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Buscar-se-á traçar algumas considerações a respeito da problemática da igualdade/desigualdade entre os indivíduos, bem como trazer para este trabalho a relevante evolução filosófica a respeito do tema.

Em seguida, com o auxílio das lições de Engelmann (2008, p. 20), serão aclarados, primeiramente, que excessos para mais ou para menos configuram clara afronta ao princípio da igualdade. Posteriormente, será vista a ideia de isonomia classicamente associada a uma balança que busca o justo equilíbrio diante das diferenças e semelhanças entre pessoas e/ou coisas ou situações.

Por fim, adentra-se na tentativa de evidenciar situações hipotéticas para esclarecer onde haveria e onde não haveria correspondência entre a previsão legal e o princípio em análise. Para isso, necessário é o suporte doutrinário de Mello.

Bonavides (2003, p. 210) nota que a problemática da igualdade/desigualdade já era tratada por Platão e Aristóteles, filósofos que ousaram questionar se os homens seriam iguais ou desiguais por natureza. O autor lembra ainda que o pensamento grego levantou sua tese no sentido de perceber a desigualdade, em razão da realidade na qual seria nítida a lógica de que, no mundo, há clara distinção entre fracos e fortes, ignorantes e sábios, governantes e governados, e assim por diante. Essa separação entre os homens seria comprovada em contextos extremos como guerras, tempestades, doenças, etc.

Na idade moderna, avança-se na concepção filosófica, a partir de Hobbes, qual entende que os homens são iguais por natureza, excluindo-se a relevância de distinções como a de corpo e alma. Essa corrente não chega a questionar a desigualdade que deriva da lei, seja aquela desigualdade institucional "justificável" em razão da conservação da paz. (BONAVIDES, 2003, p. 211).

O autor destaca que, em Rousseau, a reflexão avança para o estágio da crítica em relação a desigualdade institucionalizada. O filósofo suíço firmou sua tese no ideal de igualdade entre os homens perante a lei, o que finalmente fez o conceito de igualdade para a seara do Direito. (BONAVIDES, 2003, p. 211-212).

A igualdade civil, segundo Bonavides (2003, p. 212), nasce com a Revolução Francesa bem como toda a filosofia política que a antecedeu, numa tentativa de elaborar um equilíbrio entre liberdade e poder, homem e Estado, maioria e minoria.

Elucida Bonavides (2003, p. 212) que Rousseau, ao ironizar a tese aristotélica segundo a qual há escravos por natureza, traçou seu raciocínio no sentido de verificar que a permanência ou não resistência à escravidão por alguns não justificaria a existência de outros na condição de escravos contra a natureza, estes que seriam os que já nascem no contexto da escravidão. Logo, a simples implantação de igualdade jurídica seria o motor da redução de desigualdades, o que certamente seria a vontade do povo.

Dito isso, é a partir deste pensamento que surge a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 prevendo que "todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos", ao passo que as "as desgraças públicas e corrupções dos governos" teriam como origem a "a ignorância, o esquecimento ou desprezo dos direitos do homem" (BONAVIDES, 2003, p. 212-213).

Eis que mais uma vez surge a problemática da igualdade/desigualdade entre os indivíduos, posto que, como não é difícil constatar com base na observação da realidade, as leis, por si só, não resolvem os problemas inerentes a sociedade, sejam eles frutos ou não das desigualdades.

Com base nessa premissa, surge a utopia socialista de Marx, qual pretendia extinguir a desigualdade entre os homens pela via da eliminação de classes sociais. Este sonhado fim das classes, por sua vez, seria possível por meio da estatização da economia, retirando a propriedade dos meios de produção dos indivíduos e a transferindo para o Estado (BONAVIDES, 2003, p. 213).

Contra esse viés radical de uma busca por igualdade absoluta, surge no ocidente o compromisso democrático de uma igualdade relativa que, conforme Bonavides (2003, p. 213/214), é traçada pelo positivismo constitucional e relativiza não o princípio da igualdade em si, mas sim o seu processo de institucionalização. Desse modo, a igualdade absoluta (de difícil aplicação) tão somente resta como um norte ou inspiração.

Adiante, o autor aborda que o arbítrio seria a noção chave para entender o princípio da igualdade e sua aplicação. O arbítrio restaria evidenciado quando não se encontra no tratamento jurídico diferenciado uma base racional objetiva que seja suficiente para fundamentá-la. (BONAVIDES, 2003, p. 221)

Para Bonavides (2003, p. 222), o princípio da igualdade tem como ponto de partida a vedação de desigualdades criadas pela lei sem qualquer justificação que seja, no

mínimo, plausível e racional. Daí concluir que este princípio limita a atuação do Estado, tanto em relação aos atos do poder administrativo e judiciário, quanto em relação ao poder legislativo, ainda que, neste último, seja mais difícil sua aplicação, diante da abstração intrínseca ao conceito.

Engelmann (2008, p. 20) pensa que o princípio da igualdade toma por base tanto a busca pelo equilíbrio, tão ilustrado nos símbolos de justiça com a imagem da balança, quanto a preocupação em evitar excessos para mais ou para menos.

Para ilustrar excessos, o autor explora como exemplo a decisão judicial que, quando muito branda, comprova o excesso para menos, enquanto que qualquer decisão muito severa demonstra o excesso para mais. É justamente contra esses excessos que deve-se moderar a ação, visando-se com base nesse equilíbrio encontrar a igualdade. (ENGELMANN, 2008, p. 21).

Engelmann (2008, p. 27) traça importante consideração ao especular sobre a concretização da igualdade qual decorreria da busca por um "justo meio" - que não se reduz a uma questão matemática exata entre os extremos.

O justo meio, tal como concebe o autor, deriva da sensibilidade para com o caso concreto - qual poderá pender a balança da justiça mais para um lado ou para outro, de modo a concluir pela igualdade como harmonia lógica diante das diferenças e aproximações entre situações e/ou entre pessoas (ENGELMANN, 2008, p. 27).

Assim, Mello (2008, p. 10) aponta que a lei não pode ser fonte de privilégio nem de perseguições, bem como não pode prever disciplinas diversas para situações equivalentes, de modo que este seria o conteúdo político ideológico por trás do princípio da igualdade em todas as Constituições.

O autor, visando elucidar o princípio da igualdade e sua aplicabilidade no que concerne a elaboração legislativa, expõe duas hipotéticas leis, a saber: uma que impõe certa altura mínima como condição a celebração de contratos de compra e venda; e outra que impõe a mesma condição de determinada altura mínima, mas, desta vez, aos soldados que compõem a guarda de honra de cerimônia militar oficial. Para ele, é fácil compreender que na primeira hipótese há flagrante afronta ao princípio da igualdade, ao passo que na segunda hipótese a mesma afronta não se evidencia (MELLO, 2008, p. 10-12).

No caso, é mesmo inconcebível para qualquer um ter que aceitar um fator que em nada tem a ver com a situação - a saber: a altura, nos casos de compra e venda, como determinante para discriminar pessoas. Como é perceptível no exemplo trazido por Mello, não

há qualquer respaldo lógico por trás de tal distinção. Afinal, o que a altura de uma pessoa afeta na celebração de um negócio? Certamente, nada.

Ainda, chama-se atenção aqui para retirar do exemplo trazido pelo autor uma importante conclusão: a lei que estabelece altura mínima para uma situação nada fala sobre outras situações. É dizer, quando a lei estabelece altura mínima para policial, por exemplo, não está dizendo que não deve haver altura mínima para outras coisas. Mesmo assim, em decorrência disso, naturalmente há distinção entre as pessoas e entre situações, nesse caso - altura para policial - justificável. Ou seja, a diferenciação entre pessoas e situações não advém necessariamente de uma única lei.

Indo além, Mello (2008, p. 13) esclarece que as leis, por si só, existem em razão da discriminação necessária que deve haver entre pessoas que, de algum modo, são desiguais. É neste sentido que também não se percebe dificuldade na compreensão de que aos idosos é conferido direito de prioridade em atendimentos, aos servidores públicos certas garantias, e às mulheres menos tempo para aposentadoria, entre todos os demais casos previstos no ordenamento jurídico.

Todavia, essas distinções necessárias não se confundem com qualquer tipo de afronta ao princípio da igualdade. Só haverá ofensa a este princípio, como já foi visto, uma vez que haja flagrante tratamento desigual para situações semelhantes ou pessoas que possuam mesmas qualidades. No entanto, nos casos elencados pelo autor, percebe-se que há sempre um elemento por trás da distinção estabelecida pela lei, a saber: ser mulher; ser idoso; ou ainda ser servidor público, etc. (MELLO, 2008, p. 14).

Em outro exemplo para afastar a inobservância do princípio em análise, Mello (2008, p. 16) levanta a hipótese de epidemia em uma determinada região e a existência de determinada raça que seja refratária à contração da doença. E sugere que a previsão legal para ocupação do cargo de enfermeiro somente por pessoas dessa determinada raça, mais uma vez, não agride a isonomia tão desejada pela sociedade.

Outra vez, merece prosperar a visão do autor, visto que, embora em um primeiro momento, possa-se alegar a distinção injusta entre raças tão repelida pelo artigo 5º da Constituição Federal, tal conclusão precipitada desconsidera o pano de fundo por trás da discriminação.

É que, no caso, a referida discriminação seria legal e justa, já que o mais importante é perceber a necessidade da distinção diante da realidade enquanto situação como fator, seja ela a junção de dois elementos, a saber, epidemia e raça refratária da doença.

Em todos os casos de discriminação prevista em lei, deve haver sempre um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade que reside no objeto e a desigualdade de tratamento, posto que deste modo haverá compatibilidade entre tais distinções e o princípio da igualdade. (MELLO, 2008, p. 17)

Para Mello (2008, p. 29/30), é simplesmente inadmissível a discriminação entre pessoas ante a ausência de traço diferencial que possa haver entre elas, sendo que o mesmo valerá para coisas ou situações que, no fim, também acabam por implicar no direito dos indivíduos. Qualquer traço de distinção que não ocorra nestes moldes, não encontra justificativa e, portanto, afronta o princípio da igualdade.

Não se pode confundir certos aspectos alheios aos expostos como se fossem os verdadeiros critérios determinantes de distinção como, por exemplo, ocorre com o fator tempo. Percebe-se, a depender do caso, que a lei seleciona indivíduos e situações a partir de determinadas datas ou lapsos temporais, o que não significa dizer que a discriminação conferida pela lei terá por base o fator cronológico - terá, na verdade, aquilo que pode estar em conexão com a cronologia. (MELLO, 2008, p. 31-32)

Nessa trilha, encontra-se a compreensão de que quando a lei referencia o tempo em seu texto, na verdade está empregando como fator de discriminação a sucessão de fatos ou de estados transcorridos neste mesmo mencionado tempo. É, por exemplo, o caso do lapso temporal exigido para a estabilidade no cargo público. Nesse caso, o que conferiu direito a estabilidade para o servidor foi o que aconteceu durante este lapso temporal (persistência no cargo), e não o tempo em si. (MELLO, 2008, p. 32).

Portanto, não há que se tratar pessoas ou situações em condições iguais ou semelhantes de modo desigual, em homenagem ao princípio estabelecido no artigo 5º da Constituição Federal.

Toda discriminação legal teve tomar por base algum respaldo lógico (como é a função militar no caso da altura), pois, do contrário, haverá flagrante desprestígio ao princípio da igualdade.

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