• Nenhum resultado encontrado

A finalidade do direito penal nos crimes contra a ordem tributária praticados pelo contribuinte

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A finalidade do direito penal nos crimes contra a ordem tributária praticados pelo contribuinte"

Copied!
63
0
0

Texto

(1)

RAÍLE MALGARIZE VIEIRA

A FINALIDADE DO DIREITO PENAL NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

PRATICADOS PELO CONTRIBUINTE

Araranguá 2019

(2)

A FINALIDADE DO DIREITO PENAL NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

PRATICADOS PELO CONTRIBUINTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Fábio Mattos, Esp.

Araranguá 2019

(3)
(4)
(5)
(6)

minha avó Henriqueta Buzanello Malgarize que, onde quer que esteja, deve estar feliz.

(7)

Agradeço ao meu professor orientador pela paciência e confiança, aos meus pais por tudo, a minha namorada (principal responsável pela minha permanência na faculdade), a todas as pessoas que, de algum modo, contribuíram para a minha formação e, finalmente, aos meus amigos por todas as coisas que não caberiam em mil livros.

(8)
(9)

Esta pesquisa teve como objeto questionar a finalidade do Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária praticados pelo contribuinte, previstos nos artigos 1º e 2º da lei 8.137/90, a partir de objetivos específicos como a verificação de relação entre princípios como a igualdade, a proporcionalidade e a intervenção mínima com o instituto da extinção da punibilidade. O segundo capítulo visa conceituar o tributo, o crime e, finalmente, os crimes contra a ordem tributária praticados pelo contribuinte. O terceiro capítulo revisa os princípios da intervenção mínima e proporcionalidade, bem como apresenta a concepção de direito penal e seu bem jurídico. O quarto capítulo trabalha o princípio da igualdade, questiona o instituto da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo ao compará-lo com a redução de pena atribuída aos crimes patrimoniais comuns e, por fim, lembra os meios alternativos de tutela da ordem tributária. O quinto capítulo ousa afirmar que a finalidade do direito penal nos crimes contra a ordem tributária é a cobrança de tributo. A conclusão apresenta a necessidade de o Estado repensar o modo como trata a sonegação fiscal, seja reforçando o Direito Penal, eliminando a extinção da punibilidade pelo pagamento para legitimar a tutela penal, seja descriminalizando as condutas previstas nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 para, no lugar do tratamento penal, aprimorar os meios de coerção estatal diante de condutas que tendem a ludibriar o fisco para não pagar o tributo devido.

(10)

This research had as object to question the purpose of the Criminal Law in crimes against the taxpayer's practice practiced by the taxpayer, provided for in articles 1 and 2 of Law 8.137 / 90, mainly from specific objectives such as the verification of the relationship that some principles such as equality, the proportionality and the minimum intervention have with the institute of the extinction of the punibilidad by the payment of the tribute. The second chapter aims to conceptualize taxation, taxation, crime and, finally, crimes against taxation practiced by the taxpayer. The third chapter reviews the principles of minimum intervention and proportionality, as well as presents the concept of criminal law and criminal law. The fourth chapter deals with the principle of equality, questions the institute of the extinguishment of punishment by the payment of the tax when comparing it with the reduction of the sentence attributed to the common property crimes and, finally, it recalls the alternative means of tutelage of the tax order. The fifth chapter, based on the principles and concepts previously mentioned, dares to affirm that the purpose of the criminal law in crimes against the tax order is the collection of tribute. The conclusion presents the need for the State to rethink the way it treats evasion, or reinforcing the Criminal Law, eliminating the institution from the extinction of punishment by the payment to assert the legitimacy of the criminal protection, or, by decriminalizing the conduct provided in the articles 1 and 2 of Law 8,137 / 90, in order to improve the means of state coercion in the place of penal treatment, in the face of conduct that tends to deceive the tax authorities in order not to pay the due tax.

Keywords: Related Searches. Tax Order. Goal.

(11)
(12)
(13)

1 INTRODUÇÃO...11

2 O TRIBUTO E OS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA PRATICADOS PELO CONTRIBUINTE...12

2.1 CONCEITO DE TRIBUTO...13

2.2 PROBLEMÁTICA DA TRIBUTAÇÃO...16

2.3 DEFINIÇÃO DE CRIME...17

2.4 OS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA PRATICADOS PELO CONTRIBUINTE...20

3 DIREITO PENAL: ALGUNS CONCEITOS E PRINCÍPIOS...24

3.1 CONCEPÇÃO DE DIREITO PENAL...24

3.2 BEM JURÍDICO PENAL...25

3.3 INTERVENÇÃO MÍNIMA...28

3.4 PROPORCIONALIDADE...32

4 IGUALDADE, EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E ALTERNATIVAS DE COERÇÃO ESTATAL...35

4.1 IGUALDADE...35

4.2 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE...39

4.3 VIA ADMINISTRATIVA E ALTERNATIVAS DE COERÇÃO ESTATAL...43

5 A FINALIDADE DO DIREITO PENAL NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA PRATICADOS PELO CONTRIBUINTE...46

6 CONCLUSÃO...16

(14)

1 INTRODUÇÃO

Trata-se o presente trabalho de uma “pesquisa bibliográfica, desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído de livros e artigos científicos” sobre o tema em questão (GIL, 2010, p. 50)

Diante das altas cargas tributárias bem como do complexo sistema de tributação, perceptíveis por qualquer cidadão brasileiro, o contribuinte, por bem ou por mal - seja por mero inadimplemento, seja por meio de artifícios para ludibriar o fisco - deixa de cumprir seu dever de pagar o que deve ao Estado.

Quando utiliza meios maliciosos para enganar o fisco, com o intuito de fazer com que o Estado não perceba as situações que deflagram o dever de pagar tributo, o contribuinte é visto, diante da norma atual, como um criminoso.

Digna e necessária é a cobrança do tributo, bem como legítima pode ser a tutela penal como instrumento de coerção das condutas que ofendem bens jurídicos relevantes como a vida ou, ainda, a ordem tributária - bem jurídico penal difuso.

No entanto, o objeto desta pesquisa é questionar a finalidade do Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária praticados pelo contribuinte e, para isso, persegue objetivos específicos tais como: a) a revisão dos conceitos de tributo, crime, crimes previstos nos artigos 1º e 2º da lei 8.137/90, direito penal e bem jurídico penal, b) a apresentação das vias alternativas que o Estado detém para proteger a ordem tributária, c) a compreensão dos princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade, d) a análise do princípio da igualdade, e) a comparação entre a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo e a redução da pena para crimes patrimoniais comuns.

O segundo capitulo procura, com base na definição legal prevista no artigo 3º do Código Tributário Nacional, bem como com base no que diz a doutrina a respeito de cada elemento contido na letra da lei, conceituar o tributo, demonstrando seu caráter obrigatório, pecuniário, não sancionador, legal e plenamente vinculado.

Em sequência, demonstra-se a problemática da tributação, reconhecendo-se tanto a sua necessidade - para possibilitar a vida em sociedade, mas também para promover os valores constitucionais tais como a redução de desigualdades sociais e regionais - quanto a sua característica de objeto de resistência por parte do contribuinte diante das altas cargas tributárias.

(15)

Ainda no mesmo capítulo, conceitua-se o crime como fato típico, antijurídico e culpável, conforme o que predomina na Doutrina, bem como são apresentadas as condutas típicas previstas nos artigos 1º e 2º da lei 8.137/90.

Já no terceiro capítulo, apresenta-se os conceitos de Direito Penal (ramo do direito que atua contra os atos ilícitos mais repudiáveis e que, por isso, prevê para eles a forma de resposta mais contundente, a saber, a pena - que tem como espécie mais grave a privação da liberdade - e de bem jurídico penal.

É visto ainda no mesmo capítulo que a intervenção mínima é o princípio pelo qual o Direito Penal deve atuar somente quando estritamente necessário, ou seja, quando outros meios sejam ineficazes ou mesmo impensáveis para proteção de determinado bem jurídico e, ainda, que a proporcionalidade é uma baliza de compreensão em direção ao justo tanto para a elaboração quanto para a aplicação da norma.

No quarto capítulo, vislumbra-se a reflexão em torno do princípio da igualdade qual prevê que os tratamentos de discrição previstos em lei devem ter uma razão de existir, com base em critérios lógicos e valorativos, pois do contrário o que haverá é justamente a desigualdade entre pessoas - o que, por certo, não é o objetivo do Direito.

Após, trabalha-se o instituto da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo comparando o mesmo com a redução de pena para os crimes patrimoniais comuns e, a partir disso, verifica-se se tal distinção de tratamento entre os crimes tributários e os crimes patrimoniais comuns encontra amparo sob o princípio da igualdade.

Também no quarto capítulo, apresenta-se meios alternativos de coerção contra os atos atentatórios a ordem tributária, sejam eles a execução fiscal e o protesto, bem como até mesmo a possível criação de um direito de intervenção.

Finalmente, no último capítulo, ousa-se afirmar que a finalidade do Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária é a mera cobrança do tributo, já que se o transgressor da norma penal em questão sonega é visto como criminoso e, no entanto, se, a qualquer tempo, paga o que deve, tem extinta a sua punibilidade como se jamais tivesse cometido crime algum.

Conclui-se que, posto como está, o Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária precisa ser repensado pelo Estado, apresentando-se as seguintes soluções: o Estado legitima o Direito Penal persistindo na ação penal mesmo após o pagamento do tributo devido; ou retira da tutela penal a sonegação e a reprime por outros meios de modo mais eficaz.

(16)

2 O TRIBUTO E OS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA PRATICADOS PELO CONTRIBUINTE

2.1 CONCEITO DE TRIBUTO

Como o tema do presente trabalho engloba os crimes contra a ordem tributária praticados pelo contribuinte, nada mais oportuno que, de início, apresentar o conceito de tributo, exercício necessário em conjunto com a apresentação da problemática da tributação, seguida da definição de crime (qual virá a seguir).

Inaugura-se o presente trabalho com o conceito de tributo. Para tanto, recorre-se ao artigo 3º do Código Tributário Nacional. Daí em diante, passa-se a esmiuçar cada detalhe que compõe a letra da lei, com base no que diz a Doutrina.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º, apresenta o conceito jurídico de tributo como "toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade plenamente vinculada." (CTN, 2019, p.1).

Prestação pecuniária compulsória significa o "comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro". Portanto, afasta-se, primeiramente, qualquer compreensão relacionada às prestações voluntárias (CARVALHO, 2017, p. 56).

Se é compulsório, como afirma o autor, não há que se falar em tributo como algo que advém de vontade entre as partes. A obrigatoriedade é tal que tanto ao Estado não se faculta o dever de cobrar tributo quanto ao contribuinte não se oferece a escolha de pagar ou não.

Nesta trilha, tributo é prestação pecuniária no sentido de obrigação de prestar dinheiro ao Estado; e é prestação compulsória no sentido de que é não contratual, não voluntário, muito menos facultativo, o que faz jus ao poder de império que o Estado detém para, em favor da sociedade, arrecadar determinada quantia dentre o patrimônio do particular (SABAG, 2013, p. 48).

Neste passo, o contribuinte é forçado ao pagamento do tributo, não restando, em princípio, sequer a opção de pagar a menor. Assim, sendo o contribuinte proprietário de imóvel urbano, terá de pagar Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, conforme o artigo 32 do Código Tributário Nacional, em que pese a oportunidade de discutir, via processual, a legitimidade da cobrança.

(17)

Carvalho (2017, p. 56) critica a redundância da locução "em moeda", tendo em vista que ela é precedida pela expressão "prestação pecuniária", bem como chama atenção para o termo "cujo valor nela se possa exprimir", advertindo que este "erro" provoca ampliação do âmbito das prestações pecuniárias.

No entanto, a expressão "em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir" não confere margem para ampla liberdade na forma de pagamento, como, por exemplo, o pagamento com qualquer bem ou com prestação em serviço. Ocorre que o conceito jurídico é claro ao estabelecer "prestação pecuniária", afastando-se do conceito tudo o que não for pecúnia. (AMARO, 2009, p. 20-21)

Ademais, Coelho (2018, p. 302) elucida que o termo "cujo valor nela se possa exprimir" não significa que se possa pagar o tributo devido "com cabras ou queijos". Mas é possível, de acordo com o Código Tributário Nacional, pagar com selos e estampilhas, com títulos da dívida pública caso exista lei que autorize tal hipótese, ou ainda, com bens imóveis.

Percebe-se, portanto, que, se não em dinheiro, só restaria como alternativa a forma de pagamento aquilo que está na lei como forma de extinção do crédito tributário, como no caso do bem imóvel expressamente previsto no artigo 156, inciso XI, do Código Tributário Nacional.

Adiante, tem-se o esclarecimento objetivo que o conceito legal traz ao estabelecer que tributo não constitui sanção de ato ilícito, traço relevante para sua compreensão, posto a feição de licitude do fato (independente de sua origem) qual enseja a obrigação tributária (CARVALHO, 2017, p. 56).

Em palavras mais simples, tributo não é multa. Tributo não é uma forma de coerção em resposta ao cometimento de um crime. Tributo não deriva do poder de punir que o Estado detém contra os indivíduos. Tributo não é penalidade.

A esse respeito, interessa a ponderação de Coelho (2018, p. 305). O autor provoca a questão da possibilidade de cobrança de imposto de renda de valores que foram auferidos como fruto do tráfico de drogas.

É pacífico na doutrina o entendimento de que o tributo sobre a renda auferida por meios ilícitos não configura sanção. Assim, após refletir a respeito, Coelho (2018, p. 305-306) entende que, no caso quem questão, o que é tributado é a materialidade (disponibilidade econômica de determinado monte), não importando a "validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes".

Aliás, neste sentido, dispõe o artigo 188, inciso I, do Código Tributário Nacional. Ou seja, o tributo incide sobre o fato gerador - como, por exemplo, auferir renda. Já a origem

(18)

dessa renda, em princípio, não interessa ao Estado. Não interessa no que diz respeito a instituição e cobrança de tributo.

Assim, não se confunde tributo e penalidade, visto que há distinção entre dois poderes que o Estado detém. É dizer, a penalidade pecuniária é fruto do poder penal do Estado, e tem por objetivo resguardar a validade da ordem jurídica, ao passo que o tributo deriva do poder tributário sobre a propriedade privada. (TORRES, 2018, p. 370).

Adiante, lembra Carvalho (2017, p. 57) que o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, dispõe sobre o princípio da legalidade ao prever que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei, o que já elucida a menção do termo "instituída em lei" trazida no conceito legal do artigo 3º do Código Tributário Nacional.

Segundo o mesmo autor, a pretensão do legislador neste ponto foi de reafirmar o caráter obrigacional do tributo, não o admitindo, de todo modo, como fruto de um ato entre vontades, mas sim como resultado da força da lei.

Indo além, Sabbag (2013, p. 50), também menciona que a estrita legalidade significa que o tributo não poderá, por exemplo, ser instituído por medida provisória, com algumas ressalvas para as alíquotas de alguns tributos.

Já a expressão "cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada" apresenta a formalidade da cobrança que será exercida por meio do lançamento (ato documental) que, de todo modo, não é autoexecutório. Ou seja, é possível que o contribuinte possa desviar-se do pagamento do tributo e discutir a legitimidade da cobrança administrativa ou judicialmente, justamente para que não seja alvo de atos autoexecutáveis de coerção - com o único intuito de efetuar recolhimento ao fisco (SABBAG, 2013, p. 52).

Interessa aqui deixar claro que o "desvio" ao pagamento, como ensina o autor, diz respeito ao mero inadimplemento, e não a uma possível conduta prevista como crime, como por exemplo, nas hipóteses estabelecidas nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90.

Finalmente, Carvalho (2017, p. 51) demonstra que, além da presente tentativa feita até aqui de demonstrar o que seria tributo conforme a letra da lei no artigo 3º do Código Tributário Nacional, há de se atentar para os vários significados que a palavra tributo carrega dentro do próprio ordenamento jurídico.

Assim sendo, o termo "tributo" apesar de ora aparecer querendo dizer relação jurídica, ora surge querendo dizer norma, outras vezes ainda diz respeito a dever subjetivo do sujeito ativo (Estado) em relação ao sujeito passivo (contribuinte), quando não dever deste de dispor parte de seu patrimônio em favor daquele (CARVALHO, 2017, p. 51).

(19)

Seja como for, o signo "tributo" não carece de definição. Muito pelo contrário. Esta amplamente carregado de significações feitas pela doutrina e que variam conforme o lugar da palavra "tributo" na lei.

O tributo, como visto, carrega traços inconfundíveis como a obrigatoriedade, a pecúnia, a não sanção, a vinculação à lei e, finalmente, cobrança vinculada à forma (no caso, ao lançamento - documento pelo qual a administração pública exige o pagamento).

2.2 PROBLEMÁTICA DA TRIBUTAÇÃO

Esclarecido o conceito de tributo, passa-se agora a apresentar, de forma breve, a necessidade de tributação, bem como a problemática que reside justamente na sua não concretização (que pode advir justamente pelo modo como ela impõe sua manifestação).

Marques (2011, p. 90-92) tece seu entendimento no sentido de reconhecer que, principalmente após a segunda guerra, houve grande preocupação entre os teóricos com relação ao desenvolvimento da qualidade de vida humana. Nessa linha, percebeu-se que, para tanto, o desenvolvimento econômico, por si só, não basta.

O autor verifica que, justamente por isso, há de se reconhecer outros aspectos de desenvolvimento, a saber: o político, o social e o cultural. Para alcançar toda essa gama, o Estado assume papel importantíssimo, na medida em que cria normas jurídicas para regular a vida em sociedade, bem como impõe aos indivíduos o pagamento de tributo (MARQUES, 2011, p. 90-92).

Neste passo, Marques (2011, p. 90-92) sustenta a necessidade da promoção do desenvolvimento, o que, inegavelmente, passa pela redução de desigualdades sociais e regionais. Este objetivo, por certo, entre outros fatores, será garantido por meio da tributação.

Por outro lado, o autor constata que a complexa e alta tributação pode gerar nos cidadãos o efeito indesejado de resistência ao pagamento de tributo, concretizado na sonegação. A alta carga tributária seria evidente no fato de o Brasil estar quase sempre no topo em quantidade de tributo pago pelo contribuinte. Já a complexidade reside na excessiva quantidade de normas impostas às atividades empresariais que dificultam quando não inviabilizam o negócio. (MARQUES, 2011, p. 93-95).

Posto isto, o desenvolvimento nacional, aqui subdividido em desenvolvimento econômico e social, encontra barreira na ineficaz atuação estatal caracterizada pelas já mencionadas complexidade e alta carga tributária. O resultado desses empecilhos é ilustrado,

(20)

por exemplo, pela enorme quantidade de atividades informais. E estas causam prejuízo social, principalmente em virtude do não recolhimento de tributos. (MARQUES, 2011, p. 96).

Como visto, em que pese a necessidade inegável da tributação como meio de, primariamente, garantir a vida em sociedade, mas também de garantir desenvolvimento humano, a depender da realidade, tais objetivos podem ficar mais ao longe, e não tão perto como seria a vontade de todos.

2.3 DEFINIÇÃO DE CRIME

Em sequência, interessa agora traçar uma definição de crime. Para tanto, serão expostos os esforços teóricos trazidos pela doutrina, tendo em vista que, diferentemente do tributo, para o crime não há definição legal.

Elucida Greco (2017, p.198) que o conceito de crime é doutrinário, posto que a Lei de Introdução ao Código Penal, em seu art. 1º, traz tão somente mais uma diferenciação entre crime e contravenção (espécies de infração), com base na quantidade e qualidade da pena que poderá ser aplicada.

Para Greco (2017, p. 198-199), importa refletir sobre os conceitos mais difundidos de crime, sejam eles: o formal (que prevê o crime como conduta que colide com a lei penal), o material (que estabelece o crime como comportamento que viola bem jurídico) e o analítico (que compreende o crime como fato típico, antijurídico e culpável).

Sob aspecto formal, segundo Jesus (2012, p.195), crime é fato típico (ou seja, é a prática de uma conduta previamente estabelecida na lei como proibida) sob ameaça da aplicação de uma pena, e é também antijurídico (o mesmo que dizer: contrário ao direito na medida em que não encontra respaldo de justificação como, por exemplo, a legítima defesa -para a prática de tal ato).

O conceito material demonstra critérios que o legislador adota para perceber determinado fato como crime ou não. Tanto é que, uma vez sem esse critério para a criação de normas penais, o legislador teria demasiada "licença" em seu trabalho, o que, certamente, tenderia a violar o direito fundamental dos cidadãos à liberdade (JESUS, 2012, p. 193).

Há concordância na doutrina a respeito de certa evolução no trabalho de conceituação, sendo que, se antes o conceito formal ou o material bastavam, com o tempo, os mesmos foram ultrapassados tecnicamente. Eis que surge o conceito analítico de crime.

No conceito analítico de crime, o fato típico é composto de conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, além de resultado, nexo de causalidade e tipicidade (formal

(21)

-expressa); a ilicitude, por sua vez, expressa antijuridicidade, ou seja, contrariedade entre a conduta do agente e o que prevê a norma; e a culpabilidade tem como elementos a imputabilidade, a potencial consciência sobre a ilicitude do fato, e, finalmente, a exigibilidade de conduta diversa. (GRECO, 2017, p. 200-202).

Antes de adentrar no estudo sobre o conceito analítico, é de significativa importância resgatar, com base nas lições de Bitencourt, os conceitos clássicos e neoclássico de delito.

Bittencourt (2013, p. 274), ensina que o conceito clássico de delito (crime) o determina como ação (movimento produzido por vontade que provoca transformação no mundo exterior) típica (prevista na lei), antijurídica (que provoca resultado juridicamente indesejado) e culpável (nexo psicológico entre autor e conduta).

Portanto, a teoria clássica, como destaca o autor, determinava o crime tão somente como uma transformação no mundo dos fatos relacionada, de algum modo, com a cognição (o pensamento, a vontade, etc.) do agente (aquele que pratica o delito).

O conceito neoclássico, por sua vez, passa a aprimorar os já concebidos elementos do conceito clássico, a começar pelo antes frágil significado de ação que não encontrava respaldo lógico nos crimes omissivos, culposos e de tentativa (BITENCOURT, 2013, p. 275).

É que, por óbvio, não se poderia falar ação como "movimento" quando nos crimes comissivos, por exemplo, o que acontece é justamente o contrário, já que a relevância penal reside justamente sobre um não fazer algo diante do dever e possibilidade de fazer, nos moldes do artigo 13 do Código Penal, mais precisamente no parágrafo segundo e seus incisos. Por isso, a tipicidade passa a considerar elementos subjetivos do agente na medida em que seu psicológico (dolo e culpa) adentra na finalidade da conduta; a antijuridicidade que antes representava mera contradição formal a uma norma, passou a ser compreendida como danosidade social; e a culpabilidade também foi elevada ao significado de vontade contrária ao dever (BITENCOURT, 2013, p. 275).

Como visto, há uma evolução no conceito de crime, segundo a qual o dolo (grosso modo, compreendido como "vontade") e culpa (grosso modo, entendido como "descuido") não mais manifestam simples elementos de culpabilidade, mas passam a integrar, como elemento, o tipo penal (a hipótese expressa de uma conduta criminosa).

Adiante, foi visto no conceito analítico que crime é fato típico, antijurídico e culpável. Todavia, Greco (2017, p. 193) salienta que como o crime é um todo, não há que se falar em fragmentação do mesmo, mas, por questões didáticas, faz-se necessária a análise de cada um de seus elementos ou características.

(22)

Em outras palavras, o crime não se divide, no sentido de que seus elementos não ocorrem em uma ordem cronológica ou mesmo de forma separada. Uma suposta "ordem" que pode haver, como será explanado, é com relação a observância de cada coisa que constitui o crime. Daí concluir pela separação como algo meramente didático.

Neste passo, para Jesus (2012, p. 195), tipicidade é o primeiro requisito a ser verificado, sendo que, uma vez atendido, concede ao intérprete a oportunidade de seguir adiante na análise de uma conduta para enfatizar se ela é ou não crime. E o próximo passo seria o de verificar a presença ou ausência de uma causa que justifique o ato, em princípio criminoso.

Para exemplo: se A mata B, mas o faz em legítima defesa, praticou fato típico (matar alguém), porém não antijurídico, conforme prevê o art. 23, II, bem como o art. 25, ambos do Código Penal. (JESUS, 2012, p. 195).

Com base nos artigos supracitados, refere-se o autor a legítima defesa, ou seja, ao ato de repelir injusta agressão, nos moldes do artigo 25 do Código Penal, como fator suficiente para justificar o que, se não houvesse a violência que antes partiu da própria vítima no sentido de ameaçar o agente da conduta de algum modo, restaria configurado o crime de homicídio, este previsto no artigo 121 do mesmo diploma legal.

Ainda Jesus (2012, p. 196) alerta que não basta o fato ser típico e antijurídico, vez que também deve ser culpável. E a culpabilidade, para ele, nada mais seria que a reprovação social de tal conduta.

Por fim, para Jesus (2012, p. 196), esta reprovação social, no entanto, poderá não ocorrer quando, por exemplo, A mata B, porém acreditando estar sob iminência de uma agressão injusta. Ocorre aqui o erro de proibição invencível, previsto no artigo 21 do Código Penal. Nesse caso, não há legítima defesa, mas outro fator que também justificaria o que, sem tal justificativa, seria também compreendido como o crime de homicídio.

Cumpre, neste momento, analisar cada elemento do conceito analítico, de modo a desdobrá-los e, consequentemente, compreender mais a fundo o que seria tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.

Na tipicidade, segundo elucida Jesus (2012, p. 197), há quatro elementos, a saber: conduta humana dolosa ou culposa (A mata B), resultado (morte de B), nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (B ter morrido em razão da conduta de A) e enquadramento do fato material a uma norma penal incriminadora (concretização da hipótese prevista como conduta criminosa, conforme artigo 121 Código Penal).

(23)

Para o autor, a antijuridicidade é a relação de choque que há entre o fato típico e o ordenamento jurídico, posto que a conduta descrita na norma penal será antijurídica quando não expressamente declarada lícita pelo artigo 23 do Código Penal ou normas permissivas encontradas na lei. (JESUS, 2012, p. 197).

Finalmente, a culpabilidade, por sua vez, é a contradição entre a vontade do sujeito e a vontade da norma, na medida em que há uma reprovação por conta da norma em relação ao sujeito, quando este, mesmo podendo adotar comportamento contrário, opta por transgredir a norma penal - há o desejo de transgressão. (JESUS, 2012, P.197).

2.4 CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA PRATICADOS PELO CONTRIBUINTE

A lei 8.137/90 dita os crimes contra a ordem tributária, a começar pelo artigo 1º que prevê a supressão ou redução de tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as condutas expostas em seus incisos.

Os verbos nucleares do tipo, como esclarece Machado (2011, p. 338-339), pressupõem que não basta a ocorrência de qualquer das condutas previstas nos incisos, uma vez não concretizada a supressão ou redução de tributo.

Portanto, para a concretização do tipo penal é necessário tanto o resultado previsto no caput quanto também o meio empregado, ou seja, a conduta meio prevista em algum dos incisos. É a soma destes fatores, e não apenas um deles, de modo isolado, que configurará o crime supracitado.

Neste passo, tanto a supressão quanto a redução de tributo, se não decorrente de nenhuma das condutas previstas nos incisos correspondentes, por óbvio, não irão configurar o tipo (MACHADO, 2011, p. 343)

Adiante, deve-se indagar o que viria a ser ou deixar de ser a supressão bem como a redução de tributo, tendo em vista que delas decorrem o não pagamento ou pelo menos o pagamento a menor do tributo - no caso, de modo ilegal.

Supressão é retirada do tributo da realidade perceptível ao fisco, ao passo que redução tem sentido de apresentar, à percepção do fisco, tributo com expressão econômica inferior a que deveria ter em face do fato que ocorreu (MACHADO, 2011, p. 340).

O autor ainda expõe que suprimir ou reduzir tributo, geralmente, tem como consequência o não pagamento ou o pagamento a menor, respectivamente, o que não significa uma relação de sinônimos.

(24)

É perfeitamente possível, portanto, haver o não pagamento e, mesmo assim, continuar existindo o tributo, posto que não ocorreu sua supressão. Do mesmo modo, é possível o pagamento a menor e ainda haver o tributo, vez que não ocorreu a sua redução (MACHADO, 2011, p. 340).

Para Machado (2011. p. 342), tributo, no tipo em questão, quer dizer relação jurídica obrigacional que decorre do fato gerador. Logo, suprimir tributo significa impedir que seja demonstrado o nascimento dessa obrigação como, por exemplo, impedir que a autoridade saiba que o contribuinte auferiu renda. É ocultar o fato gerador.

Reduzir, por sua vez, quer dizer demonstrar o nascimento de um tributo com expressão econômica menor do que o decorrente dos fatos como, por exemplo, impedir que a autoridade saiba que o contribuinte auferiu renda maior que a demonstrada. É ocultar, em parte, o fato gerador.

Assim, suprimir ou reduzir tributo quer dizer ocultar, total ou parcialmente, o fato gerador, de modo que essa ocultação ocorra mediante a prática de uma das condutas previstas nos incisos do art. 1º da Lei 8.137/90 (MACHADO, 2011, p. 342).

O fato gerador, conforme o Código Tributário Nacional, em seu artigo 14º, "é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência", no caso de obrigação principal. Ou seja, é a concretização no mundo dos fatos (exemplo: auferir renda) das hipóteses previstas na lei (exemplo: artigo 43, inciso I, do mesmo diploma legal).

Omitir informação ou prestar declaração falsa, como reza o inciso I do artigo 1º da Lei 8.137/90, diz respeito a fatos relevantes para a verificação da existência ou não de tributo, de modo que são condutas com o objetivo de dificultar ou mesmo impedir o conhecimento, pelo fisco, da ocorrência do fato gerador. E, além da intenção, estas condutas devem, de fato, alcançar o fim de impedir que a autoridade promova o lançamento do tributo (MACHADO, 2011, p. 343).

Por fim, a omissão ou declaração falsa diz respeito a fatos, sendo que estes independem do significado jurídico-tributário e, em razão disso, não é falsa a declaração do contribuinte de imposto de renda que expressa como não tributável um rendimento que, na verdade, é. O problema aqui reside meramente em uma falta de entendimento por parte do contribuinte, e não em uma atitude maliciosa no sentido de tentar se esquivar do pagamento do tributo. (MACHADO, 2011, p. 345-346).

A omissão de operações e elementos inexatos, como dispõe o inciso II do art. 1º, e conforme expõe Machado (2011, p. 346-348), são justamente a omissão dos fatos que deveriam estar inseridos nos livros exigidos pela lei fiscal, bem como a distorção de como

(25)

ocorreram certos fatos inseridos nestes livros. Não há que se falar em omissão ou inexatidão no que se refere a mero erro, por parte do contribuinte, da interpretação da lei tributária, muito menos há que se falar em fatos irrelevantes para o fisco.

Falsificar ou alterar documento, na letra do inciso III do mesmo artigo, quer dizer ludibriar o fisco modificando materialmente (o documento em si) ou ideologicamente (o conteúdo - o que está expresso no documento) qualquer documento relativo a operação tributável, mais uma vez no que diz respeito a fatos juridicamente relevantes. (MACHADO, 2011, p. 349)

O inciso IV dispõe que elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato. O objetivo do inciso foi justamente não deixar de fora qualquer conduta praticada por alguém que não o próprio contribuinte, de modo a ser colocado o agente da conduta como partícipe do crime. (MACHADO, 2011, p. 350).

Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação, como dispõe o inciso V, expõe a preocupação do legislador com os casos em que a outra parte da compra e venda não pede nota fiscal ou mesmo peça para a mesma não ser emitida, bem como os casos em que a nota fiscal ou documento equivalente não contém elementos necessários para a identificação da mercadoria ou do serviço prestado (MACHADO, 2011, p. 350-352).

Elucida Machado (2011, p. 393) que o art. 2º da Lei 8.137/90, por sua vez, distingui-se do art. 1º, visto que enquanto este para ser concretizado exige o resultado desejado, aquele, para ser configurado, não necessita que haja, de fato, a supressão ou redução de tributo.

A ocorrência do resultado não é elemento do art. 2º, posto que há em questão mero inadimplemento de obrigação acessória e não necessariamente de tributo, lembrando que deve haver por parte do agente a intenção de suprimir ou reduzir tributo e no caso do inciso I, para aperfeiçoamento do tipo, deve a conduta ser capaz de produzir o resultado. (MACHADO, 2011, p. 392)

O não pagamento de tributo, previsto no inciso II do art. 2º, é composto por uma omissão, a saber, "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação a que deveria recolher aos cofres públicos".

Ao ver de Machado (2011, p. 421), tal tipo penal deve ser interpretado em conformidade com a Constituição Federal. Neste sentido, deve abrange apenas situações quais

(26)

o não pagamento do tributo decorram do uso de algum artifício que impossibilite a cobrança por outros meios. Do contrário, não há que se falar em crime.

Todavia, esse não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme será visto em capítulo próprio.

(27)

3 DIREITO PENAL: ALGUNS CONCEITOS E PRINCÍPIOS 3.1 CONCEPÇÃO DE DIREITO PENAL

Ensina Jesus (2012, p. 45) que o ponto de partida para a formação da noção do Direito é o fato social. E este, por sua vez, quando contrário aos interesses da sociedade, em virtude de ação ou omissão humana, forja o ilícito jurídico, o qual tem em sua forma mais séria o ilícito penal.

Portanto, os acontecimentos que derivam de uma conduta humana (manifestada em um fazer ou não fazer quando deveria), e que provocam profundos sentimentos de reprovação social, sofrem uma reação do Direito (mais precisamente de seu ramo mais contundente, seja ele o Direito Penal).

Nessa linha, toda conduta humana que configure oposição a uma norma jurídica é chamada “ilícita”, e essa contradição entre comportamento e previsão legal estimula uma relação de imputação na qual o Estado determina uma sanção correspondente (BATISTA, 2005, p. 43).

Batista (2005, p. 43-44) leciona que, por decisão política, a pena, espécie mais grave de sanção, antes mesmo de ser uma consequência jurídica, é condição da existência jurídica do ilícito mais grave, denominado crime, o que pressupõe a dialética que continuadamente associa e afasta esses conceitos opostos.

O Direito Penal, segundo Capez (2010, p. 19), é, dentre os segmentos do ordenamento jurídico, aquele que tem por objetivo selecionar os comportamentos humanos capazes de pôr em risco valores fundamentais para a convivência social, para então descrevê-los como infrações.

Ainda, o Direito Penal é o setor do ordenamento jurídico que estabelece consequência jurídica (pena e medida de segurança) para ações ou omissões delitivas, sejam elas os comportamentos mais socialmente reprováveis e que, quando concretizados, afetam de modo grave os bens jurídicos indispensáveis para conservação da sociedade (PRADO, 2005, p. 23).

Em outras palavras, Estefam (2010, p. 34) compreende o Direito Penal como ramo do Direito que visa catalogar os fatos humanos mais perturbadores da vida social, com o fim de evita-los por meio de aplicação de penas, assegurando assim a garantia da vigência da norma.

(28)

Por óbvio, isso não quer dizer que ao Direito Penal é conferido o poder de aniquilar por absoluto as condutas criminosas (embora esse fosse o ideal), visto que a vigência real pode, sim, em certos casos, ser suprimida (ESTEFAM, 2010, p. 34).

Logo, nada impede que condutas criminosas ocorram no dia a dia. Não é a norma penal que tem o poder de impedir comportamentos, mas tão somente de prever resposta (pena) para aqueles que ousarem transgredir o mandamento legal.

O que o Direito Penal pretende garantir é a vigência formal da norma, pois uma vez que haja transgressão à lei incriminadora, a resposta do Estado para o transgressor é aplicação da pena, de modo a semear entre os indivíduos a sensação de esperança em relação ao ordenamento jurídico bem como a confiança de que ele será, em tese, respeitado por terceiros (ESTFEAM, 2010, p. 34).

Ainda, Oliveira (2006, p. 3) define o Direito Penal como ramo do Direito que permite aos detentores do poder estatal um ato de violência institucionalizada, a saber, a privação da liberdade (modalidade mais grave de pena).

Dessa concepção, desdobra-se a função do direito penal, qual seja a prevenção de atos atentatórios aos bens jurídicos fundamentais que possibilitam a vida em sociedade. (ALENCAR, 2006, p. 123). O então chamado bem jurídico penal será definido a seguir.

3.2 BEM JURÍDICO PENAL

Oliveira (2006, p. 8) aponta que a missão essencial do Direito Penal é a proteção de bem jurídico. Há de se reconhecer, assim, pelo menos, a proteção do bem jurídico como limite a intervenção penal. E se assim não for, haverá o que o autor chama de autoritarismo.

Entretanto, definir o bem jurídico penal não é tarefa fácil. Os esforços na Doutrina não chegam a uma conclusão suficientemente técnica para determinar critérios capazes de impor o que é e o que não é digno de ser consagrado como bem jurídico penal.

Bechara (2009, p. 16) destaca que a ideia de crime como ofensa a um bem jurídico surge no iluminismo como tentativa de afirmar a legitimidade do Direito Penal, impedindo qualquer modelo de autoritarismo por parte do Estado.

A autora destaca que um conjunto de valores, de conteúdo liberal, centrados no indivíduo, norteou as primeiras convicções de bem jurídico, sendo eles, basicamente, a vida, o corpo, a liberdade e o patrimônio (BECHARA, 2009, p. 16-17).

O conceito liberal de bem jurídico tomava por base a teoria do objeto do crime como uma agressão a um direito subjetivo, o que caminhava contra a corrente estabelecida

(29)

pelo absolutismo que entendia o crime como pecado a ser castigado pelo Estado enquanto representante da vontade de Deus (BECHARA, 2009, p. 17-18).

Bechara (2009, p. 18-19) ainda afirma que, com o tempo, a evolução do conceito de bem jurídico reflete concepções que vão desde a rejeição da ideia de crime como pecado, passando depois pela ideia positivista de digno de proteção tão somente aquilo que o legislador diz que é, até ideias jusnaturalistas como proteção de direitos social e previamente impostos a vontade do legislador, e, finalmente, chegando a conceitos metodológicos, estes também reacionários ao puro positivismo.

Porém, como foi dito, tal metodologia não desemboca em um consenso sobre a definição de bem jurídico. Apesar disso, há importantes considerações trazidas pela doutrina para tentar estabelecer um conceito como, por exemplo, a partir de limitações.

Assim, o viés contemporâneo de estabelecer um limite pontual acerca da definição do bem jurídico, a Constituição Federal, por meio de seus valores fundamentais estabelecidos, torna-se um importante norteador a limitação do poder punitivo estatal e, consequentemente, da definição dos bens a serem protegidos pelo Direito Penal (BECHARA, 2009, p. 20).

Elucida Jesus (2010, p. 46) que “bem” significa tudo aquilo que satisfaz a necessidade humana, sendo que “bem jurídico”, por sua vez, é todo “valor” reconhecido pelo Direito e que recebe, na medida de sua relevância, maior ou menor tutela.

Nessa escala de relevância, o Direito Penal, por meio de sanções que possam reforçar a consciência dos indivíduos, visa proteger aqueles bens mais importantes, sejam eles os fundamentais, quer dizer, aqueles que possibilitam a vida em sociedade (JESUS, 2010, p. 46).

Scolanzi (2012, p.6) entende que a simples existência de um bem não basta para este configurar como bem jurídico, o que pressupõe um mínimo de valoração acerca desse bem, consubstanciado no substrato subjetivo (interesse do ser humano por um objeto).

O mesmo autor explica que a vida, dotada de interesse do ser humano pela sua preservação, acaba sendo elevada ao status de bem jurídico, e, pelo grau de sua relevância, consequentemente, ao status de bem jurídico penal (SCOLANZI, 2012, p. 8).

Indo além, Zaffaroni (2015, p. 416) entende que bem jurídico é a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, de modo que não basta mencionar a honra em si como um exemplo de bem jurídico penal. Mais certeira será a compreensão qual estabelece o bem jurídico como um direito a dispor de certo objeto.

No caso, não haveria que se falar em injúria quando o próprio indivíduo confessa publicamente, por livre vontade, algum “pecado”, sendo que apesar deste fato afetar sua

(30)

honra, ou ao menos a sua honra subjetiva, ele mesmo está dispondo do objeto – honra (ZAFFARONI, 2015, p. 416).

Guimarães (2010, p 10) entende que no processo de eleição de um bem ao patamar de bem jurídico penal deve ser considerada como baliza a Constituição Federal, posto que ordenamento constitucional, assim como as normas penais, não tem por escopo proteger todo e qualquer bem, mas tão somente aqueles mais importantes.

Assim, para o autor, o bem jurídico digno de tutela penal é aquele que não atenta contra os interesses fundamentais previstos na Constituição, de modo que esta seria um vetor (um norte) diretivo na construção da ideia de bem jurídico penal, indicando o que poderia e o que não poderia vir a ser considerado como crime. (GUIMARÃES, 2010, p 11)

Em que pese isso, estabelecer a Constituição Federal como uma baliza ao Direito Penal não significa limitar este diploma de modo a reproduzir entre ele e a carta magna os mesmos bens dignos de proteção. Tanto é assim que maior é o leque de bens jurídicos protegidos pela lei penal, o que denota maior liberdade para o legislador nesta seara, porém liberdade "restringida" aos princípios constitucionais (GUIMARÃES, 2010, p 12).

A relação entre o bem jurídico penal e a Constituição Federal, portanto, deve ser tal que a carta magna seja compreendida apenas como um vetor para a determinação dos valores que necessitam da tutela penal, de modo que há discricionariedade por parte do legislador, ainda que restringida. (SCOLANZI, 2012, p 6).

Não pode, portanto, como elucida Guimarães (2010, p 12), haver um Direito Penal extremo a ponto de ser determinado simplesmente pelos valores do legislador, como se a razão dele fosse a mais justa e, portanto, digna de eleger o bem jurídico penal.

Sustentar um Direito Penal contrário aos princípios estabelecidos pela Constituição Federal, conferindo ampla liberdade ao legislador, acabaria não só por colocar em risco a sua legitimidade, mas também o transformando em algo meramente simbólico. Porém, sabe-se que a função que o Direito Penal deve ter é instrumental e não simbólica.

O autor verifica que, conforme a discussão teórica a respeito da conceituação, pode-se entender o bem jurídico como um valor que é fruto das relações sociais e que deve ter como baliza alguns princípios tais como a intervenção mínima. (GUIMARÃES, 2010, p. 13).

Por fim, cabe apontar o conceito de bem jurídico penal difuso, ante a evolução dos esforços teóricos após a descentralização da proteção penal tão somente destinadas aos bens individuais como a vida, a honra, a propriedade e a liberdade, para outros tipos de bens.

(31)

Estes outros tipos de bens, denominados como bens jurídicos penais difusos, surgem da percepção, como afirma SMANIO (2004, p. 1), visto que certos bens são resultado do desenvolvimento social.

Neste sentido, surge o que os teóricos chamam de bens jurídicos supraindividuais, manifestados, por exemplo na saúde pública, no meio ambiente, etc., e tendo como titular não o indivíduo, mas a coletividade que seria representada pelo Estado (SMANIO, 2004, p. 1). Neste contexto, inserem-se os crimes contra a ordem tributária.

Portanto, embora não seja possível traçar um conceito fechado a respeito de bem jurídico, nem de bem jurídico penal ou mesmo bem jurídico penal coletivo, certo é que os estudos teóricos facilitam ou, ao menos, sustentam-se como pontos de partida em relação a necessidade de impor, no mundo dos fatos, o conflito entre indivíduo e Estado, por meio do Direito Penal, afastando-se de qualquer modo toda tentativa do legislador de criar normas jurídicas incriminadoras flagrantemente injustas, com base em princípios básicos tais como a intervenção mínima.

3.3 INTERVENÇÃO MÍNIMA

Visto que o Direito Penal é o ramo do Direito que protege os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, faz-se necessário revisar alguns princípios pertinentes e de fundamental importância para a compreensão da atuação estatal ao prever normas incriminadoras bem como perceber se estas, de algum modo, vislumbram-se como necessárias.

Como o princípio da legalidade não impede que o Estado crie todo e qualquer tipo penal, há a necessidade de eliminar o livre arbítrio do legislador no que concerne as normas penais, conferindo o Direito Penal como último recurso, ultima ratio, possível ou mesmo pensável para proteção de determinado bem jurídico (BITENCOURT, 2013, p. 53-54).

O princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, impõe que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", ao passo que o princípio da intervenção mínima, por sua vez, deriva de uma construção doutrinária a partir da observação de outros princípios já estabelecidos, como será visto.

Há de se considerar, como propõe Guimarães (2010, p. 14), que a danosidade de bens e interesses sofre relativismo conforme à época e o lugar, o que exige do estudioso do Direito Penal constantes interrogações sobre a validade das normas que incriminam condutas.

(32)

Adiante, lembra Capez (2010, p. 36) que a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu art. 8º, determinou o uso da pena somente quando estritamente necessário, o que concede sentido a ideia de mínima intervenção. Logo, é a necessidade de impor pena para uma conduta que precede sua incriminação.

O mesmo autor leciona que em meio a um oceano de irrelevância, o Direito Penal deve voltar seus olhos tão somente para algumas ilhas, estas que seriam as condutas típicas, ao mesmo tempo em que o crime seria um náufrago à procura de um pedaço de terra (CAPEZ, 2010, p. 36).

Observa Batista (2005, p. 84) que o princípio da intervenção mínima foi produzido em resposta aos abusos do sistema penal do absolutismo, caracterizado por um espírito abrangente da legislação herdado dos tempos medievais. Logo, a construção do princípio vem como uma resposta contra a falta de parâmetros razoáveis perceptíveis nas mais variadas e desproporcionais previsões típicas e de penas que, hoje em dia, seriam absurdas.

Como dito, este princípio não está expresso na Constituição nem no Código Penal, restando assim a ausência de previsão legal quanto ao controle judicial das iniciativas legislativas penais.

De qualquer sorte, a intervenção mínima, ainda que implícita, impõe-se ao legislador e ao intérprete da lei, devido a sua compatibilidade lógica com outros princípios jurídico-penais, estes sim dotados de positividade (BATISTA, 2005, p. 85). É dizer, mesmo sem previsão expressa, a intervenção mínima deve ser respeitada tanto pelo legislador quanto pelo aplicador do Direito.

O princípio em análise tende justamente a reforçar a ideia de restringir o círculo protegido pelo Direito Penal, fazendo-se permanecer em proteção somente os bens mais importantes e necessários à vida em sociedade, bens que serão escolhidos por meio de um critério político, este que varia conforme o momento que vive a sociedade (GRECO, 2017, p. 97).

Assim, Greco (2017, p. 97) esclarece que este princípio acaba sendo responsável não apenas pela indicação de quais bens merecem a atenção do Direito Penal, mas também quais, eventualmente, podem sofrer a desatenção, ou seja, tornarem-se objeto de descriminalização, em observância a mutação da sociedade, mudança qual o legislador deverá estar sempre atento.

Logo, o processo de criminalização bem como o de descriminalização passa por essa observância qual o legislador deve dotar, visto que não há mandamento na lei que

(33)

determine a razão para a escolha das condutas típicas muito menos para a escolha de quais condutas típicas devem deixar de ser.

Além disso, não há nenhum critério científico na hora de eleger uma conduta ao status de crime, o que significa dizer que a escolha do que pode ou não, eventualmente, vir a ser ou deixar de ser tratado como delito, atende tão somente aos reclamos momentâneos da opinião pública, da mídia, bem como da vontade imposta pela classe dominante (CAPEZ, 2010, p. 37).

Um problema, como percebe Capez (2010, p. 37), que deriva dessa carência técnica, inflamada por interesses "mais partidários do que populares", consiste na abstração do tipo penal apta a alcançar uma vasta gama de situações.

Com efeito, no furto, a conduta, não raras vezes, materializa-se em subtração de ínfimo valor e, outras vezes, em alto prejuízo sofrido pela vítima, revelando, desde já, a evidente dificuldade de, por meio da lei, afastar aquilo que poderia, de modo justificável, não estar sob proteção do Direito Penal (CAPEZ, 2010, p. 37).

Segundo Capez (2010, p. 38), dois são os destinatários deste princípio, a saber, o legislador e o operador do Direito, de modo que aquele que edita as leis analisará a necessidade ou não de um tipo penal, enquanto que ao intérprete cabe, com a mesma base, verificar se, por exemplo, o furto de um chocolate merece a necessidade de mover a máquina pública para julgar tão transgressão.

Nesse sentido, o Direito Penal deve interferir o menos possível na vida dos cidadãos, de modo a estar presente, sim, somente quando outros meios jurídicos forem, comprovadamente, insuficientes para a proteção de determinados bens jurídicos (GRECO, 2017, p. 97).

Lembra Greco (2017, p. 98) que, com base nesse princípio, há hoje em dia a discussão acerca da necessidade de punir aquele que emite cheque sem fundos, posto que outras medidas, tais como a execução da quantia não paga bem como o impedimento, por longo prazo, de nova abertura de conta para o inadimplente, poderiam ser suficientes como meios de coerção estatal.

A própria legislação brasileira difere o grau de relevância que há entre duas espécies de infração, a saber, crime e contravenção. E o bem jurídico tutelado nas contravenções, por ter menor importância, poderia também não mais receber a proteção do Direito Penal, mas sim de outros ramos do ordenamento jurídico (GRECO, 2017, p. 99).

Um exemplo trazido por Greco (2017, p. 99) para ilustrar a ação de descriminalização de uma determinada conduta é abolição do crime de adultério, por

(34)

intermédio da Lei nº 11.106/05, fato que demonstra a sensibilidade do legislador ao entender que este infortúnio não mais merece a tutela do Direito Penal, ante a possiblidade de o cônjuge traído ingressar no juízo civil com ação de indenização.

Atualmente, é impensável o Direito Penal como instrumento qual o Estado deva intervir nas relações conjugais. Aqui, como bem ilustra o exemplo trazido pelo autor, manifesta-se perfeitamente a influência do princípio da intervenção mínima sobre as decisões do legislador.

Anota Bitencourt (2013, p. 54) que esse princípio orienta o poder do Estado, ao preconizar que a elevação de uma conduta ao patamar de crime só se justifica na medida em que a criminalização demonstrar ser o meio apto a prevenir ataques ao bem jurídico.

É neste sentido que o Direito Penal apresenta sua feição subsidiária, sendo justificável a sua intervenção tão somente quando fracassarem os demais meios que Estado detém para proteger o bem jurídico. Do contrário, a criminalização não apenas parecerá desnecessária, mas também inadequada (BITENCOURT, 2013, p. 54).

Por outro lado, como nota Bitencourt (2013, p. 54-55), apesar de o princípio da intervenção mínima ter sido consagrado pelo Iluminismo, com a Revolução Francesa, houve, a partir do sec. XIX, demasiado aumento de normas penais incriminadoras, a ponto de preocupar penalistas das mais diversas culturas.

É que os legisladores, em total contradição com o princípio em exame, têm abusado da criminalização e penalização de comportamentos, retirando, em muito, o crédito do Direito Penal que, diante da vastidão legislativa, perde sua força de intimidação (BITENCOURT, 2013, p. 55).

Assim, fala-se em banalização do Direito Penal, entre outros motivos, quando verificado um número crescente de normas incriminadoras. Séria como é ou como deveria ser toda nova norma penal, deve ser sempre questionada a sua motivação, finalidade, eficácia, etc. Essa reflexão, no entanto, parece nem sempre ocorrer, como adiante será demonstrado.

No mesmo sentido, caminha a compreensão de Estefam (2010, p. 121), ao notar que apesar do consenso em torno deste princípio, é inegável a tendência de uma inflação legislativa, a ponto de, em última análise, acarretar no descrédito do sistema criminal.

Bitencourt (2013, p. 55) reflete sobre a existência de um Direito Penal funcional, utilizado hoje em dia não mais como último recurso, mas sim como primeiro recurso na proteção de certos bens jurídicos, na medida em que não se preocupa em verificar, antes de implantar a intervenção penal, a eficácia de outros meios.

(35)

Entretanto, como estudado até aqui, esta inflação de quantidade de normas incriminadoras deveria dar lugar a um processo contrário, no sentido de constante descriminalização, sempre que evidente a possibilidade de proteger bens jurídicos importantes por outros meios, em homenagem ao princípio da intervenção mínima.

Não pensar a mínima intervenção antes mesmo de cogitar a edição de uma lei coloca em risco a credibilidade da própria norma penal, na medida em que a banaliza, bem como compromete até mesmo outro princípio (o princípio da proporcionalidade).

2.4 PROPORCIONALIDADE

Há no Direito uma relação custo-benefício que baliza não só o choque entre princípios e direitos fundamentais, mas que também conduz o legislador na criação de um novo delito, posto que essa novidade irá impor um ônus a sociedade que, basicamente, decorre da ameaça de punição (CAPEZ, 2010, p. 39).

Assim, a criação de um tipo penal deve ter como premissa um benefício em prol da sociedade maior que o custo imposto aos cidadãos e, além disso, deve haver proporção também no que diz respeito a pena imposta (CAPEZ, 2010, p 40).

A proporcionalidade, em sua concepção originária, como elucida Estefam (2010, p. 123), foi concebida como limite da atuação estatal à esfera individual, vislumbrando-se um equilíbrio entre meio e fim, isto é, entre o objetivo da norma (fim) e o meio empregado para alcança-lo, e teve origem normativa nos itens 20 e 21 da Carta Magna de 1215. Daí a reflexão sobre ser proporcional ou não o uso do Direito Penal, cada vez mais crescente, para proteção dos bens jurídicos.

Essa medida de justo equilíbrio, conforme Prado (2005, p. 30), é abstrata quando em relação ao legislador e concreta quando referente ao juiz, revelando a pena como proporcional ou adequada à intensidade da lesão ao bem jurídico.

Segundo Estefam (2010, p. 123), nesse contexto, agressões estremas aos bens jurídicos tutelados pelo Direito sujeitam o Estado à adoção de medidas proporcionalmente também mais severas. Mas não só. Além disso, a doutrina e a jurisprudência associam esse princípio tanto a proibição de excesso quanto a proibição de proteção ineficiente.

O mesmo autor explica que a proibição do excesso tem reflexo no princípio da insignificância, em razão das situações que exigem do juiz discernimento necessário para desclassificar condutas, sob pena de flagrante desproporcionalidade entre a pena prevista e a gravidade do delito (ESTEFAM, 2010, p. 123).

(36)

Haverá então entendimento com base no princípio da proporcionalidade, desdobrado no princípio da insignificância, a decisão do juiz que afasta da condenação o furto de um pacote de fraldas. Na doutrina, aliás, há sempre esse tipo de exemplo.

Por sua vez, a proibição de proteção deficiente consiste em não se admitir a deficiência da prestação legislativa, o que poderia ocorrer, por exemplo, com a desproporcionalidade que há em descriminalizar o homicídio. (ESTEFAM, 2010, p. 123-124). Improvável seria pensar a descriminalização do homicídio. Afinal, nem é preciso refletir tanto para concluir o resultado que este tipo de decisão política acarretaria. Assim, o princípio da proporcionalidade demonstra refletir, diante do tratamento dispensado, o nível de gravidade intrínseco as condutas humanas.

A tarefa de perseguir o princípio da proporcionalidade, no plano abstrato, ou seja, na elaboração das leis, é tarefa difícil, tendo em vista o grande número de infrações penais previstas no ordenamento penal brasileiro (GRECO, 2017, p. 126).

O autor, na busca de exemplificar o que é e o que não seria proporcionalidade, cita, primeiramente, o tabelião e sua regra “olho por olho, dente por dente” que, embora aparentemente proporcional, fere o princípio da humanidade, este que é alicerce de uma sociedade que prestigia o princípio da dignidade humana, previsto no inciso III do art. 1º da Constituição Federal. (GRECO, 2017, p. 126).

No mais, para ilustrar o reflexo da proporcionalidade no Direito Penal, Greco (2017, p. 126) cita como exemplo a individualização da pena, com a cominação prevista para as infrações penais, configurando o princípio em seu plano abstrato. E, em segundo plano, cita a aplicação da pena pelo Juiz, vislumbrando, nesse caso, o sentido do referido princípio no sentido concreto.

A título de exemplo de desproporcionalidade no caso abstrato, Greco (2017, p. 127) lembra que ao crime de lesão corporal, em modalidade dolosa, previsto no art. 129, caput, do Código Penal, é conferido pena maior que a prevista para o crime de lesão corporal culposa, previsto no art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro.

Já para exemplificar a desproporcionalidade em caso concreto, Greco (2017, p. 127) verifica que o beijo lascivo forçado, quando interpretado como crime de estupro, recebe punição exagerada, nos moldes do art. 213 do Código Penal, sendo que a mesma conduta poderia configurar o mero constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do mesmo diploma legal, ou ainda a contravenção prevista no art. 61 da Lei de Contravenções Penais.

Compreende-se, portanto, o princípio em análise como necessário tanto na aplicação quanto na edição das normas.

(37)
(38)

4 IGUALDADE, EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E MEIOS ALTERNATIVOS DE COERÇÃO ESTATAL

4.1 IGUALDADE

Buscar-se-á traçar algumas considerações a respeito da problemática da igualdade/desigualdade entre os indivíduos, bem como trazer para este trabalho a relevante evolução filosófica a respeito do tema.

Em seguida, com o auxílio das lições de Engelmann (2008, p. 20), serão aclarados, primeiramente, que excessos para mais ou para menos configuram clara afronta ao princípio da igualdade. Posteriormente, será vista a ideia de isonomia classicamente associada a uma balança que busca o justo equilíbrio diante das diferenças e semelhanças entre pessoas e/ou coisas ou situações.

Por fim, adentra-se na tentativa de evidenciar situações hipotéticas para esclarecer onde haveria e onde não haveria correspondência entre a previsão legal e o princípio em análise. Para isso, necessário é o suporte doutrinário de Mello.

Bonavides (2003, p. 210) nota que a problemática da igualdade/desigualdade já era tratada por Platão e Aristóteles, filósofos que ousaram questionar se os homens seriam iguais ou desiguais por natureza. O autor lembra ainda que o pensamento grego levantou sua tese no sentido de perceber a desigualdade, em razão da realidade na qual seria nítida a lógica de que, no mundo, há clara distinção entre fracos e fortes, ignorantes e sábios, governantes e governados, e assim por diante. Essa separação entre os homens seria comprovada em contextos extremos como guerras, tempestades, doenças, etc.

Na idade moderna, avança-se na concepção filosófica, a partir de Hobbes, qual entende que os homens são iguais por natureza, excluindo-se a relevância de distinções como a de corpo e alma. Essa corrente não chega a questionar a desigualdade que deriva da lei, seja aquela desigualdade institucional "justificável" em razão da conservação da paz. (BONAVIDES, 2003, p. 211).

O autor destaca que, em Rousseau, a reflexão avança para o estágio da crítica em relação a desigualdade institucionalizada. O filósofo suíço firmou sua tese no ideal de igualdade entre os homens perante a lei, o que finalmente fez o conceito de igualdade para a seara do Direito. (BONAVIDES, 2003, p. 211-212).

(39)

A igualdade civil, segundo Bonavides (2003, p. 212), nasce com a Revolução Francesa bem como toda a filosofia política que a antecedeu, numa tentativa de elaborar um equilíbrio entre liberdade e poder, homem e Estado, maioria e minoria.

Elucida Bonavides (2003, p. 212) que Rousseau, ao ironizar a tese aristotélica segundo a qual há escravos por natureza, traçou seu raciocínio no sentido de verificar que a permanência ou não resistência à escravidão por alguns não justificaria a existência de outros na condição de escravos contra a natureza, estes que seriam os que já nascem no contexto da escravidão. Logo, a simples implantação de igualdade jurídica seria o motor da redução de desigualdades, o que certamente seria a vontade do povo.

Dito isso, é a partir deste pensamento que surge a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 prevendo que "todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos", ao passo que as "as desgraças públicas e corrupções dos governos" teriam como origem a "a ignorância, o esquecimento ou desprezo dos direitos do homem" (BONAVIDES, 2003, p. 212-213).

Eis que mais uma vez surge a problemática da igualdade/desigualdade entre os indivíduos, posto que, como não é difícil constatar com base na observação da realidade, as leis, por si só, não resolvem os problemas inerentes a sociedade, sejam eles frutos ou não das desigualdades.

Com base nessa premissa, surge a utopia socialista de Marx, qual pretendia extinguir a desigualdade entre os homens pela via da eliminação de classes sociais. Este sonhado fim das classes, por sua vez, seria possível por meio da estatização da economia, retirando a propriedade dos meios de produção dos indivíduos e a transferindo para o Estado (BONAVIDES, 2003, p. 213).

Contra esse viés radical de uma busca por igualdade absoluta, surge no ocidente o compromisso democrático de uma igualdade relativa que, conforme Bonavides (2003, p. 213/214), é traçada pelo positivismo constitucional e relativiza não o princípio da igualdade em si, mas sim o seu processo de institucionalização. Desse modo, a igualdade absoluta (de difícil aplicação) tão somente resta como um norte ou inspiração.

Adiante, o autor aborda que o arbítrio seria a noção chave para entender o princípio da igualdade e sua aplicação. O arbítrio restaria evidenciado quando não se encontra no tratamento jurídico diferenciado uma base racional objetiva que seja suficiente para fundamentá-la. (BONAVIDES, 2003, p. 221)

Para Bonavides (2003, p. 222), o princípio da igualdade tem como ponto de partida a vedação de desigualdades criadas pela lei sem qualquer justificação que seja, no

(40)

mínimo, plausível e racional. Daí concluir que este princípio limita a atuação do Estado, tanto em relação aos atos do poder administrativo e judiciário, quanto em relação ao poder legislativo, ainda que, neste último, seja mais difícil sua aplicação, diante da abstração intrínseca ao conceito.

Engelmann (2008, p. 20) pensa que o princípio da igualdade toma por base tanto a busca pelo equilíbrio, tão ilustrado nos símbolos de justiça com a imagem da balança, quanto a preocupação em evitar excessos para mais ou para menos.

Para ilustrar excessos, o autor explora como exemplo a decisão judicial que, quando muito branda, comprova o excesso para menos, enquanto que qualquer decisão muito severa demonstra o excesso para mais. É justamente contra esses excessos que deve-se moderar a ação, visando-se com base nesse equilíbrio encontrar a igualdade. (ENGELMANN, 2008, p. 21).

Engelmann (2008, p. 27) traça importante consideração ao especular sobre a concretização da igualdade qual decorreria da busca por um "justo meio" - que não se reduz a uma questão matemática exata entre os extremos.

O justo meio, tal como concebe o autor, deriva da sensibilidade para com o caso concreto - qual poderá pender a balança da justiça mais para um lado ou para outro, de modo a concluir pela igualdade como harmonia lógica diante das diferenças e aproximações entre situações e/ou entre pessoas (ENGELMANN, 2008, p. 27).

Assim, Mello (2008, p. 10) aponta que a lei não pode ser fonte de privilégio nem de perseguições, bem como não pode prever disciplinas diversas para situações equivalentes, de modo que este seria o conteúdo político ideológico por trás do princípio da igualdade em todas as Constituições.

O autor, visando elucidar o princípio da igualdade e sua aplicabilidade no que concerne a elaboração legislativa, expõe duas hipotéticas leis, a saber: uma que impõe certa altura mínima como condição a celebração de contratos de compra e venda; e outra que impõe a mesma condição de determinada altura mínima, mas, desta vez, aos soldados que compõem a guarda de honra de cerimônia militar oficial. Para ele, é fácil compreender que na primeira hipótese há flagrante afronta ao princípio da igualdade, ao passo que na segunda hipótese a mesma afronta não se evidencia (MELLO, 2008, p. 10-12).

No caso, é mesmo inconcebível para qualquer um ter que aceitar um fator que em nada tem a ver com a situação - a saber: a altura, nos casos de compra e venda, como determinante para discriminar pessoas. Como é perceptível no exemplo trazido por Mello, não

Referências

Documentos relacionados

Seu caráter não invasivo e de alta acurácia na avaliação dos segmentos arteriais pré e pós-enxerto, mensuração de velocidade ao nível do enxerto (importante na prevenção

No período de Setembro de 1994 a Setembro de 2001 todos os casos admitidos com o diagnóstico de apendicite aguda, no Hospital São José do Avaí, foram tratados inicialmente

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE ENSINO E QUESTÕES METODOLÓGICAS EM SERVIÇO SOCIAL: AS DIFERENTES DIMENSÕES DAS PRÁTICAS SOCIAIS - REFLEXÃO SOBRE TEMAS TRANSVERSAIS NO

Serviços 104* Artes, Cultura, Esportes e Lazer Reuniões corporativas, oficinas, treinamentos e cursos corporativos Máximo de 70 pessoas (trabalhadores e públicos), respeitando

Porém quando a amostra coletada em Brasília no período de fl oração foi comparada à amostra coletada neste mesmo período em Minas Gerais, foram verifi cados teores

A Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto que estabelece o regime jurídico da prevenção, proibição e combate à discriminação racial e étnica, em vigor desde o dia 1 de setembro,

Crimes contra a Administração Pública: crimes praticados por funcionários contra a Administração em geral; crimes praticados por particular contra a Administração em geral e

jurídicas que disciplinam os crimes contra ordem jurídica tributária, nomeado como Direito Penal Tributário, constituem mero capítulo do Direito Penal, pois os delitos