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Tradução e tipologia textual

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Academic year: 2021

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(1)Tradução e tipologia textual Diva Cardoso de Camargo Professor Adjunto da UNESP, câmpus de São José do Rio Preto.. Resumo. Abstract. Este artigo aborda a distinção entre tradução literária e tradução técnica ou especializada do ponto de vista de três teóricos da tradução (Berman 1971; Newmark 1981; Aubert 1998a), os quais defendem a hipótese de ocorrer o predomínio de determinadas abordagens tradutórias conforme a tipologia textual. Também o artigo trata de um terceiro tipo de tradução referente à modalidade juramentada que solicitaria uma postura tendente para uma via mais semântica ou matricial. No entanto, pode surgir, na execução do texto traduzido, um conflito entre a intenção comunicativa do texto original e a intenção comunicativa dominante, o qual gerará distorções no processo tradutório. Por sua vez, diferenças na abordagem da tradução de textos técnicos, de textos literários e de textos submetidos ao processo juramentado, observadas em três investigações de Camargo (respectivamente 1996, 1999, 2005), permitiram identificar um crescimento correlacionado a elementos tipológicos, assinalando que tipos de texto diferentes tenderiam a demandar posturas tradutórias diferentes da parte dos tradutores.. This paper presents a conceptual distinction between literary translation and technical translation from three different translation authors’ viewpoint (Berman 1971; Newmark 1981; Aubert 1998a), who support their own hypothesis that different text typologies open up for different translation approaches. Sworn translation, considered as another type of translation by Aubert (1998a), would open up for a predominant semantic or source-centered translation approach. On the other hand, while translating, a conflict may occur between the original text and the prevailing communicative intention that may lead to distortion in the translation process. In three research studies carried out by Camargo (1996, 1999, 2005), results showed a correlation between source-centered translation/sworn and technical translation and another correlation between targetcentered translation and literary translation. Keywords: Literary translation; Technical translation; Sworn translation; Source-centered translation; Target-centered translation; Translator-centered translation.. Palavras-Chave: Tradução literária; Tradução especializada; Tradução juramentada; Tradução matricial; Tradução assimilativa; Tradução criativa. Introdução Em virtude de a distinção entre a tradução literária e outros tipos de tradução constituir uma questão polêmica ainda nos dias atuais, este artigo aborda, inicialmente, a concepção de texto especializado e de texto literário, consoante o ponto de vista de três teóricos da tradução. Sob a denominação genérica de “texto especializado” (Berman 1971), ou de “texto técnico” (Newmark 1981), ou de “texto pragmático” (Aubert 1998a), são abarcadas diversas estruturas textuais. No processo tradutório, as abordagens, embora não sejam homogêneas, apresentariam tendências para empregar formas habitualmente aceitas na língua/cultura de chegada (L/CC). 46. Destaca-se a amplitude da tradução especializada por abarcar várias tipologias textuais distintas, dentre elas a tradução de textos científicos das áreas das Ciências Exatas, Biológicas e Humanas; textos técnicotecnológicos, jurídicos, corporativos, jornalísticos, promocionais (publicidade, anúncios); textos referentes a balanços e demonstrativos financeiros; textos referentes a normas ISO, meio ambiente, etc. Por sua vez, o texto literário, em relação ao ato tradutório, é visto como valorizando os aspectos estéticoestilísticos, de modo que a importância atribuída à linguagem empregada pelo autor é comparável à importância dada ao conteúdo do texto. [Desse modo,] a tradução de textos literários poderia ser considerada como tendente a exigir um.

(2) paralelismo à forma original (AUBERT 1991: 66).. Ainda que teóricos da corrente de pensamento de base textual e pós-estruturalista questionem, na área da tradução, a oposição científico versus literário, como Arrojo (1993) e Rodrigues (2000), a distinção entre a tradução literária e a tradução não-literária mostra-se um “hábito arraigado” (Aubert 1998a). Mesmo tendo em mente que os tipos de textos são instáveis, que constituem formas híbridas, que sofrem a influência de inúmeras variáveis e que não é possível estabelecer tipologias estanques e mutuamente excludentes (Azenha Jr. 1997, 1999), para as duas categorias de tradução, haveria um consenso geral em considerar o conteúdo como essencial; já a forma seria tratada de modo diferente entre as duas tipologias (Aubert, ibid.). Pontos de vista de três teóricos da tradução Ao abordar a tradução literária e a tradução técnica, Newmark (1981) vale-se das funções da linguagem para apresentar a hipótese de haver uma correlação entre tipologia textual e tipologia tradutória, cada uma solicitando abordagens distintas. Para a tradução literária, dada a preponderância da função expressiva, o teórico recomenda a tradução semântica, pondo a ênfase no uso da tradução literal, voltada para o texto original (TO), para a linguagem do autor, considerando obrigatória a tradução de neologismos e metáforas originais encontradas no TO. Por sua vez, para os textos técnicos, em face do predomínio da função informativa ou da vocativa, preconiza a tradução comunicativa, direcionada para o texto traduzido (TT), para a obtenção do efeito equivalente no leitor da língua meta (LM), para a facilitação do sentido das metáforas originais, e para o emprego de neologismos apenas quando forem necessários. Do ponto de vista de Berman (1971), a tradução literária pertence ao campo da produção humana enquanto a tradução especializada situa-se no espaço da comunicação: as obras ocupam um espaço na cultura humana desde tempos imemoriais, sendo que as obras literárias assemelham-se, condensam-se, articulam-se e manifestam o nosso ser-nomundo. [...] Ao migrarem, via tradução, de uma língua para outra, provocam mudanças na significação e na abrangência da obra original. [Por outro lado], o campo relativamente recente da tradução especializada constitui-se no espaço da comunicação delimitado pelo domínio da Terminologia e das ciências técnicas. A imensa. gama de mensagens quer em nível nacional quer em nível mundial visa, sobretudo, a um fluxo informativo dentro dos três parâmetros da confiabilidade, rapidez e rentabilidade. [...] A regra da confiabilidade da tradução especializada contrapõe-se à lei da “fidelidade” da tradução literária. Apesar de nunca promulgada, ressalta que esta lei não é menos real, e que não implica uma literariedade primária, porquanto uma fidelidade à letra e à tecitura da obra admite uma variedade de formas sutis de transformação (BERMAN 1971: 9-15)1.. Desse modo, para Berman é radical a diferença existente entre as duas modalidades de tradução, e acrescenta que são muito diferentes os espaços das duas práticas, a ponto de ser bastante raro um tradutor literário ser também tradutor especializado e vice-versa. Também Aubert defende a hipótese de haver uma correlação entre tipologia textual/tipologia tradutória. Além da tradução literária e da tradução pragmática, distingue uma terceira tipologia: a tradução juramentada, a ser tratada mais adiante. Contudo, o autor esclarece que a correlação não se efetua “em termos determinísticos ou automáticos” (AUBERT 1998a: 8), dado que a intenção tradutória pode diferir da intenção com que foi produzido o TO. De acordo com o teórico, na tradução de textos literários ocorrem oscilações ora priorizando o TO e o estilo do autor, ora a equivalência estética no texto da língua de chegada (LC), ora uma posição intermediária. Quanto à tradução pragmática, tenderia a priorizar, em textos técnicos, publicitários e demonstrativos financeiros, a fluência e a assimilação do leitor na LC e, eventualmente, a equivalência estética. Todavia, as distinções levantadas pelos três teóricos entre o texto literário, de um lado, e o texto técnico e pragmático, ou especializado, de outro, não são, de modo algum, estanques, porquanto existem múltiplas interferências entre os tipos de textos. Na prática, toda tradução é criativa e os dois métodos newmarquianos de tradução não se mostram antagônicos, pois pode-se traduzir um mesmo texto semântica e comunicativamente. Por sua vez, Aubert, ao confirmar a existência de uma correlação entre tipo de texto/tipo de tradução, também esclarece que pode surgir um conflito entre a intenção comunicativa do TO e a intenção comunicativa dominante na execução do TT, o qual gerará distorções no processo tradutório. Por outro lado, mesmo com Berman estabelecendo uma polarização bastante acentuada entre a tradução literária e a tradução especializada, as duas práticas parecem ratificar as concepções do teórico no que diz respeito à constatação de que, em geral, não se encontram, salvo 47.

(3) casos excepcionais, grandes tradutores literários que sejam também grandes tradutores técnicos. No tocante à terceira tipologia textual concernente à tradução juramentada (TJ), de acordo com a conceituação dada por Aubert entende-se: a tradução de textos - de qualquer espécie - que resulte em um texto traduzido legalmente reconhecido como uma reprodução fiel do original (com fé pública). Esta característica de fidelidade, por sua vez, significa que, por meio de tal tradução, o texto original, expresso em um idioma estrangeiro, torna-se capaz de produzir efeitos legais no país da língua de chegada e, ainda, que tal tradução é correta, precisa, exaustiva e semanticamente invariante em relação ao original (obviamente, dentro dos limites dos meios de expressão disponíveis nas respectivas língua/culturas que se confrontam no ato tradutório específico) (AUBERT 1998a: 14).. A obrigatoriedade da TJ em nosso país está prevista pelo art. 18 do decreto nº 13.609, de 21/10/ 19432, a saber: Nenhum livro, documento ou papel de qualquer natureza, que for exarado em idioma estrangeiro, produzirá efeitos em repartições da União, dos Estados ou dos Municípios, em qualquer instância, Juízo ou Tribunal ou entidades mantidas, fiscalizadas ou orientadas pelos poderes públicos, sem ser acompanhado da respectiva tradução feita na conformidade desse regulamento.. De acordo com a Constituição Brasileira, a tradução processada no modo juramentado deve ser executada por um tradutor público ou juramentado, conforme estabelecido nos Art. 156 e 157. Para a qualificação do agente de tais traduções, além da idade mínima de 21 anos e de ser cidadão brasileiro nato ou naturalizado, é necessário que a pessoa esteja investida do poder de “juramentá-las”. Consoante o regulamento a que se refere o Decreto no. 13.609, de 21 de outubro de 1943, no Art. 1º O ofício de tradutor público e intérprete comercial será exercido, no País, mediante concurso de provas e nomeação concedida pelas Juntas Comerciais ou órgãos encarregados do registro do comércio. As traduções executadas no modo juramentado devem ser transcritas num “livro”, conforme estabelece o Decreto no. 13.609, de 21/10/1943: Art. 33. Haverá em cada ofício [de tradutor público] um livro “Registro de Traduções”, encadernado e numerado em todas as suas folhas que, com isenção de selos e 48. emolumentos, serão rubricadas pela Junta Comercial ou órgãos encarregados do registro do comércio. O Poder Judiciário ou qualquer repartição ou autarquia federal, estadual ou municipal estabelecem a tradução juramentada como um dos requisitos para dar entrada e andamento de processos que contenham documento produzido no exterior. Tal exigência baseiase no Código de Processo Civil em seu artigo 157, pelo qual um documento redigido em idioma estrangeiro, proveniente de outro país, deve ser traduzido para o vernáculo. Também consoante o Código Civil, o artigo 1134 reza que “só poderá ser junto aos autos documentos redigidos em língua estrangeira quando acompanhado de versão em vernáculo, firmada por tradutor juramentado”. Ainda o artigo. 1134 acrescenta que “os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados da tradução em vernáculo”. Dado que, no Brasil, todo texto pode ser submetido a um processo de tradução juramentada, um texto literário ou um texto especializado pode necessitar desse tipo de tradução para determinadas finalidades, como, por exemplo, respectivamente para comprovar plágio ou para demonstrar negligência médica. O artigo 18 do decreto nº. 13.609 fornece uma longa enumeração dos documentos passíveis de TJ bem como de entidades públicas como possíveis beneficiárias; por outro lado, não apresenta uma delimitação dos tipos de texto que podem ser submetidos ao ato de juramentação. Na prática, os documentos que, em geral, demandam tradução juramentada poderiam ser reunidos nos seguintes grupos: • Documentos societários: contratos em geral, termos de incorporação, deliberações de conselhos de empresas, atas de reuniões, etc. • Documentos pessoais: carteiras de identidade, certidões (de nascimento, casamento, divórcio ou óbito), documentos escolares, carteiras de habilitação de motoristas, passaportes, etc. • Documentos executivos (títulos que, na relação credor/devedor, são passíveis de serem levados a processo): notas promissórias, conhecimentos de embarque, cheques, letras de câmbio, faturas, notas de débito, etc. • Documentos financeiro-comerciais: balanços patrimoniais, demonstrativos financeiros, etc. • Documentos legais: cartas rogatórias, declarações sob juramento, atestados de antecedentes, etc..

(4) • Documentos de diferentes naturezas: patentes,. transferência de tecnologia, certificados de qualidade Norma ISO 9001, correspondência comercial, correspondência eletrônica (normalmente solicitadas por juízes, em casos de processos), etc. Mesmo havendo uma grande diversidade de textos traduzidos na modalidade juramentada, o que aumenta a dificuldade e a responsabilidade do tradutor público, é bastante escassa a literatura especializada a respeito da matéria, embora seja a tradução juramentada uma das atividades da área de serviços regulamentada há mais tempo no Brasil, constando os primeiros dispositivos legais das antigas Ordenações Pombalinas, em 1781 (cf. Aubert 1998a), e a primeira regulamentação do ofício estabelecida pelo decreto 863 de 17 de novembro de 1851 (cf. Campbell 1983). Atualmente, o Decreto n.º 13.609 de 21 de outubro de 1943 regulamenta o ofício, que é exclusivo para pessoas físicas e vedado para empresas. Historicamente falando, tanto a nomeação como a legislação e a própria designação: tradutor público e intérprete comercial3 passaram a encontrar suas raízes nas Juntas Comerciais dos Estados, uma vez que foram nessas instituições que a profissão teve sua origem. No Estado de São Paulo, a habilitação do exercício da profissão e as normas de trabalho são atribuições da Junta Comercial do Estado de São Paulo, por meio da Deliberação 4/80. Abordagem tradutória e tipologia textual Para as três tipologias textuais, a tradução abre a perspectiva para abordagens diferentes, as quais, de acordo com Aubert (1995), não são excludentes, podendo o tradutor fazer opções por uma tradução mais matricial, ou mais assimilativa ou mais criativa. A tradução matricial (correspondendo à tradução semântica na denominação de Newmark, conforme mencionado anteriormente, ou “estrangeirizadora” na designação de Venuti (1995)) constitui uma tentativa deliberada de resgatar o TO, introduzindo componentes estranhos à LC (novos modos de expressão, novos valores culturais, novas visões-de-mundo) e gerando formas novas imitativas da língua de partida (LP). Contribui para a diversidade cultural, para a polifonia. Predominam as formas da tradução direta (Vinay & Darbelnet 1958, 1995; Aubert 1984, 1998b), com o uso de empréstimos4, decalques, traduções literais, além de transposições e explicitações ou implicitações. Pode ser observada na tradução literária e, notadamente, na. tradução juramentada (Aubert 1995: 36). A tradução assimilativa (correspondendo à tradução comunicativa para Newmark ou “domesticadora” na designação de Venuti (1995)) é a opção tradutória para produzir o TT com uma fluência que facilite a sua integração na L/CC; pode constituir um mecanismo eficaz de defesa do espaço receptor, e contribuir para um mascaramento da alteridade. Predominam as formas da tradução oblíqua (Vinay & Darbelnet 1958, 1995; Aubert 1984, 1998b), com o uso de transposições, modulações e adaptações. Pode ser observada, freqüentemente, na tradução de textos técnicos. No que tange à tradução de textos literários, pode-se observar o emprego de estratégias de “naturalização” em que referenciais básicos passam a situar-se no âmbito dos usos e costumes lingüísticoculturais de chegada (Aubert 1995: 36). No entanto, o processo assimilativo ou a via matricial, se buscar preservar, no TT, a diversidade do pólo lingüístico-cultural emissor, poderia promover o enriquecimento do pólo lingüístico-cultural receptor por meio da percepção ou incorporação de elementos das possíveis leituras da visão-de-mundo do “outro”. Esta, por sua vez, se lograr conduzir de volta algo das leituras do tradutor ao pólo emissor, poderia contribuir para uma melhor compreensão da realidade original. Nesse sentido, a tradução criativa constitui uma co-autoria do tradutor para equilibrar o uso das abordagens matricial e assimilativa, tendo por preocupação harmonizar as múltiplas vozes. Embora se assemelhe à perspectiva assimilativa, será um texto novo, autônomo (Aubert, ibid.). Ainda a respeito de possíveis diferenças na abordagem da tradução de textos técnicos e na tradução de textos literários, duas investigações de Camargo (1996, 1999) sobre tipologia tradutória e tipologia textual identificaram um crescimento na distribuição de determinadas categorias tradutórias correlacionado a elementos tipológicos, assinalando que tipos de texto diferentes demandariam posturas tradutórias diferentes da parte dos tradutores. Sem deixar de levar em conta a precedência da intenção tradutória sobre a tipologia textual, seria possível, com base nos resultados desses dois estudos de corpora de TTs, também apontar convergências e divergências entre a tradução de textos técnicos e a tradução de textos literários. Devido a uma tendência mais literalizante ter ocorrido no corpus de textos técnicos, essa tipologia parece oferecer mais possibilidades aos tradutores para utilizarem estratégias no plano da língua e menor possibilidade de associações criativas para a manutenção 49.

(5) do significado. Um dos fatores para tal tendência advém da tentativa de padronização da linguagem técnicocientífica, cujas características procurariam envolver a precisão, a coerência, e a sobriedade na forma. Todavia, é importante destacar que a concepção de “universalidade” ou internacionalidade das linguagens de especialidade, defendida por Wüster (1985), por Garrido (2001), dentre outros, mostra-se questionável na prática tradutória, porquanto os textos técnicos não são lineares, unívocos ou “universais”, podendo ocorrer que, para uma mesma empresa com escritórios, fábricas ou concessionárias em outras localidades, como no caso da indústria automobilística, sejam usados termos diversos para designar um dado referente. Notadamente na década de 90, a crença na monovalência de um termo em um dado domínio (Wüster 1985) passou a ser debatida sobretudo por Cabré e seus colaboradores (1999), ao propondorem uma nova teoria para a Terminologia, a qual contempla a variação lingüística em toda a sua dimensionalidade. Dentro dessa mesma perspectiva, Krieger enfatiza que, “mesmo no interior de uma única área de conhecimento, nem sempre há um só conceito ou uma única denominação correspondente” (KRIEGER 2001: 102). No caso das duas línguas envolvidas no ato tradutório, “encontrar campos semânticos coincidentes ou mesmo aproximados, passa a ser ainda mais improvável” (BESSA 2006: 27), mormente nas últimas décadas com a avalanche de novos termos criados, emprestados e assimilados nos vários domínios de especialidade. Para Faulstish (2001:19), a variação terminológica passa a ser considerada, nos anos 80, um fenômeno da língua em uso e uma ocorrência um tanto previsível nas linguagens de especialidade. Também Azenha Jr. trata da distinção entre a linguagem comum e as linguagens técnicas, colocando-a em termos de “diferenças de grau, mas não de essência., e que, portanto, o processo de produção dos textos técnicos está sujeito a variáveis que são diferentes em grau, mas não em essência, das que influenciam a produção e a recepção de qualquer tipo de texto” (AZENHA JR. 1997: 142). Em contrapartida, o maior uso da modulação, ao ter ocorrido no corpus de textos literários (compilados para as duas pesquisas de Camargo 1996, 1999), indicaria uma tendência nesse tipo de texto para um maior uso de estratégias tradutórias no plano da mensagem. Em decorrência, as traduções literárias mostrar-se-iam estar mais próximas da significação que do significado. Também tenderiam a oferecer maiores possibilidades de reelaboração e, por conseguinte, permitiriam 50. maior criatividade. Convém lembrar, porém, que uma inclinação para uma menor individualidade dos tradutores diante de textos técnicos não significa absolutamente uma maior facilidade na sua tradução (Camargo 2001), uma vez que a procura do equivalente mais apropriado para determinados termos, por exemplo da tecnologia de ponta, poderia ser tarefa mais árdua do que encontrar uma rima rica, rara ou preciosa para um dado poema. No tocante à TJ, a investigação de Camargo (2005) destaca a similaridade observada no corpus de contratos em geral, de contratos sociais, e de estatutos sociais. A linguagem empregada nos contratos traduzidos no modo juramentado para o vernáculo apresenta alta recorrência de padrões de repetição de vocábulos, expressões fixas e unidades fraseológicas, o que apontaria para uma maior quantidade de traduções literais e uma abordagem mais matricial. Um dos fatores que estaria contribuindo para a menor variação vocabular da TJ para o português seria o uso de uma fraseologia própria do discurso jurídico, notadamente da linguagem contratual dos modelos brasileiros que apresentam padrões mais elevados de repetição, conforme indicou o corpus comparável de contratos originalmente escritos em português em relação ao contraste apresentado pelo corpus comparável de contratos originalmente escritos em inglês. Outros fatores seriam decorrentes da característica de fidelidade da TJ em relação ao original. A responsabilidade que recai sobre os tradutores públicos no Brasil, com a exigência legal de uma correção e precisão “exaustiva e semanticamente invariante” em relação aos TOs, não lhes permitiria, via de regra, uma maior individualidade ou criatividade. À guisa de conclusão Nessa perspectiva, a opção do tradutor por um processo de apropriação do TO de forma mais visível ou mais sutil no TT não se dá de modo estanque, mas com alternância das vias assimilativa e matricial em um mesmo texto. Vistos de outro ângulo, tais procedimentos - ao revelarem opções diferentes no emprego das modalidades tradutórias e nas escolhas alternadas por posturas ora mais assimilativas ora mais matriciais ora mais criativas - também estariam apontando tendências por parte do tradutor para um maior ou menor uso de estratégias facilitadoras, que poderiam ser identificadas como traços de simplificação5, explicitação, normalização ou nivelamento (Baker 1996)..

(6) Também os resultados alcançados pelas três pesquisas de Camargo (1996, 1999, 2005) permitiram mostrar evidências de que as abordagens tradutórias não são antagônicas; ao contrário, cada uma oferece possibilidades diversas de análises que podem ser vistas, em grande parte, como complementares entre si, contribuindo para um estudo mais amplo e detalhado dos TTs, concernentes ao uso maior ou menor do processo assimilativo, matricial ou criativo, conforme a tipologia textual. Outrossim, a identificação do uso dessas abordagens tradutórias mostrando correlações com tipologias textuais distintas pode proporcionar uma maior conscientização da intervenção do tradutor na preservação ou apagamento da voz do “outro”, bem como uma melhor percepção da complexidade da diferença na tradução literária, especializada e juramentada. Desse modo, uma reflexão sobre a natureza, as características e problemas relacionados às três modalidades tradutórias pode proporcionar um maior esclarecimento das abordagens a serem adotadas, das possibilidades de busca para uma preservação da diversidade do pólo lingüístico-cultural emissor em detrimento da tendência atual de mais cooperação com a cultura doméstica. Ainda, a reflexão sistemática pode levar a uma melhor compreensão dos diferentes papéis quer dos tradutores literários, quer dos tradutores técnicos, quer dos tradutores públicos como centro do processo decisório envolvido no momento da avaliação do seu trabalho e, conseqüentemente, do seu grau de responsabilidade profissional e social. Referências ARROJO, R. Tradução, desconstrução e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1993. AUBERT, F.H. Descrição e quantificação de dados em tradutologia. Tradução & Comunicação, São Paulo, v. 4, 1984. AUBERT, F. H. Askeladden e outras aventuras tradutórias. 1991. Tese (Livre-Docência em Estudos da Tradução) - FFLCH/USP. AUBERT, F. H. Desafios da tradução cultural: As aventuras tradutórias do Askeladden. TradTerm, São Paulo, v. 2, p.31-44, 1995. AUBERT, F.H. Tipologia e procedimentos da tradução juramentada. Vol. 1 e 2, São Paulo: CITRAT/FFLCH/ USP, 1998a. AUBERT, F. H. Modalidades de tradução: teoria e resultados. TradTerm, São Paulo, 5:1, p. 99-128, 1998b. AZENHA Jr., J. Aspectos culturais na produção e na. tradução de textos técnicos de instrução alemão/ português: Teoria e prática. 1994. Tese (Doutorado em Letras - Língua e Literatura Alemã) - USP/FFLCH, São Paulo. AZENHA Jr., J. Tradução técnica, condicionantes culturais e os limites da responsabilidade do tradutor. In: TORRES, J. H. C.; FURLAN, M.; COSTA, W. C. (org.). Cadernos de Tradução. 1. Florianópolis: UFSC, p. 137149, 1997. AZENHA Jr., J. Tradução técnica e condicionantes culturais: Primeiros passos para um estudo integrado. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1999. BAKER, M. Corpus-based translation studies: The challenges that lie ahead. In: SOMERS, H. (org.). Terminology, LSP and Translation Studies in Language Engineering, In honour of Juan C. Sager. Amsterdã/ Filadélfia: John Benjamins, 1996, p. 175-186. BERMAN, A. La traduction littéraire, scientifique et technique. Paris: La Tilu, 1971. BESSA, C. R. A substituição e/na tradução velada. 2006. Tese (Doutorado em Semiótica e Lingüística Geral - Estudos da Tradução ) - USP/FFLCH, São Paulo. CABRÉ, M. Terminología: Representación y comunicación. Una teoria de base comunicativa y otros articulos. Barcelona: Universitat Pompeu Fabra, IULA (Sèrie Monografies, 3) CAMARGO, D. C. de As modalidades tradutórias e a tipologia textual: Textos jurídicos e técnicos. Pesquisa em Estudos da Tradução desenvolvida como recém-doutor (bolsa RD/CNPq) - CITRAT/FFLCH/USP, São Paulo, 1996. CAMARGO, D. C. As modalidades tradutórias e os textos corporativo, jornalístico e literário: uma via de abordagem para uma tipologia da tradução interlingual. Pesquisa realizada para estágio pós-doutoral em Estudos da Tradução - CITRAT/FFLCH/USP / UNESP, São José do Rio Preto, 1999. CAMARGO, D. C. Corpus-based translation research on legal, technical and corporate texts. Across, 2, Budapeste: Akadémiai Kiadó RT, p. 113-125, 2001. CAMARGO, D. C. Padrões de estilo de tradutores: Um estudo de semelhanças e diferenças em corpora de traduções literárias, especializadas e juramentadas. 2005. Tese (Livre-Docência em Estudos da Tradução) UNESP/IBILCE, São José do Rio Preto. CAMPBELL, A. S. Tradutores públicos e traduções juramentadas no Brasil. In : PORTINHO, W. M. et al. A tradução técnica e seus problemas. São Paulo: Álamo, 1983, p. 107-146. FAULSTISH, E. Aspectos de terminologia geral e terminologia variacionista. TradTerm, São Paulo, 7, p. 1140, 2001. GARRIDO, C. Aspectos teóricos e práticos da traduçom científico-técnica (inglês/galego). Ourense: Associaçom Galega da Língua, 2000. 51.

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