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Penalização do crime de infanticídio: conceções dos estudantes universitários portugueses

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Academic year: 2020

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junho de 2014

Ana Sofia Rebelo da Silva Carvalho

Penalização do Crime de Infanticídio:

Conceções dos Estudantes Universitários

Portugueses

Universidade do Minho

Escola de Psicologia

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Dissertação de Mestrado

Mestrado Integrado em Psicologia

Trabalho efetuado sobre a orientação da

Professora Doutora Luísa Saavedra

junho de 2014

Ana Sofia Rebelo da Silva Carvalho

Penalização do Crime de Infanticídio:

Conceções dos Estudantes Universitários

Portugueses

Universidade do Minho

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DECLARAÇÃO

Nome: Ana Sofia Rebelo da Silva Carvalho

Endereço electrónico: a55971@alunos.uminho.pt

Número do Bilhete de Identidade: 13727040

Título da dissertação: Penalização do Crime de Infanticídio: Conceções dos Estudantes

Universitários Portugueses

Orientadora: Professora Doutora Luísa Saavedra

Ano de conclusão: 2014

Designação do Mestrado: Mestrado Integrado em Psicologia

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO, APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

Universidade do Minho, ___/___/______

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iii Índice Agradecimentos ... iv Resumo ... v Abstract ... vi Introdução ... 1 Método ... 6 Participantes... 6 Instrumento ... 7 Procedimento ... 8 Resultados ... 8 Discussão ... 15 Conclusão ... 17 Referências Bibliográficas ... 19

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iv

Agradecimentos

À Professora Doutora Luísa Saavedra, pela orientação, disponibilidade, preocupação e partilha de conhecimentos ao longo de todo este percurso.

À Dr.ª Sónia Padrão, pelo carinho, pelas conversas de horas, pelo apoio incondicional, por todos os preciosos ensinamentos e, sobretudo, pela amizade, enriquecedora a todos os níveis e a mais importante que fiz este ano.

A toda a Equipa de Reinserção do Vale do Ave, aos que lá estão agora e aos que entretanto se mudaram, por terem acreditado sempre em mim e na evolução constante do meu trabalho.

Ao Professor Doutor Miguel Cameira, à Paula Barroso e à Daniela Costa, por terem sido uma ajuda valiosa na parte estatística desta dissertação.

Aos rapazes cá de casa, pelas jantaradas e serões em períodos de muito stress, que me permitiram recarregar baterias e voltar ao trabalho rapidamente.

À Joana Rodrigues, por me suportar mesmo nas horas de desespero com a tese, e com a vida em geral; pelas noites tardias, pelas gargalhadas, pelo apoio, enfim, por ser quem é e ter estado sempre presente quando mais precisei.

Ao Ricardo Brioso, pela cumplicidade, pela paciência nas horas em que me queixei do trabalho e nas horas em que me entusiasmei demasiado com ele, por ouvir sem julgar, pelo amor e apoio incondicionais e pela compreensão profunda que tem daquilo que eu sou, do que a vida me fez e do que eu fiz de mim.

Aos meus irmãos, porque é por eles que nunca pensei em desistir e é por eles que dou o meu melhor e me esforço ao máximo todos os dias. São e serão sempre as pessoas mais importantes da minha vida.

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Penalização do Crime de Infanticídio: Conceções dos Estudantes Universitários Portugueses

Resumo

O crime de infanticídio apresenta, em Portugal e noutros países, uma moldura penal bastante inferior ao crime de homicídio, podendo ser aplicada apenas a mulheres. Assim, parece pertinente avaliar a forma como os estudantes universitários portugueses se posicionam face a este crime. Foram traçados como objetivos identificar diferenças: na atribuição de penas a casos de infanticídio ao nível do sexo e do curso do participante; na atribuição de penas de prisão perpétua e penas de morte ao nível de 3 categorias de infanticídio (acidente, psicose aguda e filho indesejado) e ao nível do sexo do(a) ofensor(a); nas razões dadas pelos participantes para justificarem a pena escolhida, também ao nível do sexo do(a) ofensor(a). Participaram 344 estudantes da Universidade do Minho, preenchendo um questionário composto por dados sociodemográficos e por 6 vinhetas. Os resultados revelaram que os alunos de Engenharia atribuem penas mais pesadas em relação a Ciências Sociais e Direito; penas de prisão perpétua e penas de morte são mais vezes atribuídas à categoria de psicose aguda e aos pais ofensores; relativamente às razões, as mães foram mais vezes desresponsabilizadas e os pais mais vezes considerados maldosos/perversos. Não foram encontradas associações entre as caraterísticas sociodemográficas e a atribuição de penas.

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Penalty for the Crime of Infanticide: The Conception of Portuguese University Students

Abstract

In Portugal, and other countries, infanticide has a lighter penalty than murder, being only applied to women. Therefore, it strikes as relevant to evaluate the perspective that Portuguese university students have on this type of crime. Hence, the purpose was to distinguish differences: in the application of appropriate punishment for infanticide according to gender and academic field of each participant; in the application of life imprisonment or death penalty between 3 different categories of infanticide (accidental, acutely psychotic and unwanted child) and also considering the gender of the perpetrator; in the reasons given by the participants in order to support the punishment chosen, also bearing in mind the gender of the perpetrator. 344 students of the University of Minho have participated in this study, by filling a questionnaire that comprehended socio-demographic data and 6 vignettes. The results demonstrated that Engineering students assigned heavier penalties when compared to Social Sciences and Law students; life imprisonment and death penalty were more often attributed to the category of acutely psychotic and to male perpetrators (fathers); regarding reasons, mothers were usually held unaccountable whilst fathers were more frequently portrayed as evil/wicked. Finally, there were no associations to be found between socio-demographic features and the application of penalties.

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Introdução

Quando se fala em homicídios cometidos por mulheres, é possível perceber-se que, de uma perspetiva social, estes são considerados acontecimentos invulgares e controversos (e.g., Lambie, 2001; Meyer & Oberman, 2001; Seal, 2010; Stangle, 2008). Por outro lado, quando as mulheres matam, é provável que a vítima seja o companheiro ou os próprios filhos e filhas (Ballinger, 2000; Frigon, 2006), o que causa uma agitação ainda maior no que diz respeito às construções sociais baseadas em questões de género. Todos os dias existem mulheres que afogam, esfaqueiam, queimam, batem, asfixiam ou estrangulam crianças que dependem dos seus cuidados para sobreviverem (Spinelli, 2008), embora muitos destes casos não sejam reportados e permaneçam desconhecidos pela sociedade.

O filicídio é o termo geral que se dá à morte de uma ou mais crianças provocada pela mãe, pai, ou ambos, independentemente da idade da vítima. Incluídas no filicídio estão duas subcategorias denominadas neonaticídio e infanticídio, que se diferenciam com base na idade da criança; o neonaticídio é a morte da criança no seu primeiro dia de vida (Resnick, 1970), enquanto o infanticídio é geralmente definido como a morte da criança durante o seu primeiro ano de vida (Friedman, Horwitz, & Resnick, 2005), definição que será adotada ao longo deste estudo.

Apesar destas conceptualizações diferenciadas, apenas o conceito de “infanticídio” tem um equivalente direto na lei. Em vários países existe uma lei aplicada especificamente a casos de infanticídio cometidos por mulheres, que tornam as penas atribuídas bastante mais leves quando comparadas com a moldura penal de homicídio (Stangle, 2008). À exceção de alguns países como, por exemplo, os Estados Unidos, onde o infanticídio é considerado uma forma de homicídio sem distinção, cerca de duas dúzias de sociedades modernas, onde se podem incluir Portugal, Reino Unido e Austrália, possuem uma versão da lei do infanticídio derivada do estatuto legal denominado British Infanticide Act de 1922 (emendado em 1938) (Friedman & Resnick, 2007). O código penal português considera o infanticídio no Art. 136º, diferenciando-o de outros tipos de homicídio, e a sua tipologia penal é a seguinte: “a mãe que matar o seu filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora, é punida com pena de prisão de um a cinco anos”. Como é possível verificar-se, esta jurisprudência não se aplica aos pais perpetradores do mesmo tipo de crime. Aos olhos da legislação portuguesa, quando um homem mata um(a) filho(a) com menos de um ano de idade, é condenado numa pena mais pesada do que seria caso fosse uma mulher.

A investigação feminista há muito reconheceu que tanto a comunicação social como o sistema legal tratam de forma diferente os homens e as mulheres perpetradores(as) de

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homicídio. Em geral, a violência não encaixa nas conceções sociais de feminilidade (Neroni, 2012), como o cuidado, a gentileza e a conformidade social (Seal, 2010). Mulheres que matam os seus próprios filhos ou filhas transgridem as noções de maternidade e violam os seus princípios sociais e culturais (Meyer & Oberman, 2001; Barnett, 2006; West e Lictenstein, 2006), o que remete para a crença falaciosa de que as mulheres são inerentemente passivas – que estas nunca sucumbem à fúria, à frustração ou à ambição (Neroni, 2012). No entanto, as mulheres cometem um número significativo de crimes violentos, e fazem-no com uma frequência perturbadora. Apesar desta realidade, a violência continua a ser considerada um comportamento unicamente masculino (Pearson, 1997), o que leva a que os casos de infanticídio materno evoquem uma clemência perigosa em relação às mulheres perpetradoras do crime, e um desejo geral de afastar o reconhecimento da violência feminina (Stangle, 2008).

Em Portugal, a lei do infanticídio comporta uma moldura penal substancialmente leve, apesar de, no século XIV, a lei inglesa e francesa punirem o crime de infanticídio com pena de morte (West, Friedman & Resnick, 2009). A condenação por homicídio foi reduzida para a de infanticídio, reformulação que assentou no princípio de que “o equilíbrio da mente da mulher se encontra perturbado pelo facto de esta não ter recuperado totalmente do efeito de dar à luz a criança” (Oberman, 2003a). O desejo manifesto de vários legisladores em manter a previsão legal da lei do infanticídio é reconhecido por muitos analistas como uma tentativa de se ser compassivo e não punitivo em relação às mulheres que matam os seus filhos e filhas (Friedman, Cavney, & Resnick, 2012b). No entanto, não existem evidências de que as mudanças na lei do infanticídio, ao longo do tempo, tenham alterado de forma alguma a frequência com que este crime ocorre (Friedman et al., 2012b). O infanticídio continua a ser um problema bastante significativo.

Os debates sobre as mulheres violentas focam-se muitas vezes no significado que a sociedade atribui ao “ser mulher”, direcionando o discurso para questões de género em vez de centrar o ato criminoso em questão. Esta fantasia ideológica trabalha no sentido de moldar as mulheres violentas de modo a que estas “voltem a ser o que uma mulher deve ser” (Neroni, 2012). Neste seguimento, parece ser uma boa justificação do ato de infanticídio que uma mulher tenha agido violentamente apenas como consequência de forças externas que estão para além do seu controlo (doença mental), ou então porque esta não é verdadeiramente uma mulher (perversidade). Os estereótipos preservam as definições tradicionais de feminilidade, tanto ao retirar responsabilidade pelo ato violento às mulheres “loucas” como ao retirar as

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mulheres “más” do domínio do feminino, permitindo que as noções de mulher enquanto ser passivo e não violento persistam (Stangle, 2008).

A ideia de que o infanticídio materno pode ser um ato calculado e consciente é, desta forma, visto pela sociedade em geral como um anátema aos conceitos pré-estabelecidos acerca do amor e carinho de uma mãe para com os seus filhos e filhas. Em muitos casos, a mãe é, tal como a criança, percecionada como uma vítima, contribuindo ainda mais para o paradoxo. De um lado está a imagem de uma criança indefesa, morta pela pessoa responsável pelo seu cuidado e sobrevivência, enquanto do outro está a imagem de uma mãe louca, isolada e encarcerada no difícil confronto com a parentalidade. Estas representações suscitam ambivalência, se não ultraje (Spinelli, 2008). De facto, o infanticídio é bastante complexo: o crime em si e o regime legal que o governa levantam uma série de questões relacionadas com a sexualidade, idade, classe, etnia, religião, estrutura do sistema legal, dinâmicas de poder, geografia, história e, em especial, construções de género inerentes (Pilarczyk, 2012).

Quando as mães matam os seus filhos e filhas, o sistema legal torna-se numa presa fácil da tendência para atribuir este crime a forças externas, resistindo, então, a equacioná-lo como “homicídio” (Oberman, 2003a). A lei do infanticídio satisfaz esta tendência, permitindo que a violência feminina coexista harmoniosamente com as conceções tradicionais de feminilidade, já que atribui o crime a uma causa externa, a perturbação mental. Permite também uma promoção da empatia sobre mulheres violentas, uma vez que justifica os seus atos através de forças externas, e não através de uma escolha deliberada e consciente (Stangle, 2008).

Assim, na evocação da jurisprudência que concerne atos de infanticídio, existem várias críticas feitas sobretudo às questões de género inerentes e ao valor diminuído da vida da criança (Friedman & Sorrentino, 2012). Central a esta discussão, está o pressuposto de que as situações em que as mudanças hormonais e bioquímicas associadas ao parto resultam em condições psiquiátricas que envolvem delírios, distúrbios de perceção e consciência, disfunções cognitivas e sensoriais (Spinelli, 2008), justificam ou “desculpabilizam” o crime cometido (Friedman, Cavney, & Resnick, 2012a).

Apesar de o infanticídio materno ter existido durante séculos, a sua associação a uma perturbação mental surgiu apenas no início do século XX, altura em que dois psiquiatras franceses, Jean-Etienne Esquirol e Victor Louis Marcé, postularam uma relação causal entre a gravidez, o parto e a perturbação mental subsequente (Oberman, 2003b). A noção de que o infanticídio decorreria de uma perturbação mental da mãe abriu caminho para o modelo médico-legal que fundamentou a sua compreensão como um tipo distinto de homicídio (Vieira, n. d.), perpetuando o pressuposto falacioso de que todos os homicídios maternais são

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consequências de desequilíbrios hormonais ou outros defeitos únicos das mulheres (Meyer & Oberman, 2001).

As mulheres são responsáveis pelas mortes dos seus filhos desde a antiguidade, e têm-no feito por uma variedade de razões, muitas das quais revelam uma intenção clara e racional da consumação do ato. Mesmo que as desregulações hormonais sejam responsáveis por alguns atos violentos, isto não se aplica a todos os casos de infanticídio. Um bom exemplo para esta afirmação é o facto de as taxas de infanticídio terem muitas vezes aumentado e diminuído em função de estigmas e pressões sociais. Na Idade Média, muitas mulheres matavam os filhos e filhas nascidos(as) de relações extraconjugais, de forma a evitar o estigma ligado à ilegitimidade (Meyer & Oberman, 2001). Na China, durante a dinastia de Qing, nos séculos XVIII e XIX, a preferência por filhos do sexo masculino em famílias abastadas causou um grande aumento do infanticídio feminino, já que as filhas não poderiam ser herdeiras do legado da família. Na Índia, depois da invasão muçulmana, o dote pago pela família da noiva à família do noivo no momento do casamento tornou-se uma forma de extorsão, pelo que ainda hoje existe uma alta taxa de infanticídios de crianças do sexo feminino com o objetivo de preservar os bens da família (Oberman, 2003b). As mulheres matam os seus bebés como resultado de situações de desespero, raiva, e uma variedade de outras razões que não incluem algum tipo de perturbação mental associada ao parto (Spinelli, 2008). Um estudo conduzido por Krischer, Stone, Sevecke e Steinmeyer (2007) indica que o ato de infanticídio está mais fortemente associado a sentimentos de raiva e a mães mais jovens, que apresentam dificuldades em lidar com a parentalidade e acabam, muitas das vezes, por matar na sequência de maus tratos.

Esta “proteção” da sociedade garantida a todas a mães violentas através da existência de uma moldura penal mais reduzida, independentemente da condição psicológica efetiva da mulher ou das circunstâncias do meio, reflete a crença de que as mães devem ser tratadas de uma forma mais cuidadosa pelo simples facto de serem mães. Estas mulheres tiram vantagens da lei do infanticídio, sendo frequentemente encaminhadas para hospitais psiquiátricos em vez de prisões (Friedman & Sorrentino, 2012) e, no caso específico da legislação portuguesa, ao terem a possibilidade de cumprir uma pena não privativa da liberdade, no caso de a pena de prisão ser suspensa.

A incapacidade de ser aplicada aos homens perpetradores do crime de infanticídio só vem adicionar discrepâncias na lei atual, na medida em que os pais podem também sofrer de perturbações psicóticas ou de humor que não são tão facilmente reconhecidas como sendo fatores atenuantes (Friedman, Cavney, & Resnick, 2012b). Existem evidências substanciais de

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que os pais experienciam sintomas psicológicos significativos a seguir ao nascimento de uma filha ou filho (Meighan, Davis, Thomas & Droppleman, 1999; Paulson & Bazemore, 2010). Uma meta-análise realizada por Paulson e Bazemore (2010) concluiu que um em dez homens cumpre as condições da depressão pós-parto severa.

No entanto, não existem esforços atuais para a extensão da lei do infanticídio a homens que matam as suas crianças. Como resultado, as estatísticas revelam que os homens recebem consistentemente sentenças mais pesadas do que as mulheres (Pearson, 1997). A ausência de uma lei orientada para os homens, no que concerne a questão do infanticídio, indica que esta deriva do desejo de negar a existência de tal grau de violência perpetrado por mulheres, e não de avaliações acerca da responsabilização pelo crime cometido (Stangle, 2008).

É importante salientar que a negação da violência feminina tem efeitos prejudiciais no estatuto da mulher na sociedade. Um grande número de estudiosos feministas postula que a tendência para perpetuar esta negação impede que as mesmas obtenham igualdade e cidadania nas comunidades em que se encontram inseridas. Desta forma as mulheres que cometem crimes violentos, como é o caso do infanticídio, ficam presas num modelo dualista de autonomia masculina/passividade feminina, que enquadra as ações de ambos os géneros apenas no sentido de restaurar a ordem dentro de uma sociedade dominante e hegemónica (Morrissey, 2003).

Se as leis continuarem a atender a estereótipos sobre a feminilidade e a violência, as mulheres permanecerão vítimas de um sistema que as priva de qualquer tipo de poder ou justiça. Um sistema que comporta tais crenças no tratamento de questões legais falha no que diz respeito à discussão das verdadeiras causas da violência feminina e nega o valor dos bebés e crianças que as mulheres matam (Stangle, 2008). Assim, muitos consideram que esta lei reforça e tolera uma tradição estabelecida que protege mulheres que matam os seus bebés das consequências legais normais, e que inibe avanços na compreensão das possíveis causas do crime (Lambie, 2001).

No seguimento destas controvérsias, e considerando a escassa investigação realizada em Portugal no que diz respeito à temática do infanticídio, o presente estudo tem como principal objetivo verificar como é que os estudantes universitários portugueses se posicionam relativamente a este crime: que penas consideram mais adequadas e que razões invocam para a atribuição das mesmas. Estes dados poderão constituir um primeiro passo para a justificação ou não de uma lei que, à luz das teorias feministas, demonstra entraves no tratamento das verdadeiras causas da violência feminina e desvaloriza as suas vítimas.

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Assim, tendo em conta que alguns estudos (e.g., Kutateladze & Crossman, 2009) indicam que as mulheres tendem a mostrar maior insatisfação com penas severas, enquanto os homens mostram atitudes mais punitivas e são, na sua maioria, a favor da pena de morte, pretende-se numa fase inicial verificar a existência de diferenças nas penas atribuídas ao nível do sexo do participante. Pretende-se, ainda, analisar se existem diferenças significativas na atribuição de penas relativamente ao curso que frequentam (Ciências Sociais, Direito e Engenharia), dado que os estudos sugerem que as representações sociais de “feminino”, assim como a sensibilidade, a empatia e o cuidado para com os outros, estão associadas aos cursos de ciências sociais, da mesma forma que as representações sociais de “masculino”, assim como a assertividade, o foco sobre si mesmo e o controlo da situação, estão associadas aos cursos de engenharia (Saavedra, Araújo, Taveira & Vieira, 2014). Serão ainda analisadas as diferenças nas penas de prisão perpétua e penas de morte atribuídas ao nível de 3 categorias de infanticídio de Resnick (1969) – acidente, psicose aguda e filho indesejado – às quais pertencem os casos apresentados aos participantes, bem como ao nível do sexo do(a) ofensor(a) do crime. Por último, pretende-se ainda analisar as diferenças nas razões escolhidas pelos participantes para justificarem as penas atribuídas, também ao nível do sexo do(a) ofensor(a) do crime. Serão ainda verificadas associações entre características sociodemográficas dos participantes, como a orientação política, religião, anterior situação de vitimização e ser pai ou mãe, com a atribuição de penas, de forma a proceder a uma análise da influência destas variáveis nos resultados do estudo.

Método Participantes

A amostra é constituída por 344 participantes, 169 (49.1%) do sexo feminino e 139 (40.4%) do sexo masculino (Mo = 1), com idades compreendidas entre os 17 e os 48 anos, tendo uma média de 21.74 e um desvio-padrão de 5.14. Todos(as) frequentam cursos superiores na Universidade do Minho. A caraterização da amostra é apresentada com mais detalhe na Tabela 1.

Tabela 1

Caraterização da Amostra

Variáveis Categorias n (%)

Curso Ciências Sociais 139 40.4

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7

Engenharia 119 34.6

Filhos Sim 21 6.1

Não 310 90.1

Religião Não é religioso 87 25.3

É mais ou menos religioso 197 57.3

É muito religioso 54 15.7

Orientação política Extrema-esquerda 9 2.6

Esquerda 58 16.9 Centro Esquerda 35 10.2 Centro 72 20.9 Centro Direita 21 6.1 Direita 90 26.2 Extrema-direita 11 3.2

Vítima de um crime grave Sim 85 24.7

Não 209 60.8

Instrumento

Para a recolha dos dados foi construído um questionário, composto por duas partes. Uma primeira parte inclui dados demográficos relativos ao participante: sexo, idade, curso superior que frequenta, religião e orientação política; e duas questões de controlo: “Tem filhos?” e “Alguma vez foi vítima ou tem algum familiar próximo ou amigo que tenha sido vítima de um crime que considere grave?”. Uma segunda parte inclui as vinhetas com os casos de infanticídio.

As vinhetas incluídas no questionário foram construídas com base em três das cinco categorias identificadas por Resnick (1969) (doravante designadas por categorias de infanticídio), numa revisão de 131 casos de infanticídio: acidente – quando não existe a intenção de provocar a morte da criança; psicose aguda – pais que matam em consequência de uma perturbação mental; e filho indesejado – quando a criança deixa de ser querida por um ou ambos os progenitores. A escolha destas categorias baseou-se numa revisão de notícias de jornais online portugueses, que noticiavam casos de infanticídio reais ocorridos em Portugal, nos últimos anos. Verificou-se que estes, de uma forma geral, enquadram maioritariamente nas três categorias previamente descritas. Desta forma, ficaram então excluídas a duas categorias restantes, representativas de uma minoria de casos em Portugal: altruísmo e vingança conjugal.

Foram construídas, ao todo, seis vinhetas, descrevendo histórias adaptadas de casos de infanticídio. A cada categoria de infanticídio correspondem duas vinhetas, uma em que a

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responsável pela morte do(a) filho(a) é a mãe e outra em que o responsável pela morte do(a) filho(a) é o pai. Todas as características étnicas e pessoais foram omissas, incluindo-se apenas a idade da criança vítima, que varia entre poucos dias de vida e 11 meses, e uma descrição breve dos acontecimentos (Tabela 2).

Tabela 2

Caraterização das Vinhetas

Vinhetas Sexo do(a) ofensor(a) Idade da vítima

Categoria de Resnick (1969)

Caso 1 F 2 meses Acidente

Caso 2 M 5 meses Filho Indesejado

Caso 3 F Alguns dias de vida Filho Indesejado

Caso 4 M 9 meses Acidente

Caso 5 F 10 meses Psicose Aguda

Caso 6 M 11 meses Psicose Aguda

O formato de resposta permitia, para cada vinheta, indicar a pena considerada mais justa, de um conjunto de opções que incluem: “nenhuma pena”, “pena na comunidade”, “até 5 anos de prisão”, “5 a 15 anos de prisão”, “15 a 25 anos de prisão”, “prisão perpétua” e “pena de morte”. Permitia ainda indicar um de quatro motivos para a escolha dessa pena (azar, doença mental, perversidade e outro motivo).

Procedimento

Os questionários foram administrados em formato de papel e de forma presencial em espaço de sala de aula. Foram estabelecidos contactos prévios com os(as) docentes dos diversos cursos, para se obter a autorização dos(as) mesmos(as) quanto à administração dos questionários nas suas aulas. Já em contexto de sala de aula, foi clarificado aos(às) alunos(as) que a sua participação seria voluntária; contudo, todos decidiram participar.

Resultados

Serão apresentados em primeiro lugar os resultados relativos às diferenças nas penas atribuídas ao nível do sexo e do curso do participante. Seguidamente, serão relatados os resultados relativos às diferenças nas penas de prisão perpétua e penas de morte atribuídas ao nível das categorias de infanticídio e também ao nível do sexo do(a) ofensor(a). Por último,

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serão descritos os resultados que dizem respeito às diferenças nas razões atribuídas para justificar a escolha das penas ao nível do sexo do(a) ofensor(a).

Diferenças nas penas atribuídas ao nível do sexo e curso do participante

De forma a identificar a existência de diferenças nas penas atribuídas entre participantes do sexo masculino e sexo feminino, foi realizado um teste de Mann-Whitney.

Não foram verificadas diferenças significativas ao nível das penas atribuídas por participantes do sexo masculino e do sexo feminino (Tabela 3).

Tabela 3

Diferenças entre os Participantes do Sexo Feminino e do Sexo Masculino ao Nível das Penas Atribuídas

Sexo Feminino (n = 169) Média (DP) Sexo Masculino (n = 138) Média (DP) U

Penas atribuídas Caso 1 1.76 (1.14) 1.71 (1.25) 11202.50

Caso 2 5.72 (.91) 5.88 (.91) 10370.50

Caso 3 5.30 (1.01) 5.39 (1.23) 10717.50 Caso 4 3.90 (1.44) 3.99 (1.50) 11343.00

Caso 5 5.78 (.88) 5.84 (.93) 10803.00

Caso 6 5.86 (.85) 6.00 (.91) 10108.50

Para avaliar a existência de diferenças entre as penas atribuídas por participantes que frequentam cursos de Ciências Sociais, Direito e Engenharia, foi realizado um teste de Kruskal-Wallis.

Foram, assim, verificadas diferenças significativas ao nível das penas atribuídas pelos participantes dos diferentes cursos (Tabela 4).

Tabela 4

Diferenças entre os Cursos ao Nível das Penas Atribuídas

Cursos Ciência Sociais (n = 139) Média (DP) Direito (n = 81) Média (DP) Engenharia (n = 118) Média (DP) χ² (3)

Penas atribuídas Caso 1 1.76 (1.08) 1.88 (1.29) 1.58 (1.16) 4.73 Caso 2 5.69 (.88) 5.59 (.92) 6.10 (.87) 20.17*** Caso 3 5.28 (1.04) 5.20 (1.08) 5.56 (1.14) 7.09* Caso 4 3.99 (1.43) 3.84 (1.34) 4.06 (1.53) 1.22

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10 Caso 5 5.74 (.94) 5.59 (.76) 5.99 (.91) 11.99** Caso 6 5.86 (.88) 5.68 (.83) 6.13 (.85) 15.39*** *p < .05 **p < .01 ***p < .001

Testes de Mann-Whitney com Correção de Bonferroni a p = .017 evidenciaram diferenças significativas na atribuição de penas entre participantes de Ciências Sociais e Engenharia ao nível dos casos 2 (ofensora mãe e categoria de filho indesejado), U = 6095.00,

p < .001, e 6 (ofensor pai e categoria de psicose aguda), U = 6510.00, p = .011. Foram

também encontradas diferenças na atribuição de penas entre participantes de Direito e Engenharia ao nível dos casos 2, U = 3262.50, p < .001, 5 (ofensora mãe e categoria de psicose aguda), U = 406.50, p = .001 e 6, U = 3291.50, p < .001. Verificou-se, assim, que não existem diferenças nas penas atribuídas nos casos de infanticídio por acidente, ao nível dos cursos.

Diferenças nas penas de prisão perpétua e penas de morte atribuídas ao nível da categoria de infanticídio - acidente, psicose aguda e filho indesejado

Sendo a pena de prisão perpétua e a pena de morte as duas penas mais graves das opções dadas aos participantes, e acrescendo ao facto de não serem contempladas no Código Penal português como integrantes das molduras penais possíveis, optou-se por uma análise mais centrada nestas duas penas. Assim, para avaliar as diferenças na atribuição de penas de prisão perpétua e penas de morte aos casos consoante a categoria de infanticídio a que cada um pertence, foram criadas novas variáveis. Estas variáveis consistiram na frequência com que cada participante registou a pena de prisão perpétua ou pena de morte nos dois casos representativos de cada categoria de infanticídio (ofensora do sexo feminino e ofensor do sexo masculino). Como existem três categorias e dois tipos de pena, obteve-se seis variáveis.

De seguida utilizou-se uma análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas, tendo-se verificado a existência de diferenças significativas na atribuição de penas de prisão perpétua em função da categoria a que pertencem os casos de infanticídio, F (1.80, 618.38) = 110.02, p = < .001 (Tabela 5).

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11 Tabela 5

Diferenças ao Nível das Categorias de Infanticídio na Atribuição de Penas de Prisão Perpétua

Categorias de Infanticídio Acidente (n = 344) Média (DP) Psicose Aguda (n = 344) Média (DP) Filho Indesejado (n = 344) Média (DP) F (1.80, 618.38) Atribuição de penas de prisão perpétua .14 (.36) .75 (.86) .68 (.82) 110.02*** ***p < .001

Pairwise Comparisons de Bonferroni revelaram que a atribuição de penas de prisão

perpétua é significativamente inferior para a categoria de acidente do que para as categorias de psicose aguda ou filho indesejado (Tabela 6).

Tabela 6

Diferenças ao Nível das Categorias de Infanticídio na Atribuição de Penas de Prisão Perpétua

Categorias de Infanticídio Acidente vs. Psicose Aguda Acidente vs. Filho Indesejado Psicose Aguda vs. Filho Indesejado Atribuição de penas de prisão perpétua *** *** ns ***p < .001

Utilizando outra ANOVA semelhante, foram também verificadas diferenças significativas na atribuição de penas de morte em função da categoria a que pertencem os casos de infanticídio, F (2,686) = 95.84, p < .001 (Tabela 7), tal como aconteceu com as penas de prisão perpétua.

Tabela 7

Diferenças ao Nível das Categorias de Infanticídio na Atribuição de Penas de Morte

Categorias de Infanticídio Acidente (n = 344) Média (DP) Psicose Aguda (n = 344) Média (DP) Filho Indesejado (n = 344) Média (DP) F (2, 686)

Atribuição de penas de morte .03 (.20) .52 (.83) .40 (.71) 95.84*** ***p < .001

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12 Pairwise Comparisons de Bonferroni revelaram que a atribuição de penas de morte é

significativamente inferior para a categoria de acidente do que para as categorias de psicose aguda ou filho indesejado (Tabela 8), como já tinha acontecido com a atribuição de penas de prisão perpétua. Verificou-se ainda que a atribuição de penas de morte é também significativamente inferior para a categoria de filho indesejado do que para a categoria de psicose aguda, fazendo da última a que, de um modo geral, mais penas de prisão perpétua e penas de morte tem atribuídas pelos participantes.

Tabela 8

Diferenças ao Nível das Categorias de Infanticídio na Atribuição de Penas de Morte

Categorias de Infanticídio Acidente vs. Psicose Aguda Acidente vs. Filho Indesejado Psicose Aguda vs. Filho Indesejado

Atribuição de penas de morte *** *** ***

***p < .001

Diferenças nas penas de prisão perpétua e penas de morte atribuídas ao nível do sexo do(a) ofensor(a)

Para avaliar a existência de diferenças nas penas de prisão perpétua e penas de morte atribuídas a casos de infanticídio cujo(a) ofensor(a) é do sexo masculino ou do sexo feminino, foi utilizado um teste T para amostras emparelhadas.

Foram verificadas diferenças significativas na atribuição de penas de prisão perpétua ao nível do sexo do(a) ofensor(a) do crime de infanticídio, t (343) = 4.63, p < .001 (Tabela 9).

Tabela 9

Diferenças ao Nível do Sexo do(a) Ofensor(a) na Atribuição de Penas de Prisão Perpétua

Ofensora do Sexo Feminino (N = 344)

Média (DP)

Ofensor do Sexo Masculino (N = 344)

Média (DP) t (343)

Atribuição de penas de prisão

perpétua .69 (.83) .88 (.97) 4.62***

***p < .001

Da mesma forma, foram também identificadas diferenças significativas na atribuição de penas de morte ao nível do sexo do(a) ofensor(a) do crime de infanticídio, t (343) = 5.78, p < .001 (Tabela 10).

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13 Tabela 10

Diferenças ao Nível do Sexo do(a) Ofensor(a) na Atribuição de Penas de Morte

Ofensora do Sexo Feminino (N = 344)

Média (DP)

Ofensor do Sexo Masculino (N = 344)

Média (DP) t (343)

Atribuição de penas de morte .40 (.72) .56 (.87) 5.78*** ***p < .001

A atribuição de penas de prisão perpétua e penas de morte foi mais elevada para casos em que o ofensor do crime era do sexo masculino.

Diferenças nas razões escolhidas para justificar a penas atribuídas ao nível do sexo do(a) ofensor(a)

Através da análise das frequências das razões escolhidas pelos participantes para justificarem as penas que atribuíram, foi possível verificar-se que a razão mais vezes escolhida foi “Esta pessoa é doente/perturbada” (40.4%), seguindo-se de “Esta pessoa é maldosa/perversa” (30.7%). Foi possível também verificar-se que a razão “Todos temos azares na vida que nos levam a cometer erros” foi predominantemente selecionada para os casos de infanticídio que pertencem à categoria de acidente (Tabela 11).

Tabela 11

Frequências das Razões Atribuídas por Caso de Infanticídio

Razão 1 “Todos temos azares

na vida que nos levam a cometer erros” Razão 2 “Esta pessoa é doente/perturbada” Razão 3 “Esta pessoa é maldosa/perversa” Razão 4 “Outro motivo” Vinhetas n (%) n (%) n (%) n (%) Caso 1 232 67.4 13 3.8 11 3.2 64 18.6 Caso 2 0 0 135 39.2 185 53.8 9 2.6 Caso 3 5 1.5 173 50.3 122 35.5 21 6.1 Caso 4 144 41.9 82 23.8 25 7.3 65 18.9 Caso 5 2 0.6 197 57.3 118 34.3 6 1.7 Caso 6 2 0.6 180 52.3 131 38.1 7 2 Total 385 20 780 40.4 592 30.7 172 8.9

Para avaliar as diferenças nas razões atribuídas ao nível do sexo do(a) ofensor(a), foram criadas novas variáveis. Estas variáveis consistiram na frequência com que cada participante

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registou a razão 1 (azar), 2 (doença mental) e 3 (perversidade) nos dois casos representativos de cada categoria de infanticídio (ofensora do sexo feminino e ofensor do sexo masculino). Como existem dois sexos em cada categoria e três tipos de razões, obteve-se seis variáveis. De seguida, foi utilizado um teste T para amostras emparelhadas.

Foram encontradas diferenças significativas ao nível da razão 1 (azar), t (343) = -7.80, p < .001 e da razão 3 (perversidade), t (343) = 5.89, p < .001 entre casos de infanticídio cujo ofensor é do sexo masculino e casos de infanticídio cuja ofensora é do sexo feminino. A atribuição da razão 1 (azar) é mais elevada quando a responsável pelo crime é uma mulher do que quando é um homem, ao passo que a atribuição da razão 3 (perversidade) é mais elevada quando o ofensor é homem do que quando é mulher. Não foram verificadas diferenças significativas ao nível da razão 2 (doença mental) (Tabela 12).

Tabela 12

Diferenças na Atribuição das Razões ao Nível do Sexo do(a) Ofensor(a)

Ofensora do Sexo Feminino (N = 344)

Média (DP)

Ofensor do Sexo Masculino (N = 344)

Média (DP) t (343)

Razão 1 (azar) .69 (.50) .42 (.51) -7.80***

Razão 2 (doença mental) 1.11 (.83) 1.15 (.92) .89

Razão 3 (perversidade) .72 (.80) .99 (.87) 5.89***

***p < .001

Foram feitos ainda testes de associação com o intuito de controlar algumas variáveis cuja influência nos resultados pudesse, de alguma, forma enviesar o estudo.

Neste seguimento, foi utilizado o coeficiente de correlação ponto-bisserial para analisar a relação das variáveis “ter filhos”, “ter sido vítima ou ter alguém próximo que tenha sido vítima de um crime grave” e “orientação política” com a atribuição de penas de prisão perpétua e penas de morte. Verificou-se que não existe associação entre ter filhos e a atribuição de penas de prisão perpétua, rpb = .02, p = .73, bem como a atribuição de penas de

morte, rpb = -.08, p = .15. O mesmo acontece com a variável “ter sido vítima de um crime

grave ou ter alguém próximo que tenha sido”, tanto para a atribuição de penas de prisão perpétua, rpb = -.04, p = .47, como para a atribuição de penas de morte, rpb = .002, p = .97.

Relativamente à orientação política, verificou-se que também não existe uma correlação com a atribuição de penas de prisão perpétua, rpb = -.07, p = .27, nem com a atribuição de penas de

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Foi ainda utilizado o coeficiente de correlação de Spearman para analisar a associação entre o grau de religiosidade e a atribuição de penas de prisão perpétua e penas de morte. Verificou-se que não há correlação entre o grau de religiosidade e a atribuição de penas de prisão perpétua, rs = -.01, p = .96, bem como a atribuição de penas de morte, rs = -.04, p = .52.

Discussão

Os resultados revelaram que não existem diferenças significativas na atribuição de penas entre participantes do sexo masculino e do sexo feminino, ao contrário daquilo que alguns estudos (e.g., Kutateladze & Crossman, 2009) revelam acerca da população americana. Contudo, foram encontradas diferenças ao nível das penas atribuídas entre participantes de cursos de Ciências Sociais e Engenharia para os casos 2 e 6 e entre participantes de Direito e Engenharia para os casos 2, 5 e 6. Como se esperava, os participantes de Engenharia atribuíram penas mais severas do que os participantes dos restantes cursos, o que se pode dever ao facto de estarem inseridos em cursos que não estimulam de uma forma tão vincada o pensamento crítico acerca de determinadas questões sociais, não privilegiando a sensibilidade, a empatia e o cuidado para com os outros, da mesma forma que são privilegiados em cursos de Ciências Sociais (Saavedra, Araújo, Taveira & Vieira, 2013).

Curiosamente, e para a maioria dos casos de infanticídio apresentados, os participantes do curso de Direito atribuíram penas mais leves do que os participantes de cursos de Ciências Sociais, embora não existam diferenças significativas a este nível. Seria de esperar que os participantes do curso de Direito, pela sua formação específica em questões jurídicas e maior conhecimento acerca do sistema penal português, atribuíssem penas que fossem de encontro às molduras penais previstas pela lei portuguesa; no entanto, foi possível verificar-se que, apesar de ser o curso a atribuir as penas mais leves, não deixou de ter vários participantes a atribuírem penas de prisão perpétuas e penas de morte, embora estas não sejam contempladas pelo código penal português.

No que diz respeito às diferenças encontradas nas penas de prisão perpétua e penas de morte atribuídas aos casos de infanticídio pertencentes à categoria de acidente, psicose aguda e filho indesejado, foi possível verificar-se que a categoria de psicose aguda teve mais atribuições de penas de prisão perpétua e penas de morte em comparação às restantes categorias, sendo a de acidente aquela que menor número de atribuições teve. A categoria de psicose aguda engloba os casos em que os pais matam sob a influência de alucinações ou delírios, não estando associada, portanto, a motivos compreensíveis e diretos, passíveis de serem identificados. Assim sendo, nos casos de infanticídio por psicose aguda, muitas vezes o

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ato que leva à morte da criança é violento e chocante, não parecendo ter um objetivo concreto para além de aliviar a tensão do(a) ofensor(a). No caso de infanticídios cometidos por filho indesejado, existe um motivo mais direto, que é o facto de a vítima não ser mais querida pela mãe ou pai, ao contrário da categoria de acidente que, apesar de englobar os casos em que as crianças são mortas no seguimento de atos conduzidos por acessos repentinos de violência não justificada, não apresentam uma intenção direta (Resnick, 1969). Não obstante, as penas atribuídas aos casos de psicose aguda foram na sua maioria as mais gravosas, o que permite postular que, em vez da reabilitação do criminoso, os estudantes universitários aceitam mais facilmente que estes sejam retirados da sociedade.

Relativamente ao sexo do(a) ofensor(a), foram encontradas diferenças significativas na atribuição de penas de prisão perpétua e penas de morte entre os casos de infanticídio perpetrados pela mãe e os casos de infanticídio perpetrados pelo pai. A atribuição de penas de prisão perpétua e penas de morte foi significativamente mais alta para casos em que o ofensor era o pai do que para casos em que a ofensora era a mãe. Estes resultados trazem implicações a nível prático, no que concerne a base da lei portuguesa do infanticídio. Para todos os efeitos, os participantes deste estudo concordam que as mulheres devem ser menos penalizadas pelo mesmo tipo de crime cometido pelos seus homólogos, o que vai ao encontro das orientações do código penal.

Posto isto, é importante ressaltar o facto de que as diferenças foram apenas analisadas ao nível das penas mais gravosas, pela importância que têm a nível punitivo, o que não implica que não possam existir diferenças ao nível das outras penas contempladas no estudo. Antes de mais nada, convém refletir sobre a escolha destas penas num país cujo código penal não integra nem penas de prisão perpétua nem penas de morte, por não achar que estas se adequam às necessidades da população criminógena portuguesa. É um reflexo do pensamento de estudantes do ensino superior acerca de penas que nada têm de reabilitação ou reintegração e tudo têm de punição, num contexto em que não existem diferenças ao nível do sexo do participante, existindo, contudo, ao nível do sexo do(a) ofensor(a) do crime.

No que concerne as razões atribuídas pelos participantes para justificarem a escolha das penas, foi possível identificar diferenças significativas ao nível da razão 1 (“Todos nós temos azares na vida que nos levam a cometer erros”) e da razão 3 (“Esta pessoa é maldosa/perversa”) entre casos de infanticídio cometidos por pais e casos de infanticídio cometidos por mães. Mais especificamente, a atribuição da razão 1 foi mais elevada para os crimes cometidos pelas mães e a atribuição da razão 3 foi mais elevada para os crimes cometidos pelos pais. Estes resultados vão ao encontro dos valores sociais daquilo que

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representa o crime nas conceções de masculinidade e feminilidade. Se por um lado a razão 1 roça a desresponsabilização do(a) autor(a) do crime, a razão 3 responsabiliza ao mais alto nível, atribuindo a causa do crime a questões tidas como inatas, como a maldade ou a perversidade. Assim, é possível perceber-se que a mãe perpetradora do crime de infanticídio continua a ser alvo de uma clemência social em relação ao seu ato; enquanto o seu crime é visto, neste contexto, maioritariamente como um “azar” que a levou a cometer um erro, no caso do pai perpetrador do crime de infanticídio este é visto como maldoso ou perverso, condições muitas vezes ligadas à masculinidade, no que diz respeito a crimes violentos. Mulheres que matam mas demonstram alguns atributos femininos apropriados (tal como serem mães e, portanto, cuidadoras) são mais dificilmente vistas como transgressoras ou desprezíveis. No entanto, o facto de estas revelarem poder sobre a vida ou a morte no que diz respeito às suas crianças quebra a barreira entre o feminino e o masculino e requer, por isso, uma reparação cultural para evitar tais representações (Morrissey, 2003).

Conclusão

De uma forma global, os resultados demonstraram que, independentemente do sexo, os estudantes universitários portugueses mantêm conceções similares acerca do crime de infanticídio, apesar de diferirem na atribuição de penas dependendo do curso a que pertencem. Embora tenham atribuído maior quantidade de penas severas aos pais comparativamente com as mães, as suas atribuições demonstram que estes consideram a moldura penal do crime de infanticídio (1 a 5 anos de prisão) como integradora de uma pena demasiado branda. Porém, e apesar de considerarem que este tipo de crime deve ser mais punido, ao atribuírem mais penas severas aos pais consideram também que as mães devem ser menos responsabilizadas pelos seus atos. Neste caso, a preservação da ordem social no que concerne o género é mantida.

No entanto, num reconhecimento assertivo acerca das limitações deste estudo, é possível que esta diferença na atribuição de penas ao nível do sexo do(a) perpetrador(a) se deva a fatores que dizem respeito às condições do próprio crime, já que, mesmo dentro da mesma categoria de infanticídio, estas condições podem diferir e casualmente parecerem mais graves aos olhos do participante, não postulando uma relação direta com o facto de ter sido um pai ou uma mãe a cometerem o crime. Desta forma, seria necessário replicar o estudo com uma maior amostra da população universitária portuguesa e com um instrumento que englobasse uma construção mais controlada das vinhetas, não sendo estas baseadas em casos reais, já que estes têm atributos próprios que não podem ser modificados.

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Embora estes resultados pareçam desencorajadores, são na verdade fundamentais para a reflexão sobre a importância da desconstrução de valores enviesados acerca das mães que matam os seus filhos e, em geral, das mulheres que praticam crimes, deixando antever que os estereótipos de género se mantêm, quer nas populações normativas, quer naquelas que transgridem. São necessários mais estudos exploratórios acerca das conceções da população portuguesa, que não se foquem apenas na população universitária e sejam mais representativos de Portugal. Como o infanticídio é ainda uma temática pouco explorada com a população portuguesa ao nível das teorias feministas sobre o crime, este estudo revela-se um ponto de partida para novos estudos que visem a exploração crítica da legislação penal portuguesa do infanticídio.

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