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Ser ou não ser Santo... Eis a questão Antonio Royo Marín, OP

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Academic year: 2021

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Ser ou não ser Santo... Eis a questão

Antonio Royo Marín, OP

A Eucaristia

A EUCARISTIA É O MAIS EXCELENTE E SUBLIME de todos os sacramentos, o fim para o qual se ordenam todos eles, o centro da vida cristã, o meio mais eficaz e poderoso para remontarmos à mais alta santidade nos cumes mais elevados da união transformadora com Deus.

Como se sabe, a eucaristia oferece dois aspectos que se complementam mutuamente. Pode-se considerá-la como sacramento (a sagrada comunhão) e como sacrifício (a santa Missa). Vamos examinar separadamente esses dois aspectos igualmente santificadores.

I. A EUCARISTIA COMO SACRAMENTO

Examinaremos sua eficácia santificadora, as disposições para comungar, a ação de graças, a comunhão espiritual e a visita ao Santíssimo.

I. EFICÁCIA SANTIFICADORA DA EUCARISTIA

Entre todos os exercícios e práticas de piedade, não há nenhum cuja eficácia santificadora possa se comparar à digna recepção do sacramento da eucaristia. Nela recebemos não somente a graça, mas também o Manancial e a Fonte mesma de onde brota. Ela deve ser, em seu duplo aspecto de sacramento e de sacrifício, o centro de convergência de toda a vida cristã. Toda ela deve girar em torno da eucaristia.

Omitimos aqui - por não permitir outra coisa o escopo desta obra - uma multidão de questões dogmáticas e morais relativas à eucaristia. Recordemos, não obstante, em forma de breves pontos, algumas idéias fundamentais que convém ter sempre muito presentes.

1a: A Santidade consiste em participar de maneira cada vez mais plena e perfeita da vida divina que nos é comunicada pela graça.

2a: Essa graça brota - como de sua Fonte única para o homem - do Coração de Cristo, no qual reside a plenitude da divindade e cja graça.

3a: Cristo se dá a nós na eucaristia como alimento para nossas almas. Mas, diferente do alimento material, não somos nós quem assimilamos a Cristo, mas é Cristo quem nos diviniza e nos transforma em si mesmo. Na eucaristia o cristão alcança sua máxima cristificação, que consiste na santidade segundo a sublime fórmula de São Paulo.

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4a: A comunhão, ao dar a nós Cristo inteiramente, coloca à nossa disposição todos os tesouros de santidade, de sabedoria e de ciência encerrados n'Ele. Com ela, pois, a alma recebe um tesouro rigorosa e absolutamente infinito, que se lhe entrega em propriedade.

5a: Juntamente com o Verbo encarnado - com seu corpo, alma e divindade - nos são dadas na eucaristia as outras duas pessoas da Santíssima Trindade, o Pai e o Espírito Santo, em virtude do infalível mistério da circuminsessão, que as faz inseparáveis, posto que as três possuem uma só e mesma essência ou natureza. Nunca tão perfeitamente como depois de comungar, o cristão se converte em templo e sacrário da divindade. Em virtude desse divino e inefável contato com a Santíssima Trindade, a alma - e, por redundância, o próprio corpo do cristão - se faz mais sagrada que o ostensório, o cibório e mais ainda do que as próprias espécies sacramentais, que contêm Cristo - certamente -, mas sem lhe tocar e nem receber d'Ele nenhuma influência santificadora. 6a: A união eucarística nos associa de uma maneira misteriosa, mas real, à vida íntima da Santíssima Trindade. Na alma de quem acaba de comungar, o Pai engendra seu Filho unigênito, e de ambos procede essa corrente de amor, verdadeira torrente de chamas, que é o Espírito Santo. O cristão, depois de comungar, deveria cair em êxtase de adoração e de amor, limitando-se unicamente a desejar ser levado pelo Pai ao Filho e pelo Filho ao Pai na mesma unidade do Espírito Santo. Nada de devocionários, nem cânticos, nem fórmulas rotineiras de ação de graças; um simples movimento de amor abrasador e de íntima e entranhável adoração, que poderia se traduzir na simples fórmula do Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Saneio...

7a: Dessa forma, a união eucarística já é o Céu começado, o "cara a cara em meio às trevas"56 (Santa Elisabete da Trindade). No Céu não faremos outra coisa, ou essa, pelo menos, será a fundamental.

Essas idéias são fundamentais, e elas por si só, bem assimiladas, bastariam para nos dar o tom e a norma de toda a nossa vida cristã, a qual deve ser essencialmente eucarística. Para um maior aproveitamento, precisemos um pouco mais sobre a preparação e ação de graças, cuja importância é capital para obter da eucaristia o máximo rendimento santificador.

2. DISPOSIÇÕES PARA COMUNGAR

Contra os exageros e rigores jansenistas, que exigiam disposições quase inexequíveis para se atrever a comungar, o grande pontífice São Pio X, no decreto Sacra Tridentina Synodus de 20 de dezembro de 1905, dirimiu para sempre a controvérsia ao determinar que para receber a comunhão frequente e até mesmo diária se requer unicamente estar na graça de Deus e ter retidão de intenção (ou seja, que não se comungue por vaidade ou rotina e sim para agradar a Deus). Se recomenda também estar limpo de pecados veniais, mas não é absolutamente necessário porque a comunhão ajudará a vencê-los. É conveniente também contar com o conselho do confessor, uma diligente e fervorosa participação e ação de graças. Nada mais.

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De todas as formas, é evidente que as pessoas que queiram avançar seriamente na perfeição cristã deverão tentar intensificar ao máximo essas condições indispensáveis. Em sua preparação remota devem consentir em levar uma vida digna de quem tenha comungado pela manhã e há de voltar a comungar no dia seguinte (ou no mesmo dia em outra missa, segundo a moderna concessão da Igreja recolhida no Código de Direito Canônico, n. 917). Deve insistir em se desfazer de todo apego ao pecado venial, sobretudo ao plenamente deliberado, e em combater o modo tíbio e imperfeito de agir, que supõe a tendência para praticar o mais perfeito para nós em cada caso, de acordo com as circunstâncias.

3. PREPARAÇÃO PRÓXIMA PARA COMUNGAR

Quatro são as principais disposições próximas que devem exercitar em si a alma fervorosa, implorando-as de Deus com humildade e perseverante insistência:

a) Fé viva. Cristo a exigia sempre como condição indispensável antes de conceder uma graça, mesmo de tipo material (milagre). A eucaristia é, por antonomásia, o mysterium fidei, já que nada nela é perceptível pela razão natural e nem pelos sentidos. Santo Tomás recorda em sua bela oração Adoro te devote que "na cruz se ocultou unicamente a Divindade, mas no altar desaparece inclusive a humanidade santa: Latet simul et humanitas". Isso exige de nós uma fé viva impregnada de adoração.

Não só nesse sentido - de assentimento vivo ao mistério eucarístico - a fé é absolutamente indispensável, mas também em função da virtude vivificante do contato com Jesus. Temos de considerar em nossas almas a lepra do pecado e repetir com a fé viva do leproso no Evangelho: "Senhor, se queres, tens o poder de purificar-me" (Mt 8, 2); ou como o cego de Jerico - menos desafortunado com a privação da luz material do que nós, com a cegueira de nossa alma: "Senhor, que eu veja!" (Lc 18, 41).

b) Humildade profunda. Jesus Cristo lavou os pés de seus apóstolos antes de instituir a Eucaristia para dar-lhes exemplo (Jo 13,15). Se a Santíssima Virgem se preparou para receber em suas entranhas virginais o Verbo de Deus com aquela profunda humildade que a fez exclamar: "Eis aqui a serva do Senhor" (Lc i, 38), o que devemos fazer em semelhante conjuntura? Não importa que tenhamos nos arrependido perfeitamente de nossos pecados e nos encontremos atualmente em estado de graça. A culpa foi perdoada, o reparo da pena também (caso tenhamos feito a devida penitência), mas o fato histórico de ter cometido aquele pecado não desaparecerá jamais. Não esqueçamos que, independente do grau de santidade possuído por nós, se alguma vez cometemos em nossa vida um só pecado mortal, quer dizer que já fomos resgatados do Inferno e somos ex-presidiários de Satanás. O cristão que tenha cometido na vida passada algum pecado mortal deveria estar sempre aterrado em humildade. Pelo menos, ao nos aproximarmos da comunhão, repitamos por três vezes, com sentimento de profunda humildade e vivo arrependimento, a fórmula sublime do centurião "Domine, nom sum âignus ut intres sub tectum meum" (Mt 8, 8).

c) Confiança ilimitada. É preciso que a recordação de nossos pecados nos leve à humildade, mas não ao abatimento, que seria uma forma disfarçada de orgulho. Jesus

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Cristo é grande em sua misericórdia e sempre perdoa; ele acolheu com infinita ternura a todos os pecadores que se aproximaram e pediram perdão. Jamais alterou a condição: é o mesmo Evangelho. Aproximemo-nos d'Ele com humildade e reverência, mas também com imensa confiança em sua bondade e misericórdia. É o Pai, o Pastor, o Médico, o amigo divino, que quer nos aproximar de seu Coração palpitante de amor. A confiança o rende e vence: não pode resistir a ela, pois lhe rouba o Coração...

d) Fome e sede de comungar. Essa é a disposição que mais diretamente afeta a eficácia santificadora da Eucaristia. Essa fome e sede de receber Jesus sacramentado, que procede do amor e quase se identifica com ele, dilata a capacidade da alma e a dispõe a receber a graça sacramentai em grandes proporções. A quantidade de água colhida de uma fonte depende em cada caso do tamanho do copo que se leva. Se nos preocupássemos em pedir ardorosamente ao Senhor essa fome e sede da Eucaristia e procurássemos fomentá-la com todos os meios ao nosso alcance, muito rapidamente nos tornaríamos santos. Santa Catarina de Siena, Santa Teresa de Jesus, Santa Micaela do Santíssimo Sacramento e outras muitas almas santas tinham uma fome e sede de comungar tão devoradoras, que teriam se exposto aos maiores sofrimentos e perigos em troca de não perder um só dia o divino alimento que as sustentava. Devemos observar nessas disposições não somente um efeito, mas também uma das mais eficazes causas de sua excelsa santidade. A eucaristia recebida com tão ardoroso desejo aumentava a graça em suas almas em grau incalculável, fazendo-as avançar a passos largos pelos caminhos da santidade.

Em realidade, cada uma de nossas comunhões deveria ser mais fervorosa que a anterior, aumentando nossa própria fome e sede. Porque cada nova comunhão aumenta o caudal de nossa graça santificante - a um maior capital, a maiores interesses -, e nos dispõe, em consequência, a receber o Senhor no dia seguinte com um amor, não só igual, senão muito maior que o da véspera. Aqui, como em todo processo de vida espiritual, a alma deve avançar com movimento uniformemente acelerado; algo como uma pedra que cai com maior rapidez à medida que se aproxima do solo.57 4. A AÇÃO DE GRAÇAS

Para o grau de graça que o sacramento por si mesmo (ex opere operato) nos há de aumentar, é mais importante a preparação para receber a eucaristia do que a ação de graças após tê-la recebido. Esse efeito ex opere operato é produzido pelo sacramento somente uma vez no momento mesmo de recebê-lo. Por essa razão, o efeito está diretamente relacionado com as disposições atuais da alma de quem se aproxima da comunhão e não pelas disposições que se possam obter depois.58

De qualquer forma, a ação de graças também é importante, ainda que o aumento da graça não se produza então ex opere operato, mas em virtude das novas disposições de quem comunga (ex opere operantis), podendo se repetir muitas vezes durante a própria ação de graças. Com razão dizia Santa Teresa a suas monjas: "não percais tão boa ocasião de tratar vossos interesses, como é o momento depois da Comunhão".59

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Cristo está presente em nosso coração e nada Ele deseja tanto como encher-nos de bendições.

a) Modo

A melhor maneira de dar graças consiste em identificar-se pelo amor com o próprio Cristo e oferecê-lo ao Pai com todas suas infinitas riquezas, como uma suave oferta pelas quatro finalidades do sacrifício: como adoração, reparação, petição e ação de graças. Falaremos mais amplamente disso ao tratar do sacrifício da Missa e para lá remetemos o leitor.

Deve-se evitar a todo custo o espirito de rotina, que esteriliza a maioria das ações de graças depois da comunhão. São legiões as almas devotas que já têm pré-concebida sua ação de graças - à base de rezas e fórmulas de devocionário - e não ficam tranquilas enquanto não as recitam todas mecanicamente. Nada de contato íntimo com Jesus, de conversação cordial com Ele, de fusão de corações, de petição humilde e afetuosa das graças que necessitamos hoje, que por acaso são completamente distintas daquelas de amanhã. "Eu não sei o que dizer ao Senhor", respondem quando se lhes persuadem a abandonar o devocionário e se entregar a uma conversação amorosa com Cristo. E assim, não tentam sequer sair de seu formalismo rotineiro. Se o amassem de verdade e se esforçassem um pouquinho em ensaiar um diálogo de amizade, silencioso, afetuoso, com seu amantíssimo Coração, logo experimentariam repugnância e náuseas ante as fórmulas do devocionário, compostas e escritas por homens. A voz de Cristo, suave e inconfundível, ressoaria no mais íntimo de sua alma, doutrinando-a no caminho do Céu e estabelecendo nela a paz que "sobrepuja todo o entendimento" (Fl 4, 7).

Outro excelente modo de dar graças depois de comungar é reproduzir em silêncio algumas cenas do Evangelho, imaginando que somos os protagonistas diante de Cristo que está em nós realmente presente como então: "Senhor, aquele que amas está doente" (Jo 11, 3); "Senhor, se queres, tens o poder de purificar-me" (Mt 8, 2); "Raboni, que eu veja" (o cego de Jerico: Mc 10, 51); "Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede" (a samaritana: Jo 5,15); "Senhor, aumenta a nossa fé!" (os apóstolos: Lc 17, 5); "Eu creio Senhor, mas ajuda-me na minha falta de fé" (o pai de um jovem lunático: Mc 4, 15); "Senhor, ensina-nos a orar" (um discípulo: Lc 11,1); "Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta" (o apóstolo Felipe: Jo 14, 8); "A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna" (o apóstolo São Pedro: Jo 6, 68), etc., etc.. Como desfrutará Nosso Senhor vendo a simplicidade, a f é e a humildade dos novos leprosos, cegos, doentes e ignorantes que se aproximam d'Ele com a mesma confiança e amor que seus irmãos do Evangelho! Como seria possível deixar de nos atender, se Ele é o mesmo de então - não mudou de condição - e nós que somos tão miseráveis, ainda mais do que aqueles do Evangelho? Nada comove tanto seu divino Coração como uma alma sedenta de Deus que se humilha reconhecendo suas chagas, suas misérias e implorando pelo remédio para todas elas.

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b) Duração

É conveniente prolongar a ação de graças em pelo menos quinze minutos. É uma espécie de irreverência e indelicadeza para com o divino Hóspede tomar a iniciativa de terminar o quanto antes a visita que se dignou a nos fazer. Não agimos assim com as pessoas do mundo que merecem algum respeito de nossa parte, mas esperamos que elas dêem por terminada a entrevista. Jesus prolonga sua visita à nossa alma todo o tempo que permanecem inalteráveis as espécies sacramentais; e, ainda que não se possa fixar uma regra para isso - depende da força digestiva de cada um - pode-se assinalar uma meia hora como termo médio em uma pessoa normal. Permaneçamos, se nos é possível, todo este tempo aos pés do Mestre ouvindo suas divinas inspirações e recebendo sua influência santificadora. Só em circunstâncias anormais ou extraordinárias - um trabalho ou necessidade urgente, etc. - preferiremos encurtar a ação de graças do que nos privar do bem imenso de uma só comunhão, suplicando então ao Senhor que supra, com sua bondade e misericórdia, o tempo que aquele dia não lhe pudemos dar.

5. A COMUNHÃO ESPIRITUAL

Um grande complemento da comunhão sacramentai que prolonga sua influência e assegura sua eficácia é a chamada "comunhão espiritual". Consiste essencialmente em um ato de fervoroso desejo de receber a eucaristia e dar no Senhor um abraço apertado, como se realmente tivesse acabado de entrar em nosso coração. Essa prática piedosa, bendita e fomentada pela Igreja, é de grande eficácia santificadora e tem a vantagem, ademais, de se poder repetir muitas vezes ao dia (algumas pessoas a associam à oração da Ave-Maria ao dar a hora no relógio). Nunca se exaltará o suficiente essa excelsa prática, mas que se evite cuidadosamente a rotina e a pressa, que poriam tudo a perder.

6. A VISITA AO SANTÍSSIMO

É outra excelente prática que não omitirão um só dia as pessoas desejosas de se santificar. Consiste em passar um tempinho - repetido várias vezes ao dia, se for possível

- Aos pés do Mestre encerrado no Sacrário. Se se pratica uma só vez ao dia, a hora mais oportuna é o entardecer, quando a lampadinha do Santíssimo começa a prevalecer sobre a luz da tarde que se esvai. Nessa hora misteriosa, tudo convida ao recolhimento e ao silêncio, que são excelentes disposições para ouvir a voz do Senhor na mais íntimo da alma. O melhor procedimento para realizar a visita é deixar expandir livremente o coração em fervoroso colóquio com Jesus. Não faz falta ser eloquente e letrado para isso, mas unicamente amar muito ao Senhor e ter n'Ele a confiança de uma criança em seu amantíssimo pai. Os livros - como o excelente de Santo Alfonso de Ligório

- Podem ajudar um pouco a certas almas que se distraem facilmente, mas de nenhum modo poderão suplantar a espontaneidade e o ardor de uma alma que abre

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amplamente seu coração aos eflúvios de amor que emanam de Jesus Cristo sacramentado.

II. A EUCARISTIA COMO SACRIFÍCIO

Até aqui estudamos a Eucaristia como sacramento. Vamos estudá-la agora como sacrifício, que não é outro senão o santo sacrifício da Missa. E vamos estudá-la precisamente como um dos mais importantes e eficazes meios de santificação que pode utilizar o cristão em sua ascensão à santidade.

i. Noções prévias

Recordemos em primeiro lugar algumas noções dogmáticas em torno da santa Missa como sacrifício eucarístico.

1ª : A santa Missa é substancialmente o mesmo sacrifício da cruz, com todo seu valor infinito: a mesma Vítima, a mesma oblação e o mesmo Sacerdote principal. Entre a Missa e o sacrifício do Calvário não há mais do que uma diferença acidental: o modo de se realizar (cruento na cruz, incruento no altar). Assim o declarou a Igreja dogmaticamente no concilio de Trento.60

2º: A santa Missa, como verdadeiro sacrifício que é, realiza propriamente as quatro finalidades do mesmo: adoração, reparação, petição e ação de graças.61

3º: O valor da Missa é, em si mesmo, rigorosamente infinito, como também é o do Calvário que nela se faz presente. Mas seus efeitos, enquanto dependem de nós, se aplicam apenas na medida de nossas disposições interiores.

4º: Cristo faz na santa Missa o triplo ofício de Sacerdote, Vítima e Altar. 2. Fins e efeitos da santa Missa

A santa Missa, como reprodução do sacrifício redentor, tem os mesmos fins e produz os mesmos efeitos que o sacrifício da cruz. São os mesmos fins e efeitos do sacrifício em geral, como ato mais importante da virtude da religião, porém em grau incomparavelmente superior. São os seguintes:

a) Adoração.

O sacrifício da Missa rende a Deus uma adoração absolutamente digna d'Ele, rigorosamente infinita. Esse efeito se produz sempre, infalivelmente, ex opere operato, mesmo que a Missa seja celebrada por um sacerdote indigno e em pecado mortal. A razão é porque o valor latrêutico ou de adoração depende da dignidade infinita do Sacerdote principal que o oferece e do valor da Vítima oferecida.

Recordem da ânsia atormentadora de glorificar a Deus experimentada pelos santos. Com uma só missa poderiam aplacar para sempre sua sede. Com ela damos a Deus toda a glória e toda a honra que se deve a Ele em reconhecimento de sua soberana grandeza e supremo domínio; e isso do modo mais perfeito possível, em grau rigorosamente infinito. Por causa do Sacerdote principal e da Vítima oferecida, uma só Missa glorifica

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mais a Deus do que o glorificam no Céu, por toda a eternidade, todos os anjos, santos e bem-aventurados juntos, incluindo a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus. A razão é muito simples e evidente: a glória que proporcionarão a Deus durante toda a eternidade por todas as criaturas juntas será enorme, mas não infinita, porque não o pode ser: as criaturas não podem produzir nada de infinito. Obviamente, disso não se pode inferir que a Missa, para glorificar a Deus, valha mais do que o Céu, porque no Céu está também o próprio Cristo que agrega o seu valor infinito ao valor finito das criaturas.

A Missa glorifica infinitamente a Deus, tanto como o Céu eterno! Em retorno a essa incomparável glorificação, Deus se inclina amorosamente às suas criaturas. Daí procede o imenso valor de santificação que encerra para nós o santo sacrifício da Missa.

• Consequência. Que tesouro é o da santa Missa! E pensar que muitos cristãos - a

maior parte das pessoas devotas - não se dão conta disso e preferem suas práticas rotineiras de devoção à sua incorporação a este sublime sacrifício, que constitui o ato principal da religião e culto da verdadeira Igreja de Jesus Cristo!

b) Reparação. Depois da adoração, não há outro dever mais prioritário para com o

Criador do que reparar as ofensas recebidas de nós. E também nesse sentido, o valor da santa Missa é absolutamente incomparável, já que com ela oferecemos ao Pai a reparação infinita de Cr.isto com toda sua eficácia redentora.

Durante o dia, está a Terra inundada pelo pecado; a impiedade e a imoralidade não perdoam coisa alguma. Por que não nos castiga Deus? Porque cada dia, cada hora, o Filho de Deus, imolado no altar, aplaca a ira de Seu Pai e desarma seu braço pronto para castigar.

Inumeráveis são as fagulhas produzidas pelas chaminés dos navios; contudo, não causam incêndios, porque caem no mar e são apagadas pela água. Incontáveis são os crimes que diariamente sobem da Terra e clamam vingança ante o trono de Deus; não obstante isso, graças à virtude reconciliadora da Missa, se afogam no mar da misericórdia divina.62 Claro que esse efeito não se aplica a nós em toda sua plenitude infinita (bastaria uma só Missa para reparar, com grande superabundância, todos os pecados do mundo e liberar de suas penas a todas as almas do Purgatório), mas em grau limitado e finito segundo nossas disposições. No entanto:

a) Alcança-nos - por si mesma, ex opere operato se não lhe colocamos obstáculos - a graça atual necessária para nos arrependermos de nossos pecados. Assim ensina expressamente o Concilio de Trento: "Aplacado por esta oblação, o Senhor, concedendo a graça e o dom da penitência, perdoa os crimes e os pecados, por grandes que sejam".63

• Consequência. Nada pode fazer-se mais eficaz para obter de Deus a conversão de um pecador do que oferecer por essa intenção o santo sacrifício da Missa, rogando ao mesmo tempo ao Senhor que retire do coração do pecador os obstáculos para a obtenção infalível dessa graça.

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b) Perdoa sempre, infalivelmente, se não houver obstáculo, ao menos parte da pena temporal a ser paga pelos pecados neste mundo ou no Purgatório. Daí que a santa Missa é o melhor sufrágio que se pode oferecer pelas almas do Purgatório.64 O grau e medida dessa remissão depende de nossas disposições, ao menos em relação aos nossos pecados próprios, porque no que se refere aos pecados alheios depende unicamente da vontade de Deus, ainda que também ajude muito a devoção de quem diz a Missa ou a de quem a encomendou.65

- Consequência. Nenhum sufrágio as almas do Purgatório aproveitam tão eficazmente como a aplicação ao santo sacrifício da Missa. Nenhuma outra penitência sacramentai os confessores podem impor a seus penitentes cujo valor satisfatório possa ser comparado ao de uma só Missa oferecida a Deus. Que doce Purgatório pode ser para a alma a santa Missa!

iii) Petição. Nossas necessidades são imensas em todas as ordens da vida, mas todas elas podem encontrar sua solução ao incorporar nossa indigente petição à oração onipotente de Jesus Cristo "sempre vivo para interceder por nós" (Hb 7, 25). Cristo se oferece na santa Missa ao Pai para obtermos, pelo mérito infinito de sua oblação, todas as graças da vida divina que necessitamos. Ao incorporá-la à santa Missa, nossa oração não somente entra no caudaloso rio de nossas orações litúrgicas - que já lhe daria uma dignidade e eficácia especial ex opere operantis Ecclesiae -, mas também se confunde com a oração infinita de Cristo. O Pai O escuta sempre: "Eu sei que sempre me escutas" (Jo n, 42), e em atenção a Ele está disposto a nos conceder tudo quanto pecamos ou necessitemos.

E tenha-se em conta que o sacrifício da Missa, por ser de eficácia infinita, não se esgota nem diminui, por muitos que sejam os que participem dele a cada vez. O sol ilumina igualmente a uma ou a mil pessoas que se encontram em uma praça. Cada um daqueles que participam de uma Missa recebe por inteiro toda a sua eficácia, tendo por limitação apenas o grau de suas disposições pessoais, sem que a presença dos outros mil participantes lhe roube ou prejudique o mais minimamente: cada um dos participantes se aproveita da Missa inteira, como se só para ele a tivesse celebrado o Sacerdote. Por onde se vê o quão equivocados estão aqueles que exigem do sacerdote que aplique a Missa exclusivamente para eles ou seus próprios defuntos com exclusão egoísta de todos os demais.

• Consequência. Não há novena nem tríduo que se possa comparar à eficácia impetratória de uma só Missa. Quanta ignorância e desorientação entre os fiéis em torno do valor objetivo das coisas! Aquilo que não obtemos com a Missa, jamais obteremos por qualquer outro procedimento. É muito louvável o emprego de outros procedimentos abençoados e aprovados pela Igreja; é inquestionável que Deus conceda muitas graças através deles, mas coloquemos cada coisa em seu devido lugar. A Missa acima de tudo.

iv) Ação de Graças. Os imensos benefícios de ordem natural e sobrenatural recebidos por nós de Deus nos fizeram contrair perante Ele uma dívida infinita de gratidão. A

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eternidade inteira resultaria impotente para saldar essa dívida se não contássemos com outros meios além dos quais por nossa conta pudéssemos lhe oferecer. Mas está à nossa disposição um procedimento para liquidá-la totalmente com infinito saldo a nosso favor: o santo sacrifício da Missa. Por ela oferecemos ao Pai um sacrifício eucarístico, ou de ação de graças, que supera nossa dívida rebaixando-a infinitamente, porque é o próprio Cristo quem se imola por nós e em nosso lugar dá graças a Deus por seus imensos benefícios. E, ao mesmo tempo, é fonte de novas graças, porque o benfeitor gosta de ser correspondido.

Esse efeito eucarístico ou "de ação de graças" - pois esse é o significado da palavra eucaristia - é produzido pela santa Missa por si mesma: sempre, infalivelmente, ex opere operato, independentemente de nossas disposições.

Tais são, em linhas gerais, as riquezas infinitas encerradas na santa Missa. Por isso os santos, iluminados por Deus, a tinham em grande apreço. Era o centro *de sua vida, a fonte de sua espiritualidade, o sol resplandecente ao redor do qual giravam todas suas atividades. O santo Cura d'Ars, São João Maria Vianney, falava com tal fervor e convicção da excelência da santa Missa, que chegou a conseguir que todos seus paroquianos a ouvissem diariamente participando ativamente dela.

Mas para obter de sua celebração ou participação o máximo rendimento santificador, é preciso insistir nas disposições necessárias por parte do sacerdote que a celebra e do simples fiel que a segue em companhia de toda a assembléia.

3. Disposições para o santo sacrifício da Missa

Alguém disse que para celebrar ou participar dignamente em uma só Missa fariam falta três eternidades: uma para se preparar, outra para celebrá-la ou participar dela, e outra para dar graças. Sem chegar a tanto, é certo dizer que toda preparação será pouca por mais diligente e fervorosa que seja.

As principais disposições são de duas classes: externas e internas.

.a) Externas. Para o sacerdote consistirão em perfeito cumprimento das rubricas e cerimônias que a Igreja lhe assinala.66 Para o simples fiel, no respeito, modéstia e atenção com que deve participar ativamente da .cerimônia.

b) Internas. A melhor é identificar-se com Jesus Cristo imolado no altar. Oferecer ao Pai a Jesus e oferecer-se a si mesmo n'Ele, com Ele e por Ele. Esta é a hora de pedir-lhe que nos converta em pão, para ser comido por nossos irmãos com nossa entrega total pela caridade. União íntima com Maria ao pé da Cruz; com São João, o discípulo amado; com o sacerdote celebrante, novo Cristo na terra ("Cristo outra vez", como gostava de dizer uma alma iluminada por Deus). União a todas as Missas que se celebrem no mundo inteiro. Não pecamos nunca nada a Deus sem acrescentar, como preço infinito da graça que anelamos: "Senhor, pelo sangue adorável de Jesus, que neste momento está elevando em seu cálice um sacerdote católico, em algum canto do mundo".

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A santa Missa celebrada ou participada com essas disposições é um instrumento de santificação de primeira categoria, sem dúvida alguma o mais importante de todos. *******************************************************************

56 Jogo de palavras do autor deriva possivelmente do trecho da carta n. 177 escrita por Ir. Elisabete da Trindade: "...siento tanto amor en mi alma, es como un oceano en ei cual me sumerjo, me pierdo; es mi visión de Ia tierra, esperando Ia luz cara a cara" (L. 177). O autor, ao utilizar o termo "trevas" se refere à nossa condição atual sobre a Terra, na qual esperamos as luzes celestiais provenientes da visão beatífica de Deus. Cf. Sor isabel de Ia Trinidad, Obras completas. Trad. Manuel Ordónez Villarroel, Monte Carmelo, Burgos, 2004 - NT.

57 Recorda-nos lindamente Santo Tomás: "O movimento natural (p. ex. o de uma pedra ao cair) é mais acelerado quanto mais se aproxima do término. O contrário ocorre com o movimento violento (p. ex. o de uma pedra lançada para cima). Ora, a graça inclina ao modo da natureza. Logo os que estão em graça, quanto mais se aproximam do fim, tanto mais devem crescer" (In epist. Ad Heb. i, 25).

58 Cf. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica III, 8o, 8, ad 6. 59 Santa Teresa, Camino, 34,10.

60 "Com efeito, uma só e mesma é a Vítima, pois quem agora se oferece pelo

ministério dos sacerdotes é o mesmo que então se ofereceu na cruz; só o modo de oferecer é diferente" (cruento ou incruento) (D 94O/DH 1743).

61 D 948 e 950/DH 1751 e 1753. 62 Arami, Vive tu vida c. 21. 63 D 940/D. H. 1743.

64 D 940 e 95O/DH 1751 e 1753.

65 Cf. Santo Tomás, Suma Teológica, III, 79, 5; Suppl. 71, 9.

66 Na sacristia de uma igreja se lê esta excelente recomendação ao sacerdote que se está revestindo com os ornamentos sacerdotais: "Procura celebrar esta missa como se fora a primeira, a última e a única de tua vida".

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