• Nenhum resultado encontrado

Fragoso (2006, p. 33) esclarece que a discussão no processo administrativo gira em torno da existência ou não do tributo ou ainda sobre sua real quantificação/qualificação. Logo, a depender daquilo que é apurado, conclui-se, consequentemente, a respeito da existência ou não dos crimes previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90.

Por isso, somente resta configurado o crime previsto no artigo 1º do referido diploma legal, após a prévia apuração pela autoridade fiscal, por meio do lançamento definitivo, qual determinará a existência e o montante do tributo devido (à luz do art. 142 do Código Tributário Nacional). Assim, o tributo definitivamente constituído é requisito para a configuração do tipo, e, consequentemente, da propositura da ação penal (FRAGOSO, 2006, p. 44).

Do contrário, não se poderia admitir o Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária, posto que se houvesse conclusão na via administração de inexistência do débito, enquanto na ação penal fosse condenado o réu, haveria o que Martins (2002, p. 3) chama de o "réu sendo condenado por matar alguém que esta na plateia assistindo o julgamento".

É neste sentido que caminha a súmula vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal, ao dispor que não se tipifica crime contra a ordem tributária, antes do lançamento definitivo do tributo, o crime previsto no art. 1º, praticado por meio das modalidades previstas nos incisos I a IV.

Marques (2011, p. 114-115) ainda destaca a ideia de que o Direito Penal não pode servir como instrumento de apoio a uma política de governo que, no caso, revela-se como uma política fiscal atuante na cobrança de tributo. Tal distorção do Direito Penal, para o autor, põe em cheque o princípio da intervenção mínima.

Adianta, Marques (2011, p. 119-122) expõe a ideia de criação de um novo tipo de combate a sonegação e que poderia ser denominado "Direito de Intervenção", uma espécie de meio termo entre o Direito Penal e o Direito Administrativo.

O Direito de Intervenção também é citado por Oliveira (2006, p. 17). O autor elucida que parte significante da Doutrina defende a ideia de que o Direito Penal não deveria ter como alvo as transgressões supraindividuais como são, por exemplo, os crimes contra a

ordem tributária, mas tão somente as infrações de alcance individual, tais como integridade física, vida, patrimônio e honra.

Além disso, as já existentes alternativas extrapenais, como, por exemplo, a execução fiscal e o protesto, vislumbram-se como meios eficazes na pretensão de arrecadação, bastando para tanto aprimoramento no trabalho de cobrança por parte do Fisco (MARQUES, 2011, p. 117).

Barbosa (2018, p. 1) reforça a ideia de que a receita pública é indispensável ao bom funcionamento do Estado, pois este sem recursos simplesmente não pode garantir os objetivos constitucionais. Para tanto, o Estado dispõe de privilégios no modo de cobrança em relação aos particulares, gozando de especial proteção legal.

Menciona-se, primeiramente como ferramenta de cobrança de tributo, a execução fiscal, prevista na lei 6.830/80. Esta prevê a cobrança da dívida ativa (tributária ou não, conforme seu artigo 2º) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme seu artigo 1º.

Ressalta-se que na execução fiscal, conforme o artigo 8º do mesmo diploma legal, o executado é citado para "no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com juros e multa de mora" ou então "garantir a execução" que será realizada nos moldes do artigo 9º e seus incisos.

O artigo 9º da referida lei dispõe que o executado poderá garantir a dívida com depósito em dinheiro, fiança bancária, nomeação de bens à penhora ou ainda indicação de bens de terceiro à penhora desde que aceitos pela Fazenda Pública.

Percebe-se que, somente com a execução fiscal, há meio de perseguir a mesma finalidade que o Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária tem, a saber, a cobrança de tributo, por ocorrer idêntica situação: fim do conflito após a restituição do que é devido.

Poderia ser questionado ainda a eficiência da execução fiscal como se seu fracasso em si ensejasse a legitimidade do Direito Penal como modo de perseguir o sonegador e, consequentemente, cobrar o que é devido. Todavia, deve-se pensar se o Direito Penal deve assumir sua função subsidiária nestes termos ou se os outros meios, diante do não pagamento de tributo, podem ser aperfeiçoados para proteger a ordem tributária.

Neste passo, surge a reflexão de Barbosa (2018, p.459-460), ao compreender que, de fato, os índices de sucesso da execução fiscal são baixos, apesar de ser a demanda de maior número dentro do Poder Judiciário.

Ainda que, no caso da execução fiscal, o fracasso na busca pela proteção da ordem tributária advenha da má aplicação da norma, e não da norma em si, Barbosa (2018, p.

460) sugere que seja observado o instituto do protesto como forma alternativa de cobrança de tributo.

Para Barbosa (2018, p. 462), a lei 9492/97, ao prever, em seu artigo 29, a inclusão do devedor nos serviços de restrição ao crédito, torna o protesto um importante meio de cobrança, tendo em vista a restrição da esfera de negócios por parte daquele que deve o tributo.

A referida lei, em seu artigo 1º, parágrafo único, dispõe que o protesto é o ato formal e solene por meio do qual é provada a inadimplência originada em títulos, e entre estes estão incluídos as certidões de dívida ativa.

Barbosa (2018, P. 463) elucida que o protesto tem natureza bifronte, no sentido não apenas de constatar a inadimplência mas também de tornar pública a dívida do contribuinte, trazendo para este prejuízo em relação a possibilidade de firmar negócios, o que revela a veia de coerção no mecanismo.

O autor lembra ainda que este recurso previsto em lei objeto de ação direta de inconstitucionalidade por, supostamente, caracterizar sanção política, nos moldes do artigo 5.º, inciso XXXV, da Constituição Federal, ofendendo ainda o princípio da proporcionalidade e, finalmente, os artigos 170, inciso III e 174, ambos também da lei maior. Porém as alegações restaram afastadas pelo Supremo Tribunal Federal, conforme informativo de nº 846 (BARBOSA, 2018, p. 463)

Seja como for, não se pode negar a existência de outros meios de cobrança de tributo que, consequentemente, protegem a ordem tributária. E, neste sentido, tornam-se argumentos a mais para questionar a legitimidade do Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária.

5 A FINALIDADE DO DIREITO PENAL NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA PRATICADOS PELO CONTRIBUINTE

Para Fragoso (2006, p. 56) a razão de ser para a persecução penal nos crimes tributários é justamente a cobrança de tributo, deflagrando-se como meio de coerção contra o contribuinte e não como proteção de bem jurídico a ser tutelado.

No entanto, embora não seja difícil concordar com o autor, sabe-se que o Direito Penal não deveria ser usado como mero meio de cobrança, nem como mero meio de alcançar qualquer outra finalidade que não a justa proteção do bem jurídico.

Marques (2011, p. 82) assevera que o Estado deve criminalizar tão somente o necessário, o que parece não ser observado diante de figuras normativas com fim distorcido, como no caso dos crimes tributários.

O autor lembra que a finalidade do Direito Penal deve ser a proteção de bem jurídico relevante, mas que a existência de bem jurídico relevante, por si só, não justifica a intervenção penal para sua proteção (MARQUES, 2011, p. 82).

Ou seja, apesar da ordem tributária pode ser digna de tutela penal, considerando as peculiaridades quanto a sua existência, não se pode falar em um Direito Penal no que diz respeito aos crimes tributários em questão.

Marques (2011, p. 103) apresenta a orientação funcionalista que o Direito Penal teria no sentido de tão somente assegurar o cumprimento das normas por parte dos indivíduos, ou seja, não seria necessário a clássica proteção ao bem jurídico determinado.

Neste sentido, o agente sempre seria punido não por ter ofendido ou mesmo ameaçado um bem jurídico, mas por pura e simplesmente ter infringido a norma estabelecida, o que seria suficiente para aplicação da pena como meio de reforçar o Direito. (MARQUES, 2011, p. 103-104).

Logo, o sujeito seria reduzido a um mero meio qual o sistema utilizaria para transmitir aos demais a mensagem de que não se deve infringir a norma, e não o fim a ser tratado pelo Direito Penal. (MARQUES, 2011, p. 104).

É que, como provoca Marques (2011, p. 105), haveria uma fala imaginária (ou hipotética) do Estado em direção ao contribuinte, com tom de intimidação, e mais ou menos com as seguintes palavras: "contribuinte, pague o que deve ou você responderá um processo penal".

Para o autor, portanto, o Direito Penal Tributário no Brasil segue tão somente a lógica da prevenção geral positiva, seja ela a própria mensagem que transmite para os

indivíduos o dever de pagar o tributo na medida em que a desobediência a essa premissa, por meio de artifícios com o fim de sonegação, será punida penalmente, desde que, após o delito, não seja pago o tributo devido. (MARQUES, 2011, p. 105).

Aqui, ousa-se discordar do autor, posto que nem mesmo a mensagem de prevenção geral positiva é atendida, em razão das possíveis e não raras reiterações de práticas de sonegação, ante a certeza de que a punição do Direito Penal é mitigada.

Visto em capítulo próprio que o Direito Penal visa garantir a vigência da norma, o efeito do pagamento, mesmo posterior a denúncia, provoca dúvida quanto a função de proteger o ordenamento jurídico, tendo em vista as reiteradas práticas do crime (possibilitadas principalmente pela não reincidência).

Logo, a função do Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária pode ser qualquer outra coisa (aliás, sabe-se qual), menos a tutela de bem jurídico e menos ainda proteção da vigência da norma (insista-se: em virtude das reiteradas práticas que ocorrem pelos mesmos contribuintes).

Concorda-se, portanto, com o autor quando ele derruba definitivamente a ideia de que ao Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária seria atribuído a ideia de proteção do bem jurídico, posto que, do contrário, não haveria para o delinquente a possibilidade de extinção da punibilidade por meio de pagamento do tributo devido. (MARQUES, 2011, p. 106).

Marques (2011, p. 107) expõe, finalmente que o uso do sistema penal no âmbito das relações jurídico tributária tem função utilitária com o único fim de favorecer a arrecadação estatal, ante a ameaça da pena, evidenciando-se o processo penal como um substituto do processo de execução fiscal.

A chantagem estatal, conforme pensa Marques (2011, p. 107-108), é evidente no fato de o juiz, antes de receber a denúncia, oficiar a autoridade fiscal para saber se há parcelamento ou pagamento do tributo sonegado.

Neste sentido, a finalidade da repressão estatal nos crimes tributários teria mais o cunho de arrecadação do que de proteção a norma jurídica, tal como é apresentado por parte da Doutrina. Tal raciocínio mais uma vez toma por base o estímulo que a extinção da punibilidade confere ao infrator que paga o tributo após a prática do delito. (MARQUES, 2011, p. 108)

Por isso, advoga Marques (2011, p. 108-109) em defesa da descriminalização dos crimes tributários, ante peculiaridade que, pra ele, reside primeiramente no fato de o Direito

Penal, nesse caso, não proteger bem jurídico algum, o que viola o princípio da restrita proteção do bem jurídico.

As demais razões tomam por base a ideia de que o Direito Penal, posto como está, viola a Constituição Federal justamente no que diz respeito a proibição da prisão por dívida, prevista no art. 5º, inciso LXVII (MARQUES, 2011, p. 109).

A esse respeito, importa analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal que discutiu a questão da constitucionalidade em torno do artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, em virtude de possível ofensa da norma à vedação da prisão por dívida, prevista na Constituição Federal.

Travou-se, em Março de 2017, na análise do recurso extraordinário com agravo nº 999.425,1 além do mérito envolvido entre os fatos e os referidos artigo e inciso supracitados,

uma discussão a respeito da própria criminalização da sonegação.

A defesa sustentou, basicamente, questões conceituais e técnicas a respeito dos termos "cobrado" e "descontado", bem como atacou a própria frágil criminalização da condutas previstas na lei 8.137/90, principalmente diante da existência da extinção da punibilidade pela via do pagamento do tributo.

Os advogados atacaram a legitimidade do tratamento criminal por não entenderem qual a justificativa que há para tratamento desigual conferido entre os crimes tributários e os crimes patrimoniais comuns.

Neste passo, para a defesa, além de não haver fundamento que justifique tal diferenciação, o Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária, diante da peculiaridade de tratamento, revelaria tão somente uma finalidade, a saber, a cobrança de tributo.

1 PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM

TRIBUTÁRIA PRATICADO EM DEZ OCASIÕES DISTINTAS (ARTIGO 2°, INCISO II, DA LEI 8.137/1990 C/C ARTIGO 65, INCISO III, ALÍNEA "D" E ARTIGO 71, "CAPUT", DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. SUSCITADA A INCONSTITUCIONALIDADE DO DELITO DESCRITO NO ARTIGO 2°, INCISO II, DA LEI 8.137/1990. NÃO OCORRÊNCIA. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. NÃO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO (ICMS) COBRADO, NO PRAZO LEGAL, CONFIGURA CRIME E NÃO MERO INADIMPLEMENTO CIVIL. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS PELAS PROVAS COLACIONADAS AOS AUTOS. DOLO GENÉRICO EVIDENCIADO. AGENTES QUE DEIXARAM DE EFETUAR O RECOLHIMENTO DE ICMS NA QUALIDADE DE SÓCIOS ADMINISTRADORES DA SOCIEDADE BENEFICIADA. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA EM RAZÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS. IMPOSTO INDIRETO, CUJO ENCARGO ECONÔMICO RECAI SOBRE O CONSUMIDOR FINAL. SOCIEDADE EMPRESÁRIA QUE DETINHA APENAS A OBRIGAÇÃO DE RECOLHIMENTO E REPASSE DO TRIBUTO AOS COFRES PÚBLICOS. DOSIMETRIA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. QUANTIFICAÇÃO INDIVIDUALIZADA PARA CADA UM DOS RÉUS. FIXAÇÃO DA PENA NA FASE INTERMEDIÁRIA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. INVIABILIDADE. INTELIGÊNCIA DO VERBETE 231 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA.

O Ministro relator Ricardo Lewandowski, em seu voto, afastou a tese da defesa por entender que o fato típico previsto no art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/90 não se resume a combater mero débito fiscal.

Para o Ministro, a referida norma não pode ser interpretada como mera forma de arrecadação tributária, mas sim como específica proibição da sonegação (conduta típica que para ele contraria os interesses da sociedade ao reduzir a receita pública).

No entanto, a defesa alegou que não há que se falar em disciplinar o agente que praticou o crime contra a ordem tributária, vez que o pagamento do crédito tributário decorrente do fator gerador que daria origem ao tributo suprimido ou reduzido, com o fim de evitar a condenação criminal, demonstra única e exclusivamente a face de restituição. Assim, não haveria que se falar em proteção bem jurídico mas sim em cobrança de tributo.

Os advogados teceram raciocínio no sentido de que a finalidade dos crimes contra a ordem tributária é fazer do processo penal meio de coerção para o pagamento do tributo devido, posto que se o objeto penal fosse realmente a conduta de deixar de recolher tributo, mesmo havendo o pagamento, após o recebimento da denúncia, o processo deveria continuar, já que o é punível é a conduta.

Nesse viés, a defesa elaborava sua tese com o intuito de demonstrar que os crimes tributários não teriam relevância penal, mas sim patrimonial, uma vez que para eles o Estado não teria a intenção de punir os delinquentes, mas apenas arrecadar tributo mediante a ameaça da pena prevista bem como diante da possibilidade de constrangimento em responder um processo criminal.

Diante da alegada relevância patrimonial, postulou a defesa pela inconstitucionalidade dos crimes tributários, diante da vedação constitucional da prisão por dívida, em razão da alternativa de cobrança do tributo devido por outras vias que não a persecução penal.

O Ministro relator, por sua vez, considerou que a norma penal em questão não cuida de conter simplesmente o não pagamento de tributo, mas os meios empregados para o alcance da finalidade de não pagar tributo, sendo eles a fraude, a omissão, a prestação de informações falsas às autoridades, etc.

Aqui interessa expor que as condutas previstas nos incisos do artigo 1º da Lei 8.137/90 (tais como fraude, falsificação, etc.) como meios para alcançar a finalidade de redução e supressão de tributo, bem como o consequente não pagamento ou pagamento a menor do mesmo, de modo isolado estão previstas em outros tipos penais. E como foi visto

em capítulo próprio, a lei penal visa proteger o tipo penal em si, e não as meras condutas dos incisos.

Após apresentada a decisão do Supremo Tribunal Federal que entendeu por manter a constitucionalidade do art. 2º, inciso II, bem como dos demais crimes contra a ordem tributária, cumpre agora considerar qual seria então a finalidade do Direito Penal nos crimes contra a ordem tributária com base no que foi visto até aqui.

Sustentou-se no presente trabalho a ideia de que o Direito Penal é o ramo do Direito mais severo contra atos ilícitos, manifestando, entre suas penas, a possibilidade de privação da liberdade. Tal repressão, como visto em capítulo próprio é o "ato de violência institucionalizada admitida por lei" para fazer frente contra os atos mais repudiáveis.

Diante disso, deve o Direito Penal atuar como protetor dos bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, sejam eles os bens jurídicos penais, manifestados, originariamente, a partir do iluminismo, na vida, na propriedade, na honra e na integridade física, até finalmente avançar em conteúdo, reconhecendo-se hoje em dia a legitimidade de proteção de bens jurídicos penais difusos (ampliação que resulta da própria mutação social).

Atento e sensível as mudanças sociais, deve o legislador refletir tanto sobre a necessidade de criminalização quanto a respeito da possibilidade de descriminalização de certas condutas.

O olhar do legislador bem como do aplicador do Direito, portanto, deve mirar naquilo que é justo. E é compreensível que a justiça tenha como baliza alguns princípios elementares tais como a igualdade que, por sua vez, tem previsão expressa no artigo 5º da Constituição Federal.

Ademais, é certo que a relevância do bem jurídico em si não basta, o que significa concordar que deve haver necessidade de impor o Direito Penal para proteção de tais bens. Tal premissa é perceptível a partir da ideia de que não se deve admitir a persecução penal com finalidade distorcida da qual ela deve ter.

Ou seja, o Direito Penal não só deve proteger um bem jurídico, mas também deve ser reconhecido como o instrumento correto, ante a insuficiência ou até mesmo a não razão de existir de outros meios de coerção. Mas não só, pois deve transmitir para a sociedade que sua utilização é motivada e que a pena será aplicada para aquele que transgredir a norma penal.

A ordem tributária, se por um lado pode ser compreendida como legítima do status de bem jurídico penal, ante a relevância de tudo o que a ela esta associado como, por exemplo, a garantia da receita tributária em favor da sociedade, por outro provoca dúvida quanto a sua legitimidade, como advertem alguns pensadores já citados neste trabalho.

É que o Direito Penal, em relação aos crimes contra a ordem tributária, posto como está, não sem razão é digno de crítica não apenas por parte de quem defende a criminalização de fato (retirando a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo), mas também por parte de quem defende descriminalização dos crimes previstos nos artigos da lei 8.137/90.

Aqueles que defendem maior repressão contra os crimes tributários advogam em favor da retirada da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, já que tal instituto provoca o descrédito do Direito Penal, além de por em cheque o princípio da igualdade.

Aliás, como visto, o princípio da igualdade estabelece que a lei não pode conferir tratamento desigual para pessoas e/ou situações em iguais condições, o que parece não estar atendido diante do choque que há entre a redução de pena para crimes patrimoniais comuns e o instituto acima mencionado para os crimes tributários.

Neste sentido, vale lembrar a lição de Bonavides (2003, p. 42). Nela, o autor pensa sobre a semelhança entre situações que talvez nunca seja tamanha a ponto de ser igual. Todavia, o nível de distinção entre as mesmas deve ser tal que, com base em critério lógico e fundado em valores, não possa revelar um denominador comum capaz de uniformizar a forma de tratamento.

No caso, percebe-se que, de modo infeliz, o legislador trata de modo desigual situações semelhantes (para não dizer idênticas) que teriam como denominador comum a restituição da coisa que, de um lado, vislumbra-se como tributo e, de outro, deflagra-se como dinheiro ou bem objeto de furto/estelionato/etc.

Para o infrator que comete um crime patrimonial comum, oferece-se a redução de pena, enquanto que para aquele que transgride a normal penal tributária, oferece-se a extinção da punibilidade. Porém não se vislumbra nenhuma evidência lógica ou sequer um valor

Documentos relacionados