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A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

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RODRIGO EDUARDO QUADRANTE

A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO

MESTRADO EM DIREITO

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RODRIGO EDUARDO QUADRANTE

A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Direito das Relações Sociais, sob a orientação do (a) Prof.(a), Doutor (a) – Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.

(3)

BANCA EXAMINADORA

__________________________________

__________________________________

(4)

AGRADECIMENTOS

À minha esposa Fernanda, pelo amor, cuidado e paciência.

(5)

SUMÁRIO

I. RESUMO p. 1

II. INTRODUÇÃO p. 3

III. A ORDEM CONSTITUCIONAL, O DIREITO

PRIVADO E O CÓDIGO DO CONSUMIDOR p. 17

a. A livre iniciativa e o estado liberal p. 19 b. A intervenção do Estado, o Direito Privado e o

contrato p. 24

c. A intervenção do Estado, o Direito Privado e a

responsabilidade civil p. 28

d. A responsabilidade civil e a sociedade de massas p. 30 e. A evolução da responsabilidade civil e a culpa

presumida p. 31

f. A responsabilidade civil objetiva p. 33

IV. A INTERNET COMO INSTRUMENTO DE

ACESSO AO CONSUMO DE MASSA p. 37

a. A desconfiança do consumidor como óbice ao

amadurecimento do consumo eletrônico e ao acesso ao

consumo p. 41

b. A expectativa de consumo e a sociologia jurídica p. 45 c. As medidas adotadas pela Comunidade Econômica

Européia contra os problemas da desmaterialização do contrato, da contratação à distância e da

despersonalização das relações sociais de consumo p. 49

V. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, O

PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA APLICADOS AO COMÉRCIO

ELETRÔNICO p. 61

a. O princípio da boa-fé objetiva p. 63

b. O princípio da transparência p. 73

(6)

VI. A ORDEM ECONÔMICA E O MARKETING COMO FERRAMENTA DO COMÉRCIO

ELETRÔNICO p. 87

a. A função social do marketing eletrônico p. 92 b. A diferença entre o marketing, a publicidade e a

propaganda p. 95

c. Os erros na definição de publicidade e a publicidade

institucional p. 100

VII. A PUBLICIDADE E O PRINCÍPIO DA

VINCULAÇÃO DA MENSAGEM PUBLICITÁRIA p. 102

a. A teoria da declaração da vontade, a mensagem publicitária e a confiança despertada no mercado de

consumo p. 106

b. O artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor e o

pré-contrato p. 110

c. A oferta, a publicidade e o mercado de consumo p. 117

VIII. A PUBLICIDADE ENGANOSA E O DEVER DE

INFORMAÇÃO p. 123

a. A informação e seu processamento psicológico p. 125 b. O dever de informar e o sistema jurídico p. 128 c. O dever de informar como fonte de obrigação p. 132 d. A mensagem publicitária enganosa e o erro p. 138 e. A publicidade enganosa e a responsabilidade civil

decorrente do art. 35 do Código do Consumidor p. 140

IX. A CONDUTA SOCIAL TÍPICA, A

INFORMAÇÃO E A MARCA p. 144

a. A conduta social típica p. 144

b. A influência das marcas sobre os consumidores, a

informação e o princípio da confiança p. 147

X. CONCLUSÃO p. 156

(7)

I. RESUMO

O presente trabalho, para obtenção do grau de mestre em Direito das Relações Sociais, tem por tema “A expectativa de consumo no Comércio Eletrônico”.

O tema escolhido é fruto da observação do fenômeno do consumo de massa e de seu desenvolvimento no ambiente da Internet. O trabalho se baseará nos dados publicados pelo Ibope, pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo e pelo Instituto de Defesa do Consumidor, os quais demonstram os problemas mais comuns enfrentados pelos consumidores ao adquirirem bens e serviços através da Internet.

(8)

ABSTRACT

The purpose of this paper is to achieve a Master’s Degree in Social Relations Law, and is entitled “The expectation of consumption in E-Commerce”.

The selected theme is the result of the observation of the mass consumption phenomenon, as well as of its development on the Internet. The paper will be based on the data issued by IBOBE (Brazilian Institute of Public Opinion and Statistics), by Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo (Foundation for Consumer Protection and Defense of the State of São Paulo) and by Instituto de Defesa do Consumidor (Institute for Consumer Defense). These data reflect the problems most commonly faced by consumers when they are purchasing goods and services on the Internet.

(9)

II. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é analisar o fenômeno da expectativa de consumo gerada pela publicidade veiculada nos meios de comunicação e pelo fascínio exercido pelas marcas existentes no mercado de consumo. Abordará as escolhas do consumidor sobre o quê e como consumir, sendo certo que tais escolhas começam antes mesmo da própria aquisição de um produto ou serviço, e baseiam-se nas suas experiências passadas e na expectativa de mudança do seu presente, após o consumo dos produtos ou serviços adquiridos.

O presente trabalho iniciou-se com o estudo dos dados divulgados pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo, para que fossem destacados os três setores de maiores reclamações por parte dos consumidores. Assim, ao se analisar os dados dos anos de 2002, 2003 e 2004, restou claro que as empresas de telefonia, planos de saúde e as instituições financeiras encabeçaram o ranking das reclamações da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo.1

(10)

(vinte e quatro por cento), ao setor financeiro.2 O relatório não detalhou os problemas existentes nos setores de serviços e financeiro, tampouco as razões que motivaram as referidas reclamações.

A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo, em Relatório de Atendimento Geral referente ao ano de 2004, concluiu que, em relação às reclamações recebidas, 39% (trinta e nove por cento) delas referiam-se a problemas com empresas de telefonia, 19% (dezenove por cento) a problemas com instituições financeiras e 9% (nove por cento) a empresas de plano de saúde.3 Logo, pode-se concluir que os consumidores que adquiriram serviços de empresas de telefonia, planos de saúde e instituições financeiras tiveram maiores problemas do que aqueles que adquiriram produtos e serviços de empresas de outros setores da nossa economia. Portanto, a primeira pergunta que se pode fazer é: qual é a semelhança entre as reclamações dos consumidores de produtos ou serviços do setor financeiro, de planos de saúde e de telefonia?

O Relatório de Atendimento Geral do ano de 2004, ao tratar das reclamações decorrentes do setor de telefonia, dividiu-as conforme segue: (18%) correspondentes a reclamações referentes a serviços de telefonia propriamente ditos; Tele Aparelho Celular

1 www.procon.sp.gov.br

(11)

(18%) e Tele Seguro (3%).4 Isso devido à Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo ter percebido que uma parte das reclamações referia-se a serviços de telefonia prestados aos consumidores e outra parte, aos próprios produtos comercializados pelas empresas de telefonia.

O referido relatório do ano de 2004 concluiu, ao analisar os serviços de telefonia propriamente ditos, que “o maior número de reclamações permanece ocorrendo na área de telecomunicações, não só por força de um enorme déficit de informações ali ainda verificado mas, também, por informações prestadas ao consumidor sem a clareza necessária, quando da contratação de planos, promoções ou, ainda, ante as solicitações de serviços e produtos que não se confirmam ou não se

cumprem quando efetivamente prestados ou entregues”.5

E mais: o relatório, ao analisar as reclamações na área de produtos, ainda concluiu que os aparelhos celulares (Tele Aparelho Celular) são os líderes das reclamações de produtos comercializados, eis que “o público, levado pela publicidade e pelas grandes promoções, adquire o aparelho sem observar seus manuais, que muitas vezes não estão claros, no que se refere aos recursos e à prestabilidade do produto, associados aos serviços das operadoras. Apesar de muitas vezes constar do manual que alguns serviços dependem da operadora, o consumidor, levado pelo anúncio publicitário, pela forma de pagamento aparentemente atraente ou até mesmo pela empolgação, acaba

adquirindo um produto que não é exatamente o pretendido”.6

(12)

Como se vê, o Relatório de Atendimento Geral de 2004 demonstra que os consumidores de produtos ou serviços do setor de telefonia são levados, ao exercerem a sua escolha, pela publicidade veiculada no mercado de consumo. A escolha do consumidor de produtos ou serviços de telefonia, como se pode observar através das informações do Relatório de Atendimento Geral de 2004, não se baseia em dados racionais, pois os produtos e serviços são adquiridos, sem que os consumidores observem seus manuais, sendo certo que tais manuais não possuem informações claras e precisas sobre o bem ou o serviço adquirido. O relatório ainda deixa claro que os consumidores adquirem produtos ou serviços com base em critérios emocionais que, por sua vez, não levam a uma escolha madura e racional por parte do consumidor.

O Relatório de Atendimento Geral referente ao ano de 2003, ao analisar as reclamações que dizem respeito às empresas do setor financeiro, concluiu que a maior parte das reclamações que foram atendidas refere-se a golpes e fraudes ocorridos no interior de estabelecimentos bancários, em especial, nos terminais eletrônicos. O relatório observa que “os consumidores mais lesados são, no geral, aposentados, que, em razão da dificuldade de operar os terminais eletrônicos, acabam tornando-se vítimas preferenciais dos golpistas. Contribui para atuação dos golpistas o fato de que algumas instituições financeiras praticamente impõem a seus clientes o uso dos caixas eletrônicos convencionais". 7

(13)

Bem se vê que o Relatório de Atendimento Geral de 2003 dá especial importância às fraudes e golpes ocorridos nos terminais eletrônicos. Tais golpes se dão, em especial, com consumidores mais velhos, os quais possuem pouca prática com os meios eletrônicos. Tem-se, entretanto, que as empresas do setor financeiro não tomaram quaisquer medidas preventivas, informativas ou educativas, para que tais golpes deixassem de ocorrer.

Depreende-se assim que as empresas do setor financeiro dão pouca importância às características dos seus consumidores, em especial, daqueles de mais idade, quando se trata da qualidade da informação veiculada no mercado de consumo. Esses consumidores deveriam receber informações dirigidas ao seu grupo social no que tange à utilização dos terminais eletrônicos, pois, se assim as empresas do setor financeiro o fizessem, os problemas de golpes nos terminais eletrônicos, certamente, seriam reduzidos.

No tocante às demais reclamações, o Relatório de Atendimento Geral do ano de 2003 conclui que “permanece inalterada a qualidade da prestação de serviços por parte dos bancos, não havendo, de forma prática, nenhuma melhora significativa relativamente a questões de falta de clareza nas cobranças das tarifas, da não entrega de cópias de contratos aos correntistas e o envio de cartão sem prévia solicitação”.8

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A Fundação de Proteção e Defesa dos Consumidores do Estado de São Paulo, através de pesquisa realizada em novembro de 2002 a outubro de 2003, também observou que 44% (quarenta e quatro por cento) das pessoas que registraram reclamações referentes a cartões de crédito não receberam o contrato de aquisição do serviço.9 No entanto, a pesquisa demonstra que 70% (setenta por cento) dos entrevistados que registraram ocorrências na fundação em questão confessaram não terem recebido o contrato de aquisição do serviço, mas que acreditavam ter conhecimento sobre seu funcionamento.10

Todavia, a realidade é bem diferente da que os consumidores entrevistados alegam, visto que a maior parte das reclamações refere-se a “problemas quanto à cobrança indevida e duplicidade de cobrança na fatura (25%), quanto aos procedimentos no caso de perda, roubo, furto ou extravio do cartão (23%) e quanto aos encargos de

refinanciamento e/ou atraso no pagamento das faturas (19%)”.11 Ora, os

consumidores se enganam quanto ao conhecimento acerca do funcionamento do cartão de crédito, mas a maior parte dos problemas decorre, justamente, do próprio funcionamento do serviço, encargos na hipótese de financiamento, perda ou roubo do cartão.

O relatório ainda demonstra que as empresas do setor financeiro dão pouca importância às formas da informação aos

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consumidores, como, por exemplo, o envio dos contratos de aquisição dos seus serviços e a própria instrução (educação) quanto às formas de utilização dos mesmos. Com efeito, o relatório demonstra que grande parte dos consumidores não recebeu os contratos de aquisição do produto, sendo certo que grande parte das reclamações refere-se à utilização dos serviços, taxas cobradas e clareza dos extratos fornecidos. Logo, a veiculação da informação e a sua clareza são de grande valia à realização das legítimas expectativas do consumidor e ao desenvolvimento de um mercado maduro de consumo, pois se os consumidores possuíssem as informações necessárias, tais reclamações deixariam de existir.

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alteração da rede credenciada, a negativa de certas coberturas em razão de doenças preexistentes são vícios de informação gerados durante a execução dos serviços, fato que diferencia essa modalidade de reclamação daquelas decorrentes do setor de telefonia e do setor financeiro.

As pesquisas formuladas pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo demonstram que as reclamações apresentadas durante os anos de 2002, 2003 e 2004, em geral, têm como origem vícios na divulgação das informações acerca dos serviços prestados antes, durante e depois da sua contratação. A falta de clareza das informações prestadas em uma publicidade veiculada nos meios de comunicação, o desconhecimento do conteúdo de um contrato em razão da omissão do fornecedor no tocante ao seu envio, a omissão de informações quanto às supostas coberturas de um plano de saúde, a omissão na divulgação do descredenciamento do médico da família do convênio são desvios que decorrem de vícios na divulgação das informações, no momento da formação da livre escolha do consumidor e durante o trato negocial.

Observa-se, entretanto, que os consumidores, ao deixarem de se preocupar com o recebimento dos contratos que lastreariam o seu direito frente ao fornecedor de serviços, acreditam em outros fatores maiores do que o próprio contrato celebrado, quais sejam:

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a publicidade veiculada no mercado de consumo, a marca dos fornecedores e a confiabilidade despertada pelos mesmos.

A confiabilidade despertada pela empresa é algo intangível e está diretamente ligada à expectativa gerada no consumidor antes e durante o trato negocial, eis que a crença na lisura da empresa afastará, na visão do consumidor, qualquer eventual problema quanto ao conteúdo de um contrato de prestação de serviços que não lhe foi entregue, eventual dificuldade de compreensão ou clareza no extrato bancário que lhe foi enviado pelo correio, ou o descredenciamento do médico da família do convênio médico. A confiabilidade despertada pela empresa, quer através da sua marca, quer através das suas publicidades, é elemento fundamental à formação da livre escolha do consumidor e à frustração de suas expectativas, as quais se formaram objetivamente através das informações prestadas aos consumidores, sendo certo que a frustração dessa credibilidade ensejou grande parte das reclamações analisadas pela Fundação de Defesa e Proteção dos Consumidores do Estado de São Paulo.

O consumo é um processo dinâmico, que se inicia com a consciência das expectativas do consumidor e termina com a avaliação da pós-compra.13 O estudo do comportamento do consumidor pode se basear em elementos positivos, se pudermos acreditar que o consumo seja guiado pela razão; pode se basear em

13 Ver a esse respeito, Ernesto M. Giglio, O comportamento do consumidor, p. 7 e Christiane Gade,

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elementos emotivos, se pudermos acreditar que o consumo seja guiado por elementos conscientes e inconscientes, ou pode se basear em elementos sociais, se pudermos acreditar que o consumo seja guiado pela influência do grupo.

A análise do mercado de consumo, conforme leciona o ilustre Prof. PHILIP KOTLER, pode se dar através da percepção de fatores culturais, sociais, pessoais e, em especial, psicológicos. O fator cultural é o determinante fundamental nos desejos e no comportamento de um indivíduo, eis que o conjunto de valores, percepções e preferências de um indivíduo decorrem da sua vida familiar e do seu ambiente cultural.14

O fator social, por sua vez, é reflexo da influência do grupo sobre o indivíduo, sendo certo que se diferencia do fator cultural, em razão da existência de vários grupos sociais dentro de um grupo de indivíduos que possuem a mesma cultura. Ora, em um grupo de indivíduos que possuem a mesma cultura, existem vários outros grupos, como, por exemplo, o grupo familiar, o grupo de trabalho e o grupo de amigos do clube. Assim, embora todos os indivíduos desse grupo tenham a mesma cultura, eles podem não participar do mesmo grupo, visto que alguns indivíduos do trabalho não participam do mesmo grupo familiar, o que gera diferenças sociais, ainda que não sejam diferenças culturais.15

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O fator pessoal baseia-se em características do indivíduo, posto que as decisões do comprador são influenciadas pela sua idade, estágio do ciclo de vida, ocupação, situação econômica, estilo de vida, personalidade e auto-estima.16

O fator psicológico de consumo é influenciado por quatro elementos, quais sejam: motivação, percepção, aprendizagem e atitudes. O ilustre Prof. PHILIP KOTLER esclarece que “uma pessoa tem muitas necessidades em determinado momento. Algumas necessidades são fisiológicas. Elas surgem de estados fisiológicos de tensão como fome, sede, desconforto. Outras são psicológicas. Surgem de situações psicológicas de tensão como a necessidade por reconhecimento, estima e posse. A maioria das necessidades psicológicas não é intensa o suficiente para motivar a pessoa a agir imediatamente sobre elas. Uma necessidade torna-se um motivo quando surge em nível suficiente de intensidade. Um motivo (ou impulso) é uma necessidade que está pressionando suficientemente para levar a pessoa a agir. A satisfação da necessidade reduz o sentimento de tensão”.17

O indivíduo motivado, consoante às lições do ilustre professor, está pronto para agir. No entanto, a ação do indivíduo depende da sua percepção do ambiente. A percepção pode ser definida como “o processo pelo qual uma pessoa seleciona, organiza e interpreta as informações para criar um quadro significativo do mundo. Ela

15 Ernesto M. Giglio, ob. cit., p. 10. “Conf.” Margaret Mark e Carol Pearson, O herói e o fora-da-lei: Como

construir marcas extraordinárias usando o poder dos arquétipos, p. 23.

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não depende somente do estímulo físico, mas também da relação do estímulo com o ambiente e as condições interiores do indivíduo”.18

Como se vê, as expectativas estão intimamente ligadas à percepção dos indivíduos motivados acerca dos serviços e produtos veiculados no mercado de consumo, onde as informações veiculadas permitem que eles selecionem no mercado as possibilidades de satisfação das suas necessidades, caso adquiram determinado produto ou serviço. Logo, pode-se concluir que grande parte das reclamações analisadas pela Fundação de Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo está ligada aos vícios de informação que geraram percepções equivocadas dos consumidores, as quais frustraram as expectativas objetivas de satisfação de suas necessidades.

Em razão do exposto acima, o presente trabalho terá como objeto de estudo o comportamento dos consumidores na aquisição de produtos e serviços através dos meios eletrônicos, em especial, da Internet. A escolha do ambiente de estudo se deu pela desmaterialização das relações sociais no comércio eletrônico, eis que os consumidores contratam serviços e adquirem produtos no ambiente eletrônico sem a materialização de um contrato, o que, ao que parece, gerou inúmeras reclamações na Fundação de Defesa dos Consumidores do Estado de São Paulo.

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As informações prestadas no ambiente eletrônico são aquelas veiculadas pelos próprios fornecedores nas suas publicidades. A forma de contratação dos serviços ou produtos se dá através de um simples toque no mouse do computador, o que torna mais latente a crença dos consumidores na marca do fornecedor, na sua publicidade e na lisura dos fornecedores no mercado de consumo.

Hoje, é certo que a Internet se transformou em um enorme “shopping virtual” que mistura trabalho, consumo e entretenimento no chamado “mundo eletrônico”. As percepções dos consumidores se misturam na Internet, visto que os portais de notícias misturam informações cotidianas publicadas em jornais, entretenimento em salas de jogos e “bate papo” e veiculam ofertas de bens e serviços. O consumidor, neste ambiente, é motivado ao consumo, é influenciado pela divulgação de novos produtos, serviços e marcas, ainda que tenha acessado a rede tão- somente para alcançar o portal de uma empresa, ou para mero entretenimento.

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desses grupos possuam culturas diferentes.19 Hoje, existe uma verdadeira guerra das indústrias exportadoras de cultura, em especial, das indústrias culturais do ocidente contra as culturas locais de todos os países.

As barreiras existentes à exportação de uma cultura internacional são as próprias culturas internas dos países, políticas internas e leis, as quais não submetem a Internet às suas influências. Isso porque a Internet permite que consumidores de outros países acessem portais brasileiros e adquiram produtos e serviços de empresas brasileiras, sendo certo que o mesmo ocorre com os nossos consumidores. Logo, o objeto de estudo deste trabalho será a análise da influência da publicidade veiculada através da Internet no processo decisório do consumidor, sendo certo que essa influência está intimamente ligada às expectativas de satisfação das suas necessidades, e ao direito de o consumidor receber informações corretas que levarão à satisfação dessas necessidades.

19 Conf. Dominique Quessada, O poder da publicidade na sociedade consumida pelas marcas. Como a

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III. A ORDEM CONSTITUCIONAL, O DIREITO PRIVADO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código Civil de 1916 sofreu forte inspiração do Código Napoleônico, sendo este baseado nos princípios que nortearam a Revolução Francesa, quais sejam, Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A liberdade e a igualdade - princípios que nasceram da burguesia francesa à época da Revolução - com o passar das décadas, tiveram o seu significado deturpado pela Revolução Industrial e pela evolução da sociedade de massas. Com efeito, “o enunciado do princípio de que todos são iguais perante a lei nos dá conta de sua inconsistência, visto que a lei é uma abstração, ao passo que as

relações sociais são reais”.20 As diferenças sociais, econômicas e culturais dos indivíduos não eram levadas em consideração no momento da aplicação desses princípios, fato que gerou inúmeras ilegalidades, bem como o abuso do poder econômico e a imposição da vontade do mais forte, no momento da celebração dos tratos privados.

O ilustre Prof. CHAÏM PERELMAN observa que “o esforço dos juristas, em todos os níveis e em toda a história do direito, procurou conciliar as técnicas do raciocínio jurídico com a justiça ou, ao menos, à aceitabilidade da decisão. Quando o resultado é inadmissível por esta ou aquela razão, é que o jurista é levado a introduzir uma distinção, que talvez tivesse omitido ao estabelecer as premissas de seu raciocínio”.21

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Assim, as imperfeições do liberalismo, associadas à incapacidade de auto-regulação dos mercados e à dificuldade de o povo aceitar as decisões baseadas no direito da época, transformaram o Direito Privado, pois o Estado passou a ter uma nova função, ou seja, o Estado passou a ter a função de regular, ou melhor, tentar regular a atividade econômica.22

A regulamentação dos mercados que o liberalismo acreditava ser decorrente do livre jogo de interesses não alcançou os efeitos almejados pelos seus defensores, justamente pela composição dos interesses daqueles que, hipoteticamente, se enfrentariam no mercado. A concorrência entre as empresas não gerou a regulamentação de preços e das condutas de mercado e, em alguns casos, ocorreu justamente o contrário, pois se legitimou o abuso econômico sobre os indivíduos que compunham o Estado, as práticas levianas de mercado, além do cartel de um pequeno grupo de empresas, que passaram a controlar o mercado e a impor as suas regras. Assim, caberia ao Estado limitar os abusos dos exploradores do mercado, em especial, das empresas voltadas ao mercado de consumo.

Como bem leciona o Prof. MAURO CAPPELLETTI, “ los derechos sociales de libertad corresponde, en efecto, la obligación del Estado de remover los obstáculos de orden económico y social que se oponen a la libre expansión moral y política de la persona humana. Mientras con los derechos tradicionales se tiende a salvaguardar la libertad del ciudadano de

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la opresión politica, con los nuevos derechos sociales se tiende, en cambio, a salvaguardarla de la opreción económica. El fin es ele mismo, esto es, la defensa de la libertad individual, pero los medios son diversos, porque, mientras para satisfacer los derechos sociales el Estado debe emplearse activamente para destruir el privilegio económico y para ayudar al necesitado a liberarse de la necesidad”.23

O Estado, conforme o exposto acima, deve responder aos abusos praticados pelo mercado, eis que é seu dever então intervir e regulamentar a livre iniciativa, as condutas mercadológicas, toda vez que essas condutas implicarem abuso de direito, para que seja garantida a sobrevivência digna de seus súditos, o acesso sadio ao consumo, preservando-se, conseqüentemente, o próprio capitalismo liberal.

a) A livre iniciativa e o Estado liberal

A Constituição italiana, de 1947, trouxe, de forma expressa, pela primeira vez, a possibilidade de o Estado intervir na Ordem Econômica, consoante se percebe pela leitura do seu art. 41º, ao dispor que “L`iniziativa econômica privata è libera. Non può svolgersi in contrasto com l`utilità sociale o in modo da recare danno alla sicurezza, alla libertà, alla dignità umana. La legge determina i programmi e i controlli opportuni perché l´attività econômica pubblica e privata possa essere

indirizzata e coordinata a fini sociali”.

Resta claro, pelo texto acima exposto, que o Estado italiano

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poderá intervir na economia para coordenar as práticas da iniciativa privada, as quais deverão alcançar os fins sociais legítimos e a dignidade da pessoa humana.

Deve-se notar, por oportuno, que a Constituição brasileira, de 1988, trouxe dispositivo muito semelhante, ao dispor, através do seu art. 170, que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social...”

O ilustre Prof. EROS ROBERTO GRAU, ao analisar o art. 170 da nossa Constituição, leciona que “a nossa Constituição optou pelo tipo liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando ao aumento arbitrário dos lucros". 24

Logo, o ilustre professor concluiu que as empresas são livres para explorar o mercado, entretanto essa liberdade não é irrestrita. No entanto, a limitação ao princípio da livre iniciativa pode ser considerada inconstitucional?

Como se sabe, a limitação da livre iniciativa dar-se-á nas hipóteses de afronta à dignidade da pessoa humana, à justiça social e à defesa do consumidor. Há quem tenha defendido a existência de

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normas constitucionais inconstitucionais,25 principalmente na Alemanha, como se poderia, nesse caso, pensar que a limitação da livre iniciativa o seria. O fundamento dessas alegações basear-se-ia na existência de normas superconstitucionais26, as quais estariam acima de outras normas, em razão do seu caráter intimamente ligado ao Direito Natural. Tais normas vedariam as ofensas à vida e à liberdade dos indivíduos, razão pela qual elas estariam acima das demais normas constitucionais.

Sucede, no entanto, que tais assertivas são despidas de razão, posto que as normas da nossa Constituição devem ser analisadas em seu conjunto, para que se alcance a sua harmonização. Elas, consoante lições do ilustre Prof. PAULO BONAVIDES,27 não são inconstitucionais entre si, mas o que pode existir são interpretações que, aparentemente, desarmonizem as normas constitucionais, interpretações que permitam o seu suposto confronto. Logo, a desarmonia não residiria nas normas constitucionais in abstrato, mas na desarmonização das interpretações dessas normas.

O exercício da interpretação das normas nada mais é do que a adaptação da norma aos fatos existentes dentro do seu momento histórico, elegendo-se o fim perseguido pela norma através de critérios valorativos e principiológicos. Nesse caso, o operador do direito elege os princípios e os valores que devem prevalecer frente

25 Ver a esse respeito, Otto Bachof, Normas Constitucionais Inconstitucionais?, p. 67. Ver, de maneira

diversa, Paulo Bonavides, A constituição aberta. Temas políticos e constitucionais da atualidade, p. 27.

26 Conf. Oscar Vilhena Vieira, A constituição e sua reserva de Justiça. Um ensaio sobre os limites

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aos fatos existentes.

O Prof. CLAUS WILHELM CANARIS, por oportuno, explicou a possibilidade da existência de valores e princípios contraditórios entre si e a impossibilidade de normas contraditórias dentro de um sistema jurídico, eis que “no que respeita, em primeiro lugar, à ausência de contradições, é seguro, como geralmente se reconhece, que se deve negar uma contradição entre duas normas, em todas as circunstâncias, tendo a metodologia jurídica desenvolvido um instrumentarium que, em caso extremo através da aceitação de uma lacuna de colisão, o possibilite. Contudo, isso só funciona para verdadeiras contradições de normas, enquanto que as contradições de valores e de princípios não se deixam evitar sem excepções; por conseqüência, o postulado da ausência de contradições só se alcança num sistema de normas e não, também, num sistema de valores ou de princípios”.28

Portanto, a suposta inconstitucionalidade in abstrato das normas constitucionais não é possível no nosso sistema jurídico, mas não se pode afastar a possibilidade da existência de interpretações eventualmente contraditórias frente aos fatos existentes na sua concretude.

O art. 170 da nossa Constituição, por oportuno, estipula o princípio da livre iniciativa como base da nossa ordem econômica e financeira, sendo certo que tal princípio é um desdobramento do princípio da liberdade.29 Todavia, o princípio da livre iniciativa é

27 Conf. Paulo Bonavides, ob. cit., p. 283.

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limitado ao princípio da defesa do consumidor, o que demonstra que o mesmo artigo que estipula a livre iniciativa a limita.

Como bem leciona o ilustre Prof. CHAÏM PERELMAN,

“nenhuma regra de direito, assim como nenhum valor, é absoluta, e que sempre haverá situações em que uma regra, seja qual ela for, deverá ser limitada, e em que um valor, qualquer que seja sua importância, deverá ceder diante de considerações preponderantes na ocorrência”.30

Ainda no mesmo sentido, é o entendimento do Prof. CLAUS WILHELM CANARIS ao concluir que “os princípios não valem sem excepção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição; eles não têm a pretensão da exclusividade; eles ostentam o seu sentido próprio apenas numa combinação de complementação e realização, de uma concretização através de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo material próprio. Os princípios não valem sem excepção e podem entrar em oposição ou em contradição entre si”.31

Logo, ao se analisar o princípio da livre iniciativa, deve-se perceber que o próprio artigo que lhe consagra restringe sua aplicação em ofensa ao princípio da defesa do consumidor, sendo certo que a sua restrição só ocorre nos casos expressos nos seus incisos.

Com efeito, o Estado não poderia deixar de harmonizar o exercício da livre iniciativa com os demais princípios da nossa Constituição, como, por exemplo, os princípios fundamentais do seu

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art. 5º, ou seja, a limitação da livre iniciativa, quando esta afronte à justiça social, à vida e à defesa do consumidor. Isso porque a livre iniciativa deve ser adotada, sem submeter os fracos ao domínio daqueles superiores economicamente, sem comprometer a vida dos indivíduos que compõem o nosso Estado, inclusive devendo procurar promover a justiça social e a dignidade.

b) A intervenção do Estado, o Direito Privado e o contrato

O Direito Privado, em razão da possibilidade de interferência do Estado nos tratos privados, também sofreu algumas transformações, pois o acordo de vontades também deve ser norteado pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da justiça social e da igualdade32, sendo, por isso, limitado aos referidos princípios, nos moldes do art. 421 do Código Civil do Brasil, do art. 1322 do Código Civil italiano, e 305 do Código Civil alemão.

O contrato, conforme as lições do Prof. ENZO ROPPO,33 é instrumento de circulação de riquezas, acesso ao consumo, e, como tal, o Estado deve coibir a livre iniciativa exercida de forma abusiva, atípica, para que ela não promova a circulação de riquezas e, em conseqüência, a estipulação de contratos e o acesso ao consumo, de forma divorciada do princípio da dignidade da pessoa humana, do princípio da justiça social e do princípio de igualdade.

31 Claus Wilhelm Canaris, ob. cit., p. 88.

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O Direito Privado, como se percebe, não deve servir ao domínio de grupos economicamente abastados sobre os demais grupos sociais, tampouco deve servir como instrumento ilícito de obtenção de riqueza. Ora, os tratos privados sempre privilegiaram o grupo economicamente mais forte, eis que a igualdade da “era moderna” - é formal e não real - fato que transformou o Direito Privado em um instrumento de repressão, de injustiças e divorciado do princípio da dignidade da pessoa humana.

Ora, como as normas do Direito Privado permitiam a circulação de riquezas de forma leviana e abusiva - baseadas no abuso do poder econômico e nas atipicidades da livre iniciativa -, tínhamos normas do Direito Privado em desconformidade com o Estado Democrático de Direito, do fim social do Direito Privado, pois a atipicidade, certamente, não era a vontade do povo, que outorgou o poder de mandato a um determinado grupo de representantes políticos, no momento da eleição das suas regras de Direito Privado.34

Diante dos problemas existentes à época, o Estado passou a fiscalizar a circulação de riquezas e, por conseqüência, o acesso ao consumo, com o fim de garantir a sua correta destinação, dentro dos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade real e justiça social, para que deixasse de ser um Estado propulsor de desigualdades, injustiças, enfim, um Estado que não garantisse os

33 Conf. Enzo Roppo, O contrato, p. 13.

34 Conf. Georges Ripert, O Regime democrático e o Direito Civil moderno, p. 9 e Heloisa Carpena, Abuso

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princípios democráticos de uma sociedade justa e proba!35

O Prof. ENZO ROPPO, ao analisar os problemas decorrentes da massificação das relações sociais, ainda observou que “na época liberal (época na qual se formou a moderna teoria do contrato), o problema fundamental da disciplina contratual consistia, pois, em assegurar que as relações entre os contraentes se desenrolassem de modo racional e correto do ponto de vista da lógica do mercado".36

A Prof.ª HELOÍSA CARPENA, ao analisar o problema do abuso do direito e a possibilidade da intervenção estatal, concluiu que “o intervencionismo (estatal) não busca afastar a noção de liberdade contratual, procura, sim, garanti-la, preservando a principal função do contrato, qual seja, servir de instrumento de segurança das expectativas”.37

Ainda no mesmo sentido são as considerações de KARL ENGISCH, ao declarar que “o próprio Direito, portanto, fixa os fins e exige a sua realização de uma forma tão incondicional, dum modo exactamente tão categório como a moral. Resulta, pois, como conseqüência desta concepção, que, na interpretação e na aplicação dos imperativos jurídicos, devemos entender (compreender) estes como meios para alcançar os fins que o Direito considera bons”.38

A lógica do mercado, no entanto, não visava à defesa da dignidade da pessoa humana, do consumidor, mas, sim, aos lucros daqueles que exploravam o mercado de consumo. O contrato não

35 Enzo Roppo, ob. cit., p. 13. 36 Enzo Roppo, ob. cit., p. 223. 37 Heloísa Carpena, ob. cit., p. 31.

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pode, por ser instrumento de trocas, de acesso ao consumo e de circulação de riquezas, servir à exploração do homem pelo próprio homem, consagrar o enriquecimento injusto de um dos contratantes em detrimento do outro39, pois, caso isso ocorra, ter-se-á a execução de um contrato imoral, divorciado do racional, do probo e da lógica do mercado.40 Em suma, o “correto” é um juízo de valor

intimamente ligado à idéia do “justo”, ao valor social da circulação

de riquezas, ao fim social do acesso ao consumo, à dignidade da pessoa humana e à justiça social.

O Prof. NORBERTO BOBBIO, ao enfrentar o problema da justiça, observa que “o problema da justiça é o problema da correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram um determinado ordenamento jurídico. O problema se uma norma é justa ou não é de um aspecto do contraste entre o mundo ideal e mundo real, entre o que deve ser e o que é: norma justa é aquela que deve ser, norma injusta é aquela que não deveria ser”.41

Portanto, conclui-se que o contrato justo é aquele que representa aquilo que é licito se esperar da outra parte da relação contratual, algo que nos faria crer que a conduta adotada no mercado de consumo é correta. Assim, caso o fornecedor não se porte de forma justa no mercado, desrespeitando o princípio da dignidade da pessoa humana, e promovendo o acesso ao consumo, à circulação de riquezas divorciada dos princípios citados, o Estado

39 Conf. Georges Ripert, ob. cit., p. 44.

40 Artigo 226 do Código Civil Alemão (BGB) – O exercício de um direito é inadmissível, se ele tiver por fim,

somente, causar um dano a um outro. – tradução livre

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estará autorizado a intervir e regular os tratos privados em benefício dos seus súditos e, em especial, dos consumidores.

c) A intervenção do Estado, o Direito Privado e a responsabilidade

civil

O séc. XIX pode ser conhecido como o século das grandes codificações, pois, à época, além do Código Napoleônico, também foi promulgado o Código Civil alemão. Todavia, em razão das evoluções tecnológicas dos séculos XX e XXI, estes poderão ser chamados de séculos dos novos direitos42, já que os códigos envelheceram, não mais sendo capazes de dispor sobre todas as obrigações decorrentes dos avanços tecnológicos.43

Os operadores do Direito, por sua vez, passaram a buscar novas saídas, para adequar o desequilíbrio causado pela “sociedade de massas”, pois é certo que as teorias tradicionais já não surtiam os efeitos esperados por toda a sociedade.

A multiplicação dos acidentes nas fábricas e nos meios de transportes acompanhou a evolução científica, em que pesem os benefícios que a ciência proporcionou à humanidade naquela época. O interessado não lograva êxito em receber indenização pela morte de um parente ou pela lesão sofrida no exercício da sua atividade fabril, visto que a prova da culpa do empresário era quase

42 Ver a esse respeito, Rubén S. Stiglitz y Gabriel A. Stiglitz, Contratos por adhesión, clausulas abusivas y

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impossível.44 Logo, não se encontravam, no Direito da época, os ideais de justiça social e dignidade da pessoa humana, eis que o Direito já não conseguia se materializar.

Os professores RUBÉN S. STIGLITZ e GABRIEL A. STIGLITZ, ao analisarem o mercado de consumo da época, concluíram que “el mercado revela una serie de patologias desde el punto de vista axiológico, producto de la adopcion de mecanismos a veces no muy trasparentes en el circuito que trascurre entre la procucción y el consumo de bienes y servicios. La creación artificial de necesidades masivas, popularizadas mediante fórmulas publicitarias de inmensa potencialidad para condicionar psicológicamente al consumidor havia el acrecentamiento de su propensión a la adquisicion. La conformación de un marco falseado de confianza en la empresa, que obstaculiza la percepción de la situacion real de conflicto estructural de intereses, mediante sistemas persuasivos de venta o técnicas crediticias de facil acceso pero generadoras de un insalvable endeudamiento sin salida".45

Os operadores do Direito, na busca do justo, probo e digno, perceberam que a teoria da responsabilidade civil tradicional não alcançava mais os ideais de justiça, que norteavam as normas do Estado moderno, impondo, a toda evidência, alterações para proteger as vítimas dos danos causados pelas inovações da sociedade industrial.

Como se sabe, a culpa selecionava os danos propagados delimitando o ressarcimento, em clara demonstração da concepção

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voluntária e individualista do Direito da época.46 Isto porque, se um indivíduo praticasse um ato contrário às normas jurídicas então vigentes sem, contudo, ser provada a sua culpa – ou até mesmo dolo – não lhe poderia ser imputada a obrigação de indenizar, ainda que o dano tivesse sido efetivamente sofrido por outrem.

Portanto, depreende-se que todo o risco da atividade empresarial era carreado à sociedade, e não ao empresário. Essa concepção, como se verá, mostrou-se cada vez mais inadequada à proteção do indivíduo durante o processo de massificação das relações sociais.47

d) A responsabilidade civil e a sociedade de massas

A responsabilidade civil, de forma simplista, consiste na obrigação de o ofensor reparar os danos causados ao ofendido ou aos seus bens, assim a fonte dessa obrigação é a conduta anti-social do causador do dano. Todavia, a mola propulsora da responsabilidade subjetiva seria a moral do agente no momento da execução da conduta ilícita, podendo-se entender que, ao se perder esse critério subjetivo, estaríamos atribuindo um risco injusto ao empresário.48 Neste ponto, assume relevância a questão da culpa e do dolo.

46 Conf. Guido Alpa, Responsabilità della Impresa e Tutela del Consumatore, pág. 311

47 Conf. Arystóbulo de Oliveira Freitas, Responsabilidade Objetiva no Código de Defesa do Consumidor,

p.104.

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Esses dois requisitos da conduta ilícita e lesiva foram, até o séc. XVIII, os limitadores da obrigação de reparação de danos, fazendo com que nem todas as ofensas dessem causa à correspondente reparação do dano ao ofendido. Contudo, a utilização dos bens por uma massa indeterminada de pessoas alterou bruscamente a sorte da teoria da responsabilidade civil baseada na culpa. Ora, o consumidor, na maioria das vezes, não adquire o produto do seu fabricante, mas, sim, de um comerciante. Mas não é só. Os fornecedores de produtos ou serviços, com a Revolução Industrial, passaram a oferecer seus produtos ou serviços a um número indeterminado de consumidores, o que fez com que os defeitos de seus produtos atingissem inúmeros indivíduos que sequer poderiam ser determinados.

Assim, diante da dificuldade de esses adquirentes demonstrarem a culpa dos fornecedores de produtos ou serviços, bem como os danos que essas empresas poderiam causar à sociedade toda, quais seriam as obrigações com que essas empresas deveriam arcar?

e) A evolução da responsabilidade civil e a culpa presumida

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dificuldade da comprovação da culpa do agente fez nascer a Teoria da Culpa Presumida. Tal teoria, através do sistema de presunção, faz com que não haja necessidade da demonstração da culpa do responsável do dano, visto que a culpa seria presumida, em decorrência de uma determinada norma jurídica. Em outras palavras, uma lei específica instituiria a responsabilidade civil do agente, através da presunção da culpa.

Como se percebe, a presunção iuris tantum da culpa acarreta a inversão do ônus da prova, sendo certo que a referida teoria, através dos artigos 516, 517, 1339 e 1532, foi amparada pelo Código Civil de 1916. Todavia, ainda que exista a referida presunção, não se excluiu a análise subjetiva da conduta do agente, facilitando-se, tão-somente, o acesso da vítima à Justiça, em virtude da dispensa da prova da culpa do agente “por presunção”. Depreende-se, de forma clara, que a análise da culpa do agente ainda persistiu, contudo, o ônus da demonstração da inexistência de culpa caberia ao agente que praticou o ato ilícito e, não, à vítima.

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a responsabilidade civil objetiva – ou sem culpa – foi a saída encontrada por esses operadores do Direito.

f) A responsabilidade civil objetiva

A responsabilidade civil objetiva funda-se na justiça distributiva e na solidariedade dos diversos setores da atividade profissional, especialmente naqueles em que o desenvolvimento tecnológico se demonstre mais acentuado.49 Isto significa que a responsabilidade civil objetiva nasce, com mais força, naqueles segmentos em que se pode proporcionar danos a outrem, pelo risco que suas atividades ofereçam à vida, à saúde e à segurança.50

A concepção individualista do Direito dispõe que o indivíduo vem em primeiro lugar, sendo certo que o Estado – a sociedade – viria em segundo.51 Todavia, essa concepção não serve para regrar a Teoria da Responsabilidade Civil, posto que a norma deve buscar um fim social. O fim social perseguido pela norma jurídica nada mais é do que a certeza de que o Direito tutela o bem-estar social, divorciando-se dos meandros do sistema da culpa, o qual já não encontra mais seu fim social na sociedade de consumo.

Assim, para que as necessidades decorrentes da sociedade de consumo sejam tuteladas de forma satisfatória, criou-se uma Teoria de Responsabilidade Civil, que levaria em consideração

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tão-somente a conduta objetiva do agente, ou seja, a referida responsabilidade civil não levaria em conta a existência da culpa – ou dolo – mas, sim, a existência de um dano, de um ato ilícito e do nexo causal entre os dois eventos.52

Ressalte-se, por oportuno, que uma das diferenças existentes entre a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva reside, justamente, no ato ilícito. Com efeito, o ato ilícito na responsabilidade civil subjetiva seria um ato ilícito por natureza, enquanto que a responsabilidade civil objetiva seria decorrente de um ato ilícito por resultado.

Nesse passo, deve-se notar que as obrigações decorrentes das relações de consumo seriam obrigações de fim, sendo a responsabilidade civil objetiva uma de suas maiores expressões. Ora, o referido sistema de responsabilidade civil não busca as razões subjetivas – culpa ou dolo – do fornecedor na relação jurídica de consumo, mas, sim, os deveres de conduta desse fornecedor no mercado de consumo.53

Como se vê, ainda que o produto ou o serviço traga riscos à vida, à saúde e à segurança, o fornecedor decidiu explorá-lo para auferir algum tipo de vantagem, devendo, por tal razão, arcar com o ônus da sua atividade empresarial.54

51 Conf. Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, p.60 52 Artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor. 53 Inciso 1º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor. 54

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As expectativas do consumidor, por sua vez, nada mais são do que a certeza de que o produto consumido é seguro, e não traz nenhum risco à vida. Essa é a obrigação do fornecedor, ou seja, a de suprir as expectativas do consumidor, não lhe gerando nenhum dano. É, em suma, a certeza de que o sistema normativo defende um fim social, sendo evidente que tal fim nada mais é do que a dignidade da pessoa humana.55

A defesa desse fim social – dignidade da pessoa humana – não poderia se curvar frente a qualquer elemento subjetivo, ou mesmo, à alegação de ignorância sobre vícios do produto ou serviço. Como já dito, a responsabilidade civil objetiva não leva em consideração os elementos subjetivos do agente que praticou o ato ilícito, não podendo, por tal razão, levar em consideração a ignorância do fornecedor. Portanto, percebe-se que o art. 23 do Código de Defesa do Consumidor é uma das maiores demonstrações de que a Teoria do Risco foi coroada no Código do Consumidor, sendo tal artigo uma decorrência da sua existência.56 Assim, nota-se que a responsabilidade civil objetiva está intimamente ligada à Teoria do Risco.57

Como bem leciona o ilustre Prof. CAIO MÁRIO PEREIRA,

“o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os

55 Conf. Leon Duguit, ob. cit., p.180.

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indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta. Fazendo abstração da idéia de culpa, mas atentando apenas no fato danoso, responde civilmente aquele que, por sua atividade ou por sua profissão, expõe alguém ao risco de um dano”.58

Percebe-se, de forma clara, que o fornecedor responde pelos riscos do seu produto ou serviço, ao colocá-lo no mercador de consumo, pois o risco da exploração do mercado de consumo pertence à empresa que decidiu explorá-lo.59 Contudo, o que seria colocar um produto no mercado de consumo?

O ilustre Prof. ZELMO DENARI entende que colocar um produto no mercado de consumo é “introduzi-lo no ciclo produtivo-distributivo, de uma forma voluntária e consciente”.60 Assim, a empresa

poderá deixar de arcar com os danos decorrentes do produto, se comprovar que não o colocou no mercado.61

Todavia, ao que parece, tal excludente só ocorreria nas hipóteses de furto ou de roubo do produto, visto que os referidos atos demonstrariam que o explorador do mercado de consumo não tinha a intenção de colocá-los no próprio mercado de consumo, naquele determinado lapso temporal.

58 Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, p.271.

59 Inciso 3º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor. Ver de maneira diversa, Maria Paz García

Rubio, Los riesgos de desarrollo en la responsabilidad por daños causados por los productos defectuosos: su impacto en el derecho español, p. 67.

60 Zelmo Denari, ob. cit., p. 169.

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IV. A INTERNET COMO INSTRUMENTO DE ACESSO AO CONSUMO DE MASSA

A Internet, hoje, é um instrumento de acesso ao consumo, ao entretenimento e à unificação da cultura mundial. Através dela, pode-se acessar diversas home pages de variados fornecedores de produtos e serviços, além de ela também possibilitar a obtenção de informações sobre bens ou serviços.

O IBOPE, por meio da publicação de seu Almanaque Ibope, informa que 12.200.000 (doze milhões e duzentos mil) usuários brasileiros acessaram a Internet em dezembro de 2005, sendo certo que houve um aumento aproximado de 12 % (doze por cento) no número de usuários, quando se comparam esses dados aos do mesmo mês do ano de 2004.62

Ademais, o IBOPE ainda observa que os usuários navegaram na Internet, em média, 13h34min. (treze horas e trinta e quatro minutos) durante o mês de dezembro de 2004, sendo certo que ocorreu um aumento de 34% (trinta e quatro por cento) no tempo

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médio de navegação dos usuários no mês de dezembro de 2005, o qual passou, então, a corresponder a 17h59min. (dezessete horas e cinqüenta e nove minutos).63

O tempo médio de acesso dos usuários brasileiros à Internet é o maior do mundo, o que significa que os consumidores brasileiros ficam mais tempo expostos a publicidades e a práticas mercadológicas dos fornecedores, no ambiente eletrônico. Com efeito, os usuários brasileiros acessam a Internet, em média, 16h54min. (dezesseis horas e cinqüenta e quatro minutos) ao mês, enquanto que os franceses, 15h40min. (quinze horas e quarenta minutos), os japoneses 15h35min. (quinze horas e trinta e cinco minutos), os americanos 14h46min (quatorze horas e quarenta e seis minutos). e os espanhóis 14h41min. (quatorze horas e quarenta e um minutos).64

O IBOPE, conforme pesquisa divulgada pelo IBOPE / NETRATINGS65, observou os hábitos dos usuários brasileiros: 20,5% (vinte vírgula cinco por cento) deles passam seu tempo de acesso à Internet em comunidades e sites de comunicação; 11,3% (onze vírgula três por cento), em acessos a e-mail; 10,5% (dez vírgula cinco por cento), em acessos a portais de interesse geral; 6,2% (seis vírgula dois por cento), em acesso a sites de

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instituições financeiras e 4,7% (quatro vírgula sete por cento), em acessos a ferramentas de busca.

O maior tempo gasto entre os usuários americanos e os espanhóis é, certamente, o tempo de acesso aos seus e-mails. Os usuários americanos, conforme pesquisa divulgada pelo IBOPE / NETRATINGS66, acessam os seus e-mails 7,7% (sete vírgula sete por cento) do seu tempo mensal de acesso, ao passo que os usuários espanhóis acessam os seus, 10,9% (dez vírgula nove por cento) do seu tempo mensal de acesso. Os americanos acessam portais de interesse geral 6,6% (seis vírgula seis por cento) do seu tempo mensal de acesso à Internet, ao passo que os usuários espanhóis acessam esses portais 6,9% (seis vírgula nove por cento) do seu tempo mensal de acesso à Internet.

Os portais de interesse geral e os portais de instituições financeiras, certamente, influenciam a conduta objetiva dos consumidores brasileiros, eis que esses portais influenciam os seus usuários através das publicidades neles veiculadas. Essas publicidades são formas de informação sobre determinados bens ou serviços que induzem os seus usuários ao consumo, geram percepções sobre esses bens ou serviços e, em um segundo momento, geram as suas próprias expectativas de consumo.

Os dados apurados pelo IBOPE demonstram que os usuários

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brasileiros acessam a Internet por mais tempo durante o mês do que os usuários americanos e espanhóis. Logo, o que se verifica é algo muito diferente do que se poderia supor. Com efeito, os usuários brasileiros acessam por mais tempo a Internet do que os usuários americanos e espanhóis, cidadãos de países em que o capitalismo é mais desenvolvido do que no Brasil, o que pode nos levar a crer que os usuários brasileiros, ao acessarem a Internet, estão mais suscetíveis às publicidades, às marcas, aos estímulos e percepções gerados por esse instrumento do que os usuários de outros países.

Isto não significa que o volume de vendas e compras na Internet por usuários americanos e espanhóis seja inferior ao volume de vendas e compras na Internet por usuários brasileiros, pois o amadurecimento do capitalismo desses países e o grau de escolaridade da sua população faz com que existam mais usuários acessados à Internet, ainda que em tempo inferior ao dos usuários brasileiros.

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através da coleta e caça, em grande parte das sociedades modernas, não é mais possível. Assim, o presente trabalho analisará a Internet como forma de acesso ao consumo digno, justo e probo, nos moldes do art. 170 da nossa Constituição Federal.

a) A desconfiança do consumidor como óbice ao amadurecimento do consumo eletrônico e ao acesso ao consumo

A Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, recentemente, divulgou estudo que demonstra que somente 12% (doze por cento) dos consumidores brasileiros que acessam a Internet adquiriram produtos e serviços.67 O referido estudo ainda demonstra que 71% (setenta e um por cento) dos usuários compradores de produtos e serviços na Internet têm idade entre 25 (vinte e cinco) a 49 (quarenta e nove) anos e renda superior a 13 (treze) salários mínimos.68

Logo, o que se pode concluir é que o comércio eletrônico propriamente dito, capaz de ensejar o acesso ao consumo através da Internet, ainda é muito tímido no mercado brasileiro. No entanto, qual seria a razão de números tão inexpressivos, quando se compara a quantidade de horas que o usuário brasileiro permanece conectado à Internet?

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O Prof. RICARDO LORENZETTI, ao enfrentar o tema em recente trabalho sobre o comércio eletrônico, observa que “os consumidores não têm segurança quanto à utilidade e à qualidade do bem se não o utilizaram, em razão disso se diz que estes são“bens de experiência” ou produtos para experimentar, porque não se saberá se o livro ou jornal é bom antes de tê-lo. Para neutralizar este aspecto, a marca e o prestígio têm uma grande importância e, com isso, a proteção da imagem, da marca e da reputação. Neste sentido, já se observou que o ponto central da criação de valor na web é a confiança, uma vez que o usuário não tem meios empíricos ou sensíveis para verificar, mas pode confiar no prestígio de uma marca ou na fiabilidade de um comportamento repetido”.69

Os consumidores, ao adquirirem bens através da Internet, devem “confiar na aparência, na imagem, no som, na informação, no click, na presença de um ser humano ou de uma pessoa jurídica organizadora, em qualquer um dos computadores interligados no mundo. Confiança no meio eletrônico, na entrega, nos dados, na contratação, no armazenamento, na possibilidade de perenizar o negócio jurídico e de seu bom fim! Confiança na realização das expectativas legítimas do consumidor também nos negócios jurídicos do comércio eletrônico é a meta"! 70

Ao que parece, a desconfiança dos consumidores, hoje, é a grande barreira ao acesso ao consumo através da Internet. No

69 Ricardo L. Lorenzetti, Comércio Eletrônico, p. 60.

70 Cláudia Lima Marques, Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. Um estudo dos

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entanto, quais seriam os elementos que ensejariam essa desconfiança, no momento de escolher a Internet como o veículo de materialização do acesso ao bem ou serviço pretendido? As razões que motivam a desconfiança do consumidor, ao que parece, residem no próprio negócio jurídico eletrônico, que possui características especialíssimas, quais sejam, a despersonalização, a desterritorialização, desumanização da relação social de consumo e a desmaterialização do meio contratual.

A despersonalização do contrato se dá em razão de o fornecedor, agora, ser um ofertante profissional automatizado e globalizado, presente em uma cadeia sem fim de intermediários, um fornecedor sem cara, sem sede, que fala todas as línguas, e já não possui mais nacionalidade.71

A desumanização do negócio jurídico na Internet decorre da conduta dos agentes. Como se sabe, os fornecedores veiculam publicidades na Internet, e os consumidores, em grande parte das vezes, apenas aderem à publicidade veiculada através de um simples click. A linguagem dos fornecedores na Internet se dá através de publicidades, desenhos, sons, ícones, marcas, banners e outras manifestações unilaterais de vontade, as quais se encontram com outra manifestação unilateral de vontade do consumidor, ou seja, um simples click. Não existe um diálogo entre o fornecedor e

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o consumidor sobre a relação de consumo, mas tão-somente manifestações unilaterais de vontade que fazem nascer uma obrigação de consumo.

A ilustre Prof.ª CLÁUDIA LIMA MARQUES esclarece que

“o contrato eletrônico é concluído sem forma física, desmaterializada, são bits e códigos binários. A linguagem do contrato também é diferente, é virtual em um primeiro momento e semi-escrita num segundo. (...) Neste primeiro momento, todas estas impressões criam a confiança do consumidor. Em um segundo momento, as condições gerais do contrato impostas pelo fornecedor aparecem em uma janela sob a forma escrita e poderão ser baixadas". 72

O negócio jurídico eletrônico ainda é atemporal e desterritorializado. Os fornecedores veiculam publicidades, na Internet, que os obrigam ao seu cumprimento, em razão do princípio da vinculação da mensagem publicitária. Tem-se, entretanto, que o fornecedor e o consumidor, na maioria das vezes, não fecham o negócio ao mesmo tempo e, ainda que o pudessem fazer, normalmente não residem no mesmo país. O que há, na prática, é a veiculação de uma publicidade por parte do fornecedor e a adesão, através de um simples click, por parte do consumidor. As partes, em alguns casos, sequer residem no mesmo país, sequer se submetem às mesmas leis, o que gera insegurança e desconfiança por parte do consumidor.

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Como se vê, o acesso ao consumo através da Internet é uma relação jurídica complexa, em razão da desmaterialização, da desterritorialização do contrato e da desumanização das partes envolvidas na relação de consumo. Assim, a saída ao problema acima exposto, certamente, reside em instrumentos que protejam o consumidor, promovam e garantam a sua confiança nos meios eletrônicos.

b) A expectativa de consumo e a sociologia jurídica

Como se sabe, a desconfiança nasce do receio de desapontamento ou de frustração das expectativas criadas dentro do mundo significativo do indivíduo, que lhe oferece uma série de possíveis experiências e ações, em que pese o seu limitado potencial interno de percepção, assimilação de informações e ação consciente.73 A Sociologia Jurídica, ao analisar os problemas decorrentes da quebra da expectativa dos indivíduos, define que a conduta de um indivíduo deve se pautar naquilo que se pode esperar objetivamente dele e dos demais indivíduos que compõem a sua sociedade.

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NIKLAS LUHMANN, autor de vários livros sobre Sociologia Jurídica, observa que existem estruturas de assimilação de experiências sociais que buscam afastar o indivíduo dos desapontamentos das expectativas geradas no ambiente social. Com efeito, ele assevera que “sobre essa situação existencial desenvolvem-se estruturas correspondentes de assimilação da experiência, que absorvem e controlam o duplo problema da complexidade e da contingência. Certas premissas da experimentação e do comportamento, que possibilitam um bom resultado seletivo, são enfeixadas constituindo sistemas, estabilizando-se relativamente frente a desapontamentos. Elas garantem uma certa independência da experimentação com respeito a impressões momentâneas, impulsos instintivos, excitações e satisfações, facilitando assim uma seleção continuada também ao longo do tempo, tendo em vista um horizonte de possibilidades ampliado e mais rico em alternativas. As comprovações e as satisfações imediatas são em parte substituídas por técnicas de abstração de regras cientificamente úteis, e de seleção de formas adequadas de experimentação e de autocertificação. A esse nível do comportamento seletivo podem ser formadas e estabilizadas expectativas com relação ao mundo circundante. Seu efeito seletivo é ao mesmo tempo inevitável e vantajoso, motivando assim a retenção de tais estruturas, mesmo frente a desapontamentos". 74

Bem se vê que NIKLAS LUHMANN acreditava que o indivíduo, guiado pelas condutas sociais, cria uma premissa de experimentação e de comportamento, para reduzir as possibilidades de frustração das suas expectativas, devendo-se destacar que seriam as condutas sociais reiteradas dos indivíduos

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que ordenariam as premissas desse sistema. As expectativas sociais, por oportuno, não se restringem às expectativas de conduta de um indivíduo com outro que compõe uma sociedade, mas também com as expectativas que o outro indivíduo terá da atuação do primeiro indivíduo.

O agir social e o nascimento das expectativas teriam uma dupla relevância, eis que “uma ao nível das expectativas imediatas de comportamento, na satisfação ou no desapontamento daquilo que se espera do outro; a outra em termos de avaliação do significado do comportamento próprio em relação à expectativa do outro. (...) Essa função última tem seu centro de gravidade no plano reflexivo da expectativa sobre expectativas, criando aqui segurança em termos de expectativas, à qual se segue, apenas secundariamente, a segurança sobre o comportamento próprio e a previsibilidade do comportamento alheio. É muito importante, para a compreensão do direito, ter uma visão clara dessa diferença. Isso porque a segurança na expectativa sobre expectativas, seja ela alcançada por meio de estratégias puramente psíquicas ou por normas sociais, é uma base imprescindível de todas as interações, e muito mais importante que a segurança na satisfação de expectativas”.75

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podem, em um outro. Assim, a primeira expectativa residiria na segurança de que os parentes dos doentes podem visitá-los em um determinado horário. A segunda expectativa, a qual se pode chamar de expectativa da expectativa de um indivíduo, é que nenhum doente esperará seu parente fora desse horário, ou seja, os doentes não podem esperar que seus parentes os visitem fora do horário estipulado. Portanto, a segunda expectativa nada mais é do que a previsibilidade de que o doente e o médico não esperarão o parente do doente fora do horário de visitas.

Como se vê, a expectativa imediata reside no comportamento que um indivíduo pode esperar do outro na relação social das partes, ao passo que o comportamento mediato dos indivíduos é a previsibilidade da relação social dos indivíduos que compõem a sociedade, baseando-se naquilo que é lícito se esperar da expectativa do outro sobre os seus atos.

A expectativa de consumo estudada como fato sociológico é fenômeno de grande importância ao seu estudo no comércio eletrônico. Isso porque a primeira expectativa do consumidor residirá no alcance do fim esperado com a aquisição de produtos e serviços através da Internet. A segunda expectativa do consumidor – expectativa da expectativa – residirá na sua expectativa de que o fornecedor sempre o trate como parte vulnerável dentro do

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mercado de consumo eletrônico e, em certos casos, também como parte hipossuficiente. Nesse momento, pode-se observar que a segunda expectativa de consumo sempre levará em conta a expectativa de o consumidor ser tratado como parte vulnerável e hipossuficiente dentro do mercado de consumo.

c) As medidas tomadas pela Comunidade Econômica Européia contra os problemas da desmaterialização do contrato, da contratação à distância e da despersonalização das relações sociais eletrônicas

A falta de confiança dos consumidores na aquisição de produtos e serviços através da Internet não é um fenômeno novo. Isto porque os estudos sobre o tema se iniciaram com o problema da contratação à distância, e com os problemas decorrentes dos veículos que permitem esse tipo de contratação, na qual o consumidor não tem contato físico com o bem adquirido, nem mesmo com a empresa fornecedora dos bens.

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