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As identidades LGBT no Brasil: entre in/visibilidades e in/tolerâncias

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Academic year: 2020

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EDITORIAL http://dx.doi.org/10.29397/reciis.v13i3.1924

As identidades LGBT no Brasil: entre in/visibilidades e in/tolerâncias

The LGBT identities in Brazil: in the middle of in/visibility and in/tolerance

Las identidades LGBT en Brasil: entre in/visibilidades y in/tolerancias

Igor Sacramento1,2,a

Editor científico da Reciis

igor.sacramento@icict.fiocruz.br | https://orcid.org/0000-0003-1509-4778

Vinícius Ferreira1,b

Editor convidado

viniciusf.c@hotmail.com | https://orcid.org/0000-0001-7236-4995

1 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicação. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

2 Fundação Oswaldo Cruz, Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde. Rio de Janeiro,

RJ, Brasil.

a Doutorado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. b Mestrado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Movimento LGBT; Identidade; Visibilidade; Políticas públicas; Tolerância. Keywords: LGBT movement; Identity; Visibility; Public policies; Tolerance.

Abstract: Movimiento LGBT; Identidad; Visibilidad; Políticas públicas; Tolerancia.

A segunda parte do dossiê 40 anos do movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT) no Brasil publicado pela Reciis tem como foco as visibilidades e tolerâncias em relação às identidades sexuais dissidentes. Neste número, encontram-se artigos sobre o ativismo digital desenvolvido pela campanha #VoteLGBT; o ambiente regulatório para o exercício da cidadania de pessoas LGBT no Brasil e no Uruguai, por meio de uma comparação entre a respectiva legislação desses países; o jogo entre visibilidade/invisibilidade nas políticas de saúde pública no Brasil; a negação de (ou o não reconhecimento por) agentes comunitários de pessoas LGBT; as sanções e pressões em torno da representação de uma personagem bissexual numa telenovela em plena ditadura militar; e, finalmente, anotações fragmentadas para uma história do movimento drag queen brasileiro.

Essa diversidade de trabalhos e abordagens nos leva a pensar sobre as relações entre visibilidade, tolerância e configuração do espaço público na contemporaneidade. Na sua reflexão sobre espaço público, Hannah Arendt destaca que “nossa percepção da realidade depende totalmente da aparência, e, portanto, da existência de uma esfera pública na qual as coisas possam emergir da treva da existência

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resguardada: até mesmo a meia-luz que ilumina a nossa vida privada e íntima deriva, em última análise, da luz muito mais intensa da esfera pública”1. Ou seja, a visibilidade é muito importante nas sociedades contemporâneas.

Mas quem, e como, é visto?

O artigo de John Willian Lopes, Maria do Socorro Furtado Veloso e Juciano de Sousa Lacerda destaca exatamente esse processo de luta pelo direito de visibilidade e de representação política. Em um contexto de desdemocratização do Brasil, o movimento #VoteLGBT buscou trazer à luz da visibilidade midiática e ao espaço público as pautas e os corpos considerados dissidentes.

A temática da visibilidade aparece também no artigo ‘(In)visibilidades da Saúde da População LGBT no Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS), Brasil’, de Ana Cristina de Souza Mandarino, Wilson Couto Borges, Jhonatan da Silva Queirós e Estélio Gomberg, assim como no escrito por Niki Gomes Rodrigues, Cícera Henrique da Silva e Inesita Soares de Araujo, intitulado ‘Visibilidade de pessoas trans na produção científica brasileira’. Ainda em torno da questão da visibilidade, há neste número mais dois textos: o de Lucas Bragança sobre a história do movimento drag queen no Brasil e de Flavi Ferreira Lisboa Filho e Luciomar de Carvalho sobre as invisibilidades de LGBTs na publicidade audiovisual.

Além da percepção do que pode ou não ser visto, segundo Arendt, “conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum, como uma mesa se interpõe entre os que se assentam ao seu redor; pois, como todo intermediário, o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens”1 (p. 62). A partir disso, podemos observar em que medida a visibilidade no espaço público vem

sendo associada à noção de tolerância como condição básica de relevância social.

Num dos seus mais importantes trabalhos, Wendy Brown argumenta que a tolerância é “um discurso doméstico de regulação étnica, racial e sexual”2 (p. 7) que marca certas pessoas como outras e como sujeitos

indesejáveis da tolerância daqueles que são normativos. Isso também serve como uma retórica da despolitização, na qual a tolerância é suficiente para inferir a igualdade sem transformação social real: “A despolitização envolve remover um fenômeno político da compreensão de sua emergência histórica e do reconhecimento dos poderes que a produzem e contornam” (p. 15). Dessa forma, assim como a ênfase nos direitos e na assimilação individuais, a tolerância é uma característica da cultura política neoliberal.

A retórica da tolerância é frequentemente utilizada nas discussões sobre igualdade, mas isso depende de uma hierarquia fundamental que envolve quem faz as normas, e, assim, pode decidir tolerar os outros, e quem só pode esperar ser tolerado. Como escreve Susan Mendus, “se houver uma questão de tolerância, é necessário que haja algo a ser tolerado; deve haver alguma crença, prática ou modo de vida que um grupo possa achar (embora fanaticamente ou irracionalmente) errado, equivocado ou indesejável” (p. 66). Dessa maneira, tolerar requer um julgamento moral e, mais sistematicamente, o poder de escolher não fazer valer esse julgamento contra o outro que é considerado anormal. Mais basicamente (ou primariamente ainda), a tolerância requer uma regulação da aversão e essa administração da aversão que requer a tolerância produz uma tensão entre os próprios interesses, crenças e desejos, podendo haver também a aceitação de que outras pessoas possam ter outros comportamentos, que muitas vezes podem ser bastante desagradáveis. Ao sustentar a tolerância como o auge de uma sociedade igual, torna-se possível para pessoas privilegiadas, mesmo aquelas que afirmam ser aliadas ao anti-racismo ou à anti-homofobia, afirmarem que simplesmente permitir que outros existam em sua diferença indesejável seria o mesmo que desafiar a opressão.

A tolerância leva facilmente à retórica da diversidade, que serve para mostrar a diferença enquanto obscurece outras hierarquias. A diversidade é uma maneira de fazer a diferença segura e palatável; a cultura da diversidade, como Eva Reimers4 propõe, serve para vincular questões de diversidade com

questões de qualidade, bom gosto e profissionalismo, limitando expressões de diversidade àquelas que são agradáveis ao público em geral e, portanto, comercializáveis. Dessa maneira, tolerância e diversidade estão fundamentalmente ligadas a uma ideologia neoliberal de mercado, na medida em que servem, em

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redistribuir o poder econômico. Na cultura aliada, individualismo e tolerância são discursos-chave que permitem que certas desigualdades floresçam enquanto são, ao mesmo tempo, encobertas pela ideia e imagem da diversidade. Quando pensamos, por exemplo, sobre o fenômeno drag queen no Brasil como sucesso no mercado brasileiro recente de bens culturais (Pabllo Vittar, Gloria Groove, Lia Clark, Aretuza Love), podemos reconhecer em que medida a condição para a visibilidade social é a difusão social de uma retórica da tolerância como exercício de garantia de promoção e respeito à diversidade.

Como muito bem observa Sergio Carrara em sua nota de conjuntura, o Brasil contemporâneo vive um paradoxo: embora se observe, especialmente nas últimas duas décadas, um avanço do respeito à diversidade sexual, os discursos conservadores se institucionalizaram nos púlpitos e nos palanques, colocando, muitas vezes, o Estado a serviço de dogmas religiosos. Essa dissintonia tem aberto espaço para discursos e práticas de discriminação das identidades LGBT como parte de uma tentativa de estabelecer uma ordem conservadora heteronormativa como normalidade ou, ainda, como natureza.

É certo que, geralmente, a tolerância sinaliza generosidade e aceitação em relação a indivíduos e grupos fora das normas majoritárias da sociedade, contudo, os aspectos problemáticos da tolerância incluem sua função como forma de permissão. O termo indica que a maioria tolerante dá ‘permissão’ para que a minoria leve o tipo de vida que deseja e, conjuntamente, implica que haja uma repressão de sentimentos repulsivos da maioria perante à minoria. Tolerância como forma de permissão é o tipo de tolerância que a maioria dos infratores enfrenta. Isso indica que algo está se desviando da norma e que, ainda assim, a maioria das pessoas acha determinada condição perturbadora, mas que de alguma maneira aceita. Desse ponto de vista, a tolerância é apenas uma estratégia de enfrentamento, e não de mudança2.

A tolerância das pessoas LGBT, por exemplo, não inclui essas pessoas na sociedade, apenas indica uma suposta alteridade e generosidade da maioria das pessoas que permite que elas existam. Esse aspecto fica bastante evidente no artigo sobre a percepção de pessoas LGBT por agentes comunitários de saúde. Por meio de entrevistas, a equipe responsável pelo artigo entendeu que os agentes, ora generalizam as especificidades de cuidado, ora demonstram um desconhecimento diante de tais questões, priorizando, em vez disso, atuações procedimentais pontuais. O que fica evidente, para nós, embora implícito no artigo, é que a tolerância desenvolve uma posição paternalista da maioria bem-intencionada em favor dos necessitados e oprimidos (tolerados), o que tende a situar os tolerantes em uma posição de autoridade. Em outras palavras, tolerância se apresenta como o ato de distribuir direitos, que são dados como garantidos por si mesmos, a terceiros. Dessa forma, a homossexualidade é, então, abordada como um objeto de aceitação e tolerância da sociedade, sem interferir nas relações dominantes e suas normas.

O Outro é, há muito tempo, um objeto de discurso no mundo ocidental5. Afinal, nós reconstruímos o

Outro de acordo com nossas próprias categorias, expectativas, hábitos e normas. Estabelecemos regras para o Outro seguir, a fim de ser tolerado. Com isso, o Outro não é afirmado, mas é permitido condicionalmente, apesar de indesejável, diferente ou desviante. Assim, a tolerância é ao mesmo tempo uma estratégia para regular a aversão e uma tática para exercer poder, servindo até para justificar a violência contra aqueles que não são tão tolerantes quanto nós.

Além disso, conforme sugerido por Kumashiro6, a tolerância essencializa aqueles vistos como outro. Eles

são vistos como eternos, incapazes de mudar, condenados a permanecer diferentes. Brown2 concorda com

isso dizendo que, através do discurso, a tolerância reformula as diferenças entre maiorias e Outros, como identidades raciais, étnicas ou sexuais, como diferenças de essência ao invés de diferenças construídas pela história, pelo contexto e pela experiência. Isso, por sua vez, impede a mudança social de normas e premissas normativas. Se a educação de profissionais de saúde é caracterizada pela tolerância, ela contribui para uma profunda crença sobre normalidade e alteridade com possível impacto no tratamento de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, essa conduta não é suficiente.

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As normas podem ser necessárias e úteis na vida cotidiana, pois ajudam a dar sentido a si e aos outros, tornando possível o significado, a identidade e a sociedade. No entanto, as normas também possuem o poder da exclusão. Desse modo, toda norma está associada a certos sentimentos, desejos e ações, mas apenas algumas delas adquirem importância dominante na sociedade7. Essas estabelecem estruturas sobre

como sentir, desejar e agir para serem vistas como normais, e aqueles que não as cumprem correm o risco de exclusão e possivelmente discriminação. A heterossexualidade, por exemplo, é uma norma que determina como a sexualidade e o desejo devem ser entendidos, fazendo com que pessoas não heterossexuais sejam vistas como ‘anormais’ e sujeitas à homofobia e a outros mecanismos de exclusão.

Torna-se importante, então, abordar a atitude convencional de ‘tolerância como permissão’ para entender a contribuição da crítica à norma. Contudo, uma interpretação menos crítica indica que a tolerância não é usada apenas de maneira paternalista e condescendente, mas também de modo a orientar relações respeitosas. Uma sociedade deve oferecer espaço a uma variedade de estilos de vida, valores e opiniões, mesmo que nem todo mundo entenda ou concorde com eles. Vemos que discurso homonormativo da cultura aliada é defendido e reproduzido através de discursos de individualismo, tolerância e positividade. Entretanto, discursos neoliberais servem para obscurecer estruturas de poder, em vez de desconstruí-las. As formas atuais de aliança participam e reproduzem estruturas de poder, mesmo quando os aliados clamam por gratidão pela e usam a retórica afetiva para negar críticas, e até viram o discurso LGBT de cabeça para baixo para insistir que eles são os oprimidos. Ao insistir que todos devem ser iguais e que apoiam a tolerância, a visibilidade e a normalidade LGBT, os aliados involuntariamente reproduzem sistemas de privilégio e opressão dos quais se beneficiam e, assim, as pessoas LGBT continuam sendo marginalizadas.

Os modelos assimilacionistas sempre serão forçados a continuar a opressão de alguns, a fim de permitir a integração de sujeitos mais próximos à norma, mas apenas algumas pessoas LGBT são capazes de serem codificadas como ‘agradáveis’ ou ‘respeitáveis’. Nesse sentido, entendemos que a respeitabilidade é, portanto, um sistema de hierarquia e dominação baseado em distinções entre respeitável e degenerado. Ou seja, é através de processos entrelaçados de identificação e diferenciação, de hierarquização e dominação que são feitas reivindicações de respeitabilidade. Portanto, em vez de usar a política de respeitabilidade para obter igualdade, a política de respeitabilidade é um meio pelo qual certas subseções de um povo minoritário podem se juntar ao escalão superior da ordem social.

Em um modelo neoliberal, isso implica, em geral, cidadania do consumidor, desejos homonormativos de casamento e família nuclear e subjetividades normativas de raça e classe. O artigo de Guilherme Fernandes nos ajuda a entender o processo de transformação da personagem Paloma, de Os Gigantes, telenovela de Lauro César Muniz exibida pela TV Globo entre 1979 e 1980. Aquela que seria a primeira protagonista bissexual de uma telenovela brasileira foi sendo reconfigurada por conta da interferência da Censura Federal. O autor, ao estudar a censura durante a ditadura militar, nos mostra em detalhes a violência estatal no controle dos corpos e das moralidades como forma de garantir a manutenção da ordem autoritária.

A ‘utopia autoritária’, baseada na pretensão de alcançar todas as dimensões sociais com os valores conservadores, foi a estrutura motriz da ditadura iniciada em 1964. O Estado brasileiro colocou em prática uma série de medidas biopolíticas que produziu um verdadeiro laboratório de subjetividades, comprometido em forjar uma sociedade baseada na ‘moral e nos bons costumes’. Com isso, podemos falar em uma ditadura hetero-militar em que a sexualidade, os desejos e os afetos se tornaram questão de segurança pública monitorados e regulados por uma complexa estrutura de repressão, na qual a censura à produção cultural tinha destaque8.

O percurso da visibilidade LGBT na mídia reflete as heranças desse regime biopolítico que continua atuando por meio de atos censórios. O poder do cerceamento antes feito por um Estado centralizador agora passa a ser exercido também pelas lógicas do mercado cultural de consumo. A presença e as trajetórias de

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regime de visibilidade regido por um duplo censório. Os autores têm de conduzir suas narrativas guiados por uma autocensura produtiva advinda das pressões comerciais e do público e, mesmo com as cautelas adotadas para não ferirem os valores da família tradicional, a visibilidade pode ser interrompida de forma drástica caso o público não aceite o personagem. A explosão do shopping em Torre de Babel para matar o casal lésbico é um exemplo do corte realizado pelo mercado.

O aumento do número de tramas com personagens LGBT, por exemplo, ocorre somente a partir dos anos 2000, período marcado pelo maior reconhecimento das reivindicações e pelas conquistas do movimento LGBT. Poderíamos associar a maior representatividade como simples reflexo das transformações sociais em curso, porém, devemos lembrar que este momento histórico é também caracterizado pela busca, cada vez maior, por parte das emissoras, de conquistarem o mercado homossexual, o pink money. As empresas perceberam que os grupos de dissidência sexual eram um mercado ainda não explorado. Com isso, surgiu um fenômeno social, impulsionado pelo dinheiro cor de rosa, que passou a explorar aspectos identitários e culturais deste segmento, por meio do agenciamento de ações comunicacionais, visando ao desenvolvimento comercial.

Como consequência das estratégias adotadas, muitas vezes, os personagens LGBT não são construídos em um processo multidimensional como os personagens heterossexuais, que normalmente possuem um desenvolvimento muito mais complexo9. As narrativas dos personagens LGBT são pautadas por suas

orientações sexuais ou pelo gênero com o qual se identificam.

A invisibilidade que incidia sobre os corpos e prazeres não normativos foi substituída por uma visibilidade cuidadosamente regulada e segregada. Os espaços ‘conquistados’ para a diferença ainda são poucos e seguem uma cartilha normativa que atende às leis do espetáculo. A aparente nova fascinação dos meios de comunicação pela cultura e pelos corpos dos personagens homossexuais e transgêneros tendem a reforçar o lugar do exótico para apresentar algo distinto no mundo da indústria cultural5.

A produção audiovisual publicitária demonstra essa nova lógica de visibilizar o diferente para agregar às empresas o valor de socialmente responsável e atrair um público consumidor antes ignorado. O artigo de Flavi Ferreira Lisboa Filho e Luciomar de Carvalho sobre as campanhas de moda das Lojas Renner e Riachuelo evidencia como estas peças publicitárias comprometidas com o ‘diferente’, muitas vezes, não subvertem ou contestam os padrões já estabelecidos, mas constituem uma exposição de discursos que já circulam na sociedade para chamar atenção para o produto que está à venda.

A abertura ambígua para a diferença, que marca o regime de visibilidade contemporâneo, tem demonstrado que a transformação do diferente em estigma pode ser combatida por meio da informação e da presença dos corpos à margem nos centros das narrativas midiáticas, mas que esses jogos de resistência e dominação estão cada vez mais complexos. Richard Parker, em sua entrevista para a Reciis, faz um balanço de sua trajetória e avalia os novos desafios enfrentados no combate aos estigmas vivenciados pelas dissidências de gênero e pelos soropositivos. Para Parker, as novas configurações do mundo digital e da sexualidade globalizada têm contribuído para o descentramento da narrativa ocidental tradicional, mas provocaram uma reação conservadora agressiva que tenta restaurar os valores tradicionais.

Parker frisa que, para a compreensão das profundas transformações ocorridas nas duas últimas décadas, é necessário se ater às interseccionalidades que transpassam as questões dessa nova sexualidade globalizada. Por isso, retornamos ao pensamento de Butler10 para afirmar que: “a diferença sexual não é anterior ao âmbito

da raça ou de classe na constituição do sujeito” (p. 18). Por isso, refletir sobre as configurações da produção do gênero e da sexualidade é também refletir de forma mais ampla sobre a sociedade.

Dessa forma, podemos perceber a importância e os impactos da visibilidade enquanto ferramenta política e o caráter chave dos veículos midiáticos como potencializadores ou neutralizadores desse efeito. Nos artigos ‘Divulgação do estresse na mídia: uma reflexão sobre risco, vulnerabilidade, prevenção de doenças e promoção da saúde’ e ‘Sob o risco de estresse: as consequências da emancipação feminina na revista Veja (2000 – 2018)’ os autores igualmente nos fazem refletir criticamente sobre as transformações

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dos sentidos atrelados a essa doença expostos na mídia durante os últimos tempos e apontam para as possíveis consequências e riscos que uma abordagem normativa em relação à doença pode ocasionar.

Assim, ao longo dos textos dessa edição da Reciis, o leitor encontrará um mosaico analítico rico e amplo sobre alguns dos múltiplos aspectos que envolvem as dissidências sexuais e de gênero e os regimes de visibilidade, assim como debates sobre ensino, saúde mental, gestão e cidadania construindo um conjunto sobre os modos de comunicar, gerir, colaborar, afetar e ser afetado pelo humano e pela cidade.

Para anunciar esta edição, a Reciis conversou com a assistente de pesquisa do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), Bianka Fernandes. Assista em: https://youtu.be/wu-4dcQEV-Y .

Referências

1. Arendt H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; 2007.

2. Brown W. Regulating aversion: tolerance in the age of identity and empire. Princeton, N.J.: Princeton

University Press; 2006.

3. Mendus S. Introduction. In: Mendus S, editor. The politics of toleration in modern life. Durham, N.C.:

Duke University Press; 2000.

4. Reimers E. Homotolerance or queer pedagogy? In: Martinsson L, Reimers E, editors. Norm-struggles:

sexualities in contentions. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing; 2010. p. 14-28.

5. Hall S. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Sovik L, organizadora. Belo Horizonte: Editora

UFMG; 2003.

6. Kumashiro K. Toward a theory of anti-oppressive education. Rev Educ Res. 2000;70(1):25-53.

7. Butler J. Bodies that matter: on the discursive limits of ‘sex’. New York: Routledge; 1993.

8. Quinalha R. Uma ditadura hetero-militar: notas sobre a política sexual do regime autoritário brasileiro.

In: Quinalha RH, Green JN, Fernandes M, Caetano M, organizadores. História do Movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Alameda Editorial; 2018. p. 17-35.

9. Cavalcanti G, Ferreira V, Sigliano D. Liberdade, liberdade: repercussão da cena de sexo gay na

telenovela. Cambiassu: Estudos Comunic. 2017:13(21):101-120.

10. Butler J. Gênero em chamas: questões de apropriação e subversão. In: Formiga H, Sout M,

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