AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5002281-98.2014.404.0000/RS
RELATOR
: OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA
EMENTA
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO.
EXECUÇÃO
FISCAL.
UTILIZAÇÃO DO SISTEMA DECRED - DECLARAÇÃO DE OPERAÇÕES
COM CARTÃO DE CRÉDITO. VIOLAÇÃO DE SIGILO FISCAL NÃO
CARACTERIZADA
POR
DISPOSIÇÃO
LEGAL
EXPRESSA.
LEI
COMPLEMENTAR 105/01.
1. Segundo o art. 1º, § 3º, VI, c/c 5, § 1º, XIII, da LC 105/01, não
constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações relativas a
operações com cartão de crédito, repassadas pelas instituições financeiras à
administração tributária.
2. O dispositivo foi regulado pelo Decreto 4.489/02, o qual, a seu
turno, foi objeto de disciplina da IN/SFR 341/03. Tais atos infralegais não
desbordaram dos limites traçados pela aludida lei complementar. Não se verifica,
na hipótese, qualquer violação ao disposto no art. 5º, X e XII, da Constituição, ou
ao princípio da proporcionalidade.
3. Tais informações revelam, tão somente, a movimentação
financeira, sem indicar a origem ou natureza dos gastos, na passando, assim, de
informações genéricas, as quais não incluem a forma como tais valores foram
utilizados pelo contribuinte. Logo, inexiste desrespeito ao direito à intimidade ou
quebra do sigilo de dados
4. Agravo de instrumento provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 2a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório,
votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 27 de maio de 2014.
Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União contra
decisão que indeferiu a penhora sobre os futuros repasses a serem efetuados pelas
administradoras de cartões de crédito e débito à empresa executada, com base na
Declaração de Operações com Cartões de Crédito (DECRED), (evento 28 do
processo originário), verbis:
(...) A Declaração de Operações com Cartões de Crédito (DECRED) destina-se essencialmente ao policiamento tributário por parte da Secretaria da Receita Federal, atividade que é realizada sob a reserva do sigilo fiscal. Isso porque as informações fornecidas através da DECRED pelas administradoras de cartão de crédito possibilitam a manipulação de dados sobre a renda e serviços do contribuinte. Portanto, além de se destinarem à apuração de créditos tributários, os dados da DECRED estão protegidos pelo sigilo fiscal. Nesse contexto, a medida aqui postulada pela parte exequente pressupõe o arredamento do sigilo fiscal. Importante notar que 'A quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. É que, se assim não fosse, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada da esfera de intimidade das pessoas, o que daria ao Estado, em desconformidade com os postulados que informam o regime democrático, o poder absoluto de vasculhar, sem quaisquer limitações, registros sigilosos alheios.' (STF, HC 84.758, Rel. Celso de Mello). Com efeito, a requisição de informações protegidas pelo sigilo fiscal para fins de localização de bens penhoráveis somente poderá ocorrer excepcionalmente (STJ, AgRg no Ag 975.349, Min. Castro Meira), dada a relativização da garantia constitucional da inviolabilidade da vida privada. 'Somente em hipóteses extremas está o juiz autorizado a quebrar o sigilo fiscal e buscar, pelas declarações de renda, junto à Receita Federal, bens do devedor para garantir a execução' (STJ, AgRg no Resp 667578, Rel. Luiz Fux).
Importante assentar que 'É ônus da parte exequente a localização de bens do executado para fins de penhora. Somente após esgotados os meios à disposição do credor, para localização de bens do devedor, é que o Judiciário pode interferir para tal fim, sob pena de acarretar afronta ao princípio da imparcialidade' (TRF/4ª R., AG 2008.04.00.017646-0, Rel. Álvaro Eduardo Junqueira). Tudo porque, hoje, o credor fazendário possui diversas alternativas para identificar o patrimônio do seu devedor, para fins de promover a execução fiscal, de forma que descabe a pretensão fazendária de transferir seu ônus processual ao Judiciário.
Além disso, os atos realizados com base no art. 185-A do CTN ou 655-A do CPC são enérgicos o bastante para se atingir o resultado frutífero da execução. Em resultando negativas tais diligências, fica transparente a completa inexistência de bens do devedor. Nessas situações, não se mostra razoável a repetição de outras medidas para a constrição de patrimônio à toda evidência inexistente (TRF da 4ª R., AG 0032971-40.2010.404.0000, Rel. Marcos Roberto Araujo dos Santos), tornando ao credor o ônus de dar impulso frutífero à execução.
Assim, indefiro o pedido veiculado no evento 26.
Mantenham-se os autos suspensos na forma do artigo 40 da LEF.
A agravante (Fazenda) alega que: a) o Sistema DECRED -
Declaração de Operações com Cartão de Crédito mostra-se importante
ferramenta para o aumento das chances de recuperação do crédito público; b) a
mencionada declaração encontra guarida no art. 5º da Lei Complementar n.
105/20011, o qual autoriza o Poder Executivo a disciplinar, inclusive quanto à
periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições
financeiras informarão à administração tributária da União as operações
financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços; c) o dever de sigilo fiscal
por parte das autoridades detentoras de informações (DECRED, no caso) em
razão de seu ofício objetiva resguardar a privacidade e os interesses do cidadão.
Porém a tutela da informação é relativa, a depender do caso concreto e justificado
pela legislação, diante do interesse público em não encobrir crimes ou abusos de
direito em nome do sigilo fiscal; d) o acesso aos dados sigilosos em casos
legalmente previstos e circunstâncias formalmente motivadas não significa a
devassa da privacidade dos contribuintes; e) que é de se notar que, em relação à
informação obtida do Sistema DECRED, acostada aos autos pela Exequente, foi
preservado o sigilo fiscal, na medida em que juntada em 'segredo de justiça',
como permite atualmente o processo eletrônico; e, f) que o pedido de penhora em
comento em nada transfere ônus ao Poder Judiciário quanto à localização de bens
do devedor, não se tratando de aplicação do art. 185-A, do CTN, pois a
Exequente especificou quais as operadoras de cartão de crédito que repassam
valores à Executada, tendo em vista as informações disponibilizadas pelo
Sistema DECRED. Assim, indicou as administradoras REDECARD S/A e
CIELO S.A., e respectivos endereços, para fins de expedição de ofício,
determinando que eventuais créditos da Executada fossem depositados em juízo.
Requer a atribuição de efeito suspensivo.
Restou indeferido o pedido de agregação de efeito suspensivo
(evento 2).
Sem contraminuta, vieram os autos para julgamento
É o relatório.
VOTO
O recurso merece provimento, a fim de que seja autorizada a
penhora sobre os futuros créditos a serem repassados pelas administradoras de
cartão de crédito à empresa executada, não devendo prevalecer a fundamentação
adotada na decisão impugnada, segundo a qual a medida representaria violação
do sigilo fiscal.
Com efeito, a Lei Complementar 105/01 assim dispõe:
Art. 1º. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ 3º Não constitui violação do dever de sigilo:
VI - a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º desta Lei Complementar.
Art. 5º. O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeirasefetuadas pelos usuários de seus serviços.
§ 1º. Consideram-se operações financeiras, para os efeitos deste artigo: (...)
XIII - operações com cartão de crédito; (destaquei)
O dispositivo foi regulado pelo Decreto 4.489/02, o qual, a seu
turno, foi objeto de disciplina da IN/SFR 341/03. Tais atos infralegais não
desbordaram dos limites traçados pela aludida lei complementar.
Não se verifica, na hipótese qualquer violação ao disposto no art.
5º, X e XII, da Constituição, ou ao princípio da proporcionalidade. A medida
encontra lastro, isto sim, no art. 145, § 1º, da CF, segundo o qual a administração
tributária deve dispor de meios tendentes a assegurar a identificação do
patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte, a fim de que
seja alcançado o objetivo de graduar os tributos segundo a capacidade econômica
do contribuinte.
Além disso, nota-se que 'as informações a que a Receita Federal
terá acesso por meio da Decred se restringem ao número do CPF ou CNPJ do
titular do cartão de crédito e o montante mensalmente movimentado, ou seja,
não passam de informações genéricas, não incluindo, por exemplo, a forma
como tais valores foram utilizados pelo contribuinte, não se configurando como
desrespeito ao direito à intimidade ou quebra do sigilo de dados' (TRF4, AG
2003.04.01.038579-5, Segunda Turma, Relator João Surreaux Chagas, DJ
16/06/2004). Peço vênia para reproduzir a ementa do julgado:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CARTÃO DE CRÉDITO. SIGILO. IN/SRF Nº 341/2003. - Não há ilegalidade na Instrução Normativa nº 341/2003, expedida pela Receita Federal, quando institui a Declaração de Operações com Cartões de Crédito - Decred, porquanto o acesso às informações referentes às movimentações efetuadas com a utilização de cartão de crédito pela administração tributária da União já se encontrava prevista no art. 5º da LC nº 105/2001, limitando-se a instrução normativa a regulamentar aquele dispositivo legal. (TRF4, AG 2003.04.01.038579-5, Segunda Turma, Relator João Surreaux Chagas, DJ 16/06/2004)
No mesmo sentido, cito recente decisão proferida pelo E. TRF da 3ª
Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO FISCAL - DIMOF - DECRED - INFORMAÇÕES - LC 105/2001 - SIGILO BANCÁRIO - QUEBRA - INOCORRÊNCIA - RECURSO IMPROVIDO. 1.Preliminarmente, prejudicado o agravo regimental, tendo em vista o julgamento do mérito do agravo de instrumento. 2. No caso em comento, não caracterizada a alegada quebra de sigilo bancário nos autos originários. 3. Apreciando os documentos
juntados, verifica-se que a exeqüente instruiu seu pedido de redirecionamento do feito (fls. 321/333), com consultas às inscrições em Dívida Ativa (fls. 334/344), rol de endereço das requeridas (fl. 345); rol de operadoras de cartão de crédito (fl. 346); consulta ao CNPJ da matriz e filiais (fls. 348 e 350/358); fichas cadastrais da JUCESP (fls. 360/365); resultado negativo de imóveis, perante o DOI (fl. 377); páginas de sítios eletrônicos (fls. 379/387) e cupons fiscais das novas pessoas jurídicas (fls. 389/395). 4. As informações trazidas pelos documentos supra relacionados não são abarcadas pelo sigilo bancário. 5. Quanto à consulta ao DIMOF - Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira e DECRED - Declaração de Operações com Cartão de Crédito (fls. 367/375), cumpre ressaltar que observado o disposto no art. 5º da Lei Complementar nº 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. 6. Infere-se, portanto, da norma legal transcrita, que as informações trazidas à colação não são acobertadas pelo sigilo bancário, mas de sigilo fiscal, tendo sido prestadas pela instituição financeira, por determinação legal, à própria Administração Tributária da União. 7. Tais informações revelam, tão somente, a movimentação financeira, sem indicar a origem ou natureza dos gastos, consoante § 2º do art. 5º da Lei Complementar nº105/2001. 8. A apresentação de informações acerca da movimentação financeira não exige a instauração de processo administrativo ou procedimento fiscal em curso, que serão necessários somente na hipótese de exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras, a teor do art. 6º, da indigita norma complementar ('Art. 6 o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.'). 9. Não há qualquer ilicitude nas consultas apresentadas pela exeqüente. 10.
Agravo regimental prejudicado e agravo de instrumento improvido. (AI
00048661220124030000, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/01/2014)
Considerando o exposto, para fins da penhora sobre os futuros
créditos a serem repassados pelas administradoras de cartão de crédito à empresa
executada, fixo o percentual de 5% (cinco por cento), o qual me parece estar
de acordo com aquele que vem sendo adotado pela Corte, em casos similares, de
penhora sobre faturamento, consoante ilustra o seguinte julgado:
'AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA SOBRE FATURAMENTO. POSSIBILIDADE. 1. Não há evidência a suportar a tese de que a penhora de cinco por cento do faturamento do Instituto Recorrente possa afetar suas atividades de modo grave 2. O percentual de 5% (cinco por cento) tem sido acolhido por este Regional, como ideal para conferir certa efetividade à penhora, ao mesmo tempo em que preserva a atividade empresarial. 3. À míngua de prova de que a recorrente se trate de entidade beneficente, não se vislumbra a alegada impenhorabilidade de verbas 4. Agravo de instrumento desprovido. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5017209-88.2013.404.0000, 2ª TURMA, Des. Federal OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 11/09/2013)'
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de
instrumento, nos termos da fundamentação.