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Open Um estalo nas faculdades de direito: perspectivas ideológicas da Assessoria Jurídica Unisitária Popular.

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

UM ESTALO NAS FACULDADES DE DIREITO:

perspectivas ideológicas da Assessoria Jurídica Universitária Popular.

Ana Lia Vanderlei de Almeida

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

UM ESTALO NAS FACULDADES DE DIREITO: perspectivas ideológicas da Assessoria Jurídica Universitária Popular.

Ana Lia Vanderlei de Almeida

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutora em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Renata Ribeiro Rolim

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A447u Almeida, Ana Lia Vanderlei de.

Um estalo nas faculdades de direito: perspectivas

ideológicas da Assessoria Jurídica Universitária Popular / Ana Lia Vanderlei de Almeida.- João Pessoa, 2015.

340f. : il.

Orientadora: Renata Ribeiro Rolim Tese (Doutorado) - UFPB/CCJ

1. Direito. 2. Ideologia. 3. Assessoria Jurídica Popular. 4. Educação jurídica.

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ANA LIA VANDERLEI DE ALMEIDA

UM ESTALO NAS FACULDADES DE DIREITO: perspectivas ideológicas da Assessoria jurídica universitária popular.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutora em Direito.

João Pessoa, 31 de julho de 2015

BANCA EXAMINADORA

___________________________________ Profa. Dra. Renata Ribeiro Rolim (UFPB) Orientadora

___________________________________ Prof. Dr. Fredys Orlando Sorto (UFPB) Avaliador

___________________________________ Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto (UFPB) Avaliador

___________________________________ Prof. Dr. Luiz Anastácio Momesso (UFPE) Avaliador

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Às companheiras e companheiros da Assessoria Jurídica Popular, com quem aprendi que a revolução é amorosa. A Flávio Boaventura, com quem aprendi que o amor é revolucionário.

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Agradecimentos pelo apoio nas dores do parto

O nascimento da minha filha Anita foi a coisa mais trabalhosa e difícil que já fiz na minha vida. Parir esta tese foi a segunda. Nenhum dos dois trabalhos de parto pode ser resumido a uma data delimitada no calendário (coincidentemente, oito de julho foi o dia do nascimento de Anita, em 2009, e o dia em que terminei a última revisão da tese, em 2015). Processos intensos como estes, para quem se permite vivê-los, começam antes e se prolongam muito além, transformando profundamente nossa forma de ver o mundo e portar-se diante dele. Ao parir minha filha, tive o trabalho de tornar-me uma nova mulher, ser mãe e ser ainda eu mesma de outras maneiras, reconstruindo-me a partir de novas e ininterruptas sínteses. Parir Anita foi difícil, mas foi incrível; e me virou pelo avesso. O meu segundo trabalho de parto também está sendo assim. Descobrir outro modo de pensar, a partir da realidade e em interação com ela, pode parecer tarefa fácil, mas não é. A realidade é muito difícil de entender; mas não é por isso que a maioria prefere não se ocupar dela. É que, mais do que entender, se trata de transformar – como disse há muitos anos um velho barbudo. E essa transformação da realidade, que se chama revolução, é um parto doloroso – como disse outro velho barbudo num dos livros mais importantes que já li, chamado A Pedagogia do Oprimido. Nessa caminhada de partos, nunca estive sozinha. De mãos dadas comigo, pariram muitas outras pessoas. A principal delas, sem dúvida, chama-se Flávio Boaventura. Ele pariu junto comigo e renascemos os dois com a nossa cria. Nesse segundo parto, ele não fez por menos: trabalhou a mais para pagar todas as minhas viagens para a pesquisa de campo; construiu um escritório com suas próprias mãos para que eu trabalhasse melhor; ouviu todas as minhas ideias e se meteu com as minhas dificuldades. Foi paciente comigo nas muitas vezes em que eu senti as dores do parto, e acompanhou cada linha tortuosa da feitura dessa tese. Para ele, meus maiores agradecimentos e todo o meu amor, bem como a dedicatória deste trabalho.

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profundamente, porque eu nunca tinha visto tamanha miséria. Entramos nas casas de algumas pessoas – eram barracos minúsculos de papelão puído pela chuva, onde famílias se amontoavam em condições indizíveis. Havia ratos e outros bichos sujos por toda parte, e tudo fedia. Ao voltar para casa, andando pelo bairro da Boa Vista, eu chorava e me tremia. Adoeci, acometida de uma forte febre assim que cheguei em casa. Estava chocada com a “falta de direito à moradia” de todos aqueles miseráveis. Sobretudo, eu estava decepcionada porque sabia que o direito não chegaria até ali. Mas sentia que deveria estar dentro do mundo do direito ao lado daquelas pessoas. Foi o meu estalo. Agradeço às organizações de assessoria jurídica popular por provocarem estalos como este em tantos sujeitos. Muito especialmente, agradeço ao NAJUP Direito nas Ruas, ao CENDHEC, ao SAJU-BA e à AATR, organizações nas quais eu aprendi por meio de sucessivos estalos o que era o direito e o que eu devia fazer com ele. Os caminhos e descaminhos desses estalos é o objeto desse trabalho, portanto, eu o devo a estas organizações.

Agradeço à Rede de Assessoria Jurídica Universitária (RENAJU), por organizar os estudantes de direito para que eles se encontrem com a necessidade e o desejo da revolução. Agradeço especialmente aos estudantes das AJUP do Nordeste que participaram da pesquisa de campo desta tese: os do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Negro Cosme (NAJUP Negro Cosme/UFMA), os do Centro de Assessoria Jurídica Popular do Piauí (Cajuína/UFPI), os do Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária da Universidade Federal do Ceará (NAJUC/UFC), os do Centro de Assessoria Jurídica da Universidade Federal do Ceará (CAJU/UFC), os do Programa Motyrum de Educação Popular em Direitos Humanos (MOTYRUM/ UFRN), os do Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru (NEP Flor de Mandacaru/UFPB), os do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Direito nas Ruas (NAJUP/ UFPE) e os do Serviço de Apoio Jurídico da Universidade Federal da Bahia (SAJU- UFBA).

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Agradeço às mães desses camaradas, que me acolheram em suas casas ao longo das viagens para realizar a pesquisa de campo da tese - à mãe de Márcia Milene, à de Bruna Stéfany, e à de Magnus Henry. Um agradecimento especial à tia Gláucia, mãe de Thiago Arruda, pelas muitas hospedagens em Fortaleza e pelas conversas amáveis durante o cafezinho – e também a Sr. Queiroz, pelo apoio e acolhida. Obrigada, Thiago, pela irmandade, por compartilhar comigo sua casa e, sobretudo, nossos sonhos. Outro agradecimento de toda a vida a tia Fátima e tio Beto, pais de Roberto Efrem, pela disposição em ajudar nas roubadas em que nos metemos há tantos anos, e também a Rafael Efrem, meu irmão caçula, pelo carinho de sempre e pela arte do cartaz de divulgação da defesa.

À Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP), pelo trabalho árduo e comprometido com a luta das classes populares. À Dignitatis e ao Centro de Referência em Direitos Humanos da UFPB. Ao Coletivo de Advocacia Popular Luiz Gama, do Recife; e ao Coletivo Tancredo Fernandes de Advocacia Popular – cria de nossas crias. Ao Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). Ao Grupo de Pesquisa Marxismo, Direito e Lutas Sociais (GPLutas – UFPB), onde buscamos refletir teoricamente sobre a historicidade de nossas lutas.

Agradeço a Renata Ribeiro Rolim, minha orientadora, a principal “doula” desse trabalho de parto. Renata é uma verdadeira educadora, aquela que aprende ao ensinar e ensina ao aprender. Na orientação desse trabalho, foi absolutamente respeitosa. Respeitou meu tempo, meu processo difícil de quem estava aprendendo a pensar de outro modo e se revirando ao avesso. Ao respeitar esse processo-tempo, não me deixou à deriva em nenhum momento, conferindo direção ao meu trabalho, mas sempre junto comigo. Obrigada, Renata, pela partilha, pela compreensão, pela sinceridade. Pelo companheirismo.

Obrigada ao amigo e professor Ninno Amorim, por ter me apresentado ao mundo da antropologia e da pesquisa de campo. Sem isso, certamente seria muito mais precário o trabalho que fiz. Obrigada ao professor Ivo Tonet, por ter me mostrado com delicadeza, na banca de qualificação, que havia muito a caminhar com o meu trabalho. Obrigada também aos professores Fredys Orlando Sorto e José Francisco de Melo Neto pelas valiosas contribuições nessa mesma banca.

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somos professores do mesmo curso de Direito (na UFPB), vivenciamos juntos os dilemas da assessoria jurídica popular e nos dedicamos a fortalecer esse campo em seus enfrentamentos no direito. Pela revisão da tese, na qualificação e nesta versão final. Por tantas outras coisas que sequer poderiam ser ditas sobre nossa irmandade. É de Roberto também cada uma dessas linhas.

Agradeço também aos de casa. Aos meus pais, Glória Vanderlei e Ronaldo Monte, porque eles sempre estão por perto, em todas as horas, e sem eles teria sido muito mais difícil escrever essa tese. Pela acolhida e pelo companheirismo de toda vida. Pelas broncas de minha mãe, sempre certeiras, diante do meu cansaço. Pela revisão cuidadosa de meu pai de cada linha desse trabalho. Pela total confiança dos dois de que ele poderia ficar bom. Aos meus irmãos (Raija Almeida e Iandê Almeida) e nossas crianças (Gabriela, Malu e João), porque não se faz uma tese sem envolver todo mundo. Todos foram muito compreensivos comigo, e de muitos modos me ajudaram a fazer esse trabalho. Obrigada, Iandê, pelas traduções dos resumos dos meus trabalhos. A Rosemary Dantas, Janeleide Porfírio e Dianielle Xavier, por fazerem o pesado trabalho doméstico da família e ajudarem a cuidar com tanto carinho de mim e da minha filha, me liberando para estudar. Agradeço também, a Bia Cagliani e Ali Cagliani, diretoras e professoras da Escola de Dança Fazendo Arte em João Pessoa, a quem eu devo boa parte de minha sanidade mental dos últimos tempos, experimentando a unidade entre corpo e mente. Não sei como, mas elas inventaram em mim uma dançarina contemporânea enquanto escrevia uma tese de doutorado, e isso foi simplesmente indispensável.

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EXPULSO POR BOM MOTIVO Bertold Brecht

Eu cresci como filho

De gente abastada. Meus pais

Me colocaram um colarinho, e me educaram No hábito de ser servido

E me ensinaram a dar ordens. Mas quando Já crescido, olhei em torno de mim

Não me agradaram as pessoas da minha classe, Nem dar ordens nem ser servido

Então deixei minha classe e me juntei À gente pequena.

Assim

Eles criaram um traidor, ensinaram-lhe Suas artes, e ele

Denuncia-os ao inimigo.

Sim, eu conto seus segredos. Fico Entre o povo e explico

Como eles trapaceiam, e digo o que virá, pois Estou instruído em seus planos.

O latim de seus clérigos corruptos

Traduzo palavra por palavra em linguagem comum, então Ele se revela uma farsa. Tomo

A balança da sua justiça e mostro

Os pesos falsos. E os seus informantes relatam Que me encontro entre os despossuídos, quando Tramam a revolta.

Eles me advertiram e me tomaram

O que ganhei com meu trabalho. E quando não me corrigi Eles foram me caçar, mas

Em minha casa

Encontraram somente escritos que expunham Suas tramas contra o povo. Então

Enviaram uma ordem de prisão

Acusando-me de ter idéias baixas, isto é As idéias da gente baixa.

Aonde vou sou marcado

Aos olhos dos possuidores, mas os despossuídos Lêem a ordem de prisão

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RESUMO

Um estalo nas faculdades de direito: perspectivas ideológicas da Assessoria Jurídica Universitária Popular

A tese intitulada “Um estalo nas faculdades de direito: perspectivas ideológicas da Assessoria

Jurídica Universitária Popular”tem como objeto de análise a Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP), que consiste numa determinada movimentação estudantil ligada às faculdades de direito. Dentro do tema da educação jurídica, a pesquisa busca problematizar a partir da categoria de ideologia o tipo de contraponto que a AJUP realiza no direito, buscando colocar-se ao lado dos trabalhadores e dos demais sujeitos subalternizados na sociedade de classes. Tendo como ponto de partida metodológico a concepção do materialismo histórico dialético, desenvolvi uma pesquisa de campo que contou com a observação participante e a realização de entrevistas semi-estruturadas com grupos de assessoria jurídica universitária popular. O campo da pesquisa compreendeu oito grupos integrantes da Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária (RENAJU), ligados a universidades federais localizadas nas capitais da região Nordeste do país. O objetivo da pesquisa é problematizar as possibilidades, as contradições e os limites da AJUP enquanto perspectiva ideológica de enfrentamento no complexo jurídico. Para isso, no primeiro capítulo, busquei delimitar a noção de ideologia utilizada dentro da tradição marxista, como uma consciência prática da sociedade de classes, segundo István Mészáros (2004), além de caracterizar como se conformou a AJUP dentro de um contexto mais amplo de mobilização político-social a partir da retomada democrática, com o fim da ditadura civil-militar no Brasil. No segundo capítulo, caracterizei a perspectiva dominante no direito e problematizei a relação da AJUP com ela. Por fim, analisei quatro aspectos centrais da prática em questão, a educação popular, a horizontalidade, o

protagonismo estudantil e a amorosidade. O marco teórico utilizado situa-se na tradição marxista, tendo como principal referência para a discussão da ideologia I. Mészáros, mas também K. Marx e G. Lukács; e, para a discussão sobre o direito, K. Marx, F. Engels, K. Kautsky, E. Pachukanis e G. Lukács. Busquei também a interlocução com algumas análises voltadas para a realidade brasileira, ora mais próximas, ora mais distantes do marxismo, para compreender as peculiaridades da ideologia liberal no Brasil e também a questão da educação popular. Concluo que as perspectivas ideológicas da AJUP apresentam contradições e limitações intimamente relacionadas ao contexto atual das movimentações das esquerdas, além de implicadas no amplo alcance do fetichismo jurídico, sem o qual não poderiam ser cumpridas as funções que o direito exerce na reprodução da sociabilidade capitalista. Por sua vez, as possibilidades oferecidas pelos enfrentamentos ideológicos travados pela AJUP relacionam-se às possibilidades de retomada de um projeto ligado aos trabalhadores e aos demais sujeitos subalternizados na sociedade de classes capaz de ir além do capital.

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ABSTRACT

A snap in law schools: ideological perspectives of university students’ popular legal counsels

The thesis titled "A snap in law schools: ideological perspectives of university students’ popular legal counsels" has as analysis object the University Students' Popular Legal Counsel (AJUP), consisting of a particular student movement linked to law schools. Within the subject of legal education and starting from the ideology category , the research raises questions about the type of counterpoint that AJUP holds in law, seeking to be on the side of workers and other subaltern subjects in class society. Having the conception of dialectical historical materialism as a methodological starting point, I’ve developed a field research that counted with the participative observation and the conduction of semi-structured interviews with groups of university students’ popular legal counsels. The field of the research comprehended eight member groups of the National Network of University Legal Counsel (RENAJU), linked to federal universities located at the state capitals of the Northeast region of Brazil. The goal of the research is to problematize the possibilities, the contradictions and the limits of AJUP as an ideological perspective of confrontation in the juridical complex. Hence, in the first chapter I sought to outline the notion of ideology use inside the Marxist tradition, as a practical consciousness of the class society, according to István Mészáros (2004), and to characterize how AJUP has adapted to a wider context of political-social mobilization since the resumption of democracy, with the end of the civil-military dictatorship in Brazil. In the second chapter, I’ve characterized the dominant perspective in law and problematized its relationship with AJUP. Finally, I have analyzed four central aspects of the practice in question, popular education, horizontality, the student protagonism and affectionality. The theoretical benchmark is located at the Marxist tradition, having I. Mészáros as a main reference for discussion of ideology, but also K. Marx and G. Lukácx; and, for the discussion about law, K. Marx, F. Engels, K. Kautsky, E. Pachukanis and G. Lukács. I also sought the interlocution with some analysis pointed at the Brazilian reality, sometimes closer, sometimes farther from Marxism, to comprehend the peculiarities of the liberal ideology in Brazil and also the question of popular education. I conclude that the ideological perspectives of AJUP present contradictions and limitations closely related to the current context of the left-wing movements, and they are also implicated in the broad spectrum of the juridical fetishism, without which the roles played by law in the reproduction of the capitalist society couldn’t be played. The possibilities offered by the ideological confrontations played by AJUP are related to the possibilities of resumption of a project associated to the workers and other subordinate subjects in the class society capable of going beyond the capital.

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RESUMEN

Un estallido en las facultades de derecho: perspectivas ideológicas de la Asesoría Jurídica Universitaria Popular

Esta tesis que lleva como título "Un estallido en las facultades de derecho: perspectivas ideológicas de la Asesoría Jurídica Universitaria Popular" tiene como objeto de análisis a la Asesoría Jurídica Universitaria Popular (AJUP), que consiste en un determinado movimiento estudiantil vinculado a las facultades de derecho. Dentro del tema de la educación jurídica, la investigación problematiza a partir de la categoría de ideología el tipo de contrapunto que la AJUP realiza en el marco del derecho, buscando colocarse al lado de los trabajadores y de los demás sujetos subalternos en la sociedad de clases. Teniendo como punto de partida metodológico la concepción del materialismo histórico dialéctico, desarrollo una investigación de campo que cuenta con la observación participante y la realización de entrevistas semiestructuradas con grupos de la asesoría jurídica universitaria popular. El campo de investigación abarcó ocho grupos integrantes de la Red Nacional de Asesoría Jurídica Universitaria (RENAJU), ligados a universidades federales localizadas en las capitales de la región Nordeste de Brasil. El objetivo de la investigación es problematizar las posibilidades, las contradicciones y los límites de la AJUP en cuanto perspectiva ideológica de enfrentamiento en el complejo jurídico. Para esto, en el primer capítulo, se delimita la noción de ideología utilizada dentro de la tradición marxista, como una conciencia práctica de la sociedad de clases, de acuerdo con István Mészáros (2004), además de caracterizar como se conformó la AJUP dentro de un contexto más amplio de movilización político-social a partir de la recuperación de la democracia, con el fin de la dictadura civil-militar en Brasil. En el segundo capítulo, realizo una caracterización de la perspectiva dominante en el derecho y problematizo la relación de la AJUP con ella. Por último, analizo cuatro aspectos centrales de la práctica en cuestión, la educación popular, la horizontalidad, el protagonismo estudiantil y la amorosidad. El marco teórico utilizado se sitúa en la tradición marxista, teniendo como principal referencia para la discusión de la ideología I. Mészáros, pero también K. Marx y G. Lukács; y, para la discusión sobre el derecho, K. Marx, F. Engels, K. Kautsky, E. Pachukanis y G. Lukács. Busqué también la interlocución con algunos análisis volcados para la realidad brasileña, algunos más próximos, algunos más distantes del marxismo, para comprender las peculiaridades de la ideología liberal en el Brasil y también la cuestión de la educación popular. Concluyo que las perspectivas ideológicas de la AJUP presentan contradicciones y limitaciones íntimamente relacionadas al contexto actual de las movilizaciones de las izquierdas, además de estar involucradas de forma amplia con el fetichismo jurídico, sin lo cual no podrían ser cumplidas las funciones que el derecho ejerce en la reproducción de la sociabilidad capitalista. A su vez, las posibilidades ofrecidas por los enfrentamientos ideológicos llevados adelante por la AJUP tienen relación con las posibilidades de retomar un proyecto ligado a los trabajadores y los demás sujetos subalternos en la sociedad de clases, un proyecto capaz de ir más allá del capital.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Cartaz "Procurada" ... 42

Figura 2 - Cartaz "Procurado" ...42

Figura 3 - Logotipo do Lições de Cidadania ... 80

Figura 4 - Cartaz SAJU ... 133

Figura 5 - Debate SAJU ...133

Figura 6 - Evento Ensino Jurídico em Crise ... 135

Figura 7 - Sociedade de Debates 1 ... 166

Figura 8 - Sociedade de Debates 2 ...166

Figura 9 - 110 anos de quê?... 173

Figura 10 - Faixa Homofobia 1 ... 180

Figura 11- Comunistas ... 185

Figura 12 - Uma flor nasceu no asfalto ... 197

Figura 13 - Programação da VII Semana do SAJU ... 198

Figura 14 - Primavera no Direito 1 ... 201

Figura 15 - Primavera no Direito 2 ... 204

Figura 16 - Cartaz Campanha RENAJU ... 233

Figura 17 - Cartaz Roda de Diálogos NAJUC ... 235

Figura 18 - NAJUC da Depressão: formação teórica ... 247

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LISTA DE SIGLAS

ABEDI - Associação Brasileira de Ensino do Direito AJD – Associação Juízes para a Democracia

AJP – Assessoria Jurídica Popular

AJUP – Assessoria Jurídica Universitária Popular ANAP - Associação Nacional de Advogados Populares

ANATAG - Associação Nacional de Advogados de Trabalhadores da Agricultura ANDES - Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior

CAAC - Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti CAAR - Centro Acadêmico André da Rocha CAJU - Centro de Assessoria Jurídica Universitária

CAJU/RS - Centro de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade de Passo Fundo/RS

CARB - Centro Acadêmico Rui Barbosa CEB - Comunidades Eclesiais de Base CENDHEC - Centro Dom Helder Câmara

CEUMA - Centro de Ensino Universitário do Maranhão CHESF - Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco

CONAJU - Coordenação Nacional da Assessoria Jurídica Universitária CONED - Coordenação Nacional dos Estudantes de Direito

CORAJE - Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil CPT - Comissão Pastoral da Terra

CSP CONLUTAS

CSP Conlutas - Central Sindical e Popular CUT - Central Única dos Trabalhadores

DADSF - Diretório Acadêmico Demócrito de Souza Filho DATAB - Diretório Acadêmico Tarcísio Burity

ENED - Encontro Nacional dos Estudantes de Direito

ENNAJUP - Encontro Norte-Nordeste da Assessoria Jurídica Universitária Popular ERED - Encontro Regional dos Estudantes de Direito

ERENAJU - Encontro da Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária EZLN - Exército Zapatista de Libertação Nacional

FASUBRA - Federação de Servidores das Universidades Brasileiras FEAB - Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil

FENED - Federação Nacional dos Estudantes de Direito

FORPROEX - Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras GAJOP - Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares

GPLutas - Grupo de Pesquisa Marxismo, Direito e Lutas Sociais IAJUP - Instituto de Apoio Jurídico Popular

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros

LPJ - Levante Popular da Juventude

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MEC - Ministério da Educação e Cultura MEL - Movimento Espírito Lilás

MJ - Ministério da Justiça

MLB - Movimento de Luta de Bairros, Vilas e Favelas

MLST - Movimento de Libertação dos Trabalhadores Sem Terra MMTR - Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais

MMTR - Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais

MNLM - Movimento Nacional de Luta por Moradia MPA - Movimento de Pequenos Agricultores

MPP - Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais

MST - Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra MSTB - Movimento Sem Teto da Bahia

MTD - Movimento de Trabalhadores Desempregados MTST - Movimento de Trabalhadores Sem Teto NAJA - Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa NAJUC - Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária

NAJUC JÁ - Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária Justiça e Atitude

NAJUP - Núcleo de Assessoria jurídica Popular da Universidade de Caixias do Sul NAJUP Direito nas Ruas- Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Direito nas Ruas

NAJUP Isa Cunha/PA - Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Isa Cunha na Universidade Federal do Pará

NAJUP Negro Cosme - Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Negro Cosme NAJUP/GO - Núcleo de Assessoria jurídica Popular da Universidade Federal de Goiás NAJUP/RJ - Núcleo de Assessoria jurídica Popular Produzindo Direitos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro

NAJUP/SP - Núcleo de Assessoria jurídica Popular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

NAJUPAK - Núcleo de de Assessoria Jurídica Popular Aldeia Kayapó NEAJUP - Núcleo de Estudos Urbanos e Assessoria Jurídica Popular NEP - Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru

NEP/SC - Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal de Santa Catarina

OAB - Ordem dos Advogados Brasileiros ONG - Organização Não-Governamental

PAJE/CE - Programa de Assessoria Jurídica Estudantil da Universidade Regional do Cariri no Ceará

PAJUP - Programa de Assessoria Jurídica Popular PIB - Produto Interno Bruto

PRONERA - Programa Naccional de Educação para a Reforma Agrária PCR – Partido Comunista Revolucionário

PSB - Partido Socialista Brasileiro

PSDB - Partido da Social-Democracia do Brasil PSOL - Partido Socialismo e Liberdade

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REAJUPI - Rede Estadual da Assessoria Jurídica Universitária do Piauí RENAJU - Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária

RENAP - Rede Nacional de Advogados Populares REPED - Rede Popular dos Estudantes de Direito SAJU - Serviço de Apoio Jurídico Universitário

SAJUP/PR - Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular da Universidade Federal do Paraná

SDDH - Sociedade Paraense de Direitos Humanos SEMPRI – Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões UESB - Universidade Estadual da Bahia

UFBA - Universidade Federal da Bahia UFC - Universidade Federal do Ceará

UFERSA - Universidade Federal Rural do Semi-Árido UFG - Universidade Federal de Goiás

UFGRS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFMA - Universidade Federal do Maranhão

UFPB - Universidade Federal da Paraíba UFPE - Universidade Federal de Pernambuco UFPI - Universidade Federal do Piauí

UFPR - Universidade Federal do Paraná

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte UJS - União da Juventude Socialista

UMP – União de Mulheres Piauienses

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 18

1. UM ESTALO NAS FACULDADES DE DIREITO: fundamentos para uma análise das perspectivas ideológicas da assessoria jurídica universitária popular 40 1.1. DO APARTHEID AO ESTALO: A NOÇÃO DE IDEOLOGIA ... 48

1.1.1.IDEOLOGIA: UMA CONSCIÊNCIA PRÁTICA INEVITÁVEL DA SOCIEDADE DE CLASSES . 51 1.1.2.A CONTRAPOSIÇÃO ENTRE AS ABORDAGENS GNOSIOLÓGICA E ONTOLÓGICA DA IDEOLOGIA ... 59

1.2. AJUP: UM CONCEITO, UM MOVIMENTO ... 69

1.2.1.O VERBO ASSESSORAR ... 77

1.2.2.O LUGAR UNIVERSIDADE ... 85

1.2.3.O ADJETIVO POPULAR ... 92

1.3. AJUP COMO FRUTO DA REORIENTAÇÃO IDEOLÓGICA DAS ESQUERDAS: CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E EMERGÊNCIA DE NOVAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICO-SOCIAL ... 105

1.3.1.O MODELO ORGANIZATIVO “REDE” COMO SÍMBOLO DO PROCESSO DE REORIENTAÇÃO DAS ESQUERDAS ... 113

1.4. PRIMEIRA SÍNTESE: OS MOVIMENTOS HISTÓRICOS IMPLICADOS NAS POSSIBILIDADES, CONTRADIÇÕES E LIMITES DAS PERSPECTIVAS IDEOLÓGICAS DA AJUP ...126

2. INTRUSOS: o trânsito da Assessoria Jurídica Universitária Popular no terreno do direito ... 130

2.1. MARXISMO, UM INTRUSO NO DIREITO: DOS VÍNCULOS INESCAPÁVEIS DO COMPLEXO JURÍDICO COM AS SOCIEDADES DE CLASSES ... 136

2.1.1.UBI SOCIETAS, IBI JUS: AS DISSIMULADAS ORIGENS DO COMPLEXO JURÍDICO. ...147

2.1.2.A LEGALIDADE PRÓPRIA DO COMPLEXO DO DIREITO E SUA REPRODUÇÃO NA EDUCAÇÃO JURÍDICA ... 152

2.2. OBLOCO DA DEFESA DA ORDEM: A DESFAÇATEZ DE CLASSE DO LIBERALISMO PERIFÉRICO NA EDUCAÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA ... 157

2.2.1.OS INESCAPÁVEIS ASPECTOS DO MODELO “CENTRAL” DA EDUCAÇÃO JURÍDICA ....164

2.2.2.VARIANTES INTERNAS AO BLOCO DA DEFESA DA ORDEM: A TURMA DOS DIREITOS HUMANOS FASHION WEEK E A TURMA DOS “DIREITOS HUMANOS PARA HUMANOS DIREITOS”... 176

2.2.3.LUGAR DE “BICHA”, “SAPATÃO” E “COMUNISTA”: O BOICOTE À AJUP PELO BLOCO DA DEFESA DA ORDEM ... 183

2.2.4.UM NORTE PARA SEGUIR NO CURSO DE DIREITO: A OPÇÃO IDEOLÓGICA PELA ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR ... 191

2.3. UM “DIREITO CRÍTICO” PARA UMA “TRANSFORMAÇÃO SOCIAL”: CONTRADIÇÕES E LIMITES DA COMPREENSÃO DO DIREITO SEGUNDO A PERSPECTIVA DA AJUP ... 197

2.3.1.O SIGNIFICADO DE IR ALÉM DO “ESTREITO HORIZONTE DO DIREITO BURGUÊS”. ...208

2.3.2.O DIREITO “EMANCIPATÓRIO” E A “TRANSFORMAÇÃO SOCIAL” DA AJUP ...215

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3. JUNTO AOS ESFARRAPADOS DO MUNDO: ASPECTOS CENTRAIS DA

PRÁTICA DA ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR ... 231

3.1. EDUCAÇÃO POPULAR ... 238

3.1.1. DILEMAS DA EDUCAÇÃO POPULAR DA AJUP ... 248

3.2. HORIZONTALIDADE ... 263

3.2.1. O TEMA DA HORIZONTALIDADE NA DISCUSSÃO DO MODELO DE ORGANIZAÇÃO DA RENAJU ... 273

3.3. PROTAGONISMO ESTUDANTIL ... 280

3.3.1. AAJUP E A FEITURA DA POLÍTICA ... 295

3.4. AMOROSIDADE ... 307

3.5. TERCEIRA E ÚLTIMA SÍNTESE: POSSIBILIDADES, CONTRADIÇÕES E LIMITES DAS PRÁTICAS DA ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR ... 320

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 325

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18

INTRODUÇÃO

O objeto desta tese de doutorado consiste em determinada movimentação estudantil ligada às faculdades de direito, a Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP). Dentro do tema mais amplo da “educação jurídica”, analiso o objeto em questão a partir da categoria de ideologia, de acordo com o seguinte problema de pesquisa: quais são as possibilidades, as contradições e os limites da AJUP enquanto perspectiva ideológica de enfrentamento ao modelo dominante de educação jurídica? Sendo assim, o objetivo geral da pesquisa é o de problematizar o tipo de contraponto que a AJUP realiza dentro do complexo jurídico. Quanto aos objetivos específicos, busquei delimitar a noção de ideologia utilizada dentro da tradição marxista, além de caracterizar a perspectiva dominante no direito e a relação da AJUP com ela, e, por fim, problematizar alguns aspectos centrais dessa prática em questão.

O estalo que nomeia a pesquisa – Um estalo nas faculdades de direito: perspectivas ideológicas da assessoria jurídica universitária popular – é o processo ideológico despertado em alguns estudantes de direito ao descobrir as perspectivas da assessoria jurídica popular. Devo o mote a Chico, um dos estudantes entrevistados na pesquisa de campo a partir da qual se teceram as reflexões deste trabalho, ao contar-me que o Cajuína havia provocado um estalo em sua cabeça. Ele, que antes era um leitor assíduo da Revista Veja e um fiel telespectador do Jornal Nacional da Rede Globo, passou a se posicionar ao lado das lutas sociais devido àquele estalo. O Cajuína, por ser um grupo de assessoria jurídica universitária popular, faz parte de uma orientação mais ampla ligada ao campo jurídico (a Assessoria Jurídica Popular) que busca apoiar os trabalhadores e os demais sujeitos subalternizados em seus enfrentamentos na sociedade de classes.

Esse apoio, implicado em contradições e limitações, significa uma disputa ideológica com a perspectiva dominante no direito, embora a AJUP tenha se configurado, contraditoriamente, num momento de refluxo das forças de contestação da ordem em geral. A sua conformação remete ao contexto de reorientação das esquerdas dos anos 1980 e 1990, tendo como pano de fundo um novo momento do capitalismo. Em função de uma grave crise emergida nos anos 1970, as forças ligadas ao capital procederam a profundos rearranjos no plano das relações materiais de produção, com graves consequências para a vida dos trabalhadores e suas formas de organização. Nesse processo, o horizonte dos “direitos

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socialismo/comunismo associado aos convencionais instrumentos de organização da classe trabalhadora.

As perspectivas ideológicas da AJUP encontram-se, desse modo, profundamente vinculadas aos rumos das esquerdas e das movimentações dos trabalhadores e dos demais sujeitos subalternizados na sociedade de classes neste atual período histórico de crise do capital. A menos que esses sujeitos consigam incidir sobre a base material das relações de produção, alterando radicalmente a forma de organizar o trabalho, não pode haver nenhuma mudança significativa na ordem social. É evidente que tal processo não depende do direito, tampouco da educação, muito menos da assessoria jurídica popular. Portanto as possibilidades, limites e contradições da AJUP como uma orientação ideológica de contestação da ordem só podem ser analisadas tendo em vista a sua posição dentro do complexo da educação jurídica e também dentro das movimentações mais amplas do conjunto das forças de esquerda. Esses são os caminhos e os descaminhos do tipo de estalo a que se referiu Chico, que fazem parte da minha vida há quase quinze anos, motivando as inquietações que desembocaram na feitura dessa pesquisa.

Ingressei na Faculdade de Direito do Recife no ano de 2002. Logo no primeiro semestre do curso, decidi participar de um projeto de extensão de iniciativa estudantil, o Vestibular Cidadão, ministrando aulas para estudantes da rede pública de educação que se preparavam para tentar entrar nas universidades. Ao perceber as limitações daquele processo educativo, fui buscar outros tipos de interlocução entre o saber especializado que estava sendo “depositado” em mim na faculdade de direito e o lado de fora de suas grades. Com esse intuito, contornei o busto de Castro Alves que me indicava que a praça era “do povo como o

céu é do condor” e, não muito longe dali, no mesmo bairro da Boa Vista, encontrei meio por

acaso o Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (SEMPRI), uma organização não-governamental dirigida por Wilma Melo que prestava assessoria a familiares de presos. Ali fiquei a par da dura realidade do sistema prisional brasileiro, conhecendo a frieza de seus processos judiciais e o calor da luta das mulheres cujos filhos e companheiros são selecionados como representantes oficiais do mundo do crime.

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construção das lutas sociais no Recife, decidimos iniciar um processo de educação popular na Ilha do Destino, uma antiga ocupação urbana localizada no coração de Boa Viagem. Lá encontrávamos aproximadamente duas vezes por semana um grupo de jovens para dialogar sobre temas diversos escolhidos em conjunto com eles, como a educação, a vida na cidade, a sexualidade, entre outros.

Praticamente nessa mesma época, passei a compor a equipe de estágio do Centro Dom Hélder Câmara (CENDHEC), atuando na regularização fundiária de algumas regiões da periferia de Recife. O CENDHEC era uma organização não-governamental cuja atuação no

eixo denominado “Direito à Cidade” identificava-se com a orientação da assessoria jurídica

popular. Como estagiária dessa organização, participei pela primeira vez de um encontro da Rede Nacional de Advogados Populares (a RENAP), em Tamandaré (PE) no ano de 2004.

Naquele mesmo ano, assuntos de outra ordem levaram-me a transferir o curso de direito para a Universidade Federal da Bahia. Logo que cheguei a Salvador, ingressei imediatamente no Serviço de Apoio Jurídico Universitário (SAJU), uma das mais antigas entidades de assessoria jurídica universitária popular do país. A principal atuação do Núcleo de Assessoria do SAJU à época dava-se junto a uma ocupação urbana organizada pelo que se tornaria o Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB). No mesmo período, passei a estagiar na Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), importante organização da advocacia popular brasileira. Na AATR, participei do Programa Juristas Leigos, um curso para difundir conhecimentos jurídicos entre lideranças de organizações populares; acompanhei a atuação da entidade junto à regularização de terras quilombolas, entre outras atividades.

Concluí a graduação em direito no ano de 2006, quando também ingressei no mestrado em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba. Juntamente com alguns sujeitos que tinham identidade com a assessoria jurídica popular – colegas da pós-graduação e outros estudantes da graduação em direito –, fundamos o Núcleo de Extensão Popular (NEP) Flor de Mandacaru em 2007. A principal atuação do NEP, à época, dava-se junto à comunidade quilombola de Paratibe, buscando fortalecer os processos organizativos ali existentes e acompanhar a regularização daquela área. A partir de 2008, passei a lecionar no curso de direito da UFPB, desde então contribuindo com o NEP na condição de professora orientadora junto com o prof. Roberto Efrem Filho e a profa. Renata Ribeiro Rolim.

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universitária popular. Esta problematização corre muitos riscos por conta do difícil exercício de me distanciar desse contexto em que estou absolutamente implicada. As leitoras e leitores destas linhas devem ponderar tais implicações ao tirar suas próprias conclusões a respeito das questões que se seguirão. De qualquer forma, penso que os riscos destas implicações amenizam-se diante do maior propósito deste trabalho, o de despertar reflexões coletivas sobre essa prática.

Trabalhos anteriores sobre a Assessoria Jurídica Popular

Há uma considerável produção a respeito da Assessoria Jurídica Popular (AJP), noção mais ampla dentro da qual a AJUP se insere. As primeiras delas, no Brasil, remontam ainda à década de 1980, ligadas a uma “primeira geração” de advogados populares que conformaram essa orientação ideológica no direito. Refiro-me, sobretudo, à produção teórica de advogados como Miguel Baldez, Miguel Pressburguer e Jacques Alfonsin a partir da atuação no Instituto de Apoio Jurídico Popular (IAJUP); além da produção em torno do “Direito Achado na Rua”, programa de extensão da Universidade de Brasília ligado principalmente às ideias de Roberto Lyra Filho e de José Geraldo de Sousa Júnior. A produção teórica em torno dessas duas experiências foram bastante influentes para consolidar a concepção de assessoria jurídica popular, fundamentada no que se convencionou chamar de teorias críticas do direito. Nos anos 1990, as Revistas do SAJU (Serviço de Assistência Jurídica Gratuita) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul também cumpriram um papel importante na difusão dessa perspectiva.

No período mais recente, depois de criadas as duas principais organizações responsáveis pela articulação dos sujeitos ligados à assessoria jurídica popular, a RENAP (Rede Nacional de Advogados Populares) e a RENAJU (Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária), algumas pesquisas anteriores à minha buscaram refletir sobre as concepções e as práticas desta orientação ideológica que se conformou do direito. Algumas das mais difundidas entre as pioneiras dessas pesquisas consistiam em monografias de conclusão do curso de direito produzidas por estudantes que atuavam em grupos de AJUP, como Murilo Oliveira (2003) em

Serviço de Apoio Jurídico - SAJU : a prá xis de um direito crítico; e Ivan Furmann (2003) em

Da utopia estudantil à ação política.

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paradigmas, formação histórica e perspectivas (2007). Um pouco depois, Christianny Diógenes Maia (2007) produziu dissertação intitulada Assessoria jurídica popular: teoria e prática emancipatória, a partir de reflexões sobre sua atuação no Centro de Assessoria Jurídica Universitária Popular (CAJU) da Universidade Federal do Ceará. Também Marcelo Torelly e Paulo Abraão (2009) dedicaram-se à pesquisa desse tema, publicando livro intitulado Assessoria Jurídica Popular: leituras fundamentais e novos debates.

Não tenho a intenção de comentar todos os trabalhos nos quais se refletiu sobre as concepções e as práticas da assessoria jurídica popular. Sequer conheço todos, embora tenha lido muitos deles, desde a “minha época” de formação nas perspectivas da AJP até os últimos anos, como objeto de análise. Destaco dois artigos bem difundidos entre os estudantes: o primeiro, de Thiago Arruda (2008), intitula-se A assessoria Jurídica Popular como aprofundamento (e opção) do conteúdo político do serviço jurídico, e foi um dos primeiros a buscar uma problematização mais consistente da AJP do ponto de vista ideológico. O segundo, elaborado por Sumaya Saady Pereira e Assis da Costa Oliveira (2009), ex-integrantes do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Aldeia Kayapó (NAJUPAK/PA), intitulado Rede Nacional das Assessoria s Jurídicas Universitárias: História, Teoria e Desafios. Este trabalho, baseado na análise de um vasto material documental, alcançou merecida difusão entre a AJUP pelo esforço de resgatar a história da RENAJU e buscar problematizá-la, ainda que a partir de premissas distintas das minhas.

Muito se tem produzido a respeito do objeto sobre o qual me debruço aqui, em trabalhos acadêmicos de diversos tipos como artigos científicos, monografias de conclusão da graduação em direito, relatórios de projetos de extensão, dissertações de mestrado e também algumas teses de doutorado; mas também em cartilhas, sistematizações de experiências, cadernos de textos e outros materiais de apoio para os encontros estudantis e da advocacia popular etc.

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jurídica popular do Ceará; os anais do I, do II, do III e do IV Seminários do Instituto de Pesquisa Direito e Movimentos Sociais (IPDMS), realizados nas cidades de São Paulo (2011), Goiás (2012), Natal (2013) e Curitiba (2014), respectivamente; o relatório de pesquisa coordenado por Fabiana Cristina Severi (2014) intitulado Cartografia social e análise das experiência s de a ssessorias jurídicas universitária s populares bra sileira s; e o livro intitulado

Do sonho ao acontecer: dez anos de NAJUPAK (2014), organizado por Assis da Costa Oliveira, Ana Paula Medeiros de Moura e Julyanne Cristine dos Santos.

Os próximos trabalhos comentados apresentam em comum a realização de pesquisa de campo como parte das opções metodológicas adotadas. Esta opção é incomum no direito, embora venha crescendo a sua utilização. Sem uma formação mais profunda voltada à metodologia do conhecimento científico, os pesquisadores ligados à área do direito, em geral, padecem de maiores habilidades quando se aventuram na pesquisa de campo. Em muitas ocasiões, é perceptível certo espontaneísmo no uso dessas opções metodológicas. Este trabalho, inclusive, não foge a essa regra, como problematizarei adiante. No entanto, a intenção de voltar-se à realidade para produzir conhecimento é um avanço indiscutível no direito, conhecido pela tradição de movimentar-se teoricamente no plano da abstração manualesca do dogmatismo jurídico.

A pesquisa de doutorado de Ana Cláudia Diogo Tavares (2007), advogada popular integrante da RENAP, apresentou reflexões sobre a assessoria jurídica popular na dissertação intitulada Os nós da rede: concepções e atua çã o do(a) advogado(a) popular sobre os conflitos sócio-jurídicos no estado do Rio de Janeiro. Nesse trabalho, Ana Cláudia Tavares empreendia uma das primeiras pesquisas de campo sobre o assunto, por meio da observação participante e da realização de entrevistas com advogados e advogadas populares que atuavam na RENAP.

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perspectivas da assessoria jurídica universitária popular, que muito contribuíram para as problematizações desta tese.

Dois anos depois, em 2009, Ribas apresentou sua dissertação de mestrado intitulada

Direito Insurgente e Pluralismo Jurídico: a ssessoria jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960 2000), trabalho bastante difundido na assessoria jurídica universitária popular. Ali, Ribas problematizava as possibilidades de a assessoria jurídica popular contribuir para uma “cultura jurídica popular e insurgente” nos marcos do

“pluralismo jurídico”. Analisava, principalmente, a experiência de advogados populares

ligados principalmente a duas organizações: a Acesso – Cidadania e Direitos Humanos, de Porto Alegre; e o Instituto de Apoio Jurídico Popular (AJUP), do Rio de Janeiro. Tal análise era empreendida por meio de pesquisa documental, analisando materiais produzidos por esses advogados (como petições judiciais, textos teóricos e de opinião etc.); e também por meio da observação participante de algumas atividades destas entidades, além da entrevista com alguns dos principais advogados ligados a elas como Jacques Távora Alfonsín, Eliane Athayde e Miguel Baldez.

Também Carla Miranda (2010) utilizou pesquisa de campo em sua dissertação sobre a AJUP, intitulada Na práxis da assessoria jurídica popular: extensão e produção de conhecimento. A pesquisadora, ex-integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular da Universidade Federal de Goiás e também do Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru da Universidade Federal da Paraíba, sistematizou as experiências de extensão popular desenvolvida nesses dois grupos, além de outro programa de extensão da UFPB do qual também participou. Carla Miranda recorreu, desse modo, à sua própria atuação nesses grupos para problematizar a produção do conhecimento por meio da extensão universitária em experiências de aproximação com certas comunidades – a “comunidade do Acampamento Grajaú”, uma ocupação urbana em Goiás; a “comunidade de Jaraguá”, uma aldeia indígena potiguara no município de Rio Tinto/PB; e a “comunidade quilombola de Paratibe”, nas proximidades de João Pessoa.

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advogados populares do Ceará, além de ter entrevistado algumas lideranças de movimentos sociais assessorados por eles. Participou, em 2010, do Encontro Nacional da RENAP na cidade de Goiás, oportunidade em que entrevistou alguns advogados e advogadas. A partir de todos esses elementos, teceu reflexões sobre o significado da advocacia popular.

Por fim, destaco duas monografias de conclusão de curso no direito que refletiram sobre a assessoria jurídica popular com a realização de pesquisa de campo. A primeira delas é a de Raquel Cerqueira (2013), ex-integrante do SAJU/BA, intitulada Educação jurídica, extensã o universitária e o perfil profissional do bacharel em direito: correlações possíveis. A estudante entrevistou egressos do SAJU para compreender as influências da assessoria jurídica popular na sua atuação profissional, sob orientação de Maurício Azevedo, professor universitário e advogado popular. A segunda é o trabalho monográfico de Kauhana Hellen Moreira (2014), intitulado Assessoria jurídica popular e prática profissional: um estudo sobre o escritório Frei Tito de Alenca r (EFTA). Kauhana entrevistou advogados e estagiários de direito da equipe do Escritório Frei Tito, além de proceder a uma observação participante da atuação destes sujeitos, a fim de compreender as concepções e a prática da assessoria jurídica popular desenvolvida nesse espaço.

Justificativa

Compartilho com todos os trabalhos mencionados o compromisso de refletir sobre a assessoria jurídica popular de uma maneira orgânica, preocupada com os avanços dessa prática por estarmos todas e todos metidos nela. Compartilho também certo amadorismo na utilização da pesquisa de campo para empreender tais reflexões. Diante disso, por que se justifica mais uma pesquisa sobre o mesmo tema? Em primeiro lugar, porque o constante movimento em que se encontra a prática da assessoria jurídica popular exige um constante refletir de si mesma, de modo que os trabalhos ocupados com tais reflexões serão sempre bem-vindos e necessários para reafirmar os compromissos a que os sujeitos dessa prática se propõem.

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marcos que se distanciam da tradição marxista, ainda que dialoguem inevitavelmente com ela, principalmente em tom de refutação.

Por outro lado, dentro da tradição marxista, ainda persiste a necessidade de empreender análises sobre o direito que escapem ao “economicismo” e ao “estruturalismo”, indo além da mera afirmação de que esse complexo reduz-se a um “reflexo” da “estrutura econômica”, sem investigar como, de fato, o direito participa contraditoriamente da reprodução da sociedade de classes. O que não significa, no entanto, apostar na edificação de algum tipo de “direito emancipatório”, algum lugar onde se possa conjugar “direito” e “liberdade” ou

“emancipação”. Trata-se de perceber e problematizar os vínculos reais do direito com as

relações materiais de produção, escapando, ainda ao “eurocentrismo”, ou seja, voltando o olhar para as conformações do capitalismo periférico na América Latina e no Brasil.

Ainda do ponto de vista dos marxismos, esta tese se justifica também diante da necessidade de ampliar a discussão da ideologia sob o enfoque ontológico, ou seja, ocupado com as funções concretas que as ideologias exercem na reprodução do ser social. Nesse sentido, a tradição da crítica jurídica no Brasil consolidou também a abordagem gnosiológica, isto é, a compreensão do problema das ideologias como se fossem uma “falsa consciência da realidade”. Essa é a perspectiva dominante na tradição marxista, e, no Brasil, sua difusão foi muito influenciada pelas ideias de Marilena Chauí, com as quais alguns teóricos críticos do direito, como Roberto Lyra Filho, tinham certa afinidade. Neste trabalho, ao problematizar as perspectivas ideológicas da assessoria jurídica universitária popular, estou ocupada com o modo como uma consciência prática da sociedade de classes orienta este segmento do direito nos enfrentamentos que travam ao lado dos trabalhadores e dos demais sujeitos subalternizados na ordem do capital.

Marco teórico

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social das ideologias, colocando o problema do ponto de vista da incidência prática delas na realidade.

Assim é o entendimento de Mészáros sobre a questão, mas aqui também se enquadram certas formulações de Karl Marx, sobretudo no Prefácio da Crítica à Economia Política

(texto de 1859); e de Gyorgy Lukács em Para uma Ontologia do Ser Social (de 1968). As ideologias são, como argumenta Marx (2008), aquelas formas de consciência através das quais os homens e as mulheres se dão conta dos conflitos fundamentais da sociedade, tomando partido nesses conflitos e os resolvendo pela luta. Portanto, não basta apenas dar-se conta da existência desses conflitos, ter ciência deles, conhecê-los. A ideologia leva homens e mulheres a tomar partido nesses embates, resolvê-los – não se trata de algo que permaneça no pensamento, como aduz Lukács (2013); é um meio de luta social e diz respeito, portanto, à práxis. Embora as formulações de Marx, Lukács e Mészáros sobre a questão das ideologias apresentem diferenças entre si que escapam aos limites desta tese, eles são aqui tomados como partidários da compreensão ontológica da ideologia.

Em relação à discussão sobre o direito, o marco teórico desta tese transita centralmente pelas formulações de Karl Marx, sobretudo a partir das obras Sobre a Questão Judaica (de 1843); O capital (de 1871) – mais especificamente o segundo capítulo do primeiro volume, “O processo de troca”; e Crítica do programa de Gotha (escrita em 1875). No centro, também estarão as análises de Friedrich Engels e Karl Kautsky em O socialismo Jurídico (escrito em 1887); as de Eugeny Pachukanis em Teoria Geral do Direito e Marxismo (texto de 1926); e as de Georgy Lukács em Para uma Ontologia do Ser Social (escrito em 1968) – mais especificamente na parte em que ele trata do complexo jurídico no segundo capítulo do segundo volume, “A reprodução”. Para relacionar tais análises ao contexto do capitalismo periférico latino-americano e brasileiro, farei uso das ideias de Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda e Roberto Schwartz, ciente das diferentes tradições teóricas a que se relacionam esses pensadores da realidade brasileira.

A problematização apresentada no último capítulo, sobre os aspectos centrais da prática da assessoria jurídica universitária popular, transita nesse marco teórico discutido nos capítulos anteriores, apresentando apenas uma discussão a mais, que são as ideias de Paulo Freire sobre educação popular, principalmente em Pedagogia do Oprimido (1975), mas também em Educação como prática de Liberdade (1967), Extensão ou Comunicação (1975),

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Metodologia

Apresentado o marco teórico da tese, passo agora a esclarecer sua metodologia. Do tipo de relação orgânica com o objeto de análise resultou que as opções metodológicas implicaram quase que inevitavelmente em uma pesquisa participante, conduzida pelo materialismo

histórico dialético. A noção de “pesquisa participante”, relacionada à de “pesquisa-ação”

(THIOLLENT, 1988), implica fundamentalmente na preocupação de conjugar teoria e prática na produção do conhecimento. Com ela, geralmente quer-se expressar uma forma de conhecer a realidade por meio de uma postura ativa, indicando certa intervenção do sujeito que conhece no objeto a ser conhecido. Também associadas à proposta de educação popular freireana, as

noções de “pesquisa-ação” e de “pesquisa participante” costumam, ainda, ser reivindicadas

nas práticas da assessoria jurídica popular. A noção de pesquisa participante caracteriza este trabalho porque procedi às análises da assessoria jurídica universitária popular por meio de uma profunda interação com esse objeto analisado.

O pano de fundo que orienta esta pesquisa participante, o materialismo histórico-dialético, pressupõe a existência de uma realidade objetiva a ser conhecida e transformada pela práxis de tal modo que a unidade entre o refletir e o agir impossibilita a produção de um

conhecimento “neutro” em relação à dominação de classes objetivamente existente no modo

como as relações humanas se configuraram na história.

Segundo esta concepção teórico-metodológica inaugurada por Marx, as questões que se apresentam como problemas a serem analisados fazem parte de uma totalidade histórica contraditória e em movimento. Ao analisar estes problemas, cumpre situá-los nessa totalidade e perceber como eles se articulam às condições materiais e historicamente configuradas de produção e reprodução da vida humana, não de forma direta, mas através de múltiplos sistemas de mediações, como as ideologias. Tal concepção apresenta, desse modo, a totalidade, a contradição e a mediação como categorias nucleares (NETTO, 2011).

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perspectiva de enfrentamento no complexo da educação jurídica, tomando como ponto de partida os relatos dos estudantes e a observação participante desta orientação ideológica situada no direito. Busquei captar o movimento contraditório do real a partir desse lugar, o lugar da assessoria jurídica popular, que é onde me situo também.

O aspecto mais inspirador da abordagem teórico-metodológica de Marx para esta pesquisa é a busca pela conjugação entre teoria e prática dentro de uma perspectiva revolucionária, o que exige uma interlocução efetiva com a classe trabalhadora e os demais sujeitos subalternizados da sociedade de classes em seus enfrentamentos com as forças do capital. O marxismo não faz sentido longe dessas lutas. Ao problematizar as possibilidades, contradições e limites da AJUP como perspectiva ideológica de questionamento da ordem dominante dentro do complexo jurídico, a minha intenção é a de estimular reflexões entre os sujeitos que atuam nesse campo para que se coloquem com ainda maior firmeza ao lado dos antagonistas do capital nos enfrentamentos que travam. Apesar das muitas limitações que este trabalho apresenta, penso que este objetivo, se cumprido, vale o título de “marxista”. Um marxismo talvez julgado por alguns como “heterodoxo” e/ou “humanista”, mas, sem dúvida, ocupado com a revolução.

Para organizar as ideias na forma assumida neste texto, dois trabalhos serviram-me de profunda inspiração metodológica nos marcos do materialismo histórico. O primeiro deles, de autoria de Fernando Claudín (2013), intitula-se A crise do movimento comunista. Ao analisar a experiência desse movimento no qual esteve profundamente imerso ao longo de décadas, Claudín mergulha no objeto sobre o qual reflete do mesmo modo que mergulhou na práxis política da luta comunista. Por isso seu texto é apaixonadamente revolucionário sem deixar de ser crítico-analítico, obedecendo, em termos de perspectiva metodológica, “à melhor inspiração do pensamento marxiano”, como notou José Paulo Netto (2013, p.16). A forma como Claudín apresenta as questões ali colocadas embrulha e desembrulha sucessivamente seus problemas analíticos, promovendo sínteses dos processos que ele começa analisando pelo final para em seguida esmiuçá-los, retornando ao ponto de partida de modo profundamente dialético.

O outro trabalho metodologicamente inspirador, de Luís Momesso (1997), denomina-se

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nas entrevistas com os problemas teóricos dentro da perspectiva da totalidade. Ademais, o compromisso com a luta dos trabalhadores conduz toda a sua trajetória pessoal e intelectual. Foi sindicalista quando metalúrgico na região do ABC paulista e, como professor da Universidade Federal de Pernambuco, concebeu o Núcleo de Documentação sobre os Movimentos Sociais ligado a essa instituição, pesquisando na área da comunicação sindical.

Demarcadas essas concepções e influências, passo a descrever como se desenvolveu a pesquisa de campo deste trabalho. Obviamente foi necessário proceder a algumas delimitações. A pesquisa voltou-se a certo segmento entre os grupos de assessoria jurídica popular, localizados nas universidades e marcados por um forte protagonismo estudantil. Nem todos os grupos de AJUP apresentam este perfil, e nem todos que o apresentam foram alcançados pela pesquisa de campo. O primeiro recorte restringiu a pesquisa aos grupos ligados à Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária, a RENAJU. Dentro da RENAJU, limitei as entrevistas aos grupos da região Nordeste, mas somente àqueles ligados nas universidades federais situadas nas capitais dos estados dessa região.

Sendo assim, o campo da pesquisa compreendeu oito grupos de AJUP ligados à RENAJU e às faculdades de direito das universidades federais localizadas nas capitais da região Nordeste do país: a) o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Negro Cosme (NAJUP Negro Cosme/UFMA); b) o Centro de Assessoria Jurídica Popular do Piauí (Cajuína/UFPI); c) o Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária da Universidade Federal do Ceará (NAJUC/UFC); d) o Centro de Assessoria Jurídica da Universidade Federal do Ceará (CAJU/UFC); e) o Programa Motyrum de Educação Popular em Direitos Humanos (MOTYRUM/ UFRN); f) o Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru (NEP Flor de Mandacaru/UFPB); g) o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Direito nas Ruas (NAJUP/ UFPE) e; h) o Serviço de Apoio Jurídico da Universidade Federal da Bahia (SAJU- UFBA).

As limitações para um alcance mais amplo da pesquisa de campo foram principalmente de ordem financeira, tendo em vista que os gastos com deslocamento, hospedagem, alimentação etc. para realizar as entrevistas e proceder à observação participante de atividades como encontros, seminários, momentos de atuação da AJUP com os processos de educação popular, entre outros, não contaram com outro tipo apoio além do financiamento próprio e da solidariedade dos estudantes que participaram da pesquisa e de alguns amigos que me acolheram ao longo da estadia em outros estados.

Outro fator limitante foi o fato de que os instrumentos utilizados para realizar a pesquisa de campo apresentavam um alto grau de complexidade na sistematização dos problemas a

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conversa mais informal com uma média de 10 estudantes por grupo, de longa duração (aproximadamente três horas cada), que, embora orientada por um roteiro, não apresentava rigidez quanto ao controle dos temas discutidos. Pessoas que falavam ao mesmo tempo em algumas passagens da entrevista (às vezes em muitas dessas passagens, como os baianos do SAJU), dificultando a identificação das vozes na gravação, indo e voltando nos temas colocados para a discussão e trazendo várias outras questões que, embora não houvessem sido previstas, consistiam em aspectos fundamentais para as análises sistematizadas a partir dali. Esta complexidade que fugia ao controle da “metodologia científica” tornou o processo de

sistematização dos “dados” mais lento e acidentado, mas possivelmente também mais rico e

profundo. Seria bem difícil ampliar o alcance da pesquisa de campo para muitos outros grupos diante dessas opções metodológicas.

Teria sido interessante, nesse sentido, ter buscado outros pontos de vista para comparar com os dos estudantes da AJUP, por exemplo, se tivesse entrevistado alguns sujeitos parceiros na atuação dos grupos (como lideranças comunitárias ou ligadas a movimentos sociais com as quais a AJUP atuasse). Isso poderia ter minimizado as dificuldades decorrentes da identificação com o campo da pesquisa, possibilitando ampliar o olhar para outras questões que talvez não tenham sido alcançadas por conta dessa proximidade com o objeto analisado. As limitações da pesquisa, contudo, não possibilitaram tal ampliação do enfoque.

Junto ao mencionado campo delimitado, utilizei dois instrumentos metodológicos principais: entrevistas com roteiro semi-estruturado e observação participante em algumas atividades desses grupos1. A maneira de utilizar esses instrumentos foi influenciada por uma aproximação2 muito inicial com certas reflexões sobre a produção do conhecimento na antropologia. Tais reflexões certamente oferecem ricas possibilidades para aqueles que buscam olhar para o real por meio de uma pesquisa de campo, como os dilemas de “estar lá” e “estar aqui” de Gertz (1988); as reflexões de Roberto da Matta (1978) sobre o “antrophological blues”; as de Roberto Cardoso de Oliveira sobre o trabalho do antropólogo (1988) e, ainda, as de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1991) sobre o uso do gravador para o

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Algumas informações utilizadas na tese foram obtidas por meio do resgate da memória coletiva através de conversas com antigos integrantes dos grupos pesquisados, durante as viagens para a pesquisa de campo ou em outras ocasiões informais. Esse tipo de registro não estava previsto na idealização da pesquisa de campo, e está observado em nota de rodapé com a identificação dos colaboradores, e dizem respeito, principalmente, a alguns acontecimentos importantes para a história da RENAJU.

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registro de informações. Juntei essas leituras reconhecidamente superficiais à minha disposição não suficientemente qualificada para fazer uma pesquisa de campo. A maior influência desta limitada incursão na antropologia foi a busca por explorar as possibilidades de um tipo de interação com os estudantes em que eles se sentissem à vontade para me dizer o que pensavam da forma mais espontânea possível sobre a sua prática da assessoria jurídica popular. O resultado está aqui à disposição do julgamento dos antropólogos, dos meus “nativos” e de quem mais se interessar.

As entrevistas, realizadas entre abril e agosto de 2013, foram concebidas com um caráter relativamente informal, mais próximo de uma conversa. As entrevistas foram realizadas na “casa” deles, isto é, nas salas utilizadas pelos núcleos em suas universidades, com seus cartazes e demais símbolos, ou, excepcionalmente, na casa de algum dos integrantes do grupo (o que aconteceu apenas com o Negro Cosme, porque havia perdido recentemente a sala utilizada na faculdade de direito da UFMA e com o Motyrum/RN, por motivos de conveniência deles).

O roteiro utilizado iniciava-se com a apresentação dos estudantes presentes, que eram os atuais integrantes dos grupos. Perguntava a eles o nome, a idade, o período em que se encontravam no curso e há quanto tempo participavam da AJUP. Depois disso, apresentava a pesquisa, colocando os objetivos, as justificativas, os marcos teóricos e esclarecendo a metodologia. Quanto a este último aspecto, destacava o caráter informal da conversa que se seguiria, deixando-os à vontade para intervir no momento em que julgassem necessário, sem uma ordem prevista de falas entre eles a não ser para a primeira e a última rodada de questões, a respeito das quais gostaria que todos se pronunciassem, um por um.

A primeira questão, “por que vocês participam desse grupo?” buscava compreender o que os levavam a organizar-se para atuar na assessoria jurídica popular, suas motivações e uma primeira noção de como eles percebiam aquela atuação. Nessa oportunidade, geralmente expressavam os seus desencantos com a educação jurídica e a percepção de que a assessoria jurídica popular representava um contraponto à “elitização”, ao “conservadorismo”, ao “dogmatismo” e às relações “opressoras” que se estabeleciam nas faculdades de direito. Expressavam também o modo como este contraponto estava implicado em motivações de ordem pessoal, pois o pertencimento àquele grupo passava também pela acolhida emocional a certo sentimento de inquietude que se apresentava diante daquela realidade e acabava fortalecendo laços de profundo companheirismo entre eles.

Imagem

Figura 1 - Cartaz "Procurada"                              Figura 2 - Cartaz "Procurado"
Figura 4 - Cartaz SAJU  Figura 5 - Debate SAJU
Figura 6 - Evento Ensino Jurídico em Crise
Figura 7 - Sociedade de Debates 1                          Figura 8 - Sociedade de Debates 2  Fonte: <http://www.sddufc.com.br/>
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