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Estatuto DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Doutrina e Jurisprudência

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Estatuto

DA

CRIANÇA

E DO

ADOLESCENTE

Doutrina e Jurisprudência

2021

21

ª

Edição

Revista, atualizada e ampliada

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PARTE GERAL

TÍTULO I

Das Disposições Preliminares

Art. 1º.

Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e

ao adolescente.

1. A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ADOTADA PELO ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado mundialmente um dos melhores textos legais sobre a matéria relacionada à proteção de crianças. O art. 2º, item 2, da Convenção dos Direitos da Criança, cita o termo “proteção”. O art. 19 obriga todos os Estados a adotar medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas a proteger as crianças contra todas as formas de violência. Daí a origem da referida norma-base do ECA: o art. 19 da Convenção.

O Estatuto da Criança e do Adolescente perfilha a “doutrina da proteção in-tegral”, baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes (v. art. 3º). Embora a Convenção não faça expressa men-ção ao termo “protemen-ção integral”, esse novo paradigma fica evidenciado diante da grande quantidade de direitos reconhecidos (Cláudia M. C. do Amaral Vieira, A

convenção de haia sobre sequestro internacional de crianças na perspectiva do princípio do interesse superior da criança, “in” Estatuto da criança e do adolescente: 25 anos de desafios e conquistas, p. 42). Foi anteriormente prevista no texto constitucional,

no art. 227, instituindo a chamada prioridade absoluta. A palavra prioridade in-forma a precedência, a “prima facie” dos direitos da criança e do adolescente em confronto com outros. Isso em razão da fragilidade e da vulnerabilidade, devendo

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existir um regime especial de proteção (Luis Carlos Barroso, voto proferido no RExt 777889, STF, p. 9). Alguns autores chamam a atenção que, já em 1924, a declaração de Genebra determinava a necessidade de uma proteção especial à criança (Antônio Fernando do Amaral e Silva e Munir Cury, comentários ao art. 1º, in www.promenino.org.br) e também a Convenção Americana sobre direitos humanos, que previa em seu art. 19 a necessidade das chamadas “medidas de proteção”. Essa especificidade da infância e da necessidade de estabelecer regras foi alcançada apenas no século XX com o avanço da medicina, das ciências jurídicas, pedagógicas e psicológicas. Esta preocupação se acentuou com o término da 2ª Guerra Mundial, em razão do grande contingente de crianças órfãs ou separadas dos pais. Daí o surgimento das declarações e convenções internacionais (Luis Carlos Barroso, voto proferido no RExt 777889, STF, p. 5). Constitui, portanto, uma nova forma de pensar, com o escopo de efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Não se trata apenas de uma recomendação, mas de uma verdadeira diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com os pais, família, sociedade e Estado (Paulo Lôbo, Código Civil, Famílias, p. 45, apud Maria Berenice Dias, Manual de direito das famílias, p. 53). A CF, em seu art. 227, afastou a doutrina da situação irregular e passou a assegurar direitos fundamentais à criança e ao adolescente, passando estas de objeto para sujeito de direitos. Tratou na verdade de uma alteração de modelos, ou de forma de atuação (Andreia Rodrigues Amin, Doutrina da proteção integral, p. 14-15). A doutrina da situação irregular limitava-se basicamente a 3 (três) matérias: (1) menor carente; (2) menor abandonado; (3) diversões públicas. O ECA ampliou sobremaneira os assuntos abordados e também a própria visão sobre a criança e o adolescente. A proteção integral também é garantida para a criança e o adolescente viver sem violência e preservar a sua saúde física e mental e seu desenvolvimento moral, intelectual e social, gozando de direitos específicos como vítima ou testemunha (art. 2º da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017).

Paradigma científico da proteção integral. Para que sirva como paradigma

ou modelo científico, o princípio da proteção integral deve possuir:

(1) um embasamento pelo ordenamento jurídico. Nesse sentido, o princípio da proteção integral é previsto na Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) e pelo sistema normativo interno brasileiro como a própria CF-88, passan-do as crianças e apassan-dolescentes a ser sujeitos de direitos e como pessoa em processo peculiar de desenvolvimento;

(2) a doutrina da proteção integral é alvo de estudo científico (monografias, dissertações, teses);

(3) a doutrina da proteção integral passa a ser instrumento de uma nova atuação concreta, ensejadora de novas práticas (Veronese, O estatuto da criança e

do adolescente: um novo paradigma, p. 37).

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1.1. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

A doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse são duas regras basilares do direito da infância e da juventude que devem permear todo tipo de interpretação dos casos envolvendo crianças e adolescentes. Trata-se da admissão da prioridade absoluta dos direitos da criança e adolescente.

Sobre o princípio do melhor interesse, o art. 3º, item 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 menciona que em todas as medidas concernentes às crianças terão consideração primordial os interesses superiores da criança. Diversa-mente da Declaração Universal dos Direitos da Criança, que representa basicaDiversa-mente sugestões que os Estados poderiam utilizar ou não, essa Convenção de 1989 possui uma natureza coercitiva e exige o posicionamento de cada Estado-Parte (Josiane Rose Petry Veronese, O estatuto da criança e do adolescente: um novo paradigma, “in” Estatuto da criança e do adolescente, 25 anos de desafios e conquistas, p. 31). O princípio do melhor interesse possui origem no direito anglo-saxão através do parens

pratriae. Nesse caso, o Estado assumia a responsabilidade pelas pessoas limitadas,

incluindo os loucos e os menores (Renata Malta Vilas-Bôas, A doutrina da proteção

integral e os Princípios Norteadores do Direito da Infância e Juventude.). Existe

men-ção também no direito inglês a dois julgados do Juiz Mansfiel (1763), envolvendo a busca e apreensão de menor, incluindo o caso Rex v. Delaval e o caso Blissets, onde se fazia menção à primazia do interesse da criança (Nucci, ob. cit., p. 11).

O art. 37, c, da referida Convenção, ao cuidar da privação da liberdade do infrator, menciona o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Na redação original em inglês, o termo utilizado é best interests of the child. Na experiência norte-americana, a expressão é utilizada como parâmetro para as cortes (tribunais) decidirem a respeito da guarda de criança ou adolescente. Surgiu nos EUA, a partir do caso Commonwealth v. Addicks, da Corte da Pensilvânia, onde existia uma disputa de guarda em uma ação de divórcio (Nucci, ob. cit., p. 11). Referida Corte entendeu que o adultério praticado pela esposa não influenciaria sobre os cuidados que esta dispensaria à criança. Em uma conceituação ampla, significa “the deliberation that courts undertake when deciding what type of services, actions, and orders will best serve a child as well as who is best suited to take care of a child” (tradução livre: “a deliberação dos tribunais que decidem qual o tipo de serviço, ações e ordens serão mais adequadas às crianças e quem estará melhor capacitado para cuidar delas”) (www.childwelfare.gov).

Na convenção de Haia, que trata sobre a adoção internacional, o art. 2º fala em interesse superior da criança. Gustavo Ferraz de Campos Monaco (A proteção

da criança no cenário internacional, p. 179) entende-o como o princípio da

digni-dade humana aplicada à criança e ao adolescente. Conforme salienta referido autor, existiria anteriormente uma diferenciação entre interesse e direito. O primeiro (o

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interesse) possuiria uma função mais elevada, exercendo uma atividade de orien-tação e de princípio de hermenêutica central. Quanto ao direito estaria estampado na norma posta. Assim, as expressões interesse e direito se aproximariam justamente como sinônimo de direito subjetivo. O autor (ob. cit., p. 180) critica esse posiciona-mento que afastou o “melhor interesse” de um princípio reitor e o qualificou como um direito subjetivo, com exigência direta e coercitiva. Isso faria a colocação da criança e do adolescente em um pedestal, reconhecendo uma tendência mundial de rotulá-los como adultos em miniatura. Com efeito, o princípio se constitui em base de formulação de políticas públicas e também pelo Estado-juiz na sua toma-da de decisões. Não se confunde com a regra constitucional que prevê um direito fundamental (Cláudia M. C. do Amaral, ob. cit., p. 45).

A par dessa correta crítica de falha conceitual, no cenário brasileiro, a justapo-sição das expressões se revela salutar porque apesar de uma legislação de direito da criança e do adolescente avançada, tem-se uma realidade atrasada e despreocupada politicamente com os rumos da criança e do adolescente.

De qualquer forma, expõe didaticamente Mônaco (ob. cit., p. 181-183) quatro vieses do princípio do melhor interesse, como modelo de atuação: (1) orientação ao Estado-legislador: a lei deve prever a melhor consequência para a criança ou adolescente. Não obedeceu a essa orientação, o art. 16, § 2º, da Lei nº 9.528/97, que excluiu da figura de dependente do INSS a criança ou adolescente submetida ao termo de guarda; (2) orientação ao Estado-juiz: o magistrado moderno da infân-cia e da juventude deve fornecer uma aplicação da lei ao caso concreto de acordo com as reais necessidades da criança e do adolescente. Merecem referência nessa hipótese específica pela atuação vanguardista o tribunal de justiça gaúcho e o STJ; (3) orientação ao Estado-administrador: em sua atividade de manuseio de políticas públicas deve se balizar por este princípio. Em um Estado Democrático de Direito, tornam-se inaceitáveis velhas políticas populistas, corruptas e de atendimento ao fim privado. Os executivos municipal, estadual e federal possuem uma das, senão a maior responsabilidade de atuação e de atendimento aos direitos da criança e do adolescente. Devem-se superar vetustas desculpas de falta de verba orçamentária, de luta pela não intromissão do Judiciário no Executivo e trocá-las por outras ati-tudes mais proativas. O Executivo não deve ser visto pelo político como um local para enriquecimento próprio e dos afins, mas sim de um local de atendimento das prioridades sociais, no caso específico da infância e da juventude; (4) orientação à família: a família natural ou extensa deve sempre sopesar os interesses e as ideias da criança e do adolescente. O entendimento (às vezes arcaico) dos pais às vezes não é o melhor para aplicação à criança e ao adolescente. Nesse sentido, possuem os pais importância destacável na criação e educação de seus filhos, não podendo unicamente pensar em velhos chavões como: “o que foi bom para mim, será bom para meu filho”.

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fundamentais. As regras de Beijing influenciaram também o próprio procedimento infracional. O próprio termo Justiça da Infância e da Juventude (item 5) é mencio-nado nestas regras. Segundo relato do Desembargador Amaral, o anterior Código de Menores permitia muitas decisões injustas (entrevista no site www.promenino. org.br) e as normas que a comissão redatora do ECA propunha já era prevista na OIT e na recomendação das Nações Unidas. Alguns itens, como a autorização para viajar, praticamente não sofreram alteração e foram transplantados do antigo Código de Menores de 1979 (p. ex., a autorização de viagem foi extraída do art. 62 do CM).

4. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Modernamente fala-se em um direito da criança e do adolescente. Adeildo Nunes (Da execução penal, p. 38) fornece os critérios para aferição da autonomia. Isso é de extrema importância visto que conceitos são extraídos de bases comple-tamente diferentes. Por isso, a estipulação de critérios é extremamente salutar. Para referido autor, a autonomia depende da existência de uma legislação específica e autônoma disciplinando a matéria, da constitucionalização desse ramo do direito e finalmente da instituição de disciplina regular nas Faculdades de Direito. Referido direito substituiu o direito do menor e possui como base a doutrina da proteção integral. Esse direito pode ser conceituado como o conjunto de princípios e de leis que se direcionam a disciplinar os direitos e obrigações das crianças e adolescentes sob o prisma da proteção integral e do melhor interesse. Cronologicamente, o direito brasileiro menorista conheceu três períodos: (I) o direito penal do menor; (II) o período do menor em situação irregular e, finalmente, (III) o período da doutrina da proteção integral. O primeiro período tem como base a delinquência menorista e abrange os Códigos Penais de 1830 e 1890. Passa pelo Código Mello Mattos de 1927. O segundo período inicia-se com o Código de Menores de 1979 (Lei nº 6.697/79), orientando o chamado Direito do Menor. O art. 2º do Código de Menores definia as seis situações irregulares. Finalmente, surge, como fase mais recente, a doutrina da proteção integral, com destaque para os direitos fundamentais da criança e do adolescente. Dentre essas diretrizes, surge o próprio ECA, passando a abranger uma gama variada de disciplinas voltadas à proteção dos direitos da criança e do adolescente. Essa autonomia abrange o estudo de todas as relações sociais em que a criança ou adolescente ocupa a posição de sujeito ou de objeto de políticas sociais de proteção (Clara Sottomayor, Temas de direito das crianças, p. 63). Não se trata, portanto, de uma disciplina do Direito Civil, ou então, como é ministrada em cur-sos preparatórios, matéria atinente aos interesses difucur-sos e coletivos. Isso porque, tratando-se de um microssistema, abrange várias disciplinas, incluindo regras de direito civil, de direito penal, de direito processual penal, de direito constitucional etc, sendo que os especialistas nessa matéria podem ser denominados “menoristas” ou “infancistas”, se o escopo é não realizar alusão ao revogado Código de Menores (Nucci, Estatuto da criança e do adolescente comentado, p. 5).

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4.1. Conceito formal do direito da criança e do adolescente

Pelo conceito formal, o direito da criança e do adolescente é o conjunto de normas jurídicas que dizem respeito à proteção da criança e do adolescente, re-gulando as relações daí derivadas. Com efeito, essa legislação não se limita apenas ao ECA, mas abrange outras normas de tutela à criança e ao adolescente, como os crimes do Código Penal que protegem a infância e a juventude.

4.2. Conceito social do direito da criança e do adolescente

O direito da criança e do adolescente é um dos meios do Estado e da Socie-dade de efetivação das políticas voltadas à proteção de seus direitos fundamentais mencionados no ECA.

4.3. As denominações desse direito

Podem ser utilizadas as expressões “direito da criança e do adolescente”, “direito da infância e da juventude” e ainda “direito menorista”, sendo essa última expressão mais vetusta, empregada à época dos Códigos de Menores (1927 e 1979).

4.4. Natureza jurídica do direito da criança e do adolescente

O direito da infância e da juventude pertence ao direito público.

Munir Cury (1987:11), utilizando ainda a anterior denominação “direito do menor”, explica o posicionamento do Direito da Criança e do Adolescente:

“Pela natureza de suas normas, o Direito do Menor é ius cogens, onde o Estado surge para fazer valer a sua vontade, diante de sua função protecional e ordenadora.

Segundo a distinção romana ius dispositivum e ius cogens, o Direito do Menor está situado na esfera do Direito Público, em razão do interesse do Estado na pro-teção e reeducação dos futuros cidadãos que se encontram em situação irregular.”

4.5. Relação do direito da infância e da juventude com as demais ciências jurídicas

O direito da infância e da juventude como ciência jurídica inserida em um ordenamento jurídico completo mantém contato com as demais ciências jurídicas. Assim, com o direito processual civil mantém estreito relacionamento, já que a matéria recursal é disciplinada pelo CPC (art. 198 do ECA). Com o direito civil, também existe um grande relacionamento. Com efeito, a matéria de colocação em família substituta

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(guarda, tutela, adoção, suspensão e destituição do poder familiar) é nitidamente de direito de família. Também com o direito penal, existe um relacionamento. No pró-prio ECA, são disciplinados os crimes contra a criança e o adolescente. Também no aspecto do ato infracional, existe similitude. O conceito de ato infracional se confunde com o conceito de crime e contravenção (art. 103 do ECA).

Art. 2º.

Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a

pes-soa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excep-cionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

1. O ECA E A DENOMINAÇÃO TÉCNICA DE CRIANÇA E ADOLESCENTE

Criança e adolescente. O artigo menciona a diferença técnica entre criança e adolescente. Criança é o menor entre 0 e 12 anos e adolescente, o menor entre 12 e 18 anos. A convenção sobre os direitos da criança de 1989 considerava criança todo ser humano menor de 18 anos. A expressão child em inglês é mais abrangente, envolvendo toda pessoa menor de 18 anos. O Código de Menores não fazia essa distinção, fazendo apenas menção aos menores de 18 anos (art. 1º). O ECA criou essa diferenciação entre criança e adolescente em razão da necessidade da regulamentação de alguns institutos, como a possibilidade de aplicação da medida socioeducativa e a necessidade da autorização de viagem. Gustavo Ferraz de Campos, ao comentar o assunto no princípio da igualdade, ressalta que se trata de uma discriminação unicamente com o escopo de se disciplinar a responsabilidade pelo ato infracional e a aplicação da medida socioeducativa (A proteção da criança e do adolescente

no cenário internacional, p. 150). Segue-se o disposto no item 4.1. das Regras de

Beijing: “Nos sistemas jurídicos que reconheçam o conceito de responsabilidade penal para jovens, seu começo não deverá fixar-se numa idade demasiado precoce, levando-se em conta as circunstâncias que acompanham a maturidade emocional, mental e intelectual.” Os autores do anteprojeto: Cury, Garrido e Marçura (Estatuto

da Criança e do Adolescente Anotado, p. 19-20) não se referem ao ato infracional,

mas apenas ressaltam que a diferenciação decorreu de política legislativa, levando-se em conta a média da época provável de transição da infância para adolescência. Essa observação é importante porque objetiva minimamente estabelecer em qual idade ocorre a transformação da criança para a figura do adolescente. Logicamente que adotando o critério biológico não existe uma precisão total. Existem “crianças” de dez anos que já manifestam características de adolescentes. Essas características

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podem ser compreendidas como as mudanças físicas e psicológicas, surgindo os chamados comportamentos irreverentes e desafiantes. As mudanças físicas decor-rem da alteração hormonal que influencia no estado emocional do adolescente. No sexo feminino, ocorre a maturação do aparelho sexual, propiciando por vezes a chamada “gravidez precoce”. A OMS estabelece que a faixa etária da adolescência pode compreender a idade entre 11 a 19 anos.

Motivo da alteração técnica de menor para criança e adolescente. Visa evitar

a rotulação da palavra menor como aquele em “situação irregular”, não permitindo “a marginalização, a marca, o estigma...” (Liberati, 1995:15). A expressão “menor” estigmatizava e vinculava ao conceito de infrator, marginal, bandido. Então existiria uma discriminação entre o menor que era o infrator pertencente à classe baixa e a criança e o adolescente pertencentes às classes média e alta. O Estatuto objetivou romper esse pernicioso paradigma para que os menores de 18 anos a partir da CF e do ECA passassem a se denominar criança ou adolescente.

“O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), em seu art. 2º, dis-tingue a ‘criança’ (menor de 12 anos) do ‘adolescente’ (entre 12 e 18 anos). Somente para este último é que prevê ‘garantias processuais’ (art. 110). Para a criança, só fala em ‘medidas de proteção’ (arts. 99 a 102 e 105).” (STJ – 6ª T. – RHC 3.547 – Rel. Adhemar Maciel – j. 9-5-1994).”

Nascituro. A inclusão do nascituro como criança exige uma anotação mais

extensa. Pode-se resumidamente elencar três posições acerca do direito do nasci-turo: (1) a teoria natalista, segundo a qual o nascituro teria mera expectativa de direitos; (2) teoria da personalidade condicional. Para essa teoria, o nascituro teria os seus direitos garantidos, mas que dependeriam de uma condição suspensiva: o nascimento com vida; (3) teoria concepcionista: o nascituro seria sujeito de direitos e obrigações desde a concepção (Victor Santos Queiroz, A personalidade do nascituro

à luz do estatuto da criança e do adolescente). O autor desta obra foi influenciado

pela segunda teoria aprendida nos bancos da faculdade, mas diante da evolução do direito menorista não poderia deixar de adotar a terceira corrente. A adoção da doutrina da proteção integral e do melhor interesse acaba necessariamente levando à inclusão do nascituro dentro da proteção. E mencionado por Queiroz, melhor exemplo é a proteção ou obrigação da gestante a certos cuidados. Por exemplo, encontrando-se drogada ou portadora de HIV, como é possível obrigá-la a um tratamento, interferindo na sua autonomia, se não for baseado no interesse do nascituro? É certo que existem limitações, vedando-se, por exemplo, a adoção de nascituro, mas também é certo que a interpretação sistemática do ECA e também a extensiva levam à inclusão do nascituro dentro da expressão “criança”. O Projeto de Lei nº 487/2007 estabelece o Estatuto do Nascituro, dispondo no art. 2º, o seu conceito: “Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido.”

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1.1. Convenção sobre os direitos da criança, de 20-11-89

O ECA assemelha-se com o art. 1º da referida Convenção:

“Para efeito da presente Convenção, considera-se como criança todo ser humano

com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei

aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.”

1.2. Primeira infância

A Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016 (Marco Legal da Primeira Infância) estipula princípios (enunciados, que por sua generalidade, ocupam posição de destaque) e diretrizes (instruções para se estabelecer um plano) para a formulação (elaboração) e a implementação (efetivação) de políticas públicas (conjunto de pro-gramas, ações e atividades, desenvolvidas pelo Estado, com a participação de entes públicos e privados, visando assegurar determinado direito) para a primeira infân-cia. Isso em razão das peculiariedades e o destaque dessa fase no desenvolvimento infantil e do próprio ser humano. Nesse diapasão, ocorrem nessa fase da criança, o crescimento físico, o amadurecimento do cérebro (desenvolvimento da maioria das ligações dos neurônios), o aprendizado dos movimentos (p. ex. os primeiros passos aproximadamente com um ano), o início do desenvolvimento do aprendi-zado e ainda a iniciação social e afetiva. O cérebro se desenvolve em velocidade frenética e possui enorme poder de absorvição, como uma esponja. As primeiras impressões e experiências na vida preparam o terreno sobre o qual o conhecimento e as emoções vão se desenvolver mais tarde. Se essa base for frágil, as chances de sucesso cairão. Se for sólida, as chances são maiores. Essa preparação começa já no útero, necessitando que a mãe seja disciplinada no período pré-natal (Entrevista James Heckman, páginas amarelas pág. 13-14 – Veja – ed. 2549 – data: 27.09.2017). Essa lei, denominada de marco legal da primeira infância, reforça o entendimento da necessidade de se ouvir a criança. Trata-se de uma idade com o aprendizado próprio, um “novo mundo”. A lei subdivide-se em cinco partes, incluindo alterações no ECA, no CPP etc. A mudança da lei do marco legal incidiu sobre temas como o da saúde e da educação. P. ex. o brincar não é apenas uma atividade lúdica, mas sim, uma necessidade da criança. Na área da saúde, houve a inclusão de expressões técnicas como a “atenção primária”, que não consta nem na normatização do SUS.

Delimitação do período da primeira infância. A primeira infância é o período

que vai desde a concepção até o ingresso na educação formal. Também pode ser entendida como os primeiros cinco anos de vida. A Lei nº 13.257/2016 preferiu realizar uma interpretação autêntica contextual, conceituando esse período no art. 2º: “... considera-se primeira infância o período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança.”

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Políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos da criança na primeira infância. O art. 4º da Lei nº 13.257/2016 estipula as diretrizes dessas políticas. Assim,

nesse diapasão, dispõe o inciso I que essas políticas devem ser elaboradas e executadas para atender ao interesse superior da criança e à sua condição de sujeito de direitos e de cidadã. Outrossim, estipula o inciso IV, o escopo de reduzir as desigualdades no acesso a bens e serviços. Nesse sentido, o grupo da primeira infância é um dos mais vulneráveis. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2006 aferiu que 45% das famílias brasileiras com crianças de 0 a 6 anos vivem com rendimento per

capita até meio salário mínimo. Isso inclui como consequência, alta mortalidade

infantil, desnutrição, falta de assento de nascimento e violência doméstica (“Primeira Infância”, disponível em http://www.institutocamargocorrea.org.br/infancia/Paginas/ infancia.aspx, acesso em 12/03/2016, 17h20min). O art. 4º da referida Lei dispõe que a participação da criança na formulação de políticas e ações possui o escopo de promover a sua inclusão social como cidadã. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir comitê intersetorial de políticas públicas (art. 7º). O comitê é uma comissão para articular essas políticas públicas.

1.3. Jovem

Introdução. A Emenda Constitucional nº 65, de 13 de julho de 2010,

in-troduziu no art. 227 do texto constitucional a expressão jovem, junto com as expressões criança e adolescente. Previu, além disso, a criação de um estatuto do jovem, ratificando a tendência jurídica de se criarem microssistemas a amparar as chamadas faixas etárias vulneráveis, merecedoras de uma tutela maior da so-ciedade e do próprio Estado. Essa previsão se materializou na Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013.

Definição de jovem. A questão é de saber qual é o conceito de jovem que o

legislador constitucional preferiu não enfrentar. Pode-se, nesse sentido, citar o critério adotado pela Assembleia Geral da ONU quando da criação do ano internacional da juventude (1985): definiu jovem como a pessoa entre 15 anos e 24 anos. Por outro lado, a Lei nº 12.852/2013 define jovem no art. 1º como a pessoa entre 15 e 29 anos de idade, possuindo uma amplitude maior que o próprio texto da ONU. O texto legal adotou uma interpretação ampla, atingindo a faixa até 29 anos de idade. Até porque a PEC 394/2005, que deu origem à referida emenda constitucional, previu, na sua justificativa, a referida idade entre 15 e 29 de idade. Trata-se, portanto, de verdadeira interpretação doutrinária mencionada na proposta de emenda constitu-cional. Definida a idade entre 15 e 29 anos de idade, cabe aqui indagar se haveria necessidade de exclusão da faixa etária dos adolescentes. O art. 2º da lei menorista define criança como a pessoa com até 12 anos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos. Aqui nos pronunciamos pela manutenção dos adolescentes, pois, como mencionado

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pela própria justificativa do projeto do estatuto do jovem, haveria uma proteção

suplementar deste estatuto. Significa dizer que primeiro se aplica com primazia o

ECA ao adolescente entre 15 e 18 anos, e depois subsidiariamente aplicar-se-ia o estatuto do jovem. Dessa forma, pode-se conceituar jovem como a pessoa entre 15 e 29 anos de idade. Em síntese, o Estatuto da Juventude prevê princípios, como o da autonomia e da emancipação dos jovens (art. 2º, I); prevê ainda diretrizes gerais, incluindo o desenvolvimento da intersetorialidade das políticas estruturais (art. 3º, I); relata direitos como o direito à Cidadania (arts. 4º a 6º), à Educação (art. 7º); o direito à Saúde (art. 19), à Cultura, destacando-se nesse, o direito à meia entrada (art. 23, caput), desde que regularmente matriculados (art. 23, § 1º); direito à Se-gurança Pública e ao Acesso à Justiça (arts. 37 e 38). No Estatuto, cria-se o Sistema Nacional de Juventude (art. 39 e seguintes), com a função de formular e coordenar a execução da Política Nacional da Juventude por parte da União (art. 41, I). São criados os conselhos da juventude, órgãos permanentes e autônomos não jurisdi-cionais encarregados de tratar das políticas públicas de juventude e da garantia do exercício dos direitos dos jovens (art. 45), com conceitos semelhantes do Conselho Tutelar do ECA. A vacatio legis do Estatuto da Juventude é de 180 dias (art. 48).

Conclusões. Assim, salutar que se discipline uma legislação específica para essa

faixa da população: a juventude. Embora a maioridade civil inicie aos 18 anos, é no-tório que a maturidade da pessoa humana não ocorre, na maioria das vezes, nessa idade. Milhões de brasileiros ainda não se casaram e nem obtiveram a independência econômica aos 18 anos, hipótese essa que ocorrerá com frequência somente depois dos 30 anos, havendo, nesse caso, a necessidade de um ordenamento jurídico protetivo do jovem. Dessa forma, ao invés do ECA, de natureza essencialmente protetiva, o estatuto do jovem deverá priorizar outras diretrizes como a criação de oportunidade e orienta-ção profissional, sexual etc. ao jovem. Essa faixa etária, por exemplo, é uma das mais afetadas pelo contágio de doenças sexualmente transmissíveis (Jorge Barrientos-Parra,

O estatuto da juventude, instrumento para o desenvolvimento integral dos jovens, “in” Revista de Informação Legislativa, ano 41, nº 163, p. 6), muito em parte pela falta de

experiência. Assim, deverá ser disciplinada na futura lei uma gama variada de direitos como o da vida, da saúde, da educação etc., dando-se ênfase à proteção do jovem portador de algum tipo de deficiência. Da mesma forma como ocorreu com a criança e com o adolescente, além de um microssistema legislativo, deverá existir também um plano nacional da juventude, criando mecanismos de fortalecimento dessa faixa etária que em 2010 atingiu quase a faixa de 50 milhões de pessoas.

2. EXCEÇÕES DO PARÁGRAFO ÚNICO

Esta denominação implica na prática em questões de se definir a competência da Vara da Infância e Juventude em relação à outra Vara, como a da Família. Isto significa analisar qual o alcance do parágrafo único.

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A referência do parágrafo único às pessoas entre 18 anos e 21 anos de idade se relaciona claramente à hipótese da maioridade civil. À época da entrada em vigor do ECA, estava vigente o antigo Código Civil (Lei nº 3.071/16), que previa em seu art. 9º: “Aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil.” Ocorre que o novo Código Civil (Lei nº 10.406/02) alterou a maioridade civil, diminuindo-a para 18 (dezoito) anos (art. 5º, caput).

2.1. Denegação da emancipação

Definiu o TJSP quando a mesma deve ser indeferida: “Deve a emancipação ser denegada quando o emancipado não possuir o necessário discernimento para reger sua pessoa ou administrar seus bens e se ignora ele os fatos essenciais sobre os seus haveres, como a qualidade e a quantidade.” (TJSP, RT, 282:279).

2.2. A questão da internação e de qualquer outra medida socioeducativa

O ECA expressamente permite a internação do maior de 18 anos: v. § 5º do art. 121, não sofrendo alteração mesmo com a entrada em vigor do CC de 2002. Para Roberto João Elias (1994:3), a exceção do parágrafo refere-se somente a internação. Todavia, com total acerto, tem prevalecido o entendimento de que cabe em tese, a aplicação de qualquer medida socioeducativa, levando-se em consideração a idade do adolescente ao tempo do fato (STJ, HC nº 108.356/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJE 3.11.2008). Em igual sintonia, e afastando decisão do TJRJ que entendia que a extensão só se aplicaria às medidas de internação e semiliberdade, o STJ, en-tendendo que se aplica a todas as medidas, incluindo a liberdade assistida (Pedido de Tutela Provisória 1105/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 20/11/2017). Assim, é possível em tese, o cumprimento da medida por maior de dezoito, ressaltando-se tão somente as exceções legais como a hipótese de cumprimento de pena privativa de liberdade (art. 46, III, da Lei nº 12.594/2012) ou na hipótese da pessoa estiver respondendo a processo-crime (art. 46, § 1º, da referida Lei). Então o que se realmente se avalia é se a medida socioeducativa possui funcionalidade após os dezoito anos, se realmente existe uma mínima eficácia de continuidade de aplicação após a maioridade do adolescente. Sobre a possibilidade de aplicação da medida após os 18 (dezoito) anos, a Súmula n. 605 do STJ: “A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de

ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos”.

2.2.1 Cumprimento de medida em meio aberto

A questão sobre a aplicabilidade da medida em meio aberto tem sofrido intenso debate envolvendo o Ministério Público do Rio de Janeiro e o Tribunal de Justiça

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Referências

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