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DAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DA MATERNIDADE DE SUBSTITUIÇÃO THE LEGAL IMPLICATIONS OF SURROGACY

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DAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DA MATERNIDADE DE SUBSTITUIÇÃO

THE LEGAL IMPLICATIONS OF SURROGACY

Valéria Silva Galdino Cardin 1 http://lattes.cnpq.br/8121501433418182

Andryelle Vanessa Camilo 2 http://lattes.cnpq.br/4528547308156095

RESUMO: A reprodução assistida consiste em recurso científico que favorece a

fecundação humana a partir da manipulação de gametas. O direito de reprodução está associado ao planejamento familiar, que é assegurado a qualquer cidadão, casado ou não, pela Lei nº. 9.263/1996. Esta admite ainda, por meio do seu art. 9º, a utilização de reprodução assistida para realização do projeto parental. A maternidade de substituição ocorre quando um casal fornece o material genético ou parte dele a fim de que outra mulher ceda seu útero para que nele se desenvolva um bebê, que deverá ser entregue àquele casal imediatamente após o nascimento. Essa técnica é proibida em numerosos países, mas muitos ainda não dispõem de legislação acerca do tema. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina, na Resolução nº. 1.358/1992, manifestou-se sobre o tema, disciplinando que a técnica só poderá ser realizada por parentes até segundo grau e sem caráter lucrativo, disposições essas insuficientes diante de todos os problemas que geram. Acredita-se que a maternidade de substituição não seja imoral ou antijurídica, devendo ser legalizada para que se determinem de forma pormenorizada as obrigações e os deveres do casal e da mãe gestacional, observando o planejamento familiar e a paternidade responsável. Em qualquer conflito oriundo da reprodução assistida e da maternidade de substituição, os princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana deverão ser observados, juntamente com o melhor interesse da criança.

Palavras-chave: Reprodução assistida. Planejamento familiar. Maternidade de

substituição.

1 Advogada em Maringá, mestre e doutora em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora da Universidade Estadual de Maringá e do Centro Universitário de Maringá-PR.

2 Advogada em Maringá, especialista em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar do Rio Grande do Norte, professora de cursos preparatórios para concursos públicos.

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ABSTRACT: Assisted reproduction is in scientific resource that promotes human

fertilization from the manipulation of gametes. The reproduction right is associated with family planning, which is guaranteed to every citizen, married or not, by Law nº. 9263/1996. This also recognizes, through his art. 9, the use of assisted reproduction for completion of the project leave. The surrogacy occurs when a married couple provides the genetic material or any part thereof so that another woman give in her womb so that it develops a baby, to be delivered that couple immediately after birth. This technique is banned in many countries, but many still do not have legislation on the subject. In Brazil, the Federal Medical Council, in Resolution nº. 1358/1992, has commented on the issue by disciplining the technique can only be performed by relatives to the second degree and no commercial purpose, these provisions are scarce in all the problems they generate. It is believed that surrogacy is not immoral or anti-law and should be legalized for the determination in detail the obligations and duties of the couple and the gestational mother, observing family planning and responsible parenthood. In any dispute arising out of assisted reproduction and surrogacy, the principles of affection and human dignity should be observed, along with the child's best interest.

Keywords: Assisted reproduction. Family planning. Surrogacy.

1 DA REVOLUÇÃO BIOMÉDICA E DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

A partir do século XX, a ciência alcançou, através do experimento e do avanço tecnológico, inúmeras descobertas direcionadas a melhorar a existência humana. O estudo pormenorizado do genoma humano, a clonagem, a criação de organismos geneticamente modificados são apenas alguns dos desenvolvimentos científicos que causaram grande repercussão na sociedade nas últimas décadas.

As técnicas de reprodução assistida são um exemplo disso. Em 1978, esses procedimentos ganharam notoriedade com o nascimento, na Inglaterra, de Louise

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Brown, o primeiro bebê gerado in vitro. Desde então, cerca de um milhão e meio de bebês nasceram, em todo o mundo, de casais estéreis.3

A reprodução assistida pode ser conceituada como o “conjunto de técnicas que favorecem a fecundação humana a partir da manipulação de gametas e embriões, objetivando principalmente combater a infertilidade e propiciando o nascimento de uma nova vida humana”.4

Esclareça-se que reprodução assistida é a designação genérica das técnicas de fertilização em laboratório, sendo que a mais tradicional é a fertilização in vitro.

A reprodução assistida, enquanto permite a realização do projeto parental, gera controvérsias como as práticas eugênicas, o destino dos embriões excedentários, a questão dos doadores anônimos, o direito à identidade ou as consequências oriundas da gestação por substituição.

A reprodução assistida pode ser homóloga ou heteróloga. Homóloga, quando os gametas forem provenientes do casal benecifiado com a técnica, e heteróloga quando ao menos um dos componentes genéticos – o sêmen, o óvulo ou o próprio embrião – é estranho ao casal.

Com o advento das técnicas de reprodução assistida houve a cisão; sexo sem procriação e procriação sem sexo são novas realidades sociais.

2 DA LIBERDADE AO PLANEJAMENTO FAMILIAR

O planejamento familiar está associado aos direitos de reprodução. Nas últimas décadas, tornou-se uma preocupação constante, já que sua inexistência sobrecarrega o Estado em decorrência dos altos índices de pobreza, de marginalização, e das despesas com saúde pública.

Desde 1996, o direito ao planejamento familiar é assegurado no ordenamento jurídico pátrio, que o instituiu por meio da Lei nº. 9.263. Esta o define como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direito igual de constituição,

3 Revista Veja. Editora Abril, edição 2032, ano 40, n. 43, de 31 de outubro de 2007, p. 101.

4 RODRIGUES JUNIOR, Walsir Edson Rodrigues; BORGES, Janice Silveira. Alteração da vontade na utilização das técnicas de reprodução assistida. In: Manual de direito das famílias e das sucessões. Coord: Ana Carolina Brochado Teixeira, Gustavo Pereira Leite Ribeiro. Belo Horizonte: Del Rey: Mandamentos, 2008, p. 228.

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limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. Pode ser considerado como um ato consciente de escolher entre ter ou não filhos de acordo com seus planos e expectativas.

A Constituição Federal também assegura o planejamento familiar no § 7º do art. 226. O texto constitucional não se restringe apenas à paternidade biológica, podendo também ser utilizada a inseminação artificial.

A própria lei supracitada abre espaço para essa interpretação, ao prever, nos arts. 5º e 6º, que o planejamento familiar orienta-se pelas ações, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade, e trata como dever do Estado promover condições e recursos técnicos e científicos que assegurem o seu livre exercício.

O art. 9º vai além: “Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção”.

O direito ao planejamento familiar resulta da livre escolha de um casal, porém a Constituição Federal não dá, como a qualquer outro direito, caráter absoluto; assim, este deverá ser submetido à dignidade da pessoa humana, à paternidade responsável e ao princípio do melhor interesse da criança.

Acerca do tema, Guilherme Calmon Nogueira da Gama entende que

[...] o direito à reprodução assistida não pode ser considerado senão dentro do contexto acentuadamente solidarista e humanista do Direito de Família, devendo ser avaliado previamente. Assim, no sistema jurídico-constitucional brasileiro, interesses meramente egoísticos da pessoa que pretende obter auxílio da técnica de procriação artificial [...] não podem autorizar tal prática. 5

Pressupõe-se que quem se sujeita às técnicas de reprodução assistida e ao processo de adoção está disposto a exercer a paternidade responsável, razão pela qual deve o Estado fornecer condições propícias para que o projeto de parentalidade seja levado a efeito, ainda que com a utilização das técnicas de reprodução assistida.

3 DO CONCEITO DE MATERNIDADE DE SUBSTITUIÇÃO

5 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. São Paulo: Renovar, 2003.

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A maternidade de substituição é também denominada cessão temporária de útero6, maternidade subrogada7, contrato de gestação, empréstimo de útero, ou, ainda, barriga de aluguel, como é vulgarmente conhecida. Ocorre quando um casal fornece o material genético ou parte dele a fim de que outra mulher, por dinheiro ou altruísmo, ceda seu útero para que nele se desenvolva o bebê, que será entregue àquele casal imediatamente após o nascimento.

Segundo Jussara Maria Leal Meirelles, o termo “gestação por outrem” é o mais adequado, porque não determina a maternidade, mas restringe a situação fática a uma técnica de reprodução assistida.8

Nesse tipo de reprodução assistida a maternidade é nitidamente dividida ou dissociada, tendo em vista que a mãe genética, por impossibilidade física, recorre a outra mulher para que leve a termo a gravidez.

Há dois tipos de maternidade de substituição. A primeira pode ser considerada total, quando a cedente do útero gera um embrião com material genético proveniente de terceiros, ou parcial, quando esta concebe um embrião que contém seu material genético, portanto cedeu seu óvulo para a fecundação.9

Os primeiros casos clínicos relativos a empréstimo de útero datam de 1963, no Japão, e de 1975, nos Estados Unidos. Em 1988, tornou-se conhecida da população americana a existência de uma associação de mães de substituição.10

Na Alemanha11, França, Itália, Portugal12 e na Suécia, a maternidade de substituição é proibida. Na Inglaterra, essa maternidade não é proibida diretamente, mas

6 SILVA, Ivan de Oliveira. Biodireito, bioética e patrimônio genético brasileiro. São Paulo: Pillares, 2008.

7 LIMA NETO, Francisco Moreira. A maternidade de substituição e o contrato de gestação por outrem. In: Biodireito: ciência da vida, novos desafios. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). São Paulo: Revista do Tribunais, 2001.

8 Apud TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Conflito positivo de maternidade e a utilização de útero de substituição. In: Biotecnologia e suas implicações ético-jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 312. 9 SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Direito penal genético e a Lei de Biossegurança. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2007, p. 46.

10 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

11 Lei Protetora dos Embriões (Embryonenschutzgesetz, ESchG) de 13/12/1990, § 1, (1), 6. e7.

12 LOPES, Adriana Dias. Gravidez a soldo: a barriga de aluguel tornou-se um negócio bem rentável no Brasil, apesar de proibido. Revista Veja, edição 2059, ano 41, n. 18, 7 de maio de 2008, p. 140.

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os contratos de gravidez ou de mães de substituição são declarados nulos e não reconhecidos pela lei.13

Na Austrália, Espanha, Nova Zelândia e Bulgária, o procedimento é admitido14, sendo que na Índia a remuneração às gestantes já foi legalizada.15 Aliás, desde 2002, quando a prática foi admitida pelas autoridades desse país, as mulheres indianas vêm sendo muito procuradas por casais de estrangeiros. O motivo é o baixo preço do aluguel de sua barriga – 7.000 dólares, em média. O negócio assumiu tal proporção naquele país que se fala, inclusive, em "turismo da medicina reprodutiva".16

Países como a Inglaterra17, a Suécia, a Austrália, a Alemanha, e alguns estados dos Estados Unidos condenam penalmente os intermediários e os anunciadores que favorecem – notadamente com objetivo lucrativo – a conclusão de contratos de mães de substituição.18

Contudo, a Bionetics Foundation recruta mulheres no terceiro mundo, com o propósito de baixar os custos do aluguel. Igualmente na França, mais precisamente em Marseille, funciona uma entidade sem fins lucrativos, o Centro de Exploração Funcional e Estudos da Reprodução, criado pelo médico Sacha Geller, que é atualmente a maior agência de locação de úteros da França19, embora o Código Penal incrimine a maternidade substitutiva em seu § 3 º, nº. 12 do art. 227.

Na Suíça, foi introduzida em disposição constitucional a proibição para doação de embrião e as formas de maternidade de substituição.20

No Canadá, a Comissão de Quebec considera ilícita a maternidade de substituição, porque considera que uma criança não pode ser objeto de transação comercial. Mas a Comissão de Ontário admite a validade de contrato, desde que tenha havido prévia autorização de um tribunal.21

As indicações para tal procedimento são a infertilidade vinculada à ausência de útero, congênita ou adquirida, ou uma patologia em que seja contraindicada gravidez.

13 LEITE, op. cit.

14 MACHADO, Maria Helena. Reprodução humana assistida: aspectos éticos e jurídicos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 56.

15 LOPES, op.cit. 16 Ibid.

17 Não proíbe o contrato de cessão de útero se este for a título gratuito. 18 LEITE, op.cit.

19 Ibid.

20 BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e reprodução humana: conquistas médicas e o debate bioético. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2003, p. 78.

21 COLLUCCI, Cláudia. Atrás da cegonha: Brasil vira rota do turismo reprodutivo. Folha de S. Paulo, Cotidiano, São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005.

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Contudo, muitas pessoas se utilizam desse recurso para não passarem pelos incômodos do processo gestacional.

4 DOS LIMITES BIOÉTICOS E JURÍDICOS QUANTO À CESSÃO DE ÚTERO

Embora o Código Civil de 2002 tenha surgido na aurora do século XXI, não traz menção alguma sobre a cessão temporária de útero, ainda que seja esta uma realidade na vida de muitos casais com dificuldade para a reprodução.

Levando-se em conta que o Judiciário não poderá deixar de pronunciar-se na ausência de legislação aplicável ao caso concreto, vê-se que o debate a respeito da cessão de útero é de extrema importância. É possível sustentar a impossibilidade de contrato de cessão de útero pela ausência de um dos requisitos do art. 104 do CC que trata do objeto lícito?

Quais os critérios que deverão ser adotados para solucionar os casos de conflito positivo ou negativo de maternidade?22 Como ficará se a mãe “cedente” do útero, embora tenha recepcionado o espermatozóide do casal “cessionário”, após o prazo determinado, não entregar a criança àqueles que a contrataram? A mãe biológica poderá obter êxito em eventual demanda requerendo pensão alimentícia do doador de esperma? Qual a medida jurídica em benefício do casal que contratou os serviços da “cedente” do útero?

Como ficarão os direitos hereditários da criança concebida? Mesmo diante da entrega do bebê, conforme o contrato, a criança terá direito à herança da “cedente” do útero? Não teria a gestante de aluguel direito de ser remunerada para cumprir sua função de zelar por uma gestação que não é sua? Morrendo os contratantes durante o período de gestação, ou simplesmente recusando a criança “encomendada”, quer por insatisfação, quer mera desistência, a quem caberia a guarda ou filiação do recém-nascido? No caso de uma transferência de embriões para o útero da mãe da doadora do óvulo, como ficaria a situação civil dessa criança?23

22 O conflito positivo ocorre quando várias mães reivindicam para si a maternidade da criança, e o conflito negativo quando nenhuma das mães quer assumir a maternidade.

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Outra série de considerações pode ser elencada: A “mãe de substituição” poderia solicitar medicação para a dor, durante o trabalho de parto, e os “locatários” poderiam recusá-la se entendessem ser o remédio nocivo ao bebê? Se os pais acreditam ser uma cesariana mais segura para o bebê, mas a “mãe de substituição” prefere o parto natural, qual vontade deve prevalecer? Aqueles podem, ou têm o direito de refrear o consumo de drogas que prejudiquem o desenvolvimento do feto (fumo, álcool, medicamentos tóxicos)?24

O fato é que apenas o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução nº. 1.358/1992, se manifestou sobre o tema e não abarcou outras situações que podem surgir da utilização desse procedimento:

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)

As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética.

1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.25

Para suprir a ausência de legislação sobre o tema, alguns projetos de lei foram propostos. Contudo, estes não são uníssonos quanto à matéria, sendo que alguns dispõem pela autorização26 e outros pela proibição27 da técnica.

A primeira questão a ser suscitada é se a maternidade de subtituição pode ou não ser objeto de um contrato.

Nos Estados Unidos, a questão não é unânime e a ausência de regulamentação fez com que cada estado seguisse orientação própria, sendo que alguns são contrários e outros não.28 O procedimento só pode ser remunerado em alguns estados americanos, como a Califórnia e a Flórida, e a oferta de mães de aluguel tem crescido, sobretudo depois da invasão do Iraque, em 2003. Só no ano passado, foram realizadas 1.000 fertilizações envolvendo mães de aluguel. Em 2006, esse número ficou em 260.

24 VIEIRA, Tereza Rodrigues; SIMÃO, Pedro Alci. Barriga de aluguel: aspectos bioéticos e jurídicos.

Revista Jurídica Consulex. Ano XIII, º. 291 de 28 de fevereiro de 2009, p. 27.

25 http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1992/1358_1992.htm 26 Cf. PL-1135/2003 de Autoria do deputado Dr. Pinotti do PMDB/SP. 27 Cf. PL-1184/2003 de Autoria do Senado Federal.

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Mulheres de militares em missão no Iraque têm encontrado na barriga de aluguel uma forma de incrementar o orçamento doméstico enquanto o marido está em combate. Entre as americanas, o valor da barriga de aluguel gira em torno de 25.000 dólares. 29

A jurisprudência norte-americana, entretanto, concorda que o Estado não pode interferir no projeto de parentalidade de um casal, permitindo-a.

O Brasil tem sido considerado “rota do turismo reprodutivo”, em decorrência do baixo custo dos procedimentos em relação aos preços praticados na Europa e nos Estados Unidos, e pela maior tolerância à realização de técnicas proibidas em outros países.30

Há também doutrinadores contrários aos contratos. Segundo Heloisa Barboza, está em jogo o estado de filiação, que não admite nenhuma negociação.31

Existem circunstâncias em que o procedimento ocorre independentemente de interesses pecuniários, envolvendo mãe, sogra, irmã, cunhada, ou uma pessoa amiga. São ditados pela amizade, pela compaixão ou pela mera intenção de aliviar o sofrimento humano de quem não pode gestacionar.

Na prática, a história é outra. Dos 170 centros brasileiros de medicina reprodutiva, 10% oferecem aos seus clientes um cadastro de mulheres dispostas a locar seu útero e serem remuneradas por isso. Uma única clínica de São Paulo, só no ano passado, intermediou doze transações do gênero. As incubadoras humanas também podem ser facilmente encontradas na internet, em sites gratuitos de classificados.32

Ana Carolina Brochado Teixeira entende que o pacto de gestação deve ser analisado sob os seguintes aspectos: consentimento informado33, interesse legítimo, gratuidade e anonimato.34

Quando o assunto é o direito da personalidade, questiona-se sobre quais os limites que a pessoa natural tem na disponibilidade do seu corpo.

29 LOPES, op.cit. 30 COLLUCCI, op.cit. 31 Apud LEITE, op. cit.

32 LOPES, Adriana Dias. Gravidez a soldo: a barriga de aluguel tornou-se um negócio bem rentável no Brasil, apesar de proibido. Revista Veja, edição 2059, ano 41, n. 18, 7 de maio de 2008, p. 140.

33 A Resolução nº. 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina dispõe entre seus princípios gerais: “3. O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documentos de consentimento informado será um formulário especial, e estará completo com a concordância, por escrito, do paciente ou do casal infértil.”

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O sistema jurídico brasileiro, de longa data, já demonstra que a indisponibilidade do corpo não é absoluta. A pessoa poderá dispor, gratuitamente, para o objetivo de transplante terapêutico.

O Código Civil, em seu art. 13, preceitua que, “salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”.

Observe-se que gravidez não suprime a saúde da gestante, tampouco onera sua integridade física. Acrescente-se também que não contraria os bons costumes, porque, ainda que a gestante tenha interesses pecuniários, o fim é humanitário.

Não se pode utilizar como argumento o art. 15 da Lei nº 9.434/1997, que prescreve: “Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano”, ou ainda o § 4º do art. 199 da Constituição Federal que estabelece: “A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.”

No caso de maternidade substitutiva, não há que se falar em compra ou venda de tecidos, órgãos ou parte do corpo humano. A gestante apenas presta um serviço, cede o “invólucro” para que o feto se desenvolva.

A placenta não pode ser confundida com órgão35 ou tecido36. Aquela não faz parte do corpo da gestante, pois se trata de anexo embrionário, oriundo do folheto germinativo do embrião.

Note-se que não há nenhuma semelhança entre a maternidade substitutiva e a venda de órgãos. Esta é uma cessão mercenária, em que se abre mão de sua própria saúde, de sua compleição física, por dinheiro. Naquela, se fornece apenas o abrigo ao bebê, sendo que após o seu nascimento restará somente a lembrança de que esteve ali, a não ser que a gestante tenha algum tipo de problema no decorrer dos 9 meses ou do parto.

Nem mesmo a remuneração pode ser considerada ilegal, pois a paga não é pelo bebê, mas pelo serviço, uma contraprestação pelo tempo e cuidados despendidos, pelos

35 Órgão é o conjunto de tecidos que, juntos, realizam uma determinada função biológica.

36 Tecido é um conjunto de células especializadas que realizam determinada função em um organismo multicelular.

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inconvenientes hormonais, pelos deslocamentos a fim de implantar o embrião, pelo parto, pós-parto etc.

Portanto, o procedimento não deveria ser proibido em decorrência das razões acima expostas. Mas, para que não leve a uma exploração de mulheres menos favorecidas, deve haver uma legislação que fixe os requisitos para a validade do ato, determinando as obrigações e os deveres do casal e da mãe gestacional e observando o planejamento familiar e a paternidade responsável.

O termo de ajuste deverá qualificar as partes, indicar de quem são os gametas utilizados no procedimento, o prazo de validade, incluindo o período de tentativas acrescido dos 9 meses e os 40 dias subsequentes ao parto. Também deverá conter cláusulas que assegurem as obrigações dos futuros pais (como plano de saúde, seguro de vida, tratamento psicológico, prestação alimentar, a forma de remuneração, o tipo de parto, respeitando as condições físicas da mãe de substituição, e previsão de indenização, em caso de complicações); da gestante (acompanhamento médico e psicológico periódico, cuidados com a alimentação e saúde, amamentação caso ajustada e como e quando será a entrega da criança), e de ambas as partes (o período de validade do ajuste, a previsão quanto ao possível arrependimento de qualquer das partes e foro de eleição).

5 DA DETERMINAÇÃO DA MATERNIDADE

Com as novas técnicas de reprodução assistida, manipulação de gametas, utilização de úteros cedidos, dentre outros procedimentos, a certeza jurídica oriunda do exame de DNA restou comprometida. Em decorrência disso, nas últimas décadas têm-se buscado, além da verdade biológica, a verdade socioafetiva fundada no melhor interesse da criança, para o estabelecimento da filiação.

Nas inseminações heterólogas, os pais buscam sêmen ou óvulos de terceiros; assim, em caso de exame de DNA, ficaria demonstrada com certeza a inexistência de vinculação biológica, porém não deixariam de ser pais socioafetivos, já que o projeto parental foi por eles elaborado e vivenciado.

O contrário também ocorre, na medida em que o doador de sêmen ou de óvulo, que teria o vínculo biológico com a criança nascida, não pode ter sua paternidade ou

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maternidade imposta, tendo em vista que apenas doou material genético e que nunca assumiu as responsabilidades e liames de uma filiação.37

Nessa perspectiva atual, introduzida pelas técnicas de reprodução humana assistida, é necessário que as soluções apontadas atendam aos anseios daqueles que realmente querem ser pais e, principalmente, que assegurem o melhor interesse da criança nascida.

Quanto aos conflitos de maternidade, cresce o entendimento de que a mãe biológica é a que merece a maternidade da criança, pois a mãe de substituição é apenas a hospedeira daquele ser gerado. Além disso, ao se submeter ao procedimento, já estava ciente de que gestaria uma criança, para ser entregue logo após o nascimento.38

Observe-se que jamais a mãe genética incidirá na conduta penalmente tipificada no art. 24239 do Código Penal ao tentar registrar como seu um bebê gerado em outro ventre, pois a conduta criminosa é “registrar como seu o filho de outrem” e, no caso, o filho realmente tem seu material genético.

Recentemente, um juiz de Nova Lima-MG se deparou com o caso de uma avó que gerou o neto, já que a mãe biológica, sua nora, estava impossibilitada de fazê-lo. A gravidez transcorreu normalmente; todavia, quando do registro de nascimento do bebê, o oficial do registro civil notou que na declaração de nascimento da criança, fornecida pelo hospital, constava uma determinada pessoa como mãe, porém outra estava requerendo seu registro na mesma condição.

Em que pese não tenha havido, nesse caso, conflito de maternidade, o oficial do registro se utilizou do procedimento de suscitação de dúvida, previsto pela Lei de Registros Públicos, e convém consignar a fundamentação do juiz que analisou o caso:

Sob o prisma científico e biológico, o processo reprodutivo pode ser entendido, em linhas gerais, como a combinação da carga genética dos pais no momento da concepção, que resultará, ao final da gestação, em um ser único, mas que guarda em si características hereditárias dos pais. A filiação natural decorre, portanto, da transmissão de material genético ao descendente, pelo que se recomenda a atribuição da paternidade e da maternidade àqueles que, independentemente da modalidade de concepção, forneceram voluntariamente o material genético do qual se originou o novo ser.

37 MOREIRA FILHO, José Roberto. Os novos contornos da filiação e dos direitos sucessórios em face da reprodução humana assistida. In: Bioética e biodireito: uma introdução crítica. GUERRA, Arthur Magno e Silva (org.). Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005.

38 Ibid.

39 Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:

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Desse modo, com a certeza extraída do resultado do exame genético de que F. é o pai e V. a mãe, impõe-se a improcedência da dúvida, de forma que o registro reflita a verdade científica e real.40

Em sentido contrário, José Roberto Moreira Filho entende que se deve atribuir a maternidade à mãe que gestou a criança, por questões de afinidade e aleitamento41, do que se discorda porque o projeto parental não era dela, sendo que a mãe gestacional é apenas um meio para sua realização.

Diante da ausência de norma positiva para os eventuais litígios decorrentes de cessão temporária de útero, acredita-se que a melhor solução seria:

a) No caso de conflito positivo de maternidade, ou seja, diante da negativa de entrega do bebê pela mulher que disponibiliza o útero para a gestação, subsistem três hipóteses:

a.1) Quando o material genético não lhe pertencer, o mais coerente será a entrega do bebê aos pais biológicos;

a.2) Quando o material genético não lhe pertencer, e também não pertencer ao casal, por ser fruto de doação, entende-se que o bebê deverá ficar com os pais que solicitaram o empréstimo do útero;

a.3) Quando o material genético também lhe pertencer, ou seja, quando for utilizado o seu óvulo e o espermatozóide do casal, o bebê também deverá ficar com o casal;

b) No caso de conflito negativo de maternidade, quando o casal se recuse a receber a criança, venha a falecer durante a gestação ou, por qualquer razão, se torne inapto a exercer o poder familiar, acredita-se que a solução que melhor se apresenta, capaz de atender ao melhor interesse do nascente, dependerá da mãe cessionária do útero:

b.1) Caso ela deseje ficar com o bebê e tenha condições psicológicas e sociais para tanto, deverá ficar com a criança;

b.2) Porém, no caso de sua recusa, não poderá ser obrigada a dar continuidade a um projeto parental que nunca desejou, razão pela qual a criança deverá ser encaminhada para família substituta.

40 Cf. decisão na íntegra disponível no site <http://www.tj.pr.gov.br/download/cedoc/Senten%C3% A7aMinas.doc>. Acesso em 19 de agosto de 2009.

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Frise-se que, embora se proponham soluções, estas deverão obedecer às peculiaridades do caso concreto, visando ao princípio do melhor interesse da criança.

6 DO AFETO E DA PARENTALIDADE

O afeto é elemento primordial para a formação da pessoa. Pode-se afirmar que a verdadeira paternidade decorre do amor e não do vínculo biológico.

Com a desbiologização das relações familiares, o conceito de filiação foi ampliado pelo ordenamento jurídico pátrio, abarcando o reconhecimento do estado de filiação mesmo na ausência do vínculo biológico. Tal conquista se deu por meio da Constituição Federal de 1988, que determinou a igualdade entre os filhos independentemente da origem, o que foi ratificado pelo Código Civil de 2002.42

Paulo Luiz Netto Lôbo adverte que “o direito converteu a afetividade em princípio jurídico”.43

Ainda que a consanguinidade seja apresentada como fator preponderante para a determinação da relação de parentesco, não é suficiente para caracterizar a relação paterno-filial, que se configura por meio do afeto, da assistência moral, material e intelectual.

A própria inseminação artificial heteróloga, prevista em nosso Código Civil, reforça a tese da socioafetividade, enquanto na homóloga será possível unir a filiação biológica e a afetiva.

Na inseminação artificial heteróloga, não há que se falar em negatória de paternidade, a não ser que o pai não tenha anuído, nos termos do art. 1.604 do Código Civil. Quanto ao direito do menor em conhecer sua origem genética, deve ser permitido, pois esse é um direito da personalidade inerente ao ser humano, em prol de uma existência digna, tanto sob o aspecto físico quanto do ponto de vista psicológico e

42 Art. 1.593 - O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem. 43 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Revista Brasileira de Direito de

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individual.44 Contudo, sem que haja o reconhecimento da filiação, não gerando obrigação alimentar e direitos sucessórios.

É possível ainda entender o princípio da afetividade como espécie do princípio da dignidade humana45.

A dignidade pode ser compreendida como a consciência que o ser humano tem de seu próprio valor46, o respeito que pode exigir de todos pela sua condição de ser humano.47 Constitui-se em guia de toda a ordem jurídica, restando indispensável sua existência para a ordem social.

Do respeito à dignidade da pessoa humana surgem a igualdade de direitos entre todos, a garantia à independência e autonomia de vontade e a não imposição de condições subumanas de vida.48 Reconhece-se na dignidade o privilégio de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência, vida, corpo ou saúde, e de usufruir de um âmbito existencial característico seu.

Para Ronald Dworkin, a dignidade é, em certo sentido, uma questão de convenção e seu conteúdo poderá variar de acordo com a sociedade e época. Contudo, o direito que as pessoas têm de que a sociedade reconheça a importância de sua vida não pode constituir mera convenção.49

A dignidade da pessoa humana, consagrada no art. 1º, III, da Constituição Federal como princípio fundamental do Estado brasileiro, é um valor supremo e constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos humanos.

Dessa forma, recorrer-se ao princípio da dignidade humana como critério interpretativo de todo o ordenamento jurídico constitucional.50

A Corte Constitucional alemã definiu a dignidade humana cautelosamente como “algo não ligado ao tempo, a priori, ao mesmo tempo condicionado por situações e dependente do tempo, onde tudo depende do caso individual”.51

44 ANDRADE, Pedro Frade de. Os contornos da paternidade: entre o sangue, o afeto e o direito. In:

Bioética e biodireito: uma introdução crítica. GUERRA, Arthur Magno e Silva (org.). Rio de Janeiro:

América Jurídica, 2005. 45 LOBO, Op. cit. p. 251.

46 CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 42.

47 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 454.

48 NOBRE JÚNIOR, Edson Pereira. O Direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/aj/dconst 0019. htm>. Acesso em 20 de setembro de 2005.

49 DWORKIN, Ronald. El dominio de la vida: Una discusión acerca del aborto, la eutanasia y la libertad individual. Barcelona: Editora Ariel, 19??, p. 339.

50 KRELL, Olga Jubert Gouveia. Reprodução humana assistida e filiação civil: princípios éticos e jurídicos. Curitiba: Juruá, 2006.

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Jurgen Habermas, em ensaio recente, assume posicionamento firme em direção a um rígido controle normativo das novas técnicas de manipulação do genoma humano. No que diz respeito à extensão da proteção jurídica da vida humana, ele afirma a necessidade de distinção entre a dignidade da vida humana em abstrato e a dignidade garantida juridicamente a toda pessoa humana.52

O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser estendido a toda criança que venha a nascer através da biotecnologia. Ela deve dispor das condições indispensáveis para nascer e viver em ambiente familiar e com pessoas que as queiram. O afeto é necessário para alimentar o espírito, e o alimento para manter a saúde física. A criança deverá ter direito à convivência familiar saudável, e seu bem-estar deve ser assegurado acima de qualquer outro interesse, ainda que haja conflito entre os pais biológicos ou afetivos. 53

Segundo Maria Helena Diniz,

A pessoa humana e sua dignidade constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado, sendo o valor que prevalecerá sobre qualquer tipo de avanço científico e tecnológico. Consequentemente, não poderão bioética e biodireito admitir conduta que venha a reduzir a pessoa humana à condição de coisa, retirando dela sua dignidade e o direito a uma vida digna.54

Desse modo, a elaboração de uma lei deverá se ater ao princípio da dignidade, levando-se em consideração o domínio científico da técnica reprodutiva, a viabilização do projeto parental, e principalmente o princípio do melhor interesse da criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do século XX, a ciência alcançou considerável avanço tecnológico e as técnicas de reprodução assistida são frutos desse progresso. Podem ser conceituadas como o conjunto de técnicas que favorecem a fecundação humana a partir da manipulação de gametas.

51 Ibid.

52 HABERMAS, Jurgen. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 51.

53 BRAUNER, op.cit., p. 94. 54 VIEIRA, op. cit., p. 27.

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O planejamento familiar está associado aos direitos de reprodução e é assegurado no ordenamento jurídico pátrio, que o instituiu por meio da Lei nº. 9.263/1996. Pode ser definido como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direito igual de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. A Constituição Federal de 1988 também o albergou no § 7º do seu art. 226.

A lei supracitada abre espaço para a utilização das técnicas de reprodução assistida, ao assegurar, em seu art. 9º, que, “Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção”.

A reprodução assistida, enquanto permite a realização do projeto parental, também gera inúmeras controvérsias jurídicas quando divorciada da paternidade responsável.

A maternidade de substituição, técnica de reprodução assistida, ocorre quando um casal fornece o material genético ou parte dele a fim de que outra mulher, por dinheiro ou altruísmo, ceda seu útero para que nele se desenvolva um bebê, que deverá ser entregue àquele casal imediatamente após o nascimento.

A maternidade substitutiva pode ser total, quando a cedente do útero gera um embrião com material genético proveniente de terceiros; ou parcial, quando esta concebe um embrião que contém seu material genético.

No Brasil, apenas o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução nº. 1.358/1992, se manifestou sobre o tema, disciplinando que a técnica deverá ser realizada entre parentes até segundo grau e sem caráter lucrativo, disposições essas insuficientes diante de todos os problemas que podem gerar.

Acredita-se que a maternidade de substituição não seja imoral ou antijurídica. Nem mesmo a remuneração pode ser considerada ilegal, pois a paga não é pelo bebê, mas pelo serviço, uma contraprestação pelo tempo e cuidados despendidos, pelos inconvenientes hormonais, pelos deslocamentos a fim de implantar o embrião, alterações corporais, pelo parto etc. Contudo, imperioso que seja instituída legislação fixando os requisitos para a validade do ato, determinando de forma pormenorizada as obrigações e os deveres do casal e da mãe gestacional e observando o planejamento familiar e a paternidade responsável.

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Diante da ausência de norma para solver eventuais conflitos, positivos ou negativos, de maternidade, decorrentes de cessão temporária de útero, acredita-se que a melhor solução será a que favoreça a família que “encomendou” a gestação. Na recusa dessa família em receber o bebê após o nascimento, poderia então a criança ser destinada à cessionária do útero, caso quisesse e tivesse condições de exercer a maternidade responsável.

A consanguinidade, ainda hoje, é apresentada como fator preponderante para a determinação da relação de parentesco, entretanto não é suficiente para caracterizar a relação paterno-filial, que se configura por meio do afeto, da assistência moral, material e intelectual. O princípio da afetividade também pode ser compreendido como espécie do princípio da dignidade humana, e este deve ser a guia de toda a ordem jurídica, restando indispensável sua existência para a ordem social.

Em qualquer conflito oriundo da reprodução assistida e da maternidade de substituição, os princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana deverão ser observados, juntamente com os do melhor interesse do menor, do planejamento familiar e da paternidade responsável.

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