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3. ESTUDO ORGÂNICO-FUNCIONAL

3.2.1. Evolução histórica da estrutura curricular

Neste ponto, é feita uma descrição sumária da oferta curricular da organização durante os períodos analisados neste capítulo, bem como de aspetos conexos que ajudam a uma melhor compreensão dessa oferta curricular.

O início deste período fica marcado tanto pela concessão de autonomia administrativa aos liceus a partir de 1914, aspeto que será desenvolvido na abordagem administrativa, como pela subordinação do Liceu em estudo, pela primeira vez na sua história, a uma regulamentação de caráter genérico – e, consequentemente, à instabilidade desta – e não de caráter especial, a qual havia sido abolida em 1915 (Barroso, 1993). Assim, esta subordinação leva a que o Liceu em estudo confirme a adoção do chamado ‘regime de classes’ para o seu modo de funcionamento, por oposição ao chamado ‘regime de disciplinas’, que só virá a ter implementação parcial com a reforma de 1936. Diz-nos Barroso (1993), aliás, que «o alargamento da margem de autonomia financeira dos liceus (...) [é] também uma tentativa de operacionalizar e tornar mais efectivo o "regime de classes"» (p. 480).

Ao nível pedagógico, a legislação torna-se não só abundante, mas também, e sobretudo, extremamente exaustiva, realidade que o Liceu Maria Pia não conhecera até então, tanto que os regulamentos internos, que no período anterior ocupavam lugar de destaque até ao nível orgânico-funcional, assumem neste período uma posição de relevância bem menor, focando-se na regulação de aspetos práticos da organização da instituição, como entradas e saídas do Liceu. Barroso (1993) refere que, nesta fase inicial, começou a constar da legislação a regulamentação de aspetos específicos, como «as maneiras como hão-de ser feitas as perguntas na aula, o "tom de voz" a usar, a planificação a efectuar» (p. 480), entre outros, recorrendo a instrumentos como portarias ou mesmo alterações da própria lei, também publicados em Diário da República, por oposição à utilização de circulares internas a partir de 1936, as quais irão provocar uma diminuição acentuada das alterações à legislação, a qual se torna mais estável na sua vigência. Ainda a partir de 1936, assume relevância a lei n.º

79 1904, de 21 de maio de 1935, que aprovou a reforma do ensino secundário, prevendo uma regulamentação especial para a educação feminina – que não deu, no entanto, origem a qualquer documento normativo autónomo sobre essa matéria – e a existência de uma secção de formação cultural feminina nos liceus femininos, o que veio a estar previsto na reforma do ensino liceal introduzida pelo ministro Carneiro Pacheco, por via do decreto-lei n.º 27084, de 14 de outubro de 1936.

Tabela 5 – Evolução da estrutura curricular da organização entre 1917 e 1972.

Estrutura curricular do Liceu em estudo de 1917 a 1972 Disciplinas

(1917-1930)

• Curso geral (dividido em duas secções) – duração de 7

anos (exceto em 1926-1930, em que a duração era de 6

anos)

• Cursos

complementares/preparatório s de letras e ciências

Fonte:

Decretos:

• n.º 3091, de 17 de abril de 1917;

• n.º 4650, de 14 de julho de 1918;

• n.º 4799, de 8 de setembro de 1918;

• n.º 6675, de 12 de junho de 1920 – suspenso a 31 de

agosto de 1920;

• n.º 7558, de 18 de junho de 1921;

• n.º 12425, de 2 de outubro de 1926;

• n.º 13207, de 2 de março de 1927.

Disciplinas (1931-1946) Curso liceal de 7 anos (sem distinção entre letras

e ciências em 1936-1941) 1931-1936

1.º ciclo – 2 anos 2.º ciclo – 3 anos 3.º ciclo – 2 anos

1936-1946 1.º ciclo – 3 anos 2.º ciclo – 3 anos 3.º ciclo – 1 ano Curso especial de educação familiar

Fonte:

• Decreto n.º 20741, de 11 de janeiro de 1932 (data original 18 de dezembro de

1931):

• Decreto-Lei n.º 27084, de 14 de outubro de 1936;

• Decreto-Lei n.º 31544, de 30 de setembro de 1941.

Disciplinas (1947-1972) Curso liceal de 7 anos 1.º ciclo – 2 anos (Ciclo preparatório a partir de

1967) 2.º ciclo – 3 anos 3.º ciclo – 2 anos Fonte: Decreto-lei n.º

36507, de 17 de setembro de 1947 Nota: As disciplinas do 3.º ciclo são opcionais,

consoante o curso superior a prosseguir

pelas alunas.

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Português (ausente dos cursos complementares de ciências a

partir de 1926)

• Português (1.º ciclo)

• Português-latim (2.º ciclo, 1936-1946)

• Língua e literatura portuguesa/Português (3.º ciclo/curso complementar de

letras)

• Latim (2.º ciclo de 1931-1936; 3.º ciclo/curso complementar de letras

1936-1946)

• Língua e literatura latina (3.º ciclo/curso complementar de letras

1931-1936)

Língua e história pátria

Latim (exceto nos cursos complementares de ciências)

• Francês (1.º e 2.º ciclos 1931-1936; 1.º ciclo

1936-1946)

• Alemão (3.º ciclo/cursos complementares 1931-1936;

2.º ciclo 1936-1946, em alternativa com inglês)

• Inglês (2.º e 3.º ciclos ciclo/curso complementar de

letras 1931-1936; 2.º ciclo 1936-1946, em alternativa

com alemão)

• Francês (1.º, 2.º e 3.º ciclos)

• Inglês (2.º e 3.º ciclos)

• Alemão (3.º ciclo)

• Latim (3.º ciclo)

• Grego (3.º ciclo)

Francês • Ciências

geográfico-naturais/ciências da natureza (1.º ciclo);

• Ciências físico-naturais (2.º ciclo);

• Ciências

biológicas/naturais; ciências físico-químicas (3.º ciclo/curso complementar de

ciências);

• Ciências geográfico-naturais (1.º ciclo)

• História (2.º e 3.º ciclos)

• Geografia (2.º e 3.º ciclos)

• Ciências naturais (2.º e 3.º ciclos)

• Ciências físico-químicas (2.º e 3.º ciclos)

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• Ciências geográficas (3.º ciclo/cursos complementares

de letras e ciências).

Inglês Matemática (exceto no curso complementar de letras)

Matemática

Alemão (cursos complementares, exceto em

1926-1931)

• Desenho (1931-1936)

• Desenho e trabalhos manuais (1936-1946)

Desenho

• Geografia e história (de 1917 a 1918)

• Geografia/Geografia geral (de 1918 a 1930)

• História/História da civilização (de 1918 a 1930)

Filosofia (3.º ciclo, cursos complementares de letras e

ciências)

Filosofia (3.º ciclo)

• Ciências físicas e naturais (de 1917 a 1918)

• Ciências naturais (de 1918 a 1930)

• Ciências biológicas (de 1926 a 1930, no curso complementar

de ciências)

• Ciências geológicas (de 1926 a 1930, no curso complementar

de ciências)

• Ciências físico-químicas (de 1918 a 1930)

• Física (cursos complementares de ciências)

• Química (cursos complementares de ciências)

Organização política e administrativa da Nação (apenas no 3.º ciclo, cursos complementares de letras e

ciências, 1936-1946)

Organização política e administrativa da Nação

(3.º ciclo)

• Religião e moral (1.º, 2.º e 3.º ciclos)

• Educação física (1.º, 2.º e 3.º ciclos)

• Canto coral (1.º e 2.º ciclos)

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Matemática

• Sessão de lavores femininos (todos os ciclos) –

1931-1936;

• Sessão de lavores femininos (1.º ciclo) –

1936-1946.

• Trabalhos práticos de ciências naturais e

físico-químicas (3.º ciclo)

• Lavores femininos (1.º e 2.º ciclos)

• Trabalhos manuais (1.º ciclo)

• Desenho (de 1918 a 1926)

• Desenho e trabalhos manuais (de 1926 a 1930)

Sessões:

• Trabalhos manuais (1.º e 2.º ciclos, 1931-1936)

• Educação moral e cívica (1.º ciclo 1931-1936; 1.º e 2.º

ciclos 1936-1946);

• Educação física/Higiene e educação física (todos os

ciclos);

• Canto coral (1.º e 2.º ciclos 1931-1936, todos os ciclos

1936-1946).

Trabalhos manuais (de 1918 a 1926; de 1927 a 1930)

• História (3.º ciclo/curso complementar de letras 1931-1936; 2.º ciclo

1936-1946)

• Geografia e história (2.º ciclo 1931-1936);

• Geografia/Ciências geográficas (3.º ciclo/cursos

complementares)

Sessão de ginástica

Curso especial de educação familiar (paralelo ao 3.º ciclo e não acumulável com este, destinado às alunas que não

pretendiam prosseguir estudos superiores) Filosofia/Propedêutica filosófica

(cursos complementares) Narrativas históricas (apenas de

1918 a 1926)

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Trabalhos práticos/aulas práticas em todas as disciplinas

(cursos

complementares/preparatórios de 1918 a 1926) Sessão de canto coral

Cursos facultativos para liceus femininos

Rendas, bordados e arte aplicada

(3 anos) Música (3

anos) Higiene (2

anos) Elaboração própria.

Tendo o Liceu Maria Pia sido elevado à categoria de liceu nacional central, pelo decreto n.º 3693, de 26 de dezembro de 1917, e abolido o regime especial que regia a vida do Liceu por via do decreto de 31 de janeiro de 1906, este passa, assim, a funcionar de acordo com a regulamentação do ensino secundário existente à época, consubstanciada no decreto n.º 3091, de 17 de abril de 1917.

Não existia, portanto, uma referência à regulamentação do ensino secundário feminino neste decreto de abril de 1917, o que só virá a suceder com a primeira grande reforma do ensino secundário, em 1918. Todavia, a similitude da estrutura curricular prevista nos diversos diplomas legais emitidos durante o primeiro subperíodo em estudo (1917-1935) leva a que tenhamos optado por concentrar num só subperíodo essa estrutura curricular, tal como referido na introdução.

O decreto n.º 3091, de 17 de abril de 1917, da autoria de Joaquim Pedro Martins enquanto ministro da Instrução Pública, «esteve na origem de uma prolongada greve dos liceus (entre 7 de Novembro e 8 de Dezembro desse ano)»

(Barroso, 1993, p. 337), devido à «alegada sobrecarga dos programas dos cursos complementares, que penalizavam fortemente os alunos» (Leonardo et al., 2009, p. 173). O governo, então presidido por António José de Almeida, acabaria por recuar na sua implementação, mas Sidónio Pais, então já como presidente da República depois do golpe de Estado de dezembro de 1917,

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«realçava que os governos da República não tinham ainda procedido a uma reforma do ensino liceal que se tomava urgente actualizar» (Proença, 1997, p.

137). Surge então a primeira reforma do ensino secundário no tempo da Primeira República, aprovada pelo decreto n.º 4650, de 14 de julho de 1918. Convém, no entanto, salientar que nenhuma das reformas previstas pelos decretos referidos na Tabela 5 constituiu grande inovação ao nível pedagógico face ao período anterior (1885-1916), pois havia «pouca atenção prestada pelo governo da República ao ensino secundário» (Proença, 1997, p. 138) – se a legislação entre 1917 e 1930 foi, como vimos, abundante e exaustiva, o seu grau de efetividade era reduzido e, como tal, não houve lugar ao aprofundamento de muitas das suas disposições. Barroso (1993) confirma esta mesma perspetiva, referindo que a organização dos liceus prevista pela reforma de Jaime Moniz, de 1895, pela qual o Liceu em estudo não estava abrangido até 1915, manteve-se «durante todo o período republicano com poucas alterações» (p. 174), assim como o regime de classes se manteve durante todo o subperíodo 1917-1930. A partir da Tabela 5 é, ainda assim, facilmente percetível a progressiva multiplicação do número de disciplinas entre 1917 e 1930, fruto da separação das mesmas prevista no decreto n.º 4650, de 14 de julho de 1918, da autoria de Alfredo de Magalhães, ministro da Instrução Pública do governo de Sidónio Pais. Por exemplo, a disciplina de ciências físico-químicas é dividida nas disciplinas de física e química, assim como a disciplina de história e geografia é dividida nas disciplinas de história e geografia. Esta multiplicação de disciplinas é acompanhada de uma instabilidade significativa na vida dos liceus ao nível regulamentar, com diplomas que conhecem pouco tempo de vigência ou não chegam sequer a entrar em vigor, como o decreto n.º 6675, de 12 de junho de 1920, que foi suspenso pelo decreto n.º 6865, de 31 de agosto de 1920, não durando sequer até ao início do ano letivo 1920-1921.

O facto de a atividade dos liceus femininos ser regulada pela organização dos liceus masculinos, com exceção das disciplinas e atividades associadas à condição feminina, leva a que «os diplomas legais [afirmem] sobretudo a componente assexuada dos liceus» (Rocha, 1991, p. 178) e também, surpreendentemente, à segunda novidade deste subperíodo – a criação de um regime de educação comum aos dois sexos, ou coeducação, pelo decreto n.º

85 5683, de 10 de maio de 1919, da autoria do ministro da Instrução Pública, Leonardo Coimbra, nomeadamente nos liceus mistos que vinham praticando a separação de sexos (Barroso, 1993). Este decreto previa, no entanto, que os liceus femininos já existentes prosseguissem a sua atividade nos mesmos moldes, razão pela qual o Liceu em estudo manterá o seu ensino exclusivamente destinado a alunas. Os diplomas legais orientadores da atividade dos liceus são, assim, aplicáveis ao ensino de ambos os sexos, seguindo os liceus femininos o plano curricular dos liceus masculinos; era, no entanto, permitido que os conselhos escolares dos liceus femininos organizassem cursos facultativos para as alunas, nomeadamente rendas, bordados e arte aplicada, música e higiene, tal como previsto no decreto n.º 7558, de 18 de junho de 1921, que aprovou o regulamento da instrução secundária (Rocha, 1991). Esta subordinação verificou-se, inclusive, ao nível da formação de professoras. Atente-se, por exemplo, no decreto n.º 7809, de 16 de novembro de 1921, que determinou que fosse feita nos liceus masculinos a prática pedagógica – uma espécie de estágio – das candidatas à profissão docente no ensino secundário inscritas nas escolas normais superiores de Lisboa e Coimbra, deixando de ser feita nos liceus femininos a partir do ano letivo 1922-1923. Neste subperíodo 1917-1930, verifica-se uma crescente aposta na vertente teórico-prática do ensino, nomeadamente através da introdução de aulas práticas laboratoriais dos cursos complementares, cujas disciplinas só tinham autorização para funcionar nos liceus com infraestruturas laboratoriais adequadas para o efeito. O curso liceal, entre 1917 e 1930, tinha a duração de sete anos, distribuídos por secções, incluindo o curso complementar correspondente às 6.ª e 7.ª classes, neste período já ministrado no Liceu em estudo, assim se mantendo a escolaridade total de 11 anos durante toda a vigência da Ditadura Militar (1926-1933) e do Estado Novo (a partir de 1933) (Apêndice H) – quatro anos de instrução primária e sete anos de instrução secundária, à qual subtrairão posteriormente os primeiros dois anos com vista à formação do ciclo preparatório. A duração das secções oscilava, entre 1917 e 1930, entre os dois e os três anos no caso das 1.ª e 2.ª secções, mantendo-se constante, na quase totalidade do subperíodo, no caso do curso complementar ou curso preparatório (subdividido em letras e ciências), que tinha a duração de dois anos, exceto entre 1926 e 1930, que tinha a duração de um ano. Assim, entre 1926 e 1930, o curso liceal teve a duração

86 total de apenas seis anos. Destacam-se, neste subperíodo, a abolição da disciplina de português nos cursos complementares de ciências e a criação de sessões, no que foi o embrião das atividades extracurriculares que hoje conhecemos, nomeadamente ginástica e canto coral, disponíveis a partir de 1926.

Entre 1917 e 1930, registaram-se, assim, duas novidades. A primeira, através do decreto n.º 4961, de 14 de novembro de 1918, passou pela criação de um regulamento do ensino secundário feminino que, paradoxalmente, mais não fazia do que remeter para a organização dos liceus masculinos os objetivos e o plano curricular dos liceus femininos, com a única exceção da disciplina de lavores femininos, exclusivamente destinada a alunas. Este aspeto, conjugado com a extinção dos cursos especiais de educação feminina pelo decreto n.º 4597, de 13 de julho de 1918, acentua a «função educativa liceal propriamente dita» (Rocha, 1991, p. 177), especialmente com a introdução no Liceu Maria Pia dos cursos complementares de letras e ciências (correspondentes às 6.ª e 7.ª classes), na sequência da sua elevação à categoria de liceu nacional central. Tal possibilitava às alunas concluírem o ensino secundário num liceu feminino, evitando transferência para um liceu masculino, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, se acentuava a separação entre sexos no caso do Liceu em estudo, por via do decreto n.º 14246, de 9 de setembro de 1927, que determinou que o Liceu continuasse reservado à frequência do sexo feminino, ao mesmo tempo que reservou os restantes liceus de Lisboa à frequência do sexo masculino. Antes, pelo decreto n.º 11897, de 16 de julho de 1926, os professores do sexo masculino nos liceus femininos do país tiveram transferência obrigatória para liceus masculinos, passando o corpo docente dos liceus femininos a ser exclusivamente feminino e acentuando-se, deste modo, a separação entre sexos em meio escolar. Cessou, assim, a breve vigência do regime de coeducação, sob a alegação de falta de condições para acolher a crescente população escolar de ambos os sexos, pois o decreto n.º 5683, de 10 de maio de 1919, permitia a matrícula de alunos de ambos os sexos em qualquer classe de qualquer liceu de Lisboa, Porto ou Coimbra, embora esta possibilidade tenha sido excluída, pelo mesmo decreto, no caso do Liceu em estudo. Em 1923, um grupo de intelectuais e pedagogos, como Faria de Vasconcelos, António Sérgio e João Camoesas –

87 este último ministro da Instrução Pública – apresenta ao Congresso, o parlamento da época, uma proposta de Estatuto da Educação Pública orientada para a expansão das ideias tayloristas, com as quais pretendiam orientar o ensino para o mercado de trabalho, por oposição ao foco na cultura livresca que o ensino assumia até então (Martins, 2009). Contudo, o Congresso não chegou a discutir a proposta devido à cessação de funções do governo, juntando-se esta proposta ao grupo das que tiveram curta ou nenhuma vigência durante a Primeira República, tal como o regime de coeducação.

Se existiu, até 1931, uma progressiva especialização das disciplinas, separando áreas científicas que antes estavam separadas (casos de física e química ou geografia e história), a partir desse ano assiste-se à reunificação dessas áreas científicas, nomeadamente através do decreto n.º 20741, de 18 de dezembro de 1931 e publicado a 11 de janeiro de 1932, que aprovou o estatuto do ensino secundário. Neste decreto da autoria de Gustavo Cordeiro Ramos (Apêndice H), então ministro da Instrução Pública, continuou, contudo, a fazer-se a «defesa do regime de clasfazer-ses e da adopção de medidas que melhorem a sua execução» (Barroso, 1993, p. 179), o que duraria até à aprovação do decreto-lei n.º 27084, de 14 de outubro de 1936, da iniciativa do ministro da Educação Nacional, António Carneiro Pacheco, que promulgou a reforma do ensino liceal, designação que o ensino secundário passou a assumir durante o Estado Novo para o distinguir do ensino técnico. Comum aos diplomas de 1931 e 1936 foi o aprofundamento da utilização das sessões, que passaram a incluir, a partir de 1931, horas dedicadas a educação moral e cívica e a lavores femininos nos respetivos liceus femininos, além das já existentes ginástica – renomeada educação física – e canto coral, numa tendência demonstrativa do crescente conservadorismo social assumido pelos ministros Gustavo Cordeiro Ramos e Eusébio Tamagnini, que defendiam um «discurso pedagógico em direcção aos valores do Estado Novo, e de certo modo representavam uma

"ideologização da pedagogia"» (Barroso, 1993, p. 543). A partir de 1931, é definitivamente adotada a denominação ‘ciclo’, em substituição da denominação

‘secção’, para designar os subperíodos do curso dos liceus.

88 Entre 1931 e 1946, assiste-se a uma inversão na política educativa que vinha sendo seguida. A principal alteração trazida pela reforma de Carneiro Pacheco, de 1936, prendia-se, segundo Barroso (1993), com a introdução de alguns aspetos do chamado regime de disciplinas, sem pôr em causa «no essencial a estrutura organizativa e administrativa que vigorava nos liceus»

(Barroso, 1993, p. 184), visando apenas evitar a repetição pelos alunos da

«[frequência] de todas as disciplinas de um ano, pelo facto de não haver obtido aproveitamento em duas delas» (Barroso, 1993, p. 184). Os alunos podiam

«matricular-se por disciplinas em cada ano» (Barroso, 1993, p. 184), mas a divisão da oferta curricular por ciclos mantinha-se inalterada, «sendo a passagem dos alunos feita por disciplinas (no interior de cada ciclo de três anos)» (Barroso, 1993, p. 543), tal como previsto na lei n.º 1904, de 21 de maio de 1935, que aprovou a reforma do ensino secundário sob a forma de lei de bases - «no curso dos liceus manter-se-á o regime de classe, cíclico e correlato»

(cf. lei n.º 1904, de 21 de maio de 1935). Com efeito, o alcance desta reforma revelou-se bastante limitado, pois, se foi abolida a distinção entre curso geral e curso complementar de letras ou de ciências, rapidamente esta distinção foi reposta pelo decreto-lei n.º 31544, de 30 de setembro de 1941, tal como consta da Tabela 5. Barroso (1993) refere, a este propósito, que «as alterações propostas no decreto [-lei n.º 27084, de 14 de outubro de 1936], quanto ao regime de estudos, não põem em causa os princípios formativos e organizativos do regime de classes» (p. 183). A introdução da distinção entre disciplinas e sessões, estas últimas com possibilidade de inscrição por parte de alunos de qualquer ciclo, levou, por sua vez, à criação de áreas curriculares como educação moral e cívica – futura sessão de religião e moral – ou organização política e administrativa da Nação, na senda do caráter socialmente conservador e nacionalista do Estado Novo, e cujos docentes eram, nos termos do decreto-lei n.º 27084, de 14 de outubro de 1936, nomeados livremente pelo ministro da Educação Nacional de entre os diplomados com curso superior ou personalidades de reconhecida idoneidade, numa clara ingerência governamental em matéria pedagógica. No entanto, para Rocha (1991), resulta claro que estas áreas curriculares «apresentavam um carácter algo absurdo na seriedade educativa de que eram dotadas, dado ser claro para toda a gente, que não era em seu redor que o Liceu se definia» (pp. 179-180). Ao mesmo tempo,

89 regressou-se ao espírito da reforma introduzida pelo decreto n.º 3091, de 17 de abril de 1917, nomeadamente concentrando novamente áreas curriculares como física e química numa só disciplina e reduzindo, por essa via, «o número de disciplinas em cada ano, bem como a própria carga horária semanal» (Barroso, 1993, p. 543). O 1.º e o 2.º ciclos tinham, entre 1936 e 1946, a duração de três anos cada (1.º, 2.º, 3.º anos no 1.º ciclo; 4.º, 5.º e 6.º anos no 2.º ciclo), culminando o ensino liceal num 3.º ciclo com a duração de um ano, o 7.º. Neste período, o Liceu Normal de Lisboa (Pedro Nunes) é o modelo para ensaios pedagógicos, segundo o artigo 237.º do decreto n.º 20741, de 18 de dezembro de 1931 e publicado a 11 de janeiro de 1932, e pode tomar iniciativas dirigidas aos restantes liceus neste âmbito, devendo os reitores dos restantes liceus dar conta das informações que o reitor do Liceu Normal de Lisboa lhes solicitar

«acerca dos melhoramentos introduzidos nas escolas de ensino secundário» (cf.

decreto n.º 20741, de 18 de dezembro de 1931 e publicado a 11 de janeiro de 1932). A. C. Silva (2003) confirma esta perspetiva, referindo que o Liceu em estudo adotou também o regime de semi-internato em 1932, por iniciativa da reitora Maria Guardiola, concretizando o papel do Liceu Pedro Nunes como modelo pedagógico, embora este modelo de estudo acompanhado, que funcionava nos intervalos para almoço, das 12h às 14h, e ao fim da tarde, entre as 17h30 e as 19h, fosse um complemento pago pelos encarregados de educação, não estando incluído na propina (A. C. Silva, 2003). O modelo pedagógico dos liceus era, desta forma, um liceu masculino, sendo a legislação comum a liceus masculinos e femininos.

Se a estrutura organizativa do Liceu em estudo não sofreu alterações significativas com a reforma do ministro Carneiro Pacheco, de 1936, o mesmo não pode ser dito do contexto em que este e os outros liceus passaram a funcionar e, sobretudo, dos objetivos perseguidos pelos liceus. Veja-se, quanto ao contexto, que passou a existir «"autonomização" do ensino liceal em relação ao ensino superior (que era inédita na nossa tradição educativa)» (Barroso, 1993, p. 543), o que, no caso do Liceu em estudo, se refletiu na criação do curso especial de educação familiar, com a duração de um ano, destinado às alunas que não pretendessem prosseguir estudos, constituindo assim uma alternativa à frequência do 3.º ciclo, correspondente à conclusão do 7.º ano do liceu, medida

90 que resultou de grande pressão feita pela reitora Maria Guardiola, em funções de 1928 a 1946 (Tabela 6), e que exercia, simultaneamente, as funções de deputada à Assembleia Nacional e vice-presidente da Obra das Mães pela Educação Nacional. Pontificavam nesse curso algumas disciplinas comuns às do percurso curricular das restantes alunas, como língua e literatura portuguesa ou organização política e administrativa da Nação, mas a maioria das disciplinas refletia o papel que era socialmente esperado da condição feminina nessa época – são disso exemplo as disciplinas de métodos de educação familiar, economia e arte domésticas, higiene e puericultura ou a sessão de culinária.

Outros aspetos relevantes para a alteração do contexto e dos objetivos do funcionamento dos liceus, entre 1931 e 1946, são a separação entre o ensino técnico e o ensino liceal, a não inclusão dos liceus na escolaridade obrigatória e sua não gratuitidade e, por fim, a criação da Mocidade Portuguesa, da Mocidade Portuguesa Feminina e da Obra das Mães pela Educação Nacional, organizações que assumem «muitos dos propósitos educativos (no domínio da inculcação ideológica e da formação integral da juventude) que eram globalmente atribuídos, até aí, aos liceus no seu conjunto» (Barroso, 1993, p.

183). Disso são exemplo as sessões de educação moral e cívica, educação física e canto coral, que, diferentemente das disciplinas lecionadas no liceu, pretendiam «servir de interface com a organização da Mocidade Portuguesa, que superintendia sobre elas» (Barroso, 1993, p. 545), sempre com a perspetiva de respeitar o princípio da utilidade do ensino liceal – ou, nas palavras de Proença (1997), «sobrepondo à transmissão de conhecimentos a inculcação de valores» (p. 138) – introduzido com a reforma de Carneiro Pacheco. Segundo Barroso (1993), este princípio orientador da reforma de Carneiro Pacheco revelava, por parte do Estado Novo, uma «manifesta desconfiança em relação às capacidades socializadoras da instituição escolar» (Barroso, 1993, p. 553).

Tal como refere Martins (2009), ficou traçada, com a reforma de Carneiro Pacheco, «uma orientação prioritária para a educação, e a subalternização da instrução» (p. 166). Tal é secundado por Barroso (1993), que refere que o ministro Carneiro Pacheco, opondo-se, como vimos, a um ensino liceal orientado para o prosseguimento de estudos, ao contrário do defendido pelo seu antecessor, Eusébio Tamagnini, tão pouco cedeu quer a «tudo o que a retórica

91 mais elaborada do movimento pedagógico docente (...) vinha defendendo para

"reabilitar" os estudos liceais» (p. 543), quer à já referida ideologização da pedagogia, defendida pelos ministros Cordeiro Ramos e Eusébio Tamagnini.

Posteriormente, tendo em conta que «as medidas que permitiam ao aluno matricular-se em disciplinas de diferentes anos provocaram o caos na organização das turmas, dos horários e dos exames no liceu» (Barroso, 1993, p.

185), chegou ao fim a reforma de Carneiro Pacheco, já parcialmente revertida pelo regresso à separação entre cursos complementares de letras e ciências e que, de resto, reconhecia no próprio preâmbulo do decreto-lei n.º 27084, de 14 de outubro de 1936, o seu caráter transitório, confessando que não pretendia estabelecer soluções definitivas, não obstante o seu alegado «pragmatismo que justifica a adopção de um carácter mais utilitário para o regime dos estudos liceais» (Barroso, 1993, p. 543). Deste modo, foi aprovada nova reforma do ensino liceal, pelo decreto-lei n.º 36507, de 17 de setembro de 1947 – referente à componente pedagógica – e um novo estatuto do ensino liceal, pelo decreto-lei n.º 36508, da mesma data, versando sobre a estrutura orgânico-funcional dos liceus, que será abordado na abordagem administrativa. Esta reforma, que adotou o nome do recém-nomeado ministro da Educação Nacional, Fernando Pires de Lima, diferencia-se da anterior pela sua durabilidade, mantendo a sua vigência durante quase todo o período restante do Estado Novo (Barroso, 1993).

Introduz também alterações na duração dos ciclos – reduz a duração do 1.º ciclo (1.º e 2.º anos) para dois anos, com vista à uniformização com o curso pré-profissional do ensino técnico, facilitando a transição destes alunos para o ensino liceal, uma alteração que terá impacto nas decisões a tomar em matéria de educação na década de 60 do século XX; mantém a duração do 2.º ciclo em três anos (3.º, 4.º e 5.º anos); e, assim, reduz a duração do curso geral de seis anos, na reforma de Carneiro Pacheco, de 1936, para cinco anos, mantendo neste o regime de classes. Quanto ao 3.º ciclo (6.º e 7.º anos), a reforma de Pires de Lima (1947) mantém o espírito de especialização reintroduzido pelo decreto-lei n.º 31544, de 30 de setembro de 1941, já não consubstanciado numa mera divisão entre cursos complementares de letras e de ciências, mas sim em

«cursos especializados, constituídos de harmonia com as carreiras a que os alunos se destinam» (cf. decreto-lei n.º 36507, de 17 de setembro de 1947),

92 nomeadamente adotando o regime de disciplinas no 3.º ciclo. O decreto-lei n.º 36507, de 17 de setembro de 1947 invoca, também, a «unanimidade de pareceres quanto à insuficiência de um só ano para os estudos do 3.º ciclo» (cf.

decreto-lei n.º 36507, de 17 de setembro de 1947), aumentando, assim, a duração do mesmo de um ano, na reforma de Carneiro Pacheco, de 1936, para dois anos, numa «aparente concessão ao regime de disciplinas [que] não impede que a reforma [de 1947] reforce, ao nível formal-legal, as características essenciais do regime de classes» (Barroso, 1993, p. 186). O ensino liceal passa, novamente, a ter como foco o prosseguimento de estudos superiores, ao contrário do sucedido na reforma do ministro Carneiro Pacheco, considerando o ministro Pires de Lima que, na organização do ensino liceal estabelecida em 1936, «o curso geral não preparava para a integração na vida activa e o complementar não permitia aceder convenientemente aos estudos superiores»

(Adão & Remédios, 2008, p. 52). Desaparece a referência ao curso especial de educação familiar criado pela reforma de Carneiro Pacheco, de 1936, sendo criada, em contrapartida, a sessão de religião e moral em todos os ciclos de ensino, por evolução da sessão de educação moral e cívica. Atribuem Adão e Remédios (2008) esta extinção do curso especial de educação familiar à reduzida procura entre a população escolar feminina, considerando que «as alunas liceais traçavam outros destinos escolares que não se prendiam com uma preparação para mães de família instruídas» (p. 54), almejando mesmo o prosseguimento de estudos superiores. A separação entre disciplinas e sessões é mantida, atribuindo-se à Mocidade Portuguesa Feminina, no caso do Liceu em estudo, a direção das sessões de lavores femininos, o que cerceava a autonomia dos professores, nomeadamente implicando a perda de «um espaço de expansão profissional (a acção extra-escolar) que, antes de 1936 constituía um campo fértil de livre-iniciativas (culturais, cívicas, etc.) liceais» (Barroso, 1993, p.

564). Não obstante a extinção do curso especial de educação familiar, funcionaram no Liceu cursos de ‘aperfeiçoamento feminino’ entre 1960 e 1980, tanto semestrais ou anuais, como de frequência obrigatória ou facultativa, dedicados a áreas tão diversas como artes plásticas, língua italiana, arte de representar ou enfermagem e cobrindo várias atividades domésticas e modalidades desportivas (A. C. Silva, 2003).

93 Esta reforma de Pires de Lima (1947) preconiza uma aparente, mas enganadora, democratização da frequência dos liceus, através de medidas como

«fim da fixação rígida da lotação máxima dos liceus a nível nacional; fim do privilégio de matrícula aos alunos residentes na zona pedagógica; fim da distinção entre liceus centrais e nacionais» (Barroso, 1993, p. 524). Todavia, entrou em vigor, logo em 1948, a reforma do ensino técnico, que previa uma

«orientação deliberada dos fluxos de alunos saído do ensino primário para o ensino técnico» (Barroso, 1993, p. 524), passando o ensino técnico a constituir

«uma segunda via (socialmente discriminada e profissionalmente discriminante), alternativa ao liceu» (Barroso, 1993, pp. 526-527), com vista a responder à

«procura oriunda das "classes populares" (...) [satisfazendo] o seu desejo de mobilidade social, reduzindo-o, contudo, a "horizontes" compatíveis com a estrutura social existente» (Barroso, 1993, p. 527). Por outras palavras, refere Martins (2009) que «o espírito do ensino liceal era formar os ‘futuros dirigentes do país’, evitando o crescimento de alunos, de maneira a canalizá-los para as escolas profissionais» (pp. 167-168). O estatuto superior do ensino liceal face ao ensino técnico manifestava-se no próprio Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, a partir momento em que, em 1942, foi instalada no seu edifício a secção feminina do curso comercial da Escola Comercial Veiga Beirão, o que causava, segundo a imprensa da época, grande transtorno a estas alunas, não só pela

«falta de edifício apropriado e disponível» (Sousa, 2019, p. 74), mas também porque o curso comercial «só começava aquando [sic] concluídas as aulas do curso liceal» (Sousa, 2019, p. 74). Procedeu-se, com esta reforma de Pires de Lima, à revogação do estatuto do ensino secundário, aprovado por iniciativa do ministro Cordeiro Ramos em 1931 (Adão & Remédios, 2008). O princípio da utilidade transitou da reforma de Carneiro Pacheco, de 1936, para a de Pires de Lima, de 1947, sendo exemplo desse facto a abolição da disciplina de latim no 2.º ciclo do curso geral dos liceus, mantendo-se apenas, no 3.º ciclo, para os alunos que pretendessem seguir direito, ciências histórico-filosóficas e filologia no ensino superior, sob a justificação de «reduzir a extensão do plano de estudos e a carga horária dos liceus portugueses» (Adão & Remédios, 2008, p. 57) como forma de potenciar o sucesso escolar, privilegiando-se aprendizagens práticas e

«uma formação moderna em vez de privilegiar a orientação clássica» (Adão &

Remédios, 2008, p. 57). A medida contou, contudo, com a forte oposição da

94 Igreja Católica, que criticava, no jornal Novidades, a primazia dada pela reforma de Pires de Lima, de 1947, à «formação científica isolada» (Adão & Remédios, 2008, p. 58) e defendia a coexistência de uma componente clássica e de uma componente moderna no ensino liceal, «argumentando que nos países considerados modernos aquela língua morta está presente no ensino secundário» (Adão & Remédios, 2008, p. 58). Sucede, no entanto, que a disciplina de latim, se assumia um papel central nos diferentes modelos de ensino secundário vigentes até ao estatuto do ensino secundário de 1931, vinha assumindo progressivamente um papel de menor relevância desde a reforma de Carneiro Pacheco, de 1936, a partir da qual passou a figurar na disciplina de português-latim. Concluem, assim, Adão e Remédios (2008) que «a reforma de 1947 correspondeu apenas à introdução de algumas rupturas, privilegiando todavia a continuidade» (Adão & Remédios, 2008, p. 60).

Aproximando-nos do final deste período (1917-1972), «a realidade social evoluía rapidamente (...), materializada, no campo escolar, entre outros aspetos, por um acentuado crescimento da procura social de ensino» (Teodoro, 2018, p.

16), o que A. C. Silva (2003) confirma, referindo que a «trajectória educativa do Liceu Maria Amália foi sendo corrigida e dinamizada num outro sentido» (p. 492) devido ao «início da guerra colonial e o desenvolvimento de uma consciência crítica» (A. C. Silva, 2003, p. 492). A este crescimento, é dada resposta pelo decreto-lei n.º 45810, de 9 de julho de 1964, da autoria do ministro da Educação Nacional, Inocêncio Galvão Teles (Apêndice H), que aumenta a escolaridade obrigatória de quatro para seis anos, sendo criado o ciclo complementar do ensino primário e estabelecendo-se, assim, seis anos de ensino gratuito – quatro de ensino primário elementar e dois de ciclo complementar do ensino primário.

O ciclo complementar do ensino primário passou a existir em paralelo com o 1.º ciclo do ensino liceal e o ciclo preparatório do ensino técnico, destinando-se aos alunos que não quisessem prosseguir estudos no ensino liceal e que ficariam, assim, com seis anos de escolaridade completos, a partir do ano letivo 1966-1967. Este constitui o ponto de viragem no sentido de uma menor duração do ensino liceal e, posteriormente, do ensino secundário. Note-se que, com a aprovação do decreto-lei n.º 47480, de 2 de janeiro de 1967, são unificados o 1.º ciclo do ensino liceal e o ciclo preparatório do ensino técnico, dando origem ao

95 ciclo preparatório do ensino secundário, a ministrar em escolas preparatórias, sob a justificação de garantir uma transição mais suave entre o ensino primário elementar (4.ª classe) e o ensino liceal, que começava abruptamente após a conclusão do ensino primário. Este ciclo preparatório do ensino secundário, paralelamente ao ciclo complementar do ensino primário criado em 1964, correspondia aos 1.º e 2.º anos do ensino liceal, que passam, assim, a constituir o 1.º e o 2.º anos do ciclo preparatório, mantendo, ainda assim, a separação de sexos. O ensino liceal é, assim, amputado de dois anos de duração, restando-lhe ministrar o ensino do 3.º ao 7.º ano. As disciplinas referidas na Tabela 5 e lecionadas, no todo ou em parte, no antigo 1.º ciclo dos liceus, tais como ciências geográfico-naturais, francês ou as sessões extracurriculares, transitam para o ciclo preparatório, atingindo o ensino liceal um grau de especialização como nunca tinha adquirido antes.

Também no final deste período (1917-1972) começa a estabelecer-se a distinção clara, ainda hoje vigente, entre ensino básico e ensino secundário, designação que o ensino liceal recupera a partir de 1971. Se, com o decreto-lei n.º 47480, de 2 de janeiro de 1967, o ciclo preparatório é colocado sob a alçada da Direção de Serviços do Ciclo Preparatório, esta passa a integrar, com o decreto-lei n.º 408/71, de 27 de setembro, a Direção-Geral do Ensino Básico, que fica responsável pelo ensino primário e pelas escolas preparatórias. Pelo mesmo diploma legal, que aprovou a nova orgânica do Ministério da Educação Nacional, foi criada a Direção-Geral do Ensino Secundário, em substituição da Direção-Geral do Ensino Liceal, que ficou responsável pelos liceus. A lei de bases do sistema educativo, da autoria do ministro da Educação Nacional, José Veiga Simão, partirá desta distinção para uma reforma profunda do ensino que, como veremos no período 1973-2020, deixará marcas profundas, apesar da ausência de implementação no imediato (Apêndice H). Não obstante, segundo Freitas (2011), o caminho a seguir no Portugal democrático é iniciado durante o exercício de funções de José Veiga Simão como ministro da Educação Nacional, através do Decreto-Lei n.º 447/71, de 25 de outubro, que cria diversos liceus nacionais mistos por todo o território nacional – embora ainda com secções femininas –, e também do Decreto-Lei n.º 482/72, de 28 de novembro, que restabelece o regime de coeducação – educação comum aos dois sexos – no

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