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32º ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS=GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS - ANPOCS 2008 Caxambu - MG

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ANPOCS 2008 Caxambu - MG

GT 10 – CULTURA, ECONOMIA E POLÍTICA

DINÂMICA DA ECONOMIA DOS NOVOS FORMATOS NA TELEVISÃO BRASILEIRA

Cláudio Ferreira1 e Lavina Madeira Ribeiro2

RESUMO

Este artigo apresenta os termos da estrutura e dinâmica dos novos formatos dentro da cultura midiática contemporânea, seus contornos estruturais e inserção no processo de racionalização da experiência social contemporânea. Abrange ainda a presença destes novos formatos na televisão aberta brasileira, contemplando suas origens, características e presença na grade de programação das emissoras nacionais. A reflexão se ancora nos referentes da sociologia reflexiva, da crítica reconstrutivista habermasiana e na lógica explicativa dos estudos culturais.

PALAVRAS-CHAVE

Mídia, novos formatos, cultura e identidade

01. ORIGEM E DEFINIÇÃO

1 Cláudio Ferreira é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília, na Linha de Pesquisa “Imagem e Som”, elaborando dissertação sobre o tema deste artigo. Jornalista, membro do Grupo de Pesquisa “Padrões Hegemônicos da Televisão Fechada no Brasil”.

2 Lavina Madeira Ribeiro é Professora Adjunta III, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília - UnB. Membro do Colegiado do Programa de Mestrado e Doutorado. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa “Cultura Memória e Desenvolvimento”, Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Padrões Hegemônicos da Televisão Fechada no Brasil”.Pós-doutorado junto à ECO/UFRJ, na área de Comunicação e Cultura. Autora de inúmeros artigos e com dois livros lançados em maio de 2004, Imprensa e Espaço Público – A Institucionalização do Jornalismo no Brasil 1808-1960, RJ, E-Papers, 384p. e Ensaios sobre Comunicação, Cultura e Sociedade – Debates Contemporâneos, RJ, E-Papers, 364p.

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A televisão, ao adotar um modelo industrial, buscou uma estruturação em gêneros. Atendeu, assim, à necessidade de concretizar a identificação do público com os produtos midiáticos oferecidos e de combater a chamada aleatoriedade da indústria cultural, cuja produção de conteúdo é classificada por Jean-Pierre Warnier como “atividade de risco” 3. Matrizes literárias, teatrais, folhetinescas, vêm, desde a Grécia Antiga, inspirando o desenvolvimento de gêneros para jornais, revistas, programas de rádio e televisão, assim como para o cinema e para a internet, em geral, alimentados por parâmetros imaginativos e criativos de narrativas já presentes no imaginário popular.

Na televisão, consolidaram-se gêneros como o telejornalismo, a teledramaturgia, os humorísticos e os programas de auditório. A partir do final da última década do século XX, no entanto, um novo gênero tem-se destacado nas grades de programação de emissoras de televisão no Brasil e em boa parte do mundo. São os assim denominados reality-shows, chamados por François Jost de “tele-realidade” 4·, que têm em geral como estrutura a proposição de um jogo, de uma competição, ou a experimentação de contextos sócio-culturais, profissionais ou naturais previamente escolhidos com regras próprias, duração, demarcações espaço-temporais, objetivos a serem alcançados pelos participantes, geralmente indivíduos anônimos, profissionais, atletas, escolhidos em função da natureza da experiência de realidade a ser vivida por eles.

A emergência dos novos formatos na programação de televisão, apesar de recente, já tem efeitos econômicos mensuráveis. Segundo a empresa de pesquisa Screen Digest e a Format Recognition and Protection Association (Frapa), entidade de proteção aos formatos, a comercialização de formatos no mundo alcançou € 2,4 bilhões em 2004. Entre 2002 e 2005, o número de horas de formatos transmitidas aumentou 22%. O estudo mostra que os Estados Unidos são o mercado mais importante para os formatos, seguido por Alemanha e França. O Reino Unido é o maior exportador, com 32% do total. Os game shows (jogos de perguntas e respostas) são responsáveis por 50% do total de horas de veiculação de formatos, mas os reality-shows são o gênero mais importante, dentro dos novos formatos, em termos de valor de produção.5

O surgimento dos formatos mudou os padrões de comercialização de produtos televisuais. Anteriormente, a importação e a exportação de programas de televisão tinham

3 Warnier, Jean-Pierre, A Mundialização da Cultura. Bauru: Edusc, 2000, p. 69

4 JOST, François, Lógicas da Tele-realidade in DUARTE, E.B;CASTRO, M.L.D. Comunicação Audiovisual –

Gêneros e Formatos. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 70

5 FEY, C.; SCHMITT, D.; BISSON, G. The Global Trade in Television Formats. Disponível em <http://www.screendigest.com>. Acesso em: 20 fev. 2008.

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dois caminhos: a venda de produtos prontos (telenovelas, seriados, etc...) ou de roteiros para serem produzidos pelo país comprador. A criação de formatos representou uma mescla destes dois tipos de comercialização: não se vende o produto pronto, mas os contratos garantem regras rígidas para a produção do programa.

02. ELEMENTOS ESTRUTURAIS DOS NOVOS FORMATOS

Do ponto de vista dos elementos estruturais dos novos formatos, têm-se, por um lado, a proposta da exposição e experimentação dos fatos da vida cotidiana, da personalidade e competência profissional e artística dos indivíduos e, por outro, a entrada em cena do indivíduo anônimo, como protagonista com alto poder identitário junto ao público. As características básicas dos novos formatos se fundam nos graus e formas diferenciadas de interatividade, no caráter único e imprevisível das ações dos participantes, na exploração de cenários urbanos e naturais globais, na tematização e, em grande medida, objetivação da realidade social contemporânea.

Os novos formatos cresceram no celeiro das televisões por assinatura, onde foram originalmente testados e expandidos em sua diversidade. A lógica estruturante dos novos formatos rompe a categorização clássica em termos de gênero, como informação, publicidade e entretenimento, categorias que não permitem a percepção do que se observa como a grande força formativa de padrões culturais, de racionalização da experiência, de formação de valores no âmbito dos diversos formatos que se ancoram na exploração do realismo. Os novos formatos expandem os propósitos de temas dos programas no sentido de que abranjam, cada vez mais, a quase totalidade da experiência social, desde o espaço da intimidade àquele das instituições sociais. Observa-se uma variedade crescente de produções voltadas para racionalizar, explorar e expor à esfera da vivência e reflexão pública midiática temas ligados a fenômenos cruciais da condição humana, como a saúde, a doença, a reprodução, as diferenças de gêneros, a educação dos filhos, os cuidados com o corpo, as relações amorosas, o fisiculturismo, as práticas intervencionistas sobre o corpo, sobre a aparência física e sobre a auto-estima, o casamento, o trabalho, a casa, a família, entre outros.

Assim como temas ligados às relações do indivíduo com as instituições sociais, como a formação profissional, a competência para assumir papéis sociais diferenciados, a flexibilização destas competências, das concepções das diferenças de estilos de vida, de trabalho e aptidão para assumir novos papéis sociais, o autocontrole diante de situações de riscos de diversas origens, as formas de lidar com a variável da busca de autonomia financeira, a relação com as instituições educacionais, midiáticas, médicas, policiais. E, além

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disso, programas ligados à expansão das noções de territorialidade, experimentações de modos de vida de povos de outros continentes (geralmente comunidades tradicionais, isoladas e quem têm ainda acervos seculares de práticas de sobrevivência e culturais), à expansão dos limites físicos e mentais, situações críticas de ameaça à vida, relatos de sobrevivência a elas e suas repercussões psicológicas e culturais.

Outro espaço explorado continuamente pelos programas concerne à legitimação da ciência, da tecnologia e das instituições responsáveis pela defesa e controle das ameaças e riscos potenciais da sociedade dos centros urbanos industrializados. É fortemente valorizada a exposição de ações policiais, sempre representadas de forma a valorizar suas instituições, seus procedimentos, critérios e compromisso inalienável com uma pré-estabelecida concepção de justiça e verdade. Neste contexto, o uso de armas de fogo é realisticamente naturalizado e vem até os telespectadores como recurso necessário e justificável da vida em sociedades complexas. Assim também ocorre com o poder político instituído e suas instituições, jamais apresentadas como agentes capazes de ações de prepotência e de invasão da soberania de outros países (Kuwait, Iraque, Afeganistão, Cuba, entre outros). A legitimação do armamentismo, do poderio militar, da alta tecnologia aplicada a armas de destruição de massa é uma constante nos programas de realidade e documentários.

Há um consenso no pensamento sociológico contemporâneo sobre a importância cada vez maior da mídia na conformação da experiência e na formação de opiniões e comportamentos dos indivíduos nas sociedades atuais. Reflexões sobre processos de globalização, de rupturas da nacionalidade, de configuração de estilos de vida e de transformações nas configurações de posição e ação dos sujeitos sociais revelam mudanças substantivas do paradigma da isenção e imparcialidade e, neste sentido, da postura crítica que fundamentava a prática moderna de uma ética emancipatória para concepções relativistas da ética comunicativa. Em sentido contrário, a expansão dos novos formatos abre um novo horizonte de formação de consensos e valores ancorados na experimentação singular dos desafios e regras da vida e do funcionamento das instituições sociais, sem mais pré-estabelecer, em muitos setores da experiência humana em sociedade, respostas e padrões únicos para as formas de compreensão e entendimento da realidade, numa expressão do grau de exarcebação do individualismo moderno, de relativismo de parâmetros éticos e humanistas e das formas de auto-legitimação pública da mídia.

Em muitos formatos, o presente contingente e o futuro incerto são enquadrados numa teia explicativa cuja finalidade é a de reduzir e controlar elementos que possam vir a ameaçar o senso de domínio sobre as rotinas da vida cotidiana. Tais formatos realizam, a cada nova

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versão, um exercício público de certas formas de atualização dos indivíduos sobre temáticas que demandam permanentemente racionalizações, as quais, entretanto, não mais têm no fundamento da crítica humanística o referencial ético até então hegemônico na auto-legitimação pública da mídia.

Os novos formatos promovem formas singulares e não necessariamente emancipatórias, dos mecanismos de reflexividade dos indivíduos sobre si mesmo e sobre a dinâmica social em que estão inseridos. A mídia é contemporânea da ascensão da razão como justificativa para a ação ética. Emerge no processo de conformação da era moderna, como meio propagador desta construção racional da condição humana. Em reflexão filosófica sobre a origem da modernidade, Jürgen Habermas a associa à emergência de uma “consciência temporal” que opõe o moderno ao antigo e inaugura uma concepção histórica processual da vida, cujo horizonte é um futuro que não pode ser previsto.6 Diante de um presente contingente e de um futuro incerto, os princípios éticos que nortearam o lugar institucional da comunicação fundaram-se sobre o ideal do exercício de uma razão crítica e emancipatória. Do ponto de vista institucional, a mídia foi o suporte para o exercício da crítica e para a fundação de uma humanidade que buscou a auto-compreensão criando suas próprias regras.

O exercício da crítica, o julgamento subjetivo dos fatos e das opiniões, a auto-atualização demandados pelo movimento da processualidade histórica ainda são os procedimentos exigidos do público que forma o espaço público comunicativo. Se o princípio da subjetividade está no âmago da modernidade, também se faz presente na institucionalização da comunicação midiática como mecanismo que compele os indivíduos a buscarem em si os recursos críticos para sua autonomia e autodeterminação. Este processo é próprio das sociedades contemporâneas. Este fenômeno vem de encontro ao que Habermas denomina de “tematização crescente do mundo da vida”.7 Movimento de racionalização, de consensualização de geografias cada vez maiores de práticas e valores sociais, advindos de regiões não apenas urbanas e hegemônicas, mas, muitas vezes, remotas e particulares. Busca de coletivização de identidades capazes de criar movimentos auto-sustentáveis de gerenciamento da vida social e íntima. Segundo Habermas,

6 Segundo Habermas, “a história é então experienciada como um processo abrangente de geração de problemas

– e o tempo, como recurso escasso para o domínio desses problemas que são empurrados para o futuro”. Em HABERMAS, Jürgen. A Constelação Pós-Nacional – Ensaios Políticos. SP, Littera Mundi, 2001, p. 169. 7 Jürgen Habermas, Pensamento Pós-Metafísico – Estudos Filosóficos. Tradução do original alemão de Flávio Beno Siebeneichler, Biblioteca Tempo Universitário vol. 90, Série Estudos Alemães, RJ, Tempo Brasileiro, 1990, 271p. No subtítulo “A Concepção Pragmático-Formal do Mundo da Vida”, p. 88.

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“Não apenas a formação política da vontade dos cidadãos, mas também a vida privada dos cidadãos da sociedade não pode prescindir de fonte de solidariedade gerada discursivamente. À medida que as condições padronizadas de vida e os planos de carreira se dissolvem, os indivíduos sentem diante das opções multiplicadas o crescente fardo das decisões (ou arranjos) que eles mesmos têm que tomar (ou negociar). A pressão para a ‘individualização’ exige a descoberta e a construção simultâneas de novas regras sociais. Os sujeitos livres – que não estão mais conectados a papéis tradicionais e não são dirigidos por eles – devem criar ligações graças aos seus próprios esforços de comunicação”.8

As instituições de comunicação midiáticas deveriam, a princípio, pressupor este procedimento de intervenção crítica sobre o mundo, a partir do cultivo de uma subjetividade que se quer autônoma diante de “um mundo da vida que perde de modo perturbador os seus traços de confiança, de transparência e de fidelidade” 9. O discurso comunicativo deveria evocar a crítica e o julgamento subjetivo sobre um pano de fundo de elementos que se sucedem em transformações ininterruptas e imprevisíveis.

Na atualidade, a comunicação tem grande visibilidade no mundo contemporâneo, participando expansivamente dos processos reflexivos da sociedade de risco. Segundo Ulrich Beck a sociedade de risco surgiu a partir dos efeitos colaterais e das ameaças cumulativamente produzidos pela sociedade industrial. Ela forja uma “modernização reflexiva” em toda a sociedade – onde ela se defronta com ameaças não absorvidas pelo industrialismo e o modelo clássico de sociedade industrial, cujos ícones de progresso são o capital, a tecnologia e o mercado.10 As instituições midiáticas basicamente expõem a dinâmica deste auto-confronto. Expõem exatamente aqueles momentos de ruptura onde os riscos reais e potenciais ameaçam os limites sociais de segurança dos indivíduos e das instituições.

8 Jürgen Habermas, A Constelação Pós-Nacional – Ensaios Políticos, Op. Cit., 220 p. No

capítulo “Acerca da Autocompreensão da Modernidade” pp. 197-198.

9 Idem, p. 172.

10 BECK, Ulrich, GIDDENS, Anthony e LASH, Scott. Modernização Reflexiva – Política, Tradição

e Estética na Ordem Social Moderna. SP, Ed. Unesp, 1997, p. 16. Segundo Beck, “’modernização reflexiva’ significa autoconfrontação com os efeitos da sociedade de risco que não podem ser tratados e assimilados no sistema industrial”, p. 16.

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Segundo Ulrich Beck, “a definição do perigo é sempre uma construção cognitiva e social”11. Estas definições são extensiva e ostensivamente construídas pela mídia e, neste sentido, elas participam desta modernização reflexiva e se constituem em si em instituições que produzem a sua própria reflexividade. Os novos formatos se apóiam nestes atributos historicamente institucionalizados, assim como tais definições estão na pauta diária dos discursos jornalísticos, dos documentários e outros gêneros informativos, agora são explorados de forma expansiva pelos novos formatos, quando expõem questões básicas da vida em sociedade à experimentação por parte de indivíduos anônimos com as mais diferenciadas origens e posições na sociedade. Questões relativas a todas as ordens sociais e naturais. Muitas das temáticas que inspiram a criação e produção dos novos formatos resultam de questões emergentes em função de problemas gerados pelo curso do processo industrial das sociedades contemporâneas, cujas rupturas e ameaças dizem respeito a um largo espectro de variáveis, tais como recursos naturais, recursos produtivos, como a divisão social do trabalho, recursos culturais, concepções políticas, jurídicas, científicas, religiosas, costumes e concepções de vida.

Como os riscos emergem simultaneamente com as decisões e opiniões formuladas no meio social, os programas estão sempre se auto-confrontando com estes riscos. Interessa, em particular, como elas exploram eticamente os seus termos, que mecanismos de sua reflexividade entram em ação, ou seja, de que recursos dispõem para enfrentar eticamente as ameaças que emergem cotidianamente na vida social. Ameaças evidentes e ameaças construídas pela própria discursividade pública midiática.

Conforme Ulrich Beck, a sociedade torna-se reflexiva quando “ela se torna um tema e um problema para si própria” 12. Há, segundo ele, dois ambientes especializados onde estas tematizações e problematizações alcançam relevo: no contexto das práticas científicas laboratoriais, cujos resultados têm pouco controle sobre as consequências e repercussões sociais e no contexto de uma “discursividade pública da experiência” 13, profundamente presa à experiência e dependente da ação das instituições midiáticas.

Este segundo contexto, conforme o autor, está mais propenso a suscitar dúvidas e perguntas do que a fornecer respostas e depende, na sua argumentação pública, de referentes fornecidos pela ciência universitária. Nos novos formatos, a ponte com a esfera da experiência da vida cotidiana demarca outro princípio específico da discursividade institucional da

11 Idem, p. 17. 12 Idem, p. 19. 13Idem, p. 44.

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comunicação pública. As dúvidas e perguntas fomentadas por esta discursividade advêm desta forte ligação com a experiência, com o cotidiano, onde a materialização de riscos e ameaças se desdobra em inúmeras questões fornecendo um campo quase irrestrito de temáticas e possibilidades de problematização pública, sobretudo quando seus participantes sempre reagem de forma singular e única aos mesmos temas propostos. Há a possibilidade de reprodução de um mesmo formato por uma duração de tempo imprevisível

Grande parte dos novos formatos invade desde o plano mais íntimo e particular da vida individual àquele das grandes organizações públicas e privadas. Seu espectro de atuação é amplo e cada vez mais presente, devido à sua crescente expansão no mercado globalizado do comércio de programas e formatos. Formam, segundo Scott Lash14, novas comunidades de informação e comunicação baseadas em sistemas leigos e especialistas, cuja racionalidade opera sobre as significações compartilhadas no sentido de reparar suas rupturas. Os discursos dos especialistas vêm reparar quebras na rotina de segurança da vida cotidiana como discursos legitimadores desta rotina. As opiniões, os valores e comportamentos dos indivíduos anônimos, muitas vezes, vêm afirmar padrões culturais hegemônicos, como, por exemplo, o estilo de vida norte-americano, muito presente nos novos formatos veiculados na televisão fechada brasileira. Como agentes singulares, entretanto, cabe observar que as instituições de comunicação nem sempre atuam como agentes reparadores de rupturas. Muitas vezes, intervêm antecipadamente criando realidades e fatos.

Em muitos formatos a racionalidade científica é substituída por uma ética reflexiva, baseada na evidência de que “o microcosmo da conduta da vida pessoal está inter-relacionado com o macrocosmo dos problemas globais” 15. Baseada no exercício da dúvida, que permeia e envolve as esferas existenciais e institucionais, a ação política consiste na assunção da dúvida como variável que não pode mais ser controlada pelos métodos científicos, posto que a própria ciência natural e social convive com a dúvida como parte do conhecimento. A dúvida, segundo o autor, possibilita a multiplicidade de vozes de todos os lados e de cada um de nós.16 Torna possível a emergência da diversidade e do conflito. Esta

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LASH, Scott. “A Reflexividade e seus Duplos: Estrutura, Estética, Comunidade”, em BECK, U., GIDDENS, A . LASH, S. Modernização Reflexiva. Op. cit., p. 182.

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BECK, U. Op. cit., p. 61.

16 BECK, U. The Reinvention of Politics – Rethinking Modernity in the Global Social Order.

Cambridge, Polity Press, 1997. Afirma o autor: “the culture of doubt, cultivating doubt and helping it into forms of public representation and recognition, does not prohibit anything, force anything or proselytise anyone with anything; instead it makes the most varied and conflicting things possible, but in moderated form, subverted and brightned up by doubt. Doubting, something that appeared as weakness and decay to cultures of faith and certainty, now becomes a virtue, the lauching point for productivity”, p. 171.

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política põe em questão as soluções científicas em favor da dúvida e exerce, assim, uma crítica sobre os sistemas especialistas como fontes legitimadoras da reflexividade pública.

Este é o cerne do critério de justificação pública dos novos formatos. Em lugar da busca, conforme Jürgen Habermas, de soluções ancoradas na discursividade política em torno de um horizonte ético universalista, os novos formatos propõem práticas reflexivas. Têm que encontrar soluções por si próprias para os problemas criados sistemicamente pela modernização social baseadas em procedimentos não necessariamente democráticos, mas subjetivos, parciais, desiguais, contingentes e regulados pelas regras e limites discursivos dos próprios formatos, que impõem limites inibidores do “fracasso” do exercício e produção do formato. Diante das grandes audiências eles operam, aparentemente, uma bem sucedida – porque coerente com as normas do formato - da racionalização do mundo da vida.

Isto revela uma série de novas variáveis para a compreensão da força formativa destes novos formatos e de seus modelos de “entretenimento”, pois estas variáveis participam das negociações de sentido e das transformações destes padrões. A mídia tem encontrado na experiência do sujeito anônimo uma fonte inesgotável de renovação de seus processos produtores de sentido, com resultados que podem vir a reforçar, modificar e extinguir padrões oriundos de outras fontes identitárias hegemônicas.17 A mídia ultrapassa fronteiras de tempo e espaço, mas tende, cada vez mais, em todas estas dimensões, a buscar na singularidade da vida de sujeitos anônimos, sopros de renovação para sua dinâmica discursiva. 18O banal, o familiar, a intimidade de indivíduos exteriores à esfera de personalidades conhecidas dos espaços políticos, econômicos e artísticos, adquire, crescentemente, visibilidade no âmbito midiático.

17 Refere-se aqui a um conjunto de programas onde pessoas anônimas são os principais agentes. Programas de realidade (reality shows), programas humorísticos que expõem pessoas desconhecidas, transeuntes e outros a situações inusitadas e se valem de suas reações, opiniões e valores. Programas onde famílias são deslocadas de suas casas e convivem por dias em comunidades de uma região bem distante do país de origem, que experimentam efetivamente a diferença cultural, a alteridade e buscam formas de convívio comum. Publicidades institucionais do governo brasileiro que recorrem a trajetórias particulares de indivíduos como exemplos de brasilidade e de identidade nacional, cujo refrão diz que “o brasileiro nunca desiste”. Programas onde pessoas são convidadas a aprenderem ofícios díspares daqueles a que pertencem, que expõem as transformações incorporadas por estes indivíduos na assimilação de códigos diferenciados de comportamentos, de sociabilidade e visão de mundo. Programas das tevês evangélicas, que se baseiam nos relatos existenciais de pessoas anônimas para sustentar seu discurso doutrinário.

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MATTELART, Armand e MATTELART, Michele, Pensar as Mídias, 1a. Ed., Tradução de Ana Paula Castellani, São Paulo, Loyola, 2004, 255 p. Em especial, o capítulo intitulado “O Retorno do Sujeito”. Neste capítulo, os autores mencionam que o processo acelerado e contínuo de busca de sentidos que movimentam a produção midiática, tem levado, curiosa e, muitas vezes, contraditoriamente, ao que eles denominam de “retorno do sujeito”. Este consiste na incorporação ao espaço público midiático de sujeitos anônimos, das mais diversificadas origens, cujas experiências são objeto de representação e de afirmação de identidades.

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Representação e experiência são momentos que se confirmam mútua e simbioticamente. A individuação é imposta com mais força quanto mais complexa é a sociedade. Segundo Norbert Elias, nestas, menos o indivíduo se liga a valores familiares e grupais, mais se vê forçado a se auto-construir,19 assim, aceita, aparentemente, perante o público, submeter-se aos jogos, às provas de resistência moral e física, aos diferentes ambientes sócio-culturais em que se desenvolvem as propostas dos novos formatos, porque, fundamentalmente, têm como desafio perante si mesmos e a sociedade, construir sua próprias trajetórias, valores e estilos de vida.

A análise empírica de muitos dos novos formatos atualmente veiculados na televisão fechada brasileira revela a supremacia quase absoluta de novos formatos criados ou adaptados pelas grandes empresas norte-americanas e, por vezes, inglesas de produção de programações para televisão, levando o assinante brasileiro a conviver de forma profunda com o modo de vida destes países. A programação tem por cenários de suas produções cidades, metrópoles, vilas e fazendas de lá. Além da origem e territorialização da programação serem norte-americanas, são as instituições, as regras sociais, as premissas identitárias nacionais, as rotinas produtivas, a cotidianeidade, as experiências humanas e o imaginário deste país que são representados, expostos e continuamente revelados aos telespectadores brasileiros.

Isto leva a que se tenha como universo temático e identitário elementos próprios da experiência social norte-americana, dos seus valores e modos de compreensão da realidade local, nacional e internacional. São os valores, os princípios, os padrões culturais e econômicos, as opiniões e comportamentos norte-americanos que configuram as justificativas de ação dos indivíduos nos diversos lugares, situações e enfretamentos representados.

03. ESTRUTURA E DINÂMICA DOS REALITY-SHOWS

Os reality-shows obedecem a uma lógica econômica recente na produção televisual: a comercialização de novos formatos, modelos de programas que podem ser reproduzidos em vários países, com regras fixas de produção e uma margem para adaptações locais. O termo “formato” é definido por Chambat-Houillon como o regime de representação audiovisual do conceito de um programa, uma interface que leva da idéia à representação audiovisual. 20 O formato materializa uma existência pública e legal ao conceito do programa, a partir dos

19 ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. 1a. Ed., Tradução Vera Ribeiro. RJ, Jorge Zahar Editor, 1994. 20 CHAMBAT-HOUILLON, Marie-France, O Formato Televisual: Produção, Programação e Recepção in DUARTE, E.B.; CASTRO, M.L.D. Comunicação Audiovisual: gêneros e formatos. Porto Alegre: Sulina, 2007, p.143

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parâmetros estabelecidos e registrados, demarcando sua natureza, especificidade e propriedade, além de proteger seus inventores e proprietários comerciais de possíveis plágios. Essa proteção não poderia ser garantida sem o formato, já que o Direito não protege idéias ou conceitos não formatados. José Carlos Aronchi de Souza faz uma conexão entre formato e gênero, definindo o primeiro como “a linguagem desenvolvida pela televisão para dar forma a um gênero de programa de televisão e transmiti-lo”. 21

Os reality-shows são os novos formatos mais produzidos em todo o mundo. Calcula-se que, até 2006, a maior empresa produtora, a Endemol, tenha criado mais de 300 programas do gênero.22 Os reality-shows foram definidos por Eliseo Verón como “aquellas situaciones, relatos y pasiones que aparecen em la pantalla asociadas a personas que no tienen com ella (TV) ninguna relación profesional” 23.Castro amplia a definição, defendendo que os reality-shows devem ser compreendidos como um formato híbrido, que mistura ficção e realidade, mostrando a vida de anônimos (em tempo real ou editada) e que tem como característica principal o fato de ser uma obra aberta.

Estudiosos do gênero apontam que a emergência dos reality-shows desafia a tradicional divisão dos gêneros televisuais entre ficção e realidade. Segundo Elizabeth Bastos Duarte, os gêneros poderiam ser dispostos em três grupos: meta-realidade, supra-realidade e para-realidade. A meta-realidade seria uma realidade veiculada pela televisão que teria como referência o mundo exterior, com produtos baseados em acontecimentos sobre os quais a televisão não tem domínio (telejornais, documentários, reportagens). A supra-realidade não teria compromisso com o mundo exterior, mas com uma coerência interna ao discurso que a produz. englobaria os produtos ficcionais, como novelas, minisséries, seriados e filmes para a tevê. Uma terceira categoria seria a para-realidade, que não tem referências no mundo exterior, mas em um mundo paralelo, construído no interior do próprio meio. Estariam neste grupo os reality-shows e alguns tipos de talk-show, baseados em acontecimentos criados e controlados pela própria televisão. 24

A lógica específica dos reality-shows pressupõe a transformação do conceito de privacidade, já que a maioria dos programas torna públicas as atividades privadas dos

21 SOUZA, José Carlos Aronchi, Gêneros e Formatos na Televisão Brasileira. São Paulo: Summus, 2004, p. 183

22 DUARTE, Elizabeth Bastos, Reconfiguração de um formato: BBBs, in DUARTE, E.B.; CASTRO, M.L.D.

Televisão – Entre o Mercado e a Academia, p. 270

23 VERÓN, Eliseo apud CASTRO, Cosette, Questão das Identidades em Big Brother in DUARTE, E. B.;CASTRO, M.L.D. Televisão – Entre o Mercado e a Academia. Porto Alegre: Sulina, 2006, p. 261 24 DUARTE, Elizabeth Bastos, Televisão: entre gêneros/formatos e produtos. Disponível

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participantes, por meio da utilização de câmeras de vigilância monitoradas ininterruptamente ou pela anuência destes participantes em terem seu dia-a-dia acompanhado pelas equipes de televisão. Mark Andrejevic observa que a vigilância tornou-se um espetáculo mediado e define o reality-show como um gênero “que se apóia na vigilância da vida diária e na interação não-planejada de pessoas que concordam em participar e fazer pública a sua vida privada.”25 .

Elizabeth Duarte e François Jost sustentam que os reality-shows mantêm com o telespectador um contrato comunicativo, no qual está explícita uma promessa de realidade. A oferta do real ao público estaria baseada, em primeiro lugar, na presença de câmeras de vigilância que permitiriam ao telespectador ver e ouvir tudo o que se passa entre os participantes do programa. Outro elemento é a transmissão ao vivo, que assim como os telejornais e os documentários, dariam a impressão de ser uma espécie de “testemunha do mundo”. A transmissão ao vivo conferiria um sentimento de autenticidade ao programa, mesmo que a seleção do posicionamento das câmeras na casa já restrinja esta apreensão do real, assim como a preparação da transmissão ao vivo, com as previsões dos movimentos de câmera e os enquadramentos indicados a cada um dos cameramen. 26 Já Mark Andrejevic alerta para o fato de que o desafio de cumprir a promessa do “retorno ao real” feita pelos reality-shows se alinha com outro desafio, o da autenticidade da imagem visual. “Na era digital, é tão fácil capturar e gravar a realidade como manipular as imagens que são capturadas”. 27

04. ORIGEM E EXPANSÃO DOS NOVOS FORMATOS NA TELEVISÃO BRASILEIRA

Experiências de compras de formatos para serem adaptados começaram a ser feitas pela televisão brasileira na década de 70, com o programa infantil “Vila Sésamo”, transmitido pela Rede Globo entre 1972 e 1977. Nos anos 90, foi feita a experiência inversa: o formato do programa “Você Decide”28, da Rede Globo, foi adaptado em outros países. O Sistema

25 ANDREJEVIC, Mark, Reality TV – The Work of Being Watched. Nova York: Rowman & Littlefield Publishing Group, 2004, p. 64

26 DUARTE, Elizabeth Bastos, Reconfiguração de um formato:BBBs, in DUARTE, E.B.;CASTRO, M.L.D.

Televisão – Entre o Mercado e a Academia , p. 271

27 ANDREJEVIC, Mark, op cit, p. 69

28 Exibido entre 1992 e 2000, o “Você Decide” era um programa semanal, de uma hora, de teledramaturgia. Os autores escreviam mais de um final para cada história, as opções eram gravadas e o público decidia, por meio de ligações telefônicas, que rumo a história deveria tomar. Ao vivo, um apresentador interrompia a exibição para questionar o público sobre o andamento do enredo e, no final, anunciava quais das opções havia sido escolhida.

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Brasileiro de Televisão - SBT tem adaptado, desde os anos 80, alguns formatos de game shows. Mas só partiu para o modelo atual de negociação de formatos, desenvolvidos por empresas criadas especialmente para este fim, a partir de 1997, quando comprou os direitos de adaptação da novela infanto-juvenil argentina “Chiquititas”. A Rede Bandeirantes adaptou, em 2005, outra novela argentina para o público infantil, “Floribella”. Nos dois casos, a comercialização do formato incluiu o direito de venda de produtos (brinquedos, material escolar, etc...) com a marca do programa. O primeiro reality-show exibido pela televisão brasileira foi “No Limite”, veiculado pela Rede Globo em julho de 2000. Tratava-se de uma competição na qual os participantes eram isolados em uma praia e tinham que cumprir tarefas ligadas a desafios da natureza. O programa teve três edições, até 2001.

Neste ano de 2008, as principais redes de televisão aberta do Brasil já apresentaram ou apresentam cerca de 14 novos formatos, entre programas inteiros e quadros dentro de programas. A Rede Globo exibiu, entre 08 de janeiro e 25 de março, a oitava edição anual do reality-show chamado “Big Brother Brasil”. A emissora também apresenta novos formatos adaptados em quadros dentro de programas, como os dois programas de variedades de expressiva audiência na Rede Globo “Domingão do Faustão” (“Dança dos Famosos”, competição de dança entre artistas, esportistas e outras celebridades) e “Caldeirão do Huck” (“Lata Velha”, quadro que promove a reforma de um automóvel em mau estado de conservação). A Rede Record exibe, atualmente, a segunda temporada do reality-show “Troca de Família”, no qual duas famílias intercabem as respectivas mães por uma semana. Estão programados pela emissora para este ano outros dois reality-shows: “O Aprendiz 5 – O Sócio”, competição pelo posto de sócio do apresentador Roberto Justus, com prêmio de R$ 2 milhões (parte do prêmio constituirá o capital inicial da sociedade empresarial); e a terceira temporada de “Ídolos”, programa que seleciona novos cantores e era exibido, até o ano passado, pelo SBT.

No SBT, são quatro formatos: um reality-show musical, com formato semelhante ao de “Ídolos”, cujo nome será escolhido pelo público; a terceira temporada de “Super Nanny”, que mostra uma especialista em educação infantil aconselhando os pais sobre a educação dos filhos; “Nada Além da Verdade”, no qual celebridades ligadas a um detector de mentiras respondem a perguntas pessoais; e “Qual é a Música?”, programa com artistas respondendo perguntas sobre músicas conhecidas. Além destes, o SBT exibe atualmente a versão original (argentina) da novela “Chiquititas”, a partir da qual foi desenvolvido o formato brasileiro. A Durante algumas temporadas, o programa contou também com participação do público, que dava sua opinião em transmissão ao vivo de praças de grandes cidades brasileiras .

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Rede Bandeirantes também reapresenta a novela “Floribella”, formato adaptado do original argentino, além de exibir “Custe o que Custar”, adaptação de original argentino que mistura jornalismo e entretenimento e “É o Amor”, programa de auditório que mostra histórias de amor de cidadãos comuns. A Rede TV, que até pouco tempo exibia a adaptação brasileira do seriado norte-americano “Donas de Casa Desesperadas”, mostra o reality-show “Dr. Hollywood”, sobre o cotidiano médico de um cirurgião plástico brasileiro que faz sucesso nos Estados Unidos. Vale lembrar que a maioria dos reality-shows citados são apresentados na íntegra na televisão fechada brasileira, em versões produzidas nos EUA, Inglaterra, México e Argentina.

O reality-show de maior e expressiva audiência na televisão brasileira é o “Big Brother Brasil”, que estreou em janeiro de 2002. Desde que foi lançado, em setembro de 1999, na Holanda, o formato já foi adaptado em 36 países. 29Na última temporada da versão brasileira, sete homens e sete mulheres foram selecionados para ficarem confinados durante 77 dias na casa-cenário construída pela emissora. Câmeras em vários pontos da casa registraram ininterruptamente o comportamento dos moradores. Os candidatos participaram de competições. A cada semana, mediante votação do público, um competidor foi eliminado. O prêmio para o vencedor foi de R$ 1 milhão. A última votação do público para decidir o ganhador do “Big Brother Brasil 8” demonstrou a popularidade do programa: foram 75.637.402 votos, número considerado recorde mundial do formato.30 Dados da sétima edição, exibida em 2007, também são significativos: de acordo com o site do programa na internet, 13 milhões de internautas visitaram a página no primeiro mês de exibição do programa e foram registrados 71 milhões de acessos aos vídeos com trechos dos programas, um aumento de 772% em relação à sexta edição, veiculada em 2006.31

A popularidade do gênero pode ser medida a partir de outros produtos exibidos pela televisão brasileira. A segunda temporada de “Troca de Família”, na Rede Record, tem registrado recordes de audiência. Em 21 de fevereiro deste ano, o programa obteve média de 17 pontos de audiência durante 57 minutos (cada ponto corresponde a 55,5 mil domicílios) e a Record conseguiu a liderança de audiência neste horário. 32Para a quinta edição de “O

29 Disponível em <http://www.endemol.com>. Acesso em: 23 fev. 2008.

30

CASTRO, Daniel. Recorde. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1 abr. 2008. Coluna Outro Canal, p. E10. 31 Disponível em <http://bbb.globo.com>. Acesso em: 26 fev. 2008.

32 Record bate Globo na audiência com “Troca de Família”. Folha de S. Paulo. São Paulo, 22

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Aprendiz”, marcada para estrear em 6 de maio deste ano, a emissora recebeu 43 mil inscrições para selecionar 16 candidatos. 33

Ao analisar a relação entre o gênero e a audiência, João Alegria constata mudanças na dinâmica da programação da televisão brasileira, “o reality-show serve para comprovar as transformações na audiência e, conseqüentemente, ajustes efetuados na programação televisiva em busca de novos padrões de relacionamento com um público que conquistou para si a posição de produtor de conteúdos audiovisuais”34.

O “Big Brother” tem merecido uma categorização diferenciada por parte de alguns autores. Cosette Castro enumera características do programa que considera relevantes para a sua análise como fenômeno midiático: o produto televisual utiliza e mistura gêneros já conhecidos; reúne os participantes em uma casa, fazendo a ligação com o ambiente familiar; agrupa gente comum e anônima, igual ao telespectador; oferece a esperança de que o reconhecimento e o êxito podem ocorrer também com quem assiste ao programa; os participantes representam a si mesmos, podendo ser vistos como modelos; e a falta de um roteiro prévio dá ao formato uma aura de mistério e imprevisibilidade. Elizabeth Duarte adiciona outras particularidades do “Big Brother”, como o fato de a atuação dos participantes ter que corresponder à verdade e à realidade, já que eles representam a si próprios; o isolamento, que tensiona relações interpessoais, estabelece relações afetivas e sexuais e força o estabelecimento de papéis discursivos aos diferentes ambientes e cenários; a exposição permanente dos jogadores às câmeras de vigilância, com a conseqüente perda de naturalidade e espontaneidade no comportamento dos atores, além de possibilitar à emissora a manipulação discursiva; a convivência dos jogadores pautada por regras; o papel do apresentador na condução da trama e a participação dos telespectadores, que contribuem para a construção da realidade discursiva.

Merece ser considerado, em uma análise da presença dos reality-shows nas grades de programação das emissoras, o impacto destes gêneros em outros suportes midiáticos. No Brasil, além de ser exibido pela Rede Globo, em canal aberto, o “Big Brother Brasil”, por exemplo, pode ser acompanhado pela televisão por assinatura (com a possibilidade de, por meio do sistema de pay-per-view, com pagamento à parte feito pelo assinante, ser transmitido 24 horas por dia), pelo celular e pela internet. Notícias sobre participantes de reality-shows abastecem os sites em tempo real e as revistas de celebridades promovidas pela exposição no

33 Disponível em <http://www.rederecord.com.br>. Acesso em: 25 fev. 2008.

34 ALEGRIA, João, Reality show: breve exercício de circunscrição do gênero narrativo, in DUARTE, E. B.; CASTRO, M. L. D. Televisão: entre o mercado e a academia. Porto Alegre: Sulina, 2006, p.307

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ambiente midiático e cinematográfico. Os programas têm acessos para as páginas das emissoras na internet, nos quais se pode acompanhar episódios anteriores e obter o perfil dos participantes. Alguns, como o “Big Brother Brasil”, vendem em seu site produtos para celular, além de bens de consumo com a logomarca do programa (camisetas, bonés, bolsas, etc...). Comunidades na internet discutem programas como “Big Brother Brasil” e “O Aprendiz” enquanto as temporadas anuais estão sendo exibidas.

A chamada “convergência de mídias”, concretizada por alguns reality-shows, possibilitou uma nova relação entre emissor e receptor na comunicação destes produtos televisuais, com o estímulo à interatividade. No “Big Brother Brasil”, por exemplo, as votações para a eliminação dos participantes por parte do público podem ser feitas pela rede mundial de computadores ou por celular. Além disso, inserções na programação diária da Rede Globo mostram a opinião do público sobre a participação dos candidatos no programa e sobre as chances de cada um nas disputas pela permanência no reality-show.

Em resumo, diante do cenário acima esboçado, o anacrônico “entretenimento” interage com este universo de conteúdos hegemônicos naturalizando-se enquanto prática e inserindo-se na sua dinâmica e força formativa de padrões de comportamentos, estilos de vida, valores e práticas culturais. Observa-se, além disto, que o ainda assim denominado “entretenimento” está cada vez mais mergulhado na relação de empatia e afinidade, de curiosidade e busca de suportes ontológicos que promovem sensações de pertencimento, conforto e prazer nos inúmeros ambientes da experiência cotidiana representada pela mídia.

BIBLIOGRAFIA CITADA

ALEGRIA, João. Reality-show: “Breve Exercício de Circunscrição do Gênero Narrativo” in DUARTE, E.B.;CASTRO, M.L.D. Televisão – Entre o Mercado e a Academia. Porto Alegre: Sulina, 2006.

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Referências

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