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Processo 1862/19.3T8LOU-A.P1 Data do documento 8 de setembro de 2020 Relator Márcia Portela

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Livrança em branco > Aval > Insolvência do subscritor > Plano de insolvência > Moratória de pagamento

SUMÁRIO

I - O avalista não garante o pagamento do crédito emergente da relação fundamental, ele garante o pagamento do crédito cambiário.

II - As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação.

III - As modificações introduzidas pelo plano de insolvência não aproveitam ao avalista, quer digam respeito à existência e montante do crédito, quer aos termos e prazo de pagamento (artigo 217.º, n.º 4, CIRE).

TEXTO INTEGRAL

Apelação n.º 1862/19.3T8LOU-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

Por apenso à execução que lhes move Banco B…, S.A., C…, D…, E… e F…, na qualidade de avalistas dos títulos executivos (livranças) que servem de base à referida execução, deduziram oposição, mediante embargos de executado, alegando a inexigibilidade dívida pela autoridade do caso julgado da homologação do plano de recuperação no âmbito do processo de insolvência da subscritora n.º 72/17.9T8AMT-A.

Contestou a embargada, pugnando pela improcedência dos embargos.

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foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferida decisão final, que julgou os embargos improcedentes.

Inconformada, apelou a embargante D…, apresentando as seguintes conclusões:

A) A sentença recorrida desconsidera a exceção invocada pelos executados no que concerne ao argumento da autoridade do caso julgado, e ao fazê-lo, está ferida de nulidade, nos termos e para os efeitos do art. 615 º, 631º, n º, 631º, 1 al. d) do CPC.

B) A reclamação de créditos decorrente do anterior contrato de mútuo assinado entre o devedor e a exequente, no âmbito do processo de insolvência, encerrado em virtude da assinatura de um acordo de pagamento, com novos prazos e novas prestações, faz extinguir perante os avalistas/executados a alegada dívida que se pretende executar.

C) Pois que não houve, nem há qualquer incumprimento, deste acordo pelo devedor, não existindo, em virtude de não ser exigível, portanto, nenhum título executivo, nos termos e para os efeitos do art. 713 º, 631º, do CPC.

D) A sentença recorrida contradiz-se, pois se entende que não houve novação da dívida, estamos perante um anterior contrato que se encontra a ser cumprido e os fundamentos estão, portanto em contradição ou oposição com a sentença.

E) Ferindo-a, pelo exposto, de nulidade, nos termos e para os efeitos do art. 615 º, 631º, n º, 631º, 1 c) do CPC, devendo o Tribunal ad quem alterá-la por outra que absolva a recorrente do pedido.

F) De facto, na avaliação que o Tribunal a quo faz da matéria de facto, baseia a sua convicção em elementos que não define nem logra demonstrar, apenas se reportando aos argumentos de direito de uma forma geral e desadequada às particulares circunstâncias do caso concreto, extraindo as conclusões que bem entende de argumentos que impunham, seguindo uma lógica de legalidade, uma solução totalmente oposta.

G) Não pode a sentença recorrida, para efeitos de condenação dos terceiros/ avalistas embargantes de boa fé, pugnar pela não novação de uma dívida e, ao mesmo tempo, negar-lhes os efeitos que derivam do cumprimento de uma dívida já existente que está a ser paga pela sociedade devedora.

H) E não pode afirmar o Tribunal que não houve novação da dívida e ao mesmo tempo omitir que a exceção de pagamento alegada pelos executados faz excecionar a característica de imediação, abstração e literalidade do título executivo – o aval – que é trazido a juízo, permitindo com isto que os garante possam alegar qualquer argumento que seria lícito ao devedor alegar.

I) Este raciocínio é totalmente ininteligível para a recorrente, que por isso, entende que a sentença recorrida enferma de nulidade também por isto, nos termos e para os efeitos do art. 615 º, 631º, n º, 631º, 1 c) do CPC.

J) A dívida, objeto da sentença que homologou o plano de pagamentos no processo de insolvência está a ser pontualmente paga, não havendo, portanto a constituição da exigibilidade do título executivo, e isso afasta a acessoriedade das obrigações, fazendo nascer a causalidade das obrigações.

K) Consequentemente, podem os avalistas, invocar na execução que lhes foi instaurada, qualquer argumento que seria legítimo ao devedor invocar.

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L) Como o argumento da autoridade do caso julgado, ou vertente positiva do caso julgado, que constitui uma exceção dilatória elencada no rol do art. 577 º, 631º, do CPC, dando lugar à absolvição da instância, como prescreve o normativo do art. 576 º, 631º, n º, 631º, 2 do CPC.

M) Não entendeu a sentença pronunciar-se acerca do exposto, pelo que inverteu o sentido de justiça e tornou, portanto, a decisão, ininteligível, para a ora recorrente, nos ermos e para os efeitos do art. 615º, 631º, n º, 631º, 1 c) parte final do CPC, decorrendo desta a nulidade da sentença recorrida.

N) Os executados, mormente a ora recorrente, não têm uma posição incompatível com a do devedor, antes pelo contrário, encontram-se do mesmo lado da posição contratual assumida pelo devedor, pois é, como são todos os executados, seus garantes subsidiários, estando por isso em condições de beneficiar da imposição da autoridade do caso julgado.

O) Os garantes podem, portanto, opor em sede de execução, aos credores, os efeitos reflexos que lhe são favoráveis advindos do PR (plano de recuperação), na medida em que estão a invocar efeitos oriundos de um processo que não foram parte e, portanto, se tal não for admitido, violam-se os limites do caso julgado. P) A autoridade de caso julgado não exige a coexistência da tríplice identidade (pedido, causa de pedir e identidade das partes) prevista no artigo 581 º, 631º, do CPC, isto porque a autoridade visa a tutela do prestígio dos tribunais ou a certeza e segurança jurídica das decisões, pelo que mesmo que proferida noutro processo, com outras partes, se vier a dispor em sentido diverso sobre o mesmo objeto da decisão anterior transitada em julgado, abalará a autoridade desta.

Q) Desde já se invocam as normas substantivas que habilitam terceiros a beneficiarem dos efeitos do caso julgado entre credor e devedor, apesar de não terem sido parte num determinado processo, sendo os arts. 635 º e 717 º, n º 2 do CC exemplos disso, já que deixam aberta a possibilidade de terceiros alegarem em seu benefício, os efeitos do caso julgado ocorrido entre devedor e credor de uma obrigação por eles (terceiros garantes) garantida.

R) A sentença de que se recorre deverá, portanto, ser declarada nula, nos termos e para os efeitos do art. 615 º, 631º, n º, 631º, 1 al. b), pois ainda que tenha admitido dado como assente a reclamação de créditos da exequente na insolvência da sociedade devedora, não extraíu dela as devidas e corretas conclusões em relação aos efeitos desta para os executados.

S) Por força da aprovação de um plano que culminou na concessão de prazos mais alargados de cumprimento ao devedor, os mesmos (prazos mais alargados) servem de fundamento, em sede de oposição à execução, à defesa dos garantes reais, uma vez que o legislador lhes permitiu, para além dos meios de defesa que lhe são próprios, também o direito de opor ao credor, os meios de defesa que competem ao devedor garantido, nos termos e para os efeitos do art. 698 º, 631º, e 678 º, 631º, do CC. T) Logo, podem-se discutir os argumentos que o próprio devedor apresentaria.

U) A recorrida usou o título primitivo para demandar os avalistas, e por isso, está a obter o ressarcimento do seu crédito por dois lados, o que não é legítimo, dado que passou a ficar com dois títulos executivos e utiliza-os, configurando esta utilização um enriquecimento sem causa.

V) Mal andou a sentença ao considerar que o facto de o devedor estar a pagar a quantia acordada no âmbito do processo de insolvência, em nada obsta à interpelação dos avalistas no cumprimento da mesma obrigação: é que o objeto do contrato é o mesmo: o contrato de mútuo assinado pelo devedor e avalizado

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pelos garantes.

W) Ainda que não haja identidade de sujeitos e de pedido, há identidade da causa de pedir, dado que a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, que neste caso é o contrato de mútuo assinado e cujo montante foi reclamado em instância de insolvência, em cujo processo foi obtido um acordo de pagamento dessas mesmas quantias.

X) Plano esse em que foi alterado o plano de cumprimento da obrigação primitiva, cujo cumprimento foi reclamado no processo de insolvência do devedor, sendo que essa modificação aproveita aos terceiros garantes, na medida dessa modificação, pois a dívida só é exigível (aos avalistas) quando estiver vencida, e não está.

Y) Por causa superveniente conexa com a modificação da obrigação, esta tornou-se inexigível, por ainda não ter decorrido o seu prazo de cumprimento, nos termos e para os efeitos do art. 729 º, 631º, al.s a) e e) do CPC, passando a existir fundamento válido de oposição à execução.

Z) Não pode ter aplicação neste caso concreto, ante os motivos invocados, sob pena de abuso de direto, o preceituado no disposto no art. 217 º, 631º, n º, 631º, 4 do CIRE, dado que temos como obrigação o mesmo facto constitutivo que baseou o acordo realizado entre exequente e devedor.

Contra-alegou a embargada, assim concluindo: I- A Douta sentença, não padece de qualquer nulidade

II- A Recorrente baseia toda a sua contestação e Recurso em oponibilidade de matéria que só pode prevalecer nas relações imediatas entre avalizado e credor.

III- As denominadas relações mediatas, impossibilitam a faculdade de suscitar a oposição à execução, quaisquer excepções fundadas sob as relações pessoais com o avalizado, cfr. Art.º 17º da LULL

IV- Assim, a aprovação de um plano de insolvência, com moratória para pagamento da divida de que beneficia a sociedade subscritora da livrança, não é invocável pelos avalistas contra quem é instaurada a execução para seu pagamento.

V- No aval vigora o princípio da autonomia: a obrigação do avalista é diferente e independente da obrigação do avalizado, podendo o credor, independentemente de acordos com o avalizado, mante definido o contrato inicial.

VI- Pelo que a homologação do plano de recuperação não determinou a extinção por novação, da obrigação do avalista.

VII- A obrigação que impende sobre os credores enquadrados no plano de recuperação, de não acionarem o insolvente, não os vincula sobre os outros devedores, nomeadamente, sobre os terceiros garantes

VIII- Não há qualquer abuso de direito do credor a ser apreciado, conforme se pode constatar dos autos, uma vez que toda a sua actuação está em conformidade com o legalmente, estabelecido.

Termos em e, nos melhores de Direto deve o presente recurso ser improcedente, mantendo a decisão ora recorrida, fazendo V.Exas., como sempre SÃ E BOA JUSTIÇA

2. Fundamentos de facto

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1. O Banco B…, S.A., apresentou à execução três livranças juntas com o requerimento executivo e que aqui se dão por integralmente por reproduzidas, todas vencidas em 15.02.2019, e a saber:

a) livrança da importância de € 53.563,68, emitida em 07.02.2019;

b), livrança da importância de € 13.271,86, emitida igualmente em 07.02.2019; c) livrança da importância de € 9.047,24 emitida em 07.02.2019.

E ainda uma livrança no valor de € 6.250,00, emitida em 15.11.2016 e com vencimento em 07.12.2016 e uma livrança no valor de € 10.800,00, emitida em 18.11.2016 e com vencimento em 16.12.2016, juntas como doc. 12, 26, 42, 43 e 44, que aqui se dão por reproduzidos.

2. As livranças estão subscritas pela sociedade G…, Ld.ª, e avalizadas pelos executados C…, D…, E… e F…, os quais apuseram igualmente as suas correspectivas assinaturas no verso das referidas livranças e a seguir à expressão, por eles manuscrita, de "Dou o meu aval à firma subscritora".

3. Na data de vencimento de tais livranças, e reclamado o seu pagamento à sua subscritora e respectivos avalistas, não vieram aquelas a ser pagas por qualquer deles.

4. A sociedade subscritora G… celebrou com o exequente um contrato de mútuo e dois contratos de abertura de crédito e cinco alterações juntos como docs. N.ºs 14, 15, 27, 28, 29, 30 e 31, que aqui se dão por integralmente por reproduzidos.

5. A sociedade subscritora G… foi declarada insolvente no Processo de Insolvência n.º 72/17.9T8AMT-A e aí foi elaborado e aprovado um plano recuperação junto a fls. 23 a 43 dos autos homologado por sentença de 25.06.2018 junta a fls. 44 e 45 destes autos.

6. Os executados assinaram os doc. “AUTORIZAÇÃO PARA PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA” juntos aos autos referente a cada um dos os contratos.

7. A exequente remeteu aos executados as notificações juntas como doc.s n.ºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41.

3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se na seguintes questões:

— nulidade da sentença recorrida por não ter apreciado a questão da autoridade do caso julgado e inexigibilidade do título;

— nulidade da sentença recorrida por contradição entre os fundamentos e a decisão; — caracterização co caso concreto;

— se modificações introduzidas pelo plano de insolvência na obrigação garantida aproveitam ao avalista (artigo 217.º, n.º 4, CIRE).

— se o credor que votou favoravelmente o plano de insolvência que contempla uma moratória incorre abuso do direito ao demandar imediatamente o avalista;

— duplicação do pagamento.

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julgado e inexigibilidade do título

Sustenta a apelante que a sentença recorrida incorre em nulidade por desconsiderar a invocada autoridade do caso julgado, o que a prejudica pois influi para a não verificação do incumprimento da obrigação principal e consequente ilegitimidade do accionamento da garantia, o que conduziria à necessária absolvição dos executados.

Afirma que a reclamação de créditos decorrente do anterior contrato de mútuo assinado entre o devedor e a exequente, no âmbito do processo de insolvência, encerrado em virtude da assinatura de um acordo de pagamento, com novos prazos e novas prestações, faz extinguir perante os avalistas/executados a alegada dívida que se pretende executar em virtude de não ser exigível, pois que não havendo qualquer incumprimento deste acordo pelo devedor, não existe título executivo, nos termos e para os efeitos do artigo 713.º CPC.

Apreciando:

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, ex vi n.º 1 do artigo 666.º do mesmo diploma) a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Este artigo tem de ser equacionado com o artigo 608.º, n.º 2, CPC, 1ª parte, CPC, que impõe que o juiz resolva todas as questões que as partes tenham posto à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Por «questões» entende-se «os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpre [ao juiz] conhecer (art.660-2)» (Lebre de Freitas, Montalvão Machado, e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2ª edição, pg. 704). Nas palavras do acórdão do STJ, de 2005.01.13, Oliveira Barros, www.dgsi.pt.jstj, proc. 04B4251,

«… a omissão de pronúncia prevenida no art. 668º, nº 1º, al. d) [actual artigo 615.º, n.º 1, alínea d)], diz respeito às questões a que alude o nº 2 do art. 660º [actual artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte]

Trata-se aí do dever de conhecer por forma completa do objecto do processo.

Definido este pelo(s) pedido(s) deduzido(s) e respectiva(s) causa(s) de pedir, terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, reconvenção -, e todos os factos em que assentam.

Bem assim deverão ser apreciados os pressupostos processuais desse conhecimento - sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia das partes. Como tudo melhor elucidado, com menção da pertinente doutrina, em Ac.STJ de 11/1/2000, BMJ 493/387-7».

A questão da autoridade do caso julgado formado pela sentença de homologação do plano de insolvência e o seu reflexo nos contornos da obrigação do avalista é decisiva para a pretensão da embargante.

No caso vertente, porém, o Tribunal pronunciou-se sobre essa questão, respondendo negativamente, não se podendo confundir discordância da sentença com nulidade.

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Subsumindo ao caso sub judice, constata-se que vieram os avalistas alegar razões para a extinção ou inexigibilidade da obrigação de que são garantes como seja a autoridade do caso julgado da sentença homologatória do plano de insolvência e assim o seu preenchimento abusivo pois o plano estará a ser cumprido.

A embargante não intervindo no contrato subjacente não pode invocar o preenchimento abusivo dado o plano de relações mediatas. (no mesmo sentido Ac. Do TRP de 09.01.2017 Proc. 2666/13.2T2AGD-A.P1) Na verdade, cabe ao subscritor (ou ao avalista, consoante o papel cambiário de que se reveste na dita livrança e desde que intervenha no pacto de preenchimento, o que não sucede in casu) da livrança o ónus da prova dos factos respeitantes ao seu preenchimento abusivo.

Por outro lado, no caso dos autos, o aqui opoente, enquanto avalista da livrança dada á execução, encontra-se, face á exequente, em sede das denominadas relações mediatas, o que lhe impossibilita a faculdade de suscitar, em oposição á execução, quaisquer excepções fundadas sobre as relações pessoais com o avalizado – cfr. art. 17º, da L.U.L.L. -, com excepção do pagamento e da falsidade da sua assinatura, as quais, no caso dos autos, não foram suscitadas (falsidade) e pagamento.

Estas relações para os avalistas aqui executados estão num plano de relações mediatas pois nelas não intervieram.

Daqui resulta que nesta parte da causa de pedir não poderá a embargante invocar tais fundamentos de extinção da obrigação ou inexigibilidade.

Pelo exposto improcede a excepção invocada. Não se verifica, pois, a arguida nulidade.

3.2. Da nulidade da sentença recorrida por contradição entre os fundamentos e a decisão Entende a apelante que a sentença recorrida é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), CPC, por se contradizer, ao entender que a homologação do plano de insolvência não implicou novação da dívida, mas negar os efeitos que derivam do cumprimento de uma dívida já existente e que está a ser paga pela sociedade devedora ao abrigo do plano de pagamento.

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), CPC, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Nas palavras de Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. V, pg. 141 o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.

E como alerta Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8ª ed., pg. 54, a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica, nem tão-pouco a uma errada interpretação dela, situações que se configuram como erros de julgamento.

Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Anotado, Almedina, vol. II, 3.ª edição, pg. 736-7:

Entre os fundamentos da decisão não pode haver contradição lógica: se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a

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tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro de subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b).

Por outro lado, a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, que antes constituía fundamento de esclarecimento da sentença (artigo 669.º, n.º 1, CPC pregresso), ganhou espaço no elenco das nulidades da sentença.

Segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit.,

No regime actual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar. Sendo assim, se o vício não for corrigido, a sentença não poderá aproveitar-se, sendo nula, nos termos dos art. 280-1 CC e 295 CC.

Face às considerações que antecedem, imperioso é concluir que a sentença não padece de qualquer vício susceptível de ser reconduzido à nulidade prevista na alínea c) do n.º 1, do artigo 615.º CPC.

Com efeito, escreveu-se na sentença recorrida:

Da Novação da obrigação e formação de um novo titulo executivo

Os executados invocam que com a aprovação e homologação do plano nasce uma nova dívida suportada num novo título, com novos valores e prazos. Que o título que contratualiza e serve de base a dívida desaparece passando a existir outro título, o plano de insolvência homologado por sentença. Em caso de incumprimento do plano de insolvência o caminho será o de qualquer credor requerer a sua insolvência e que o Titulo executivo sempre será a sentença homologatória do plano e não os contratos juntos com o req. executivo.

Com efeito aos executados poderia assistir razão, mas estes teriam de demonstrar que no plano de insolvência estava prevista uma clausula de irreversibilidade-artº 218 nº 1 do CIRE à contrário, ou seja, salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito, o que não fazem pis do plano de insolvência junto aos autos a fls. 23 a 44 não descortinamos qualquer clausula de irreversibilidade.

Cremos que ocorria novação apenas no casos de existir cláusula de irreversibilidade da moratória e do perdão concedido pelo plano. Neste caso existe uma verdadeira novação e os credores apenas poderão exigir do devedor o valor do crédito previsto liquidar pelo plano com o perdão dada a sua irreversibilidade. Assim, caso exista uma verdadeira novação só pelo meio previsto no artº 233 nº 1 al. C) CIRE, com o novo

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titulo executivo constituído pela sentença homologatório e o plano com a sua irreversibilidade poderão os credores intentar uma nova acção executiva contra o devedor subscritor e insolvente.

No caso de inexistir cláusula de irreversibilidade do perdão e da moratória, como é o caso dos autos, os credores poderão renovar as instâncias executivas verificado os pressupostos do artº 218 nº 1 al. a) ou b) do CIRE, ou então instaurar execução contra o subscritor dando à execução o titulo executivo constituído pelos contratos celebrados entre o subscritor insolvente e o Embargado.

Coisa diferente sucede todavia com ao avalistas e garantes das obrigações do insolvente.

Dispõe o artº 217 nº 4 do CIRE que “As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos.

A norma do nº 4 do art. 217º do CIRE é aplicável, com as necessárias adaptações, por interpretação extensiva, ao plano de recuperação. CFr Ac. Do TRP de 16.09.2014 in Proc. 1527/13.0TBVNG-A.P1 (DGSI). Aí se escreveu que o plano de recuperação contém um conjunto de medidas que se aplicam apenas à sociedade a revitalizar, vinculando-a a ela e aos respectivos credores, mesmo os que não participaram nas negociações; mas não produz efeitos (não vincula) relativamente a terceiros, sejam estes condevedores ou garantes, designadamente avalistas.

A norma do nº 4 do art. 217º do CIRE é aplicável, com as necessárias adaptações, por interpretação extensiva, ao plano de recuperação.

A homologação do plano de recuperação aprovado não determina a extinção, por novação, da obrigação do avalista/fiador perante o credor da sociedade devedor.

Como também se escreveu no Ac. do TRP de 07.10.2014 Proc. 3803/13.2TBGDM-A.P1 No âmbito de um plano de revitalização um dado credor age em função do modo como encara a possibilidade do devedor poder recuperar da situação de dificuldade económica em que se encontra; em nada se repercute na votação desse as garantias conferidas por eventuais avalistas relativamente aos créditos em discussão, cuja autonomia surge sempre como salvaguardada. (sublinhado nosso).

Assim, dada a qualidade de avalistas dos executados, inexiste razão para a requerida extinção da execução.

Pelo exposto, improcede a excepção invocada.

Do exposto resulta que as considerações acerca da novação reportam-se à obrigação do devedor principal (o insolvente) e não à obrigação do avalista, obrigações que não têm a mesma natureza, como veremos adiante.

À obrigação do avalista aplicou o Tribunal — bem, como veremos — o disposto no artigo 217.º, n.º 4, CIRE, que consagra a insensibilidade da obrigação do avalista às alterações introduzidas pelo plano de insolvência nas obrigações do devedor.

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3.3. Caracterização do caso concreto

As relações fundamentais subjacentes à emissão das livranças dadas à execução, subscritas, designadamente, pela apelante, emergem da celebração de contratos de mútuo e de abertura de crédito, entre a embargada e a insolvente, a que os avalistas são alheios.

A devedora foi declarada insolvente e elaborado um plano de insolvência, que manteve os créditos na íntegra, mas introduziu uma moratória por forma a que esse crédito só fosse total ente recuperado ao fim de 10 anos, sem prejuízo dos juros reconhecidos.

O credor preencheu a livrança em branco, avalizada pela apelante e subscrita pela devedora, exigindo imediatamente a dívida, através da execução de que os embargos constituem apenso.

O aval, segundo o artigo 30.º, o aval é o acto pelo qual alguém garante o pagamento da letra (ou livrança, ex vi artigo 77.º do mesmo diploma) por parte de um dos seus subscritores.

E de acordo com o artigo 32.º, § 1.º, LULL, ex vi artigo 77.º do mesmo diploma,

O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

Assim, apenas a nulidade por vício de forma é susceptível de invalidar o aval, admitindo ainda a doutrina e jurisprudência que o avalista invoque o pagamento do título avalizado.

Fora destas situações excepcionais, mantém-se a garantia, sendo irrelevante para os contornos da responsabilidade do avalista qualquer situação que ponha em causa ou altere a fisionomia da obrigação fundamental.

A relação fundamental e a relação cambiária mantém-se autónomas, independentes, não se comunicando as vicissitudes da primeira à segunda. A dependência do aval relativamente à obrigação fundamental é meramente formal por a lei reportar o aval a uma obrigação formalmente existente.

Daqui resulta claramente que o aval, facilitando a circulação do título de crédito e potenciando a confiança, garante o pagamento do crédito cambiário, e não do crédito emergente da relação fundamental.

Por isso se afirma que o avalista não garante que o avalizado pagará a dívida emergente da relação fundamental; ele responde perante o credor cambiário pelo pagamento da obrigação cambiária incorporada no título emancipado da obrigação fundamental.

O aval convoca duas obrigações distintas, encabeçadas por sujeitos distintos: a obrigação emergente da relação fundamental e a obrigação cartular.

Como corolário do princípio da autonomia, a obrigação cartular mantém-se imune às vicissitudes da relação fundamental, podendo sempre o credor cambiário intentar acção contra o avalista e outros obrigados cambiários, nos termos ao artigo 47.º LULL, ex vi artigo 77.º.

Sendo alheio à relação fundamental que se estabeleceu entre o subscritor da livrança (o insolvente) e a embargada, e destacando-se o aval daquela relação, o avalista, em regra, não se pode prevalecer dos meios de defesa que assistem ao devedor.

A isto se opõe o regime estabelecido no artigo 17.º LULL:

As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao

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adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.

Segundo Carolina Cunha, Letras e Livranças - Paradigma Actual e Recompreensão de um regime, Almedina, pg. 244-5,

O núcleo da explicação para a inoponibilidade das vicissitudes próprias dessa relação extra-cartular ou subjacente a um credor cambiário que nela não interveio parece ancorado no princípio res inter alios acta. A ideia de que um terceiro não deve ser prejudicado nem beneficiado por contingências de vínculos obrigacionais em que não tomou parte emerge como transversal a todos os ordenamentos que perscrutámos, sem embargo das diferentes construções dogmáticas em que vem a ser embutida. E a conveniência do resultado obtido com a aplicação da regra res inter alios acta é reforçada com o apelo, igualmente transversal, da necessidade de promover a circulação dos títulos torando segura a posição creditória de quem os adquire. (cfr. ainda pgs. 485 e ss.).

Como se escreveu no AUJ 4/2013 (acórdão do STJ, de 11.12.2012, Gabriel Catarino, www.dgsi.ptjstj proc. n.º 5903/09.4TVLSB.L1.S1,

Do que ficou dito supra, o avalista não se obriga perante o avalizado mas sim perante o titular da letra ou da livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo, como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. A circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra. A circunstância de a relação subjacente se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária. A relação cambiária constituída permanece independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal. Os efeitos da obrigação cartular assumida pelo avalista destacam-se da obrigação subjacente (…).

Analisado o regime do aval, importa apreciar a resposta do CIRE a esta questão.

3.4. Se as modificações introduzidas pelo plano de insolvência na obrigação garantida aproveitam ao avalista (artigo 217.º, n.º 4, CIRE)

Nos termos do artigo 217.º, n.º 4, CIRE, e no segmento que aqui releva, As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação (…). Segundo Carolina Cunha, Aval e insolvência, Almedina, pg. 113, é neste artigo que se ancora a intangibilidade dos créditos sobre os avalistas, e não tanto os argumentos baseados na autonomia e abstração do da obrigação cambiária do avalista atento o regime estabelecido no artigo 10.º LULL, ex vi artigo 77.º, para a livrança em branco (cfr. pgs. 22 e ss.).

E a verdade é que o regime estabelecido no artigo 217.º, n.º 4, CIRE, não se aplica apenas às garantias cambiárias, mas a todas as garantias pessoais, em que é nítido o contraste entre o crédito modificado pelo plano de insolvência e o crédito que pode ser exigido aos garantes.

Cingindo-se o preceito em análise à existência e montante do crédito, suscita-se a questão de saber se é igualmente aplicável quando o plano de insolvência deixa o crédito incólume, alterando apenas as

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condições de pagamento.

É, aliás, o que sucede no caso vertente, conforme resulta do plano de insolvência, a fls. 33 v.º-34, oportunamente homologado por sentença: ficou contemplado o pagamento integral da dívida, acrescida dos juros aí estabelecidos, introduzindo-se, contudo, um período de carência de um ano, e escalonando o pagamento da dívida em nova anos (5% em 12 prestações mensais, vencendo-se a 1.ª no dia 30 do 13.º mês após o trânsito em julgado da sentença homologatória, e os restantes 95% em 96 prestações mensais, vencendo-se a 1.ª no dia 30 do 25.º mês após o trânsito em julgado da sentença homologatória) — facto considerado ao abrigo do artigo 607.º, n.º 4, ex vi artigo 663.º, n.º 1, CPC..

Doutrina e jurisprudência têm-se debruçado sobre esta questão no âmbito do PER, respondendo maioritariamente que a consagração de dilação dos prazos de pagamento dos créditos sobre o devedor no plano de revitalização não interfere com o poder de o credor exigir o cumprimento da obrigação assumida através do aval.

Sobre as duas teses que se desenvolveram a este propósito veja-se o acórdão da Relação do Porto, de 07.10.2014, subscrito pelo aqui 1.º Adjunto, www.dgsi.ptjtrp proc. n.º 3803/13.2TBGDM-A.P1.

Também no âmbito do processo de insolvência, para o qual este artigo foi gizado (a introdução do PER ocorre posteriormente), a doutrina e jurisprudência não são unânimes quanto a saber se as simples moratórias estão abrangidas pelo preceito.

A resposta negativa a esta questão levaria à procedência dos embargos.

No entanto, não se afigura ser essa a melhor solução, que escassos apoios obteve na doutrina e na jurisprudência (Carvalho Fernandes e João Labareda, Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2.ª edição, pg. 839 referem Catarina Serra, Nótulas sobre o artigo 217.º, n.º 4, CIRE (o direito de o credor agir contra o avalista no contexto do plano de insolvência, in Estudos Dedicados ao Professor Doutor Luís A. Carvalho Fernandes, vol. I, pgs. 376 e ss., e acórdão das Relação de Guimarães, de 24.04.2012, proc. 1248/10.5TBBCL-A.G2).

Com efeito, não se encontram razões ponderosas que justifiquem a distinção, tanto mais que a dilação do pagamento por um período demasiado alargado pode corresponder, do ponto de vista material, a uma redução mais ou menos substancial do crédito.

Por essa razão entendemos ser adequada uma interpretação extensiva do preceito, por forma a abranger não apenas a existência e montante do crédito, mas também os termos e prazo de pagamento.

Podemos, assim, concluir que as modificações introduzidas pelo plano de insolvência não aproveitam ao avalista por força do disposto no artigo 217.º, n.º 4, CIRE, quer digam respeito à existência e montante do crédito, quer aos termos e prazo de pagamento.

Assim, ao avalista está vedado invocar a moratória do plano de insolvência, meio de defesa exclusivo da subscritora da livrança.

Por força deste regime, não é possível falar-se em autoridade do caso julgado do plano de insolvência homologado por sentença — o plano de insolvência não atinge o crédito dos garantes.

Aliás, como refere Carolina Cunha, op. cit., pg. 131, o principal risco que a garantia pessoal pretende cobrir é, precisamente, o risco de insolvência do devedor garantido, e não seria curial que, verificado o risco, o credor fosse impedido de acionar a garantia.

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Nem se diga que a obrigação fundamental se encontra a ser cumprida nos termos do plano de insolvência, e que, nessa conformidade, o credor estaria impedido de preencher a livrança.

Com efeito, funciona aqui o princípio da inoponibilidade do plano de insolvência aos garantes.

Nas palavras de Carolina Cunha, op. cit., pg. 131, … verificado o incumprimento da obrigação fundamental garantia pelo título em branco, e sem embargo de estar pendente um processo de insolvência contra o devedor garantido, o credor pode preencher a letra ou livrança pelo valor da dívida.

E a fls. 136:

Assim, à partida, e na ausência de especial modelação das partes (credor, avalista e avalizado) vertida no acordo de preenchimento, responder pelo risco da insolvência significa responder nos termos (que serão per relationem vertidos no título) do incumprimento da relação fundamental aquando da verificação da insolvência do devedor principal. Significa, portanto, responder pela totalidade do valor da dívida, sem reduções, alterações ou moratórias. É, aliás, com isso que o avalista em branco pode contar desde o início — desde o momento em que subscreve o título e acordo de preenchimento.

Pelo exposto, acompanhamos o acórdão do STJ, de 26.02.2013, Azevedo Ramos, www.dgsi.ptjstj proc. n.º 597/11.TBSSB-A.L1.S1:

Na verdade, o plano de insolvência é constituído por um conjunto de medidas que só se aplicam à sociedade insolvente.

Ao votar a favor de tal plano, o credor fá-lo apenas por se tratar de medidas aplicáveis a uma sociedade que está numa particular situação de impossibilidade de cumprir as suas obrigações para com os credores. Não seria razoável que o credor ficasse inibido de accionar os respectivos avalistas, que não são insolventes, nem se encontram impossibilitados de cumprir as obrigações que livremente assumiram, face à autonomia da obrigação do aval que prestaram.

Com efeito, o credor do insolvente, ao votar favoravelmente um plano de insolvência, fá-lo apenas em relação ao insolvente.

Os garantes estão fora do âmbito da insolvência e do que nesta se delibera.

3.5. Se o credor que votou favoravelmente o plano de insolvência que contempla uma moratória pode demandar imediatamente o avalista sem incorrer em abuso do direito

Na óptica da apelante, o credor que aprovasse a moratória incorreria em venire contra factum proprium. Não lhe assiste razão.

Para além de não estar demonstrada uma situação de confiança por parte do devedor susceptível de desencadear a aplicação do instituto do abuso do direito, esta situação foi querida pelo legislador, como forma de encorajar os credores a aprovarem o plano, uma vez que o seu direito contra os garantes não sofre compressão.

Isto se torna particularmente evidente se confrontarmos o regime estabelecido no artigo 217.º, n.º 4, CIRE, com o seu antecessor, alvo de inúmeras críticas a que o legislador foi sensível — o artigo 63.º CEPEREF. De acordo com este normativo, sob a epígrafe Manutenção dos direitos dos credores contra terceiros, As providências de recuperação a que se refere o artigo anterior não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os coobrigados ou os terceiros garantes da obrigação, salvo se os titulares

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dos créditos tiverem aceitado ou aprovado as providências tomadas e, neste caso, na medida da extinção ou modificação dos respectivos créditos.

Foi, pois, intenção do legislador salvaguardar a integridade dos créditos garantidos.

E o garante é chamado a cumprir o compromisso que assumiu — nem mais nem menos — de nada podendo reclamar.

O credor que votou favoravelmente a moratória pode, pois, nos termos da lei, demandar imediatamente o avalista sem incorrer em abuso de direito.

3.6. Da duplicação de pagamentos

Diz a apelante que a apelada usou o título primitivo para demandar os avalistas, e por isso, está a obter o ressarcimento do seu crédito por dois lados, o que não é legítimo, configurando esta utilização um enriquecimento sem causa.

Entende que a circunstância de o devedor estar a pagar a quantia acordada no âmbito do processo de insolvência obsta à interpelação dos avalistas no cumprimento da mesma obrigação: é que o objeto do contrato é o mesmo: o contrato de mútuo assinado pelo devedor e avalizado pelos garantes.

E que, ainda que não haja identidade de sujeitos e de pedido, há identidade da causa de pedir, dado que a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, que neste caso é o contrato de mútuo assinado e cujo montante foi reclamado em instância de insolvência, em cujo processo foi obtido um acordo de pagamento dessas mesmas quantias.

Apreciando:

Contrariamente ao que afirma a apelante, o credor não está a receber o pagamento do mesmo crédito por duas vias distintas, nem poderia, pois o credor apenas pode receber o que lhe é devido.

O credor é titular de dois créditos de satisfação alternativa: o crédito emergente da relação fundamental e o crédito cambiário, impedindo as regras gerais que o credor receba do conjunto dos co-devedores mais do que aquilo que lhe é devido.

Caso isso suceda, o credor incorre em responsabilidade civil, para além de ser obrigado a restituir aquilo que recebeu indevidamente (cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2.ª edição, pg. 698, nota 11, e Carolina Cunha, op. cit., pg. 88).

Trata-se, porém, de um problema que se coloca a jusante, que não cabe aqui resolver.

Recorda-se apenas que o princípio da cooperação e da boa fé imporão que o credor que receba na execução dê conhecimento na insolvência e vice-versa; o mesmo se dirá relativamente ao garante que paga, que terá todo o interesse em fornecer tal indicação para evitar a duplicação. E o próprio Administrador da insolvência, que tem conhecimento da existência da existência da garantia, por força da reclamação de créditos, não deixará de tomar as devidas cautelas no sentido de se informar se o credor obteve m e em que medida, pagamento na execução singular.

Se estes mecanismos falharem resta a responsabilidade civil do credor e a restituição do indevido através do acionamento do instituto do enriquecimento sem causa.

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Improcede, pois, a apelação.

4. Decisão

Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida. Custas pela apelante (artigo 527.º CPC.

Porto, 8 de Setembro de 2020 Márcia Portela

José Igreja Matos Rui Moreira

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