R e v is t a d a S o c ie d a d e B r a s ile ir a d e M e d i c i n a T r o p ic a l 2 4 ( 1 ) : 6 1 -6 2 , ja n - m a r , 1 9 9 1
CO M UNICAÇÃO
IDENTIFIC AÇÃO D E ISOSPORÍASE EM PACIENTES COM SÍNDROM E
D E IM U N O D EFIC IÊN C IA A D Q U IR ID A EM SALVADOR, BAHIA
E d s o n D . M o r e ir a J u n io r , N ã n c i S ilv a , M a r ia G . M . B a r b e r in o , C a r lo s B r ite s , W a r r e n D. J o h n s o n J ú n i o r e R o b e r t o B a d a r ó
I s o s p o r a b e l l i é um coccideo que passou a atrair a atenção da comunidade médica a partir do reconhecimento da síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA) no inicio da década de 807. Embora incomum nos Estados Unidos onde acomete 0,2% dos pacientes com SIDA (Centers forDisease Control), a isosporíase ocorre mais frequentemente em outras áreas tropicais do mundo, a exemplo do Haiti, onde 15% dos pacientes com SIDA apresentam a infecção2. No Brasil, pelo menos 1% dos pacientes com SIDA tem diagnóstico associado de isosporíase3 5. Neste relato descrevemos 7 casos de diarréia crônica por I s o s p o r a b e l l i em pacientes com SIDA em Salvador, Bahia.
Todos os pacientes preenchiam os critérios diagnósticos de SIDA revisados pelo Centers for Disease Control em 19871. O diagnóstico da isos poríase foi estabelecido através de exame direto das fezes após coloração de Ziehl-Neelsen modificada4 6. Resumidamente, a técnica consiste em: a partir de material sedimentado (camada superior de amostra de fezes dissolvida em formalina 10%, após centrifuga ção por 2 minutos a 1.750 rpm) um esfregaço é preparado em lâmina de vidro e fixado pelo calor a 70° por 10 minutos. Se a amostra tem aspecto muçóide, 10 gotas de KOH a 10% são acrescentadas ao sedimento e homogeneizado antes de novo esfregaço ser obtido. Após fixação pelo calor a lâmina é recoberta com carbofucsina, aquecida até vaporização e deixada corar por 5 minutos. Caso a lâmina comece a secar, mais corante é adicionado sem novo aquecimento. O esfregaço é éntão- enxaguado, com água- cofrente, descorado com ácido sulfúrico a 5% por 30 segundos e lavado novamente com água, éscoándo-se o excesso.. A lâmina é então corada com azul de metileno por um minuto, enxaguada com água e deixada secar em ar ambiente. C r y p t o s p o r i d i u m e/. b e l l icoram-se ambos
Laboratório de Retrovirus do Hospital Professor Edgar Santos.Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. Cornell University Medical College, New York, NY, USA. Órgão financiador: N1H Grant AI 26506-03.
Endereço para correspondência: Dr. Roberto Badaró. R. João das Botas s/n Canela, 40140 Salvador, BA.
Recebido para publicação em 04/10/90.
em vermelho brilhante contra um fundo azul, sendo facilmente visualizados ao exame microscópico com aumento de X400 ou X1000. Os oocistos de/, b e l l ise distinguem dos de outros coccídios pelo seu tamanho (20 a 30 mm por 10 a 19 mm), forma oval e presença de 2 esporoblastos, em contraste, os oocistos de C r y p t o s p o r i d i u m são arredondados com 4 a 6 mm de diâmetro e apresentam 4 esporoblastos.
Nenhum outro protozoário, bactéria enteropa- togênica ou parasito intestinal foi isolado concomi- tantemente, nestes pacientes, em pelo menos 3 exames de fezes adicionais. Todos pacientes foram tratados com Sulfametoxazol (SMT) + Trimetoprim (TMP) por via oral, na dose de 800mg/160mg, respectiva mente, 4 vezes ao dia, durante 10 dias, passando a 2 vezes por dia por 3 semanas, e mantida uma dose ao dia, 3 vezes por semana como profilaxia de recidivas^.
As características clínicas e epidemiológicas encontradas nos 7 pacientes estão sumarizadas na Tabela 1. Os pacientes apresentavam diarréia aquosa crônica, sem muco ou sangue, com 11 ± 3 evacua ções/dia e acompanhada de dor abdominal difusa. O diagnóstico de isosporíase foi obtido no primeiro exame com coloração de Ziehl-Neelsen modificada em todos os casos, a despeito de todos pacientes apresentarem, previamente, pelo menos 2 exames parasitológicos de fezes negativos. Todos pacientes responderam ao tratamento, com resolução da diarréia em 3,5 ± 1,7 dias em média após o início da terapêutica. Nenhum efeito colateral foi observado.
Diarréia é uma manifestação clínica comum em pacientes com SIDA. Na Bahia, de 110 pacientes com SIDA, 76 (69%) apresentavam diarréia e destes, ■ somente 28 (37%) tinham identificação do agente
etiógico(ED Moreira Jr: comunicação pessoal, 1990). A não realização de métodos diagnósticos adicionais no estudo da diarréia destes pacientes pode explicar os baixos índices de confirmação etiológica encontrados.
A utilização do método de coloração de Ziehl- Neelsen modificado para a pesquisa de coccídeos pouco freqüentes na parasitologia médica no nosso meio, I s o s p o r a b e l l i e C r i p t o s p o r i d i u m s p , deve ser incluída na rotina de investigação diagnostica de pacientes com diarréia e SIDA, possibilitando o rápido reconhecimento, através de método simples e
C o m u n ic a ç ã o . M o r e ir a J r E D , S i l v a N , B a r b e r in o M G M , B r it e s C, J o h n s o n J r W D , B a d a r ó R . I d e n tific a ç ã o d e is o s p o r ía s e e m p a c i e n t e s c o m s ín d r o m e d e im u n o d e fic iê n c ia a d q u ir id a e m S a lv a d o r , B a h ia . R e v is t a d a S o c ie d a d e B r a s ile i r a d e M e d i c in a T r o p ic a l 2 4 : 6 1 -6 2 , ja n - m a r , 1 9 9 1
T a b e l a 1 S u m a r i o d a s c a r a c t e r í s t i c a s c l í n i c a s e e p i d e m i o l ó g i c a s d e 7 p a c i e n t e s c o m S I D A e d i a r r é i a p o r I. belli.
Paciente Idade (anos)
/sexo
Grupo de
Risco*
Duração da Diarréia
(m eses)
Outras Infecções
Oportunistas**
1. RCS 34/M Hom o 4
PPC
2. G LS 39/M Hom o 3 CE
3. ARC M 2 4 /F H et 3 T X , CE
4. E N A 36/M Bi 2 CO
5. X M F 34/M Homo 3 CO, TB
6. A CC O 35/M U D E V 2 PPC
7. PC D 31/M U D E V 5 CO
** ^ 0m 0 Hom ossexual, Bi — Bissexual, H et = Heterossexual, U D E V = Usuário de drogas endovenosas.
CE — Candidíase esofágica, CO = Candidiase oral, T X = Toxoplasm ose em sistem a nervoso central, TB = Tuberculose, PPC — Pneumonia por P n e u m o c y s t i s c a r i n i i.
não invasivo, de infecção tratável e, provavelmente, subestimada em nosso meio.
AGRADECIM ENTOS
Os autores agradecem a Angélica Maria Bastos pela assistência na realização das avaliações micro- biológicas e a Jackson Lemos e Josemar de A. Ferreira pela assistência na digitação deste manuscrito.
R E F E R Ê N C IA S BIBLIO G R Á FIC A S
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