Como aproximar, então, as teorias de linguagem, das representações e do território? Esta tarefa parece ser oportuna visto que entendemos o território como uma porção do espaço apropriada por um grupo/agente/ator que, a partir das suas práticas (ações) e das relações de poder que ali desenvolvem, apropriam-se, dominam e dão a noção de limite, ou ainda, de grafia para esta porção de espaço em um território definido.

A partir dessas relações, o território também é representação, assim, para falar deste território é necessária a comunicação, acreditamos que é aqui que tais categorias estão imbricadas. Stuart Hall (2016) aponta que representar envolve o uso da linguagem, de signos e de imagens que significam ou representam objetos.

Linguagem e representação são elementos tão fundamentais no estudo da cultura. Pertencer a uma cultura é pertencer, grosso modo, ao mesmo universo conceitual e linguístico, saber conceitos e ideias se traduzem em diferentes linguagens e como a linguagem pode ser interpretada para se referir ao mundo ou para servir de referência a ele. (HALL, 2016, p. 43)

Neste sentido, podemos apontar que deter o controle, ou ainda, o poder de representar determinado território é também uma forma de dominação sobre o mesmo, podendo criar símbolos, signos e imagens que representam este território para legitimar determinadas ações. Essas representações implicam em dependências e poderes ocultos, como apontou Henri Lefebvre (2006). Vale ressaltar também que a representação do espaço está associada à capacidade de produzir o espaço,

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lembrando da tríade: representação do espaço, espaço de representação e espaço vivido. Nesses poderes ocultos, cheios de intencionalidades, está a dominação desejada daquele espaço, não representando aquilo que se vive cotidianamente, como destaca Serpa:

Lugares que, nesse processo, são passíveis de representação, representações que, muitas vezes, nada ou pouco têm que ver com as imagens e os discursos veiculados pelos meios de comunicação de massa ou pelas estratégias do city marketing ou, ainda, pelos órgãos de planejamento e gestão urbanos. (SERPA, 2011, p. 158).

Por mais que Angelo Serpa (2011) estivesse dando evidencia para o conceito de lugar, este se aproxima muito ao raciocínio que estamos construindo para a territorialização do lugar, por meio das representações do território. Ou seja, quando nos propomos a analisar este território e incluir os discursos como elementos de análise, é para justamente observar que estas representações a partir da mídia, do poder público etc., têm pouca relação com as representações e as práticas do território por aqueles que os vivenciam. Ainda, a abordagem de Serpa justifica também a importância de contrastar os discursos e, assim, as representações, pois podemos enfatizar que as representações que possuem maior poder de penetração pela mídia são utilizadas como instrumento de legitimação e dominação sobre as ações naquele território.

Se o território não está constituído apenas de fixidez, mas requer constante movimento por um exercício de poder e de relações sociais entre os atores/grupos/agentes com esta porção de espaço apropriada, requer também constantes formas de representar e comunicar (enunciar) este território, tanto para quem o congrega, como para quem o vê de fora. A representação é a produção de sentido pela linguagem, sendo assim, a produção de signos sobre um território é determinante para como os sentidos são construídos e como a representação é realizada. Isto é, a partir das representações, este território será visto por aqueles que também nunca o vivenciaram, mas são comunicados a respeito de como este se constituiu, a partir de uma representação.

É neste sentido que apontamos a importância de incluir nos estudos sobre territórios a análise dos discursos sobre o território a ser estudado. Isso justifica-se também por essa construção da representação do mesmo para fora de seu cotidiano, criando uma representação sobre ele. Nos aproximamos da concepção de Paulo Cesar da Costa Gomes (2013), de que existem lugares de visibilidade, onde

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entendemos então que esta visibilidade pode dar ideia de discurso único, de demonstrar um território com determinadas características a partir de discursos que podem deslegitimar os atores locais, bem como legitimar ações e intervenções naquele território falado.

[...] há lugares que têm vocação para ser lugares de exposição, ou são instituídos como lugares de visibilidade. Há uma geografia própria ao fenômeno da visibilidade na maneira como socialmente escolhemos lugares para mostrar ou esconder coisas, valores e comportamentos, na maneira como são mostrados e nas circunstâncias dessa exposição. (GOMES, 2013, p. 40).

Essa visibilidade ou a falta dela esconde e coloca em evidência aquilo sobre o que as intencionalidades, ou ainda, possuem um maior interesse. No caso deste estudo, estaremos tratando de como o poder público se vale dos veículos midiáticos para justificar as ações de remoção dos moradores da Vila Dique, colocando em evidência as problemáticas associadas em viver nesse território. Ainda, o contraponto que fazemos neste trabalho, é justamente dar visibilidade ao que está sendo escondido, os invisíveis discursos locais, ou ainda, registrar e explicitar as formas de viver e de se apropriar desse espaço em um território que possui lógicas e práticas que estão moldadas a este território.

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