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Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho. Estudo orgânico-funcional: 1885-2020

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Universidade de Lisboa Faculdade de Letras

Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho

Estudo orgânico-funcional: 1885-2020

Mestrado em Ciências da Documentação e Informação

Pedro Moutinho Guerra

2023

Dissertação especialmente elaborada para a obtenção do grau de Mestre, orientada pelo Professor Doutor Carlos Guardado da Silva

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i RESUMO

O estudo orgânico-funcional é fundamental para a utilização da classificação orgânico-funcional, o instrumento de classificação mais adequado para a representação da informação acumulada em sistemas de informação pretéritos, uma vez que decorre, recorrendo aos normativos legais e regulamentares, da caracterização da entidade produtora da informação – as suas funções e competências – e da caracterização da sua estrutura orgânica – a forma como se encontra organizada, bem como do seu contexto. O presente trabalho tem como objetivo compreender como se estrutura, numa perspetiva diacrónica, o sistema de informação da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho. A investigação, de natureza qualitativa, suporta-se no método da investigação documental, e segue uma abordagem sistémica, segundo a Teoria Geral dos Sistemas. O trabalho atingiu plenamente dois dos três objetivos específicos propostos, a caracterização da estrutura orgânico-funcional do sistema de informação mencionado e a identificação das competências dos órgãos integrantes da estrutura orgânico-funcional, tendo sido iniciada a associação aos órgãos da informação constante do inventário do Arquivo Histórico da ESMAVC, contribuindo para uma futura proposta de quadro de classificação. Concluiu-se pela existência de uma correlação entre uma maior exaustividade das competências dos órgãos e a complexidade da estrutura orgânico-funcional, tal como sucede nos sistemas de informação abertos com trocas de informação, na aceção de Bertalanffy (1968) e Chiavenato (2003). A perspetiva diacrónica revelou-se de aplicação pertinente no presente trabalho, atendendo ao período temporal alargado e à abundância de legislação.

PALAVRAS-CHAVE

Classificação. Estabelecimento de ensino. Estudo orgânico-funcional.

Gestão da informação. História do ensino. Sistema de informação.

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ii ABSTRACT

Functional organizational studies are paramount for the use of functional organizational classifications, which are the most suitable classification tools for the representation of accumulated information in past information systems.

Functional organizational studies come upon the characterization of information producers and their organical structure, taking into account their role and competences, as well as the way they are organized and their context. This work aims to understand how an information system is organized under a diachronic perspective – the information system of Maria Amália Vaz de Carvalho High School. This qualitative research follows the document analysis method and was conducted based on a systemic approach, according to the General Systems Theory. This research reached two of the three specific goals – the characterization of the functional organizational structure of the information system and the list of roles and competences assigned to bodies of the functional organizacional structure. Information of ESMAVC historical archives was assigned to the structure’s bodies, paving the way for a future proposal of a classification scheme. The study turned out to find a correlation between the thoroughness of the bodies’ competences and the complexity of the functional organizational structure, as Bertalanffy (1968) and Chiavenato (2003) understand open systems with information exchanges. The diachronic perspective proved itself useful for this research, given the long time lapse and the abundance of legislation.

KEYWORDS

Classification. Educational institution. Functional organizational study.

Information management. History of teaching. Information system.

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iii DEDICATÓRIA

À minha avó materna, falecida durante a elaboração da dissertação

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iv AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, pelo constante incentivo durante a elaboração da dissertação e todas as informações prestadas, em particular, pelo meu pai, enquanto antigo aluno da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, as quais se revelaram fundamentais para a sua boa conclusão.

Em segundo lugar, devo um grande agradecimento ao Professor Doutor Carlos Guardado da Silva, quer na qualidade de orientador, quer na qualidade de coordenador do programa de mestrado, por toda a disponibilidade manifestada, pelos sempre sábios conselhos, por todos os ensinamentos transmitidos e, especialmente, por toda a confiança em mim depositada ao longo do programa de mestrado.

A todos os professores do programa de mestrado, agradeço todo o enriquecimento trazido durante os debates mantidos nos vários fóruns de discussão e todo o estímulo na transmissão de conhecimentos.

Aos colegas de curso, particularmente à Raquel, à Gabriela, à Elem, à Ana Isabel e ao Agostinho, sou grato por todo o acompanhamento e integração na turma e nos trabalhos de grupo ao longo dos anos de convivência, infelizmente interrompidos pela pandemia COVID-19.

Aos colegas da Divisão do Licenciamento Único de Ambiente e da Divisão de Emissões Industriais, ambas do Departamento de Gestão do Licenciamento Ambiental da Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. – entidade na qual iniciei funções durante a elaboração do presente trabalho –, agradeço o excelente acolhimento, o apoio na compatibilização da atividade profissional com a elaboração da dissertação e os contributos fornecidos acerca da experiência vivida no sistema de ensino português durante o período temporal mais recente abrangido pelo presente trabalho.

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v

À equipa da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, agradeço a disponibilidade manifestada para o envio das informações necessárias à boa prossecução do trabalho, aqui se destacando a Professora Fátima Lopes, que exerceu funções de diretora da Escola entre 2013 e 2021 e foi a impulsionadora do presente projeto.

Ao Doutor Amaro Carvalho da Silva, agradeço o apoio dado na revisão da primeira fase da dissertação, que se revelou importante para a subsequente prossecução do trabalho.

Aos meus amigos, em particular à Ana Martins, agradeço o apoio e o incentivo constantes, bem como a disponibilização de informação relevante no domínio das Ciências da Educação.

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vi SUMÁRIO

RESUMO ... i

ABSTRACT ... ii

DEDICATÓRIA ... iii

AGRADECIMENTOS ... iv

LISTA DE SIGLAS ... ix

ÍNDICE DE FIGURAS ... x

ÍNDICE DE TABELAS ... xi

INTRODUÇÃO ... 2

1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E ESTADO DA ARTE ... 5

1.1. Contextualização histórica ... 5

1.2. Estado da arte ... 16

2. METODOLOGIA ... 33

3. ESTUDO ORGÂNICO-FUNCIONAL ... 44

3.1. Período de 1885 a 1916 ... 44

3.1.1. Evolução histórica da estrutura curricular ... 45

3.1.2. Abordagem administrativa ... 55

3.1.2.1. Subperíodo de 1885 a 1889 ... 55

3.1.2.2. Subperíodo de 1890 a 1905 ... 58

3.1.2.3. Subperíodo de 1906 a 1916 ... 64

3.2. Período de 1917 a 1972 ... 75

3.2.1. Evolução histórica da estrutura curricular ... 78

3.2.2. Abordagem administrativa ... 97

3.2.2.1. Subperíodo de 1917 a 1930 ... 100

3.2.2.2. Subperíodo de 1931 a 1946 ... 106

3.2.2.3. Subperíodo de 1947 a 1972 ... 118

3.3. Período de 1973 a 2020 ... 139

3.3.1. Evolução histórica da estrutura curricular ... 142

3.3.2. Abordagem administrativa ... 174

3.3.2.1. Subperíodo de 1973 a 1990 ... 176

3.3.2.2. Subperíodo de 1991 a 2007 ... 189

3.3.2.3. Subperíodo de 2008 a 2020 ... 197

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vii

CONCLUSÃO ... 209

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 213

a) Fontes ... 213

b) Estudos ... 231

APÊNDICE A – Cronologia dos acontecimentos (1873-1916) ... 245

APÊNDICE B – Tabela representativa do Estudo orgânico-funcional da Escola Maria Pia (1885-1889) ... 247

APÊNDICE C – Informação proveniente da Escola Maria Pia (1885-1889) armazenada na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho ... 251

APÊNDICE D – Tabela representativa do estudo orgânico-funcional da Escola Maria Pia (1890-1905) ... 252

APÊNDICE E – Informação proveniente da Escola Maria Pia (1890-1905) armazenada na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho ... 262

APÊNDICE F – Tabela representativa do estudo orgânico-funcional do Liceu Maria Pia (1906-1916) ... 264

APÊNDICE G – Informação proveniente do Liceu Maria Pia (1906-1916) armazenada na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho ... 280

APÊNDICE H – Cronologia dos acontecimentos (1917-1972) ... 284

APÊNDICE I – Tabela representativa do Estudo orgânico-funcional do Liceu (1917-1930) ... 287

APÊNDICE J – Informação proveniente do Liceu (1917-1930) armazenada na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho ... 318

APÊNDICE K – Tabela representativa do estudo orgânico-funcional do Liceu (1931-1946) ... 324

APÊNDICE L – Informação proveniente do Liceu (1931-1946) armazenada na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho ... 361

APÊNDICE M – Tabela representativa do estudo orgânico-funcional do Liceu (1947-1972) ... 369

APÊNDICE N – Informação proveniente do Liceu (1947-1972) armazenada na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho ... 398

APÊNDICE O – Cronologia dos acontecimentos (1973-2020) ... 402

APÊNDICE P – Tabela representativa do estudo orgânico-funcional da Escola (1973-1990) ... 404

APÊNDICE Q – Informação proveniente da Escola (1973-1990) armazenada na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho ... 462

APÊNDICE R – Tabela representativa do estudo orgânico-funcional da Escola (1991-2007) ... 466

APÊNDICE S – Informação proveniente da Escola (1991-2007) armazenada na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho ... .502

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viii

APÊNDICE T – Tabela representativa do estudo orgânico-funcional do Liceu (2008-2020) ... 506 APÊNDICE U – Informação proveniente da Escola (2008-2020) armazenada na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho ... 521 ANEXO A – Excertos do Regulamento provisório da Escola Maria Pia (1885) – citado por Fuente (1989) ... 523 ANEXO B – Excertos do Relatório do ano letivo de 1885-1886 – citado por Bellem (1886) ... 525 ANEXO C – Excertos do documento de Reorganização dos estudos e do pessoal docente da Escola Maria Pia (7 de agosto de 1890) – citado por Fuente (1989) ... 527 ANEXO D – Excertos do Regulamento da Escola Maria Pia (10 de dezembro de 1890) – citado por Fuente (1989) ... 528

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ix LISTA DE SIGLAS

CML Câmara Municipal de Lisboa

ESMAVC Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho ESU Ensino Secundário Unificado

IS Information System (sistema de informação)

IT Information Technologies (tecnologias de informação) LBSE Lei de Bases do Sistema Educativo

MEF Macroestrutura Funcional para a Administração Pública MP Mocidade Portuguesa

MPF Mocidade Portuguesa Feminina

OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico OMEN Obra das Mães pela Educação Nacional

PRM Projeto Regional do Mediterrâneo UE União Europeia

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x ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 – O modelo organizacional ... 20

Organograma A – Organograma da Escola Maria Pia no período 1885- 1889 ... 55

Organograma B – Organograma da Escola Maria Pia no período 1890- 1905 ... 59

Organograma C – Organograma da Escola Maria Pia no período 1906- 1916 ... 66

Organograma D – Organograma do Liceu no período 1917-1930 ... 102

Organograma E – Organograma do Liceu no período 1931-1946 ... 108

Organograma F – Organograma do Liceu no período 1947-1972 ... 119

Organograma G – Organograma da Escola no período 1973-1990 .... 183

Organograma H – Organograma da Escola no período 1991-2007 .... 191

Organograma I – Organograma da Escola no período 2008-2020 ... 199

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xi ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 – Lista de vereadores do pelouro da Instrução da Câmara Municipal de Lisboa na segunda metade do século XIX ... 6 Tabela 2 – Eras de evolução do sistema de informação e períodos de estudos propostos para o presente trabalho ... 18 Tabela 3 – Evolução da estrutura curricular da organização entre 1885 e 1916 ... 45 Tabela 4 – Diretores da Escola/Liceu Maria Pia no período 1885-1916.69 Tabela 5 – Evolução da estrutura curricular da organização entre 1917 e 1972 ... 79 Tabela 6 – Reitores do Liceu no período 1917-1972 ... 124 Tabela 7 – Tabela de equivalências entre níveis de ensino, consoante as sucessivas alterações legislativas ... 145 Tabela 8 – Evolução da estrutura curricular da organização entre 1973 e 2020 ... 153 Tabela 9 – Titulares do cargo máximo de direção da Escola/do Liceu no período 1973-2021 ... 201

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1 Página intencionalmente deixada em branco

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2 INTRODUÇÃO

O presente trabalho surge, em 2020, no contexto do 135.º aniversário da criação da Escola Maria Pia, a primeira escola feminina em Portugal e antecedente diacrónica da atual Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho. A Portaria n.º 610/2020, de 19 de outubro, da Secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, classifica como monumento de interesse público (MIP) o antigo Liceu Feminino de Maria Amália Vaz de Carvalho, incluindo o património móvel integrado – o que inclui, naturalmente, o Arquivo Histórico, que constitui o objeto de estudo do presente trabalho.

Tal classificação torna ainda mais premente o início do processo de organização da informação que se encontra na instituição. Este vasto lapso temporal surge, assim, refletido na pergunta de partida desta investigação, que pretende compreender como se estrutura, numa perspetiva diacrónica, o sistema de informação da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho. Assim, da contextualização do problema em investigação no tempo e no espaço decorre a pergunta de partida – ‘Como se estrutura, numa perspetiva diacrónica, o Sistema de Informação da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho (1885- 2020)?’.

O objetivo geral da investigação a desenvolver é ‘Compreender, numa perspetiva diacrónica, a estrutura do Sistema de Informação da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho’. Os três objetivos específicos são:

identificar, a partir das disposições legais e regulamentares, as competências dos órgãos que compõem a estrutura orgânico-funcional da Escola Maria Amália Vaz de Carvalho; caracterizar a estrutura orgânico-funcional da Escola Maria Amália Vaz de Carvalho; e elaborar uma proposta de quadro de classificação, atendendo aos fins da Organização e aos órgãos produtores da informação.

Importa, desde logo, clarificar os termos utilizados para designar, abreviadamente, o estabelecimento de ensino em estudo – são utilizados, ao longo do trabalho, os termos Escola e Liceu. O estabelecimento de ensino em estudo teve as seguintes designações – entre 1885 e 1906, Escola Primária

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3 Superior Maria Pia; entre 1906 e 1919, Liceu Maria Pia; entre 1919 e 1926, Liceu Central de Garrett; entre 1926 e 1979, Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho;

desde 1979, Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho.

O estado da arte é antecedido de uma contextualização histórica, relativa à história do ensino, com vista a situar o problema no tempo e no espaço. No âmbito da contextualização histórica, problematizam-se os temas, anteriores à fundação da Escola, da instrução feminina, do pioneirismo da Escola num contexto de analfabetismo generalizado e da tensão entre o poder municipal – o fundador da Escola – e o poder central do Estado, que acabaria por assegurar a sua continuidade até à atualidade.

No âmbito do estado da arte, os conceitos centrais do presente trabalho são: sistema de informação, gestão da informação e classificação. A problematização do conceito de sistema de informação, que pode assumir a forma de sistema de informação social, inerente a uma organização, ou de sistema de informação tecnológico é uma discussão relevante a abordar. Os conceitos de gestão da informação e de classificação são, a dado ponto, relacionados entre si, na sequência da discussão tida acerca dos mesmos.

Relativamente ao estudo orgânico-funcional, a definição dos três períodos temporais – 1885-1916, 1917-1972 e 1973-2020 – utilizados para a caracterização da estrutura orgânico-funcional obedeceu ao modelo das três idades e procurou que a respetiva duração não fosse excessivamente díspar entre eles, assim como foi privilegiado o critério da publicação das principais reformas do ensino secundário para a divisão dos três períodos. Adicionalmente, o reduzido peso dos estudos orgânico-funcionais em arquivos escolares torna mais premente o desenvolvimento da presente investigação, pela especificidade dos estudos orgânico-funcionais em arquivos escolares (A. M. Silva et al., 2019).

Os três períodos foram divididos em três subperíodos, tendo em conta a proliferação de legislação, a qual se torna de mais fácil análise quando em períodos temporais de menor dimensão, para que a análise seja o mais detalhada possível. Em cada período optou-se por uma abordagem relativa à

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4 evolução histórica da estrutura curricular e por uma abordagem administrativa, esta última dividida em três subperíodos.

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5

1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E ESTADO DA ARTE

1.1. Contextualização histórica

Importa ter presente, para a elaboração deste estudo, o contexto histórico em que decorre a formação do sistema de informação da organização em estudo.

Em primeiro lugar, salienta-se que, em 1873, foi recriado o pelouro da Instrução no âmbito da Câmara Municipal de Lisboa (CML), com um espírito claramente contrastante com a anterior criação do “Pelouro das escolas municipais de artes e indústria, e Beneficência”, em 1852 (Campos, 1999). Neste ano, esteve brevemente atribuído aos municípios – no caso de Lisboa, ao vereador Aniceto Ventura Rodrigues – um poder meramente supletivo relativamente aos estabelecimentos de ensino, que passava apenas pela

«possibilidade de disponibilizar edifícios e mobiliário para as escolas e de estabelecer ordenados e gratificações a professores» (Campos, 1999, p. 167), sempre sujeito a autorização prévia, e que configurava «o cariz centralista»

(Campos, 1999, p. 167) da instrução pública nessa época. Segundo o Arquivo Municipal de Lisboa (1873, 1892), este pelouro não teve continuidade além de 1852, o que, para Adão (2014), «pode significar o desinteresse municipal [nessa época] pelo funcionamento da instrução pública ao contrário de outros municípios que se mostravam mais activos» (p. 165). Não obstante a inexistência do pelouro da Instrução, em 1859 e 1872 são criadas escolas de iniciativa municipal, pelo que, quando da criação da Escola Maria Pia, não constituía novidade a iniciativa municipal em matéria de instrução.

Já em 1873, assiste-se a uma inversão deste cenário e passa a existir uma «política mais ou menos articulada entre o Governo e o município para o desenvolvimento da instrução primária na capital» (Campos, 1999, p. 168), através da referida recriação do pelouro da Instrução, com estatuto especial, que foi confiado ao vereador da CML, José Elias Garcia. Por sua vez, A. C. da Silva (2003) atribui especial relevância ao vereador do pelouro, uma vez que, sendo republicano e membro da Maçonaria (Ventura, 2013), tal ia ao encontro da criação da instrução feminina, um dos desígnios do «movimento iluminista e

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6 liberal, do ideário republicano e mação e dos diversos movimentos feministas»

(p. 486). Fernandes (1993) associa a este ideário republicano, progressista e maçónico «as tentativas de transferência para os municípios dos encargos de orientação e financiamento do ensino primário», sendo as mesmas uma expressão do «sonho e esperança da cleresia intelectual oitocentista» (p. 160).

Aliás, segundo Adão (2014), Elias Garcia, responsável pelos assuntos educativos perante a inexistência de um pelouro da Instrução, apresentou diversas propostas para a criação do pelouro da Instrução a partir do momento da sua eleição como vereador, pelo Partido Reformista, em 1872, apenas conseguindo obter aprovação para a criação do pelouro da Instrução na reunião da câmara municipal de 29 de dezembro de 1873. Foi-lhe, assim, atribuído este pelouro no novo mandato, que teve início em 1874 (Adão, 2014).

Tabela 1 – Lista de vereadores do pelouro da Instrução da Câmara Municipal de Lisboa na segunda metade do século XIX. A negrito, os nomes pelos quais os respetivos responsáveis são conhecidos.

Vereadores responsáveis pelo pelouro da Instrução da CML - Câmara Municipal de Lisboa (1852; 1873-1891).

Vereador da Instrução Período Presidente da CML Aniceto Ventura Rodrigues 1852 Alberto António Morais de

Carvalho José Elias Garcia 1873-1875 Francisco Manuel de

Mendonça, 1.º barão de Mendonça

Joaquim António de Oliveira Namorado

1876 Luís de Almeida e Albuquerque Luís L. P. Jardim 1877 António José de Saldanha

Oliveira e Sousa, 4.º conde de Rio Maior

José Elias Garcia (2.ª vez)

1878-1881

José Gregório da Rosa Araújo Manuel C. Teófilo Ferreira 1882-1883

Jaime Coriolano Henriques Leça da Veiga

1884-1885 Fernando Mattoso Santos 1886-1889

Fernando Pereira Palha Osório Cabral

Augusto José da Cunha 1889 (março a dezembro)

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7 Martinho A. C. Tenreiro 1890

(janeiro a março) Luciano A. S. Monteiro 1890

(março a novembro)

Francisco Simões Margiochi

Luís de Albuquerque 1890-1891 Pedro João de Morais Sarmento, 8.º marquês de

Fronteira António F. Costa Lima 1891

(agosto a dezembro)

Manuel Sarmento Ottolini, 1.º conde de Ottolini

Torna-se necessário compreender as razões por detrás deste hiato temporal de dez anos entre a criação do pelouro da Instrução, em 1873, e a primeira proposta para a criação da Escola Maria Pia, em 1883. Segundo Adão (2014), em 1876-1877, Elias Garcia perde o pelouro da Instrução para o vereador Joaquim António de Oliveira Namorado, seu opositor político, o qual considerava, tal como o presidente da CML, Luís de Almeida e Albuquerque, já existirem escolas régias suficientes, não existindo necessidade de mais escolas municipais. Em 2 de maio de 1878, através de uma reforma do ensino primário promovida pelo então ministro do Reino, António Rodrigues Sampaio, é, de alguma forma, limitada a ambição já existente para a Escola Maria Pia. Refere C. M. da Silva (2012b) que, procurando o município de Lisboa «soluções adaptadas ao terreno pedagógico» (p. 450), tal passa a constituir um extravasar do âmbito da referida lei de 2 de maio de 1878, a qual, no entender do governo central, atribui apenas competências não pedagógicas às câmaras municipais em matéria de estabelecimentos escolares. Nesse mesmo ano de 1878, Elias Garcia assume novamente o pelouro da Instrução, embora só «no início da década de 1880 (…) estes estabelecimentos municipais de ensino irão conhecer um desenvolvimento acentuado» (Adão, 2014, p. 190).

Assim, só a 18 de outubro de 1883 foi aprovada, em sessão da Câmara Municipal de Lisboa (CML), a criação da Escola Primária Superior Maria Pia, sob proposta do vereador com o pelouro da Instrução, Teófilo Ferreira (Fuente, 1989), que assumira o cargo no anterior mandato (Campos, 1999). Passou-se quase um ano até que, sem concretização prática, em sessão da CML de 28 de agosto de 1884, o novo vereador com o pelouro da Instrução, Jaime Leça da

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8 Veiga, retoma a proposta de criação da Escola Primária Superior Maria Pia, a qual é aprovada em sessão da CML desse dia. Contudo, uma semana depois, em 4 de setembro de 1884, durante a leitura da ata da sessão anterior, foi suscitada a dúvida acerca da real aprovação da criação da escola nessa sessão, pelo que a proposta para a criação da escola foi submetida a nova votação, por decisão do presidente José Gregório da Rosa Araújo, e foi aprovada por seis votos a favor, dois votos contra e cinco ausências, uma das quais do anterior vereador com o pelouro da Instrução, José Elias Garcia, então já na oposição (Fuente, 1989). Na Tabela 1, encontra-se uma lista de vereadores responsáveis pelo pelouro da Instrução na Câmara Municipal de Lisboa na segunda metade do século XIX, até à centralização dos serviços de instrução primária do município no Ministério da Instrução Pública, por decreto de 6 de maio de 1892, e, após a extinção deste, no Ministério do Reino, por decreto de 6 de maio de 1892.

Por fim, em sessão da CML, de 9 de maio de 1885, é submetida à CML com caráter de urgência, pelo referido vereador Jaime Leça da Veiga, uma proposta para aprovação da abertura efetiva da Escola Primária Superior Maria Pia e do seu regulamento, o que acontece com dois votos contra, um dos quais de José Elias Garcia, que alega falta de urgência na aprovação da proposta devido a problemas de financiamento em termos de dotação do orçamento municipal de Lisboa (Fuente, 1989). Estas divergências remontam à década anterior do século XIX, nomeadamente a 1876, em que o então presidente da CML, o barão de Mendonça, «tecia críticas quanto aos desejos de alargamento orçamental do Pelouro da Instrução» (Campos, 1999, p. 175), defendendo que essas verbas seriam «mais bem canalizadas se destinadas aos assuntos da beneficência» (Campos, 1999, p. 175). A Escola é, apesar disso, inaugurada a 10 de junho de 1885. C. M. da Silva (2012b) refere, inclusivamente, que a lei da reforma administrativa do município de Lisboa, de 18 de julho de 1885, só vem a ser publicada depois da inauguração da Escola Maria Pia. Constata-se, assim, que o ritmo da câmara municipal passou a ser desfasado do ritmo do governo no que toca à criação de escolas centrais. C. M. da Silva (2012b) refere, a este propósito, que «as escolas centrais do município de Lisboa nunca serão

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9 superiormente [pelo governo] aprovadas» (p. 458), conforme requeria o artigo 20.º da referida lei de 2 de maio de 1878.

A. C. da Silva (2003) e Fuente (1989) coincidem no diagnóstico acerca do atraso de Portugal no tocante à educação feminina, na fase final do século XIX, face aos países congéneres europeus e aos Estados Unidos da América. Fuente (1989), por um lado, considera «notável» (p. 67) a aposta do município de Lisboa na educação feminina, fazendo da cidade um «oásis» (p. 68) relativamente a essa matéria. Com efeito, segundo Campos (1999), existiam, antes da criação da Escola Maria Pia, 11 escolas paroquiais femininas na cidade de Lisboa, no ano letivo de 1870/1871. Ainda antes da criação da Escola Maria Pia, no ano letivo de 1876/1877 já existiam duas escolas centrais em Lisboa (Campos, 1999). Esta realidade vem a ser consagrada na referida lei de 2 de maio de 1878 – reforma de António Rodrigues Sampaio –, que prevê a criação, pelas câmaras municipais, de escolas centrais nas cidades de Lisboa e Porto, desde que com autorização do governo (artigo 20.º); esta disposição vem a ser recuperada pela já mencionada lei da reforma administrativa do município de Lisboa, de 18 de julho de 1885, que permite à câmara municipal substituir escolas paroquiais por escolas centrais e, inclusive, aumentar o número de docentes a elas afetos (artigo 38.º, n.º 2).

Acresce a este atraso, em termos de educação feminina, a existência de elevadas taxas de analfabetismo entre a população portuguesa. F. R. da Silva (1993) enumera a taxa de analfabetismo face à população com idade superior a sete anos em diversos momentos do final do século XIX e início do século XX -

«79,4% em 1878 para residentes no Continente"'; 76% em 1890; 74,1% em 1900; 69,7% em 1911» (p. 102). De 1890 a 1911, entre os homens maiores de 7 anos, a alfabetização cresceu 6,8%, ao passo que a das mulheres cresceu 6,1%, esforço no qual se insere a criação da Escola Maria Pia, em 1885 (F. R.

da Silva, 1993). A este propósito, Pintassilgo (2012b) refere que, a par da alfabetização da população, o ideário republicano procurava promover no ensino a «interiorização (…) dos novos valores laicos e patrióticos associados ao republicanismo» (p. 3) com vista à criação de um cidadão novo e pleno em todas as vertentes da cidadania.

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10 É neste contexto que, tendo também em conta o facto de ser «difícil conseguir colocação no ensino primário» (Fuente, 1989, p. 73), é atribuído à Escola Maria Pia o estatuto de escola primária superior, diferenciando-se das demais escolas femininas, então tuteladas pelas paróquias (A. C. da Silva, 2003). Aliás, o pioneirismo da Escola Maria Pia é tão mais patente quanto, segundo C. M. da Silva (2012a), esta tipologia de escola primária superior virá a ser replicada no município de Sintra entre 1919 e 1926, fruto de uma reforma do ensino primário legislada pela Primeira República, em março de 1911. Em idêntico sentido aponta, na mesma obra, Pintassilgo (2012a), que refere que

«muitas das propostas inovadoras que aí [Primeira República] marcam presença vêm na continuidade de idêntico movimento que percorre as décadas finais do século XIX» (p. 81), confirmando Fernandes (1993) que «a legislação republicana prolongará, de resto, a mesma aspiração [das reformas de Rodrigues Sampaio e Luciano de Castro] em moldes essencialmente idênticos»

(p. 158). Esta tutela paroquial, cuja preponderância é posta em causa pela criação da Escola Maria Pia por parte da CML, resultou de «uma reforma que consagra a localização da escola no grupo natural da paróquia» (C. M. da Silva, 2008, p. 216, itálico do autor), levada a cabo por D. António da Costa, primeiro ministro da Instrução Pública em Portugal, durante breves meses do ano de 1870.

Segundo Fuente (1989), existia em Lisboa «uma larga camada da população feminina interessada em aumentar a sua cultura com objectivos profissionais» (p. 72), considerando que este propósito da criação da Escola Maria Pia partiu mais da vontade das alunas do que dos fundadores, já que, segundo esta autora, os pioneiros da educação feminina tinham «ideais tradicionais da mulher reduzida às actividades do lar» (Fuente, p. 72) e ao papel de mãe e de esposa. Também «o professorado defendia que nela se ministrasse instrução secundária ao sexo feminino» (Fuente, 1989, p. 74). A esta ambição de reforçar o estatuto da Escola através da sua inclusão no ensino secundário, expressa pelo corpo docente desde a fundação da mesma, não terão sido alheios os esforços do vereador Teófilo Ferreira, responsável pelo pelouro da Instrução na Câmara Municipal de Lisboa (1882-1883), nomeadamente através

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11 de uma aposta na qualificação do corpo docente, da «criação do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa e da biblioteca anexa» (C. M. da Silva, 2012b, p. 458), por grande pressão de Adolfo Coelho, e da abertura ao público das bibliotecas escolares. Tão pouco se pode dissociar a ambição de transformar a Escola em estabelecimento de ensino secundário do ideário republicano, o qual, de acordo com Proença (1997), preconizava a consciência cívica e a «elevação moral e espiritual» (p. 127) do povo, objetivos que «não poderiam alcançar-se apenas pela divulgação do ensino primário» (Proença, 1997, p. 127). Para Fernandes (1993), a criação do Museu Pedagógico, a realização dos congressos de professores do ensino primário e a criação de jornais e revistas pedagógicos constituíram manifestações de inovação, visto que permitiram que, no final do século XIX, a classe docente começasse a «pugnar de modo organizado por uma política educativa moderna» (p. 162), não se limitando a discutir questões remuneratórias e de carreira, antes avançando para «orientações da política educativa e na reflexão em torno de opções pedagógicas em jogo» (Fernandes, 1993, p. 162).

A. C. da Silva (2003), noutra perspetiva, defende que as sucessivas alterações legislativas, abordadas ao longo deste trabalho, os debates em torno da instrução feminina e os problemas financeiros, influenciando toda a rede escolar, afetaram em particular a Escola Maria Pia, fruto da sua criação recente e do debate constante em torno da necessidade de existência de ensino feminino. Este, no entanto, assumiu sempre um caráter particular, uma vez que a tutela da CML implicava que mantivesse o estatuto de escola primária superior, embora Fuente (1989) se refira à primeira proposta de currículo da escola, que não seria a inicialmente adotada, como «um verdadeiro programa de ensino secundário feminino» (p. 70). Fuente (1989) confirma as «dificuldades financeiras, crónicas na Câmara, que levavam muitos a considerar a despesa com a Escola não obrigatória» (p. 74).

Logo no ano de 1885, refere Fuente (1989), os referidos debates em torno da instrução feminina adensam-se e existem projetos de substituição da Escola Primária Superior Maria Pia por outros, «desde escola de artes e ofícios a liceu»

(p. 74), ou mesmo de encerramento da Escola. A nomeação de professores, tal

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12 como o grau de autonomia do município para essa função, foram também alvo de aceso debate na Câmara Municipal, pois, ao passo que o primeiro vereador do pelouro da Instrução, José Elias Garcia, defendia a autonomia municipal para a nomeação de professores sem concurso para as escolas centrais, o seu sucessor no cargo a partir de 1882, Teófilo Ferreira, entendia que a nomeação de professores deveria ser sujeita a concurso com supervisão governamental (Campos, 1999). Embora inicialmente desfavorável à nomeação de professores sem concurso para as escolas centrais, o vereador Teófilo Ferreira acaba por aquiescer, admitindo a nomeação de professores nesses termos, vendo nela «a expressão de uma vontade de autonomia na condução das políticas educativas»

(C. M. da Silva, 2012b, p. 455); o mesmo é dizer – perdeu a batalha para ganhar a guerra, sendo o objetivo primordial do município conseguir o reconhecimento da sua autonomia em matéria de instrução pública. A falta de consenso relativamente à continuidade do projeto educativo da Escola Maria Pia estendia- se, também, ao campo intelectual, a ponto de a futura patrona da organização, Maria Amália Vaz de Carvalho, ser considerada «pioneira no movimento de emancipação cultural da mulher» (Instituto Português do Livro e da Leitura, 1990). Como pioneira, refere Rodrigues (2019) que «a escrita de Maria Amália Vaz de Carvalho passa por transformações ao longo do tempo» (p. 13), o que se traduz na defesa de um «processo gradativo de emancipação feminina»

(Rodrigues, 2019, p. 13), pelo que não é a «força de feminista que encontraremos na sua obra» (Rodrigues, 2019, p. 14), na medida em que «a autora sai em defesa da instrução da mulher para beneficiar a família e não para levantar uma bandeira em defesa do gênero» (Rodrigues, 2019, p. 14). Por outras palavras, o pioneirismo de Maria Amália Vaz de Carvalho adequa-se tanto ao espírito que presidiu à criação do projeto educativo da Escola, como ao debate em torno da sua continuidade – trata-se de um projeto educativo pioneiro, não isento de controvérsia, em que se assume a educação feminina como objetivo primordial, ainda que no âmbito do cânone que limitava o papel social da mulher e a condição feminina no final do século XIX. Também no contexto do projeto educativo da Escola, e não apenas na obra de Maria Amália Vaz de Carvalho, nos encontramos, assim, perante um «processo gradativo de emancipação feminina» (Rodrigues, 2019, p. 13).

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13 Os referidos debates acerca da instrução feminina e, bem assim, acerca da condição da mulher manifestavam-se em dois níveis:

1) Ao nível da discussão teórica, em que Teófilo Braga, por exemplo, recusava a existência de instrução feminina, ao passo que a escritora Maria Amália Vaz de Carvalho, futura patrona da instituição, a defendia (Fuente, 1989);

2) Ao nível do tipo de ensino, pois a CML entendia que se deveria privilegiar o ensino prático, com vista à inserção da mulher nos postos de trabalho que lhe eram tradicionais, para «prover à educação das jovens de famílias desfavorecidas» (Fuente, 1989, p. 75), enquanto o corpo docente e o corpo discente defendiam que se deveria apostar no ensino teórico, tendo até, como já referido, existido muitas desistências pelo facto de a instrução ali ministrada não permitir o acesso ao magistério primário, além de ter havido poucas inscrições nos cursos especiais, complementares ao curso geral.

Estes debates proporcionam também a possibilidade de enquadrar o processo que levou à criação da Escola Maria Pia num dos dois tipos de inovação educativa propostos por Fernandes (1993). Assim, a Escola poderia ser considerada um projeto ou movimento pedagógico alternativo e, segundo Fernandes (1993), teria de ser gerada «no exterior do sistema educativo oficial»

(p. 157) – o método de ensino da leitura de João de Deus insere-se mais nesta perspetiva do que a Escola Maria Pia, que nasceu da iniciativa municipal e no seio da instrução primária oficial, uma vez que, segundo Fernandes (1993), «o novo processo de ensino da leitura foi primeiramente aplicado no ensino de adultos em escolas nocturnas ou dominicais» (p. 160) antes de ser aplicado ao ensino oficial. Esgotada esta possibilidade, afigura-se-nos como mais plausível que o processo de criação da Escola possa ser inserido, ainda de acordo com Fernandes (1993), nos «ensaios de modernização ou reformas efectivas de sectores estruturais de um dado sistema educativo» (p. 157). Esta categoria aparece como ainda mais plausível visto que a criação da Escola passa, em

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14 grande medida, pela «implantação de novos dispositivos pedagógicos de carácter organizativo» (Fernandes, 1993, p. 157), tal como está patente na ambição, desde cedo demonstrada pelo corpo docente, de transformar a organização, criada originalmente no contexto do ensino primário, num estabelecimento de ensino secundário – ambição à qual, prematuramente, foi dado o devido enquadramento legal pela carta de lei de 9 de agosto de 1888 e pelo regulamento de 6 de março de 1890, que, no entanto, só entraria em vigor em 1906. Esta ambição insere-se na convicção manifestada pela classe docente, segundo a qual

«

a actividade educativa não podia continuar a ser exclusivamente definida em função de concepções apriorísticas que a experimentação bem conduzida não certificasse» (Fernandes, 1993, p. 161).

Constitui, portanto, uma inovação a criação da Escola Maria Pia, pelo facto de se assumir como «desafio ou conflito aberto com o institucionalmente consagrado» (Fernandes, 1993, p. 158). Esta questão é pertinente para a possibilidade de situar adequadamente este trabalho, na medida em que, tratando-se de trabalho primordialmente no âmbito da Ciência da Informação, «o que está em jogo não é apenas o «pedagógico senão que também o projecto social e educativo que o sustenta» (Fernandes, 1993, p. 157).

A tensão entre o poder municipal e o poder central está bem patente nas críticas feitas por Eduardo José Coelho, ministro do Reino em 1906, devido à

«ausência de colaboração das corporações administrativas com o governo»

(Fuente, 1989, p. 77), ao longo do século XIX, com vista à estabilização da Escola Maria Pia com o estatuto de liceu, o que só se viria a concretizar em 1906 (A. C. da Silva, 2003). Com efeito, após a criação da escola (1885), o Estado emitiu um decreto, em 1888, propondo a criação de liceus femininos, naturalmente sob a sua alçada e não dos municípios (A. C. da Silva, 2003). No entanto, em 1890, a CML aprovou um novo regulamento, que equiparava o curso da Escola Maria Pia ao dos liceus, passando a ter a duração de quatro anos, mas mantendo a tutela da Escola – não chegando a ser implementado, até 1906, o estatuto de liceu. Em 1892, todavia, o governo ordenou a extinção do pelouro da Instrução da CML, e colocou a Escola sob tutela do Estado central, continuando com o estatuto de escola primária (A. C. da Silva, 2003). Importa

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15 também clarificar que as matérias relacionadas com a instrução e a educação foram integradas no Ministério da Instrução Pública, o qual seria rapidamente extinto e integrado no Ministério do Reino, reforma a que Fernandes (1993) chama o «sismo legislativo de Dias Ferreira» (p. 159), então presidente do Conselho de Ministros. Fuente (1989) refere que, apesar desta situação, a existência da Escola Maria Pia é «reconhecida como positiva pelo governo, visto que a aproveita e a coloca sob sua tutela» (p. 77), nomeadamente recriando, em 1890, o Ministério da Instrução Pública (que durou, como vimos, até 1892) e colocando um ponto final no período de descentralização da década de 1880.

Isso mesmo confirma Adão (2012), que refere que «a vida municipal (…) se encontrava quase extinta nos últimos anos da Monarquia Constitucional» (p. 28).

Longe já ia o espírito descentralizador da reforma de António Rodrigues Sampaio (1878), tendo Elias Garcia sido premonitório quanto aos efeitos da mesma – segundo Adão (2012), se foi inicialmente favorável e esperançoso quanto à reforma, Elias Garcia, em 1882, «enquanto deputado da Oposição monárquica, não pode deixar de criticar a descentralização promulgada» (p. 29), particularmente no que dizia respeito ao financiamento das competências descentralizadas. Não pode ser ignorada, como refere Fernandes (1993), a

«crise económica e financeira estrutural» (p. 166) vivida particularmente na última década do século XIX em Portugal, agravada por «uma economia de dependência em relação a países fortemente industrializados» (Fernandes, 1993, p. 166), o que terá marcado a questão do financiamento levantada por Elias Garcia.

Aliás, segundo Fernandes (1993), este conflito entre posições tradicionalistas e posições vanguardistas não é apenas característico do século XIX, mas também do século XX – o século durante o qual a Escola esteve presente durante os cem anos que o constituem. Apesar da «intelectualidade liberal burguesa» do século XIX e das «posições sindicais e associativas»

(Fernandes, 1993, p. 158) do século XX, acabou por ser «afinal tão fácil à Ditadura perpetuar a teoria e a prática da escola mais tradicionalista»

(Fernandes, 1993, p. 158), o que Fernandes (1993) explica pela «insuficiente adesão [dos trabalhadores do ensino] a princípios e práticas pedagógicas que,

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16 sendo inovadores, carregavam consigo um projecto de progresso social e humano» (p. 158).

1.2. Estado da arte

Importa, no quadro desta abordagem sistémica, afastar uma das configurações do conceito de Sistema propostas por Pinto (2018), nomeadamente a de «Sistema Tecnológico de Informação» (p. 29), a qual não se aplica ao presente objeto de estudo, que não passa primordialmente pela tecnologia. Esta posição vai ao encontro da defendida por Pinto (2018) e já acima referida, estabelecendo ligação entre a organicidade e o «contexto da produção informacional» (p. 26), bem como com a entidade produtora de informação. Tal tem, de acordo com Simões e Freitas (2013), implicações no processo de classificação, pois, se os objetos informacionais já estabeleceram relações entre si e de si com a entidade produtora, deve preservar-se essa vinculação ao órgão produtor dos mesmos, no respeito pelo princípio da proveniência, e deve garantir-se a reprodução das «relações de produção e de acumulação existentes entre eles» (p. 102), no respeito pelo princípio da ordem original.

Numa outra perspetiva, mas ainda relacionada com os autores referidos nos parágrafos anteriores, Ward e Peppard (2002) fazem distinção entre sistema de processamento de dados – numa vertente mais tecnicista – e sistema de gestão de informação – numa vertente mais abstrata. É relevante salientar que, ao longo da obra, Ward e Peppard (2002) utilizam uma equivalência, usual no contexto anglo-saxónico, entre Information System (IS) e Information Technology (IT) que, embora não utilizada neste estudo, não prejudica, para o caso em apreço, as citações que deles são utilizadas. Segundo as características do sistema de gestão de informação enunciadas por Ward e Peppard (2002), este tem como propósitos, entre outros:

• a resolução de problemas e o apoio à decisão – o que se adequa a um dos objetivos específicos do presente trabalho, que consiste na elaboração e proposta de um quadro de classificação;

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17

• a sua aplicação quer à história consolidada, quer ao futuro próximo e mais distante – aplicando-se plenamente a um período temporal significativo, como é o caso do presente trabalho (1885-2020);

• a sua associação a um ciclo de vida da informação curto, mas recorrente – sendo, assim, aplicável a uma organização ainda ativa e remetendo para a noção de ciclo de vida dos objetos informacionais de Baca (2008), que entende a utilização e a preservação dos objetos informacionais como processos contínuos.

No mesmo sentido, Ward e Peppard (2002) entendem que o sistema de informação deve conjugar o contexto de produção com o serviço aos seus utilizadores, bem como se revela essencial para a definição de políticas organizacionais e não apenas de processamento de dados. Esta posição vai ao encontro de Rodrigues (2015), que utiliza a expressão «sistema de gestão de informação» (p. 14), a qual, sem descurar o atual «contexto de transformações tecnológicas e sociais», procura assegurar «a produção e a circulação da informação» (Rodrigues, 2015, p. 14).

Contudo, Ward e Peppard (2002) apontam para que quer o processamento de dados, quer o sistema de gestão de informação, são subsecções de um sistema maior – o sistema estratégico de informação –, que se constitui como verdadeiro centro de informação disponível e ao serviço dos utilizadores. Esta posição revela ser adequada ao sistema de informação em estudo, na medida em que os tradicionalmente considerados arquivos corrente e intermédio da organização ainda são objeto de consulta quotidiana, sendo, assim, relevante a garantia da disponibilidade desse serviço aos utilizadores.

Esta compartimentação defendida por Ward e Peppard (2002) – processamento de dados, sistema de gestão de informação e sistema estratégico de informação – vai ao encontro não só dos ciclos de vida dos documentos de arquivo em uso nas escolas, como também dos três períodos estabelecidos para a análise da organização em estudo (1885-1916; 1917-1972;

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18 1973-2020), tendo em consideração a perspetiva diacrónica utilizada para este trabalho.

Tabela 2 – Eras de evolução do sistema de informação e períodos de estudos propostos para o presente trabalho.

Fonte: elaboração própria, a partir de Ward e Peppard (2002).

Ward e Peppard (2002) não deixam, contudo, de notar que existem críticas a este modelo das três idades, pela sua excessiva simplificação, o que se aplica ao presente trabalho, uma vez que as sucessivas alterações legislativas deixam antever uma complexidade da estrutura orgânico-funcional da instituição. Essa complexidade é acompanhada pela evolução do tipo de sistema de informação, como demonstrado na Tabela 2.

Caracterizando-se o objeto de estudo como um Sistema de Informação Arquivística, seria expectável que este se considerasse, no presente trabalho, um sistema de informação semifechado, atribuindo-se, segundo A. B. M. da Silva (2000), um caráter mais abrangente à noção de sistema em Ciência da Informação. No entanto, deve ter-se em consideração a correspondência expedida e recebida pela organização em estudo; a presença, no sistema de informação, de informação acerca de associações colaterais à organização; e a dependência do funcionamento da organização relativamente a variadas

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19 disposições legais e regulamentares. O sistema de informação que constitui o objeto de estudo assume, assim, caráter de sistema aberto, tal como o define Bertalanffy (1968), com entrada de informação, pois «nenhuma estrutura social é auto-suficiente ou autocontida» (Chiavenato, 2003, p. 483). Acresce que, sendo um sistema de informação de uma organização do setor do ensino, tem impacto na comunidade em que se insere.

Encontra-se maior granularidade no modelo organizacional adaptado por Ward e Peppard (2002) a partir de Kotter (1978) (Figura 1). As componentes deste modelo parecem adequar-se a um sistema de informação social e aberto, como é o da organização em estudo. Os elementos do modelo são os seguintes (Ward & Peppard, 2002):

• Processos organizacionais, considerados chave - inserem- se nessa categoria, por exemplo, todos os processos de matrículas dos alunos da Escola;

• O ambiente envolvente/externo refere-se às implicações que a atividade legislativa tem na organização, o que é basilar para este trabalho;

• A tecnologia, como os métodos e as técnicas utilizados na atividade da organização da informação, também se aplicam ao presente trabalho, não se referindo apenas a tecnologias da informação;

• A «coligação dominante» refere-se às características pessoais dos responsáveis máximos da Escola, que assumem particular relevância, quer no que toca à constatação da origem da sua influência no seio da organização, quer no que toca à implementação de quaisquer mudanças no futuro. Esta denominação advém do facto de, embora se encontrarem nas camadas superiores da organização, os membros da coligação não terem necessariamente de pertencer aos órgãos dirigentes;

• O campo dos trabalhadores e outros ativos refere-se aos intervenientes na organização, de que são exemplos, neste caso, o corpo docente, o corpo discente e o corpo não docente, cujos propósitos, como

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20 visto na contextualização histórica, nem sempre foram coincidentes com os objetivos da tutela;

• Os modelos formais de organização aplicam-se ao presente trabalho, na medida em que permitem incluir dados constantes dos relatórios e regulamentos que orientam a atividade da Escola;

• Por fim, os sistemas sociais, nomeadamente o funcionamento da organização com base em regras não escritas, também se revelam importantes para o presente trabalho, já que, a título de exemplo, existiu sempre uma ambiguidade entre o estatuto formal inicial da Escola – escola primária superior – e o seu modo de funcionamento, real, mas também ambicionado pelo corpo docente e pelo corpo discente, que se aproximava da instrução secundária, nomeadamente na abordagem feita às diferentes disciplinas.

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21

Figura 1 – O modelo organizacional. Fonte: Ward & Peppard, 2002, p. 227.

A ambiguidade referida no parágrafo anterior, que se refletia numa tensão entre a estrutura formal da organização, definida por instrumentos normativos, e a real influência do corpo docente no processo de tomada de decisão, parece enquadrar-se no que Chiavenato (2014) considera o fenómeno da departamentalização das organizações. Chiavenato (2014) faz corresponder a referida departamentalização de uma organização à existência de uma estrutura horizontal, neste caso o corpo docente, sem excluir a existência de um «aparato vertical – a hierarquia» (p. 335) na organização. Por sua vez, Teixeira (2005, p.

101) recorre à expressão «burocracia mecanicista» para descrever este modo de funcionamento de uma organização, em que existem «comportamentos bastante formalizados (burocracia) e relativa desconcentração horizontal»

(Teixeira, 2005, p. 101). Ward e Peppard (2002) referem-se, por outro lado, ao conceito de coligação dominante, anteriormente explanado, como «informal

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22 structure» (p. 371) passível de influenciar a estratégia futura da organização, o que também se insere no fenómeno da departamentalização.

Noutra perspetiva, e como visto na contextualização histórica, a questão da descentralização dos sistemas de informação também é colocada por Ward e Peppard (2002). Defendendo que não deve haver dogmas acerca de mais centralização ou mais descentralização - «some things are best centralized and others devolved» (Ward & Peppard, 2002, p. 346) -, o que permite, desejavelmente, evitar «swings between extreme centralization and decentralization» (Ward & Peppard, 2002, p. 346), os autores atribuem ao utilizador das organizações um papel de cada vez maior relevância. No entanto, salientam que não existe um modo ideal de funcionamento de sistemas de informação, que seja aplicável a todas as organizações, dependendo do seu grau de utilização de tecnologias da informação, da sua localização geográfica, do tipo de processos de negócio que gera, entre outros fatores.

Por outras palavras, Ward e Peppard (2002) entendem que a tendência é, cada vez mais, a passagem da orientação das organizações «from ‘production’

to ‘service’ orientation» (p. 347), estabelecendo-se a arquitetura da informação como um elemento crucial na estratégia de gestão de informação das organizações. Ward e Peppard (2002) acentuam a importância de utilizar mais centralização ou mais descentralização conforme seja adequado a cada situação específica, embora tendo uma conceção de sistema de informação próxima da conceção de sistema de informação tecnológico, uma vez que referem que os aspetos relacionados com a gestão de sistemas de informação devem ser abordados em todos os níveis e todas as unidades orgânicas de uma organização, ressalvando sempre a consistência do comportamento face a estratégia pré-definida. Schellenberg (2003) considera, por seu lado, que a descentralização, no sentido de manter a informação fisicamente dispersa por vários departamentos, constitui um ato de classificação, mas, tal como Ward e Peppard (2002), o Interdepartamental Study Group, de Inglaterra, não defende qualquer uma das duas políticas – centralização ou descentralização – como padrão (Schellenberg, 2003). Caso estejam em causa atividades estreitamente

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23 relacionadas entre si, entende Schellenberg (2003) que a centralização é preferível.

Por seu lado, Rodrigues (2015) atribui ao sistema de gestão de informação um «carácter instrumental na estrutura e desenvolvimento do organismo» (p. 14), pelo que tal se adequa plenamente à elaboração de um estudo orgânico-funcional. No mesmo sentido, M. B. Marques (2017) entende que o conceito de Sistema de Informação não se insere exclusivamente numa

«análise e desenvolvimento dos meios tecnológicos de acesso à informação» (p.

61), fruto de «uma visão humanista da Sociedade de Informação» (p. 61). Esta visão permite, para a autora, que os Sistemas de Informação efetuem uma avaliação do «desempenho individual e coletivo das diversas comunidades» (p.

61), em particular a nível local, no qual se insere a organização objeto do presente estudo.

Relativamente ao conceito de classificação, entendeu-se pertinente começar pela abordagem de Schellenberg (2003), que atribui papel primordial às funções existentes numa organização no momento da classificação em arquivo. Esta prioridade atribuída às funções, em contexto de classificação arquivística, revela uma dimensão da classificação que se relaciona com a gestão da informação e que foi abordada anteriormente. A este propósito, entende Schellenberg (2003) que os arquivos e a informação neles contida «will thus reflect function in the broad sense of the term» (p. 52). A. M. Silva et al.

(2019) entendem a classificação como resultado da «necessidade tanto de

“arrumação» como de recuperação da informação (p. 335). Baca (2008) subscreve esta necessidade de recuperação quer ao fazer referência ao ciclo de vida dos objetos informacionais, quer na subjetividade que atribui aos esquemas de classificação. Entendem também A. M. da Silva et al. (2019) que, enquanto a classificação funcional se centra nas funções da entidade produtora, a classificação orgânica se centra na sua estrutura orgânica, sendo possível conjugar estas duas vertentes de análise na chamada classificação orgânico- funcional. No mesmo sentido, C. G. da Silva (2016) identifica a escolha de um quadro de classificação baseado nas funções e nos processos de negócio como requisito para a implementação de sistemas de organização da informação,

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24 tendo como pressuposto a caracterização da organização em estudo como sistema aberto. Reside neste ponto, segundo C. G. da Silva (2016), o enquadramento teórico do presente trabalho – uma abordagem evolutiva que conjugue, por um lado, a organização, representação e recuperação da informação e, por outro lado, a gestão da informação. Por outras palavras, salienta C. G. da Silva (2016), referindo-se à Macroestrutura Funcional da Administração Pública portuguesa, torna-se relevante essa abordagem na medida em que se pretende «a functional structure that can best precise not only the identity of the administration’s identity, but of society itself» (p. 2).

Aliás, a este propósito, referem A. M. Silva et al. (2019) que os arquivos históricos – melhor designados por arquivos definitivos – ocuparam, até ao final do século XX, a maior parte da atividade de classificação arquivística. No mesmo sentido, acrescentam estes autores que a classificação orgânico-funcional foi, entre 2008 e 2018, o modelo de classificação mais utilizado em trabalhos finais para obtenção de grau superior (em cerca de 66% destes) com o tema da classificação arquivística, nas instituições de ensino superior portuguesas, que oferecem formação pós-graduada em Ciência da Informação (A. M. Silva et al., 2019).

Apesar de, para A. M. Silva et al. (2019), a classificação orgânico- funcional ser necessariamente utilizada para arquivos pretéritos e conjuntos acumulados de informação, como o do presente trabalho, por contraponto à

«utilização de quadros/planos definidos a priori» (p. 341), estes autores reputam como fundamental o levantamento da estrutura orgânico-funcional da entidade produtora da informação com vista à «contextualização do desenvolvimento da instituição (...) e à validação (ou não) da postulação teórica e prática que se propõe adotar» (A. M. Silva et al., 2019, p. 343). Para Schellenberg (2003), a utilização de quadros de classificação definidos a priori apenas se aplicaria corretamente em organizações cujas funções sejam estáveis e cujos processos administrativos estejam bem definidos, o que, na organização em estudo, não se verifica, fruto da amplitude temporal do estudo e da indefinição de competências relativamente a algumas unidades orgânicas, em particular na fase inicial da existência da organização.

(37)

25 Deste modo, reforça-se, que, não obstante as limitações, a classificação orgânico-funcional revela ser o instrumento mais adequado não só para a caracterização da entidade produtora da informação, como para o desenvolvimento de um quadro de classificação arquivística que seja basilar para a estruturação dessa mesma informação. Schellenberg (2003) acrescenta que, para uma classificação orgânico-funcional, é necessária a utilização de séries, definidas como pelo próprio como «a group of documents, folders or dossiers that has been brought together for a specific activity» (p. 60) e ordenadas de acordo com um sistema de classificação, com a origem da informação, ou ainda com vista a satisfazer uma necessidade administrativa específica. No mesmo sentido, e por outras palavras, aponta C. G. da Silva (2016), que salienta que «it’s the functional nature of information that justifies a functional approach since such information is the result of a function and activity»

(p. 3), além de acrescentar que «the British archivist H. Jenkinson demonstrated the alignment between function and structure (…) so that archival series should report to a specific administrative function necessary for their existence» (C. G.

da Silva, 2016, p. 3).

Como já referido, Schellenberg (2003) defende que, por regra, os arquivos públicos devem ser classificados por função, podendo também ser classificados de acordo com a estrutura orgânica, mas apenas em casos excecionais por estrutura temática. Esta recusa de Schellenberg em aplicar, por regra, uma classificação temática aos arquivos públicos explica-se, segundo o próprio, pela necessidade de aplicar classes – o âmago da atividade de classificar –, como as da Classificação Decimal de Dewey, definidas a priori, o que seria demasiado rígido, como referido no parágrafo anterior, para ser aplicado a arquivos públicos relacionados com assuntos gerais, mas, por outro lado, demasiado genérico para ser aplicado a informação muito específica. A este propósito, Heredia Herrera (1991) concretiza este aspeto, defendendo que a classificação por assunto ou classificação temática – e, portanto, com classes definidas a priori – deve ser apenas em casos «donde los Órganos o las funciones son casi inexistentes» (p. 275), dando exemplos de informação muito específicas, como arquivos particulares ou coleções documentais. No entanto, segundo Simões e

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26 Freitas (2013), não foi sempre assim, sendo comum, no passado, a utilização em contexto de arquivo de «modelos de classificação usados nas bibliotecas (e.g., baseados em conteúdos, em assuntos, em unidades, em coleções factícias, etc.)» (p. 95), devido ao desenvolvimento tardio da classificação autónoma para o contexto arquivístico face à sua dependência da classificação para o contexto biblioteconómico, explicada pela custódia conjunta, comum no passado, de objetos informacionais biblioteconómicos e arquivísticos. Ribeiro (2013), por sua vez, defende uma «visão integrada e unitária que é inerente à Ciência da Informação» (p. 531), recusando uma dicotomia arquivos vs.

bibliotecas no que toca à classificação, no âmbito de um «conjunto de procedimentos relativos ao tratamento da informação, independentes do contexto de aplicação» (Ribeiro, 2013, p. 531, negrito nosso).

Heredia Herrera (1991) entende, por sua vez, que «Clasificar y Ordenar son dos operaciones dentro de una más amplia que podemos llamar Organización» (p. 261), inserindo a classificação no conceito mais amplo de organização da informação, o que leva Simões e Freitas (2013) a considerar que existe «alguma sobreposição terminológica a este respeito» que decorre de uma

«uma dimensão operacional do conceito» (p. 98), muito presente em Heredia Herrera (1991). Noutra perspetiva, Ribeiro (2013) entende que o facto de algumas definições de classificação em arquivos serem entendidas como o

«estabelecimento de uma categorização em função de critérios vários (…) [mais]

do que como uma operação intelectual destinada a organizar/representar informação» (p. 529) leva a que, nesses casos, a classificação em arquivos se situe fora do campo da organização da informação, no que se opõe a Heredia Herrera (1991). Aliás, para Ribeiro (2013), o «uso da classificação numa perspetiva orgânico-funcional (…) tem em vista espelhar a estrutura e a atividade do organismo que produziu a informação» (pp. 531-532), situando-se fora do domínio da organização da informação. Por sua vez, Heredia Herrera (1991), apesar de, como vimos, situar a classificação no domínio da organização da informação, parece indiciar que o cumprimento do princípio da proveniência passa pela utilização de uma classificação orgânico-funcional, associando, por um lado, a «estructura o funcionamiento de la institución» (p. 268), a estrutura orgânica, às secções de um quadro de classificação e, por outro lado, as

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«actividades derivadas de aquella estrutura» (p. 268), as funções ou atividades, às séries documentais. Assim se entende uma tendência atual de integrar a classificação no âmbito da Organização e da Representação da Informação (ORI).

Nos arquivos históricos, segundo Heredia Herrera (1991), existe a hipótese de reclassificar, simplesmente, a informação respeitando a ordem estabelecida ou de, por outro lado, promover o «estudio de los organismos que reflejan la documentación, sus atribuciones, funciones y actividades» (p. 262), daí surgindo a classificação orgânico-funcional utilizada no presente estudo, que deve ser utilizada com o cuidado de evitar fazê-lo a priori, «sin profundizar en el contenido del fondo, siti tener en cuenta la institución que lo creó» (p. 264). Se, por um lado, Simões e Freitas (2013) entendem que a classificação é um instrumento utilizado, na maioria dos casos, a priori, não deixam de assinalar que «esta seleção [da classificação] é condicionada pelo contexto em que ocorre e concretizada em função dos objetivos de quem a realiza» (p. 86), devendo ser realizada a posteriori, o que assume especial relevância na classificação em contexto arquivístico. Ribeiro (2013) defende, no entanto, que «as mais das vezes são elaborados quadros de classificação temáticos ou funcionais e o contexto de produção informacional não se torna inteligível» (p. 536), sendo privilegiada, indevidamente, a arrumação física dos objetos informacionais, o que descura a componente intelectual associada à classificação. Para Simões e Freitas (2013), o principal objetivo da classificação é recuperar a informação, agrupando-a em classes, ou, nas suas palavras, em «grupos concetuais, mais ou menos amplos, consoante a diferença específica que se lhes atribuir para efeitos classificatórios» (p. 87), seguindo o princípio da hierarquia, quando existam relações de subordinação entre os objetos informacionais a classificar, e os princípios da exaustividade e da exclusividade. Ribeiro (2013) corrobora esta perspetiva, afirmando que o objetivo principal da classificação deve ser

«representar e recuperar informação [mais] do que de organizar/arrumar documentos» (p. 537).

Se a classificação, para Heredia Herrera (1991), deve ser feita a posteriori, decorrendo da informação presente no arquivo, cabendo apenas ao profissional

Referências

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