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Aprender música na Igreja Católica: o grupo e o ensaio como espaços comunitários formativos

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Academic year: 2021

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Michelle Arype Girardi Lorenzetti1

Resumo

Este artigo tem como objetivo ressaltar aspectos sobre a aprendizagem musical ocorrida na Igreja a partir de um recorte da dissertação de mestrado “Aprender e ensinar música na Igreja Católica: um estudo de caso em Porto Alegre”. Para realizar esta pesquisa, optou-se pela abordagem qualitativa, realizando um estudo de caso. A partir do levantamento inicial de 240 pessoas envolvidas com música na igreja, foi realizado um questionário online e, após isto, foram realizadas entrevistas com doze pessoas que atuavam como professores e/ou formadores de música. Sobre a aprendizagem musical, identificaram-se diversos processos que não ocorrem fixos nem isolados, mas de maneira dinâmica, estando interligados com a igreja, família, escola e mídias. Para esta comunicação destaca-se a aprendizagem ocorrida em grupo e através de ensaios. A partir das entrevistas foi possível observar que o interesse em aprender música aparece muito vinculado ao ser católico. Aprender música na igreja para os entrevistados não envolve somente aspectos referentes ao instrumento musical, canto, equipamentos, ou seja, as aprendizagens vão além de questões técnico-musicais, envolvendo relações interpessoais e vinculação comunitária. O grupo onde ocorre a experiência musical possui grande importância, e a música pode servir “como instrumento de diálogo interno, diálogo formador de subjetividades”2

, ocorrendo em “um processo que envolve o corpo, a alma e o espírito com todas as suas potencialidades3”. Os ensaios dentro dos grupos e aqueles oferecidos pela Arquidiocese e Regional foram destacados como um espaço para conviver com outras pessoas que atuam com música na igreja e trocar experiências e repertório. O ensaio pode ser visto também como um espaço para compartilhar a fé. Um olhar sobre as aprendizagens musicais feitas no Vicariato de Porto Alegre revela os múltiplos espaços, as diferentes atividades e os modos específicos de aprender música neste ambiente religioso católico. Este trabalho contribui para a reflexão da potência formativa dos processos musicais em grupo que ocorrem na Igreja e no quanto estes grupos comunitários podem ser cada vez mais espaços formativos.

Palavras chave: aprendizagem musical, formação, grupo

1 1. Introdução

Este artigo tem como objetivo ressaltar aspectos sobre a aprendizagem musical ocorrida na Igreja a partir de um recorte da dissertação de mestrado “Aprender e ensinar música na Igreja Católica: um estudo de caso em Porto Alegre”. Este trabalho foi realizado a partir da perspectiva da sociologia da educação musical, com especial foco nas sociologias do cotidiano, considerando a igreja como um dos múltiplos espaços possíveis de se vivenciar a música. Para este artigo foram destacados dados sobre a dimensão comunitária na aprendizagem musical, sendo apresentados tópicos sobre aprender em grupo.

1

Doutoranda em Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Orientadora: Profª Dra. Jusamara Souza.

2

SETTON, M. Reflexões sobre a dimensão social da música. Comunicação e Educação. p. 17.

3

PERETTI, C. Pedagogia da empatia e o diálogo com as ciências humanas em Edith Stein. In: Revista da Abordagem Gestáltica. p. 203.

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1.1 Igreja como espaço de formação musical

O ensino e a aprendizagem de música nas igrejas vêm, cada vez mais, despertando o interesse de pesquisadores. Autores destacam que “[...] a igreja tem sido uma instância de formação musical”4

. Pesquisas têm revelado que um grande número de estudantes de graduação em música teve sua iniciação musical em igrejas e encontram ali seu estímulo para estudar. Estes locais são, muitas vezes, considerados inclusivos por não exigirem pré-requisitos técnicos5, configurando-se assim como locais de interesse para a educação musical. Ao rever a literatura existente sobre música nas igrejas, é possível encontrar grande número de trabalhos que retratam o cenário da música evangélica, especialmente sua relação com a mídia. Observa-se um número crescente de produções que investigam o tema música e igreja, oriundas de diversas áreas de conhecimento, no entanto ainda são poucas as pesquisas sobre a educação musical na Igreja Católica.

2 Metodologia

Para realizar esta pesquisa, optou-se pela abordagem qualitativa, realizando um estudo de caso. A partir do levantamento inicial de 240 pessoas envolvidas com música na igreja no Vicariato de Porto Alegre, foi realizado um questionário online e, após isto, foram realizadas entrevistas com doze pessoas que atuavam como professores e/ou formadores de música.

O questionário possibilitou informações básicas sobre aqueles que atuavam com música, inclusive apontando diferentes funções na forma de atuar na igreja como: cantor, “ensaiador”, organeiro, salmista, instrumentista, regente, entre outros. Foram 85 questionários respondidos. Um dos dados obtidos pelo questionário foi: a Igreja foi apontada por 58% como um dos locais que aprenderam música.

A partir dos questionários foram selecionadas as pessoas que diziam atuar como formadores e/ou professores. Foram verificadas dezenove pessoas, sendo que destas, doze aceitaram participar da pesquisa6. Foram realizadas entrevistas de aproximadamente uma hora e trinta minutos com cada um. Todos eles diziam-se católicos, tendo entre 25 e 58 anos. Foi possível verificar variedade nas suas formações, sendo alguns formados academicamente em música, outros estudantes (graduação e extensão universitária) e ainda alguns com experiências diversas de aprendizagem (escolas de música, aulas particulares...).

4

SANTOS, M.; FIGUEIREDO, T. Anais XII Encontro Anual da ABEM. p. 725

5

TRAVASSOS, E. Horizontes antropológicos.

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3 Aprender música na Igreja

O interesse em aprender música para os entrevistados está muito vinculado ao ser católico. Aprender música na igreja para os entrevistados não envolve somente aspectos referentes ao instrumento musical, canto, equipamentos, ou seja, as aprendizagens vão além de questões técnico-musicais, envolvendo relações interpessoais e vinculação comunitária. Cesar relaciona sua aprendizagem ao fato de estar envolvido com a Igreja: “Então, toda a minha aprendizagem musical foi em função da Igreja. Depois eu também utilizei isso. Na verdade, só em função da Igreja.7” As relações interpessoais são ponto de destaque, e Ricardo comenta: “a Igreja me ensinou muito a valorizar os outros. Ah... procurar dar espaço para outras pessoas. Então, eu sempre gostei muito de convidar, de agregar, de trazer outras pessoas para o trabalho.8”

A pesquisa desvelou maneiras de aprender na igreja, sendo estas: aprender fazendo (aprendizagem ocorrida na própria prática); aprendizagem no grupo; autoaprendizagem; e aprendizagem através de cursos, ensaios e festivais.

3.1 Aprender música no grupo

Os grupos de música na Igreja Católica configuram-se de diversas formas. Eles envolvem, entre outros, pessoas que estão ali como participantes de movimentos eclesiais (grupo de jovens, grupo de casais, etc.); grupos formados a partir de pastorais (exemplo: pastoral litúrgica); grupos que se reúnem com o interesse de tocar e/ou cantar e que acabam participando as atividades musicais da igreja (equipes de música, bandas, ministérios, coros...). Na pesquisa foram citados: Curso de Liderança Juvenil (CLJ), Objetivo Novo De Apostolado (ONDA), Encontro de Jovens com Cristo (EJC), Encontro de Casais com Cristo (ECC). Além desses, os Grupos de Oração da Renovação Carismática Católica, Ministérios de Música, Oficinas de Música oferecidas em paróquias, Coros e o Seminário Menor de Gravataí e o Seminário Maior de Viamão foram outros espaços apontados.

O grupo possui uma grande força, e a música pode servir “como instrumento de diálogo interno, diálogo formador de subjetividades9”, ocorrendo em “um processo que envolve o corpo, a alma e o espírito com todas as suas potencialidades10”. Setton11 explica que a música

7

Entrevista Cesar, 24.06.14, p. 89. In: LORENZETTI, 2015.

8

Entrevista Ricardo, 15.06.14, p. 15. In: LORENZETTI, 2015.

9

SETTON, M. Reflexões sobre a dimensão social da música. Comunicação e Educação. p. 17.

10

PERETTI, C. Pedagogia da empatia e o diálogo com as ciências humanas em Edith Stein. In: Revista da Abordagem Gestáltica. p. 203.

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pode ter a “capacidade de articular o indivíduo a um grupo”, o que é exemplificado por Humberto quando apresenta o grupo como um local que ele pode ser apoiado, no qual os mais antigos no grupo possuíam um papel de transmitir o que já sabiam:

Alguns jovens que já tocavam e cantavam, ensinavam os mais novos, os que queriam aprender. Então comecei aprender violão novamente ali. O grupo me deu muito apoio e dessa vez eu não desisti tão facilmente, então, comecei a me envolver com música na igreja, ali, com aquelas pessoas. [...] Então era com os mais velhos que iam nos dando as dicas e assim foi. Então comecei a tocar tanto na tarde no grupo, como na missa12.

As trocas nos grupos foram ressaltadas por Ricardo, ao dizer que “tocando na Igreja sempre teve essa partilha, essas trocas de experiências.13” Ele mostra a necessidade do diálogo e a importância da troca na vida, da possibilidade de aprender com o outro. Para Marcos, o intercâmbio mais intenso não ocorre tanto pela troca de materiais, mas pelo fazer música junto. Assim como o foi ressaltado por Ricardo, Marcos evidencia como grandes valores: encontrar pessoas, fazer parte de um grupo e poder tocar junto:

Eu acho que o maior intercâmbio musical que tem, não tanto de entregar cifra, partitura, mas é de tocar junto, [...] é tu encontrar pessoas... tu faz parte de um grupo, tem outras pessoas que fazem parte de outro grupo, enfim, estão separadas, mas em alguns momentos a gente se encontra14.

A música também apareceu com um papel muito importante nos grupos de jovens. Ela se faz presente em diversos momentos, em reuniões (que geralmente ocorrem aos sábados), missas, retiros, encontros, palestras, rodas de amigos, atividades de integração. Os grupos de jovens configuram-se como um espaço no qual a música é vivenciada intensamente e os processos de aprendizagem são muito dinâmicos, sendo, em grande parte, transmitidos de jovem para jovem.

Essas questões apontadas sobre a aprendizagem em grupo tornam-se ainda mais relevantes ao destacar que “a prática cristã é essencialmente comunitária: trata-se de cantar junto, o que supõe um escuta mútua exigente.15” Além disso, ao vivenciar isto em comunidade, é necessário que se exercite a escuta mútua para que seja possível cantar, o que gera uma “qualidade nova de relação entre as pessoas16”.

12

Entrevista Teixeira, 11.06.14, p. 1-2. In: LORENZETTI, 2015.

13

Entrevista Ricardo, 15.06.14, p. 15. In: LORENZETTI, 2015.

14

Entrevista Marcos, 23.06.14, p. 84. In: LORENZETTI, 2015.

15

UNIVERSA LAUS II, 2002, n. 2.4.

16

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3.2 Ensaios e festivais

Os ensaios e festivais foram citados como espaços nos quais é feita uma experiência de aprendizagem musical. Eberle (2008)17, em sua dissertação, reflete sobre o papel do ensaio, ao escrever sobre o Grupo de Louvor e Adoração da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). A autora vê o ensaio como um espaço de aprofundamento teológico e de compartilhamento da fé, no qual há “esforço para tentar conciliar as disparidades entre diferentes habilidades musicais e produzir música capaz de acompanhar o canto comunitário18”.

Os Ensaios de Cantos, lembrados pelos entrevistados, eram promovidos pela Arquidiocese e ocorriam, anteriormente, no Centro de Pastoral de Porto Alegre, geralmente sob organização do Setor Dia do Senhor (que organiza o folheto de missa da Arquidiocese)19. Pessoas das diversas paróquias eram convidadas a participar. Compositores de algumas das canções que estavam nos folhetos de missa eram convidados a ensaiarem com o povo. Nesta ocasião, se promoviam ‘trocas’ entre aqueles que atuavam com música.

Ricardo Fa comentou sobre sua participação no Canto Litúrgico Pastoral da CNBB, ensaio que possui um nível regional. Logo que começou a participar ele foi convidado a tocar violão e viu ali uma grande oportunidade de conviver com outras pessoas que atuavam com música na igreja e trocar experiências, além de repertório, também. Marcos teve suas primeiras práticas musicais tocando na missa, já como jovem participante do CLJ. No CLJ do qual ele participava, reuniam-se em torno de 30 violões, numa tarde de encontro. O ensaio era um espaço formativo, no qual ele se preparava para participar da missa.

Os festivais para os grupos de jovens também se mostraram como espaço para vivências musicais. Eles envolviam composição, criação de arranjos, performance no palco e, até mesmo, a experiência como jurado. Ari afirma que o festival FEMUL era um local se estava “criando música mesmo”. Lena também comenta sobre o FEMUL e destaca o ineditismo das músicas, as quais depois circulariam pelas diversas paróquias. Isabel lembra de sua participação como jurada em outro festival de grupo de jovens, o Ruah, do CLJ. Eventos com amostras de músicas já ocorriam no CLJ, mas este festival tinha o intuito de prover músicas

17

EBERLE, S. Ensaio Pra que? – Reflexões iniciais sobre a partilha de saberes: o grupo de louvor e adoração como agente e espaço formador teológico-musical. p. 52.

18

EBERLE, S. Ensaio Pra que? – Reflexões iniciais sobre a partilha de saberes: o grupo de louvor e adoração como agente e espaço formador teológico-musical. p. 52.

19

Estas informações foram obtidas em conversas informais com os entrevistados e com os padres da Arquidiocese de Porto Alegre.

(6)

para a liturgia, de uma forma mais sistematizada. Os festivais configuram-se como um espaço em que muitas aprendizagens ocorrem.

4 Conclusão

Este trabalho traz elementos que auxiliam na reflexão sobre a formação musical em grupo que ocorre na Igreja Católica. Um olhar sobre as aprendizagens musicais feitas no Vicariato de Porto Alegre revela os múltiplos espaços, as diferentes atividades e os modos específicos de aprender e fazer música neste ambiente religioso católico. Os grupos, ensaios e festivais podem ser vistos como espaços nos quais, além da experiência musical, acontece intensamente a vivência comunitária, sendo assim, espaços com grande potencial para formação.

Referências

EBERLE, Soraya Heinrich. Ensaio Pra que? – Reflexões iniciais sobre a partilha de saberes: o grupo de louvor e adoração como agente e espaço formador teológico- musical. São Leopoldo: EST, 2008. 110 p. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós Graduação Teologia, Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, 2008.

LORENZETTI, Michelle Arype Girardi. Aprender e ensinar música na Igreja Católica: um estudo de caso em Proto Alegre R . . f. issertação Mestrado em Música — Instituto de Artes, Programa de Pós- raduação em Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.

PERETTI, Clélia. Pedagogia da empatia e o diálogo com as ciências humanas em Edith Stein. In: Revista da Abordagem Gestáltica - XVI (2): 199-207, jul-dez, 2010.

ANTO , Marcia imão; FI UEIRE O, Theógenes Eugênio. “Ia porque tocava. Tocava porque ia.”– o ambiente de ensino aprendizagem como fator de sentido: depoimento dos que lidam com música eclesiástica. In: XII Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical, 2003. Florianópolis, Anais... Florianópolis: ABEM, 2003, p. 722-728.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. Reflexões sobre a dimensão social da música. Comunicação e Educação. USP. v. 14, p. 15-22, n. 1, 2009.

TRAVASSOS, Elizabeth. Redesenhando as fronteiras do gosto: estudantes de música e diversidade musical. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 5, n. 11, p 119-144, outubro de 1999. UNIVERSA LAUS - Documento II. Da música nas liturgias cristãs. Tradução Vinícius Mariano de

Carvalho. 2002. In: FONSECA, Joaquim. Quem canta? O que cantar na liturgia? São Paulo: Paulus, 2008.

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