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A INTERDISCIPLINARIDADE COMO PROPOSTA DE SOLUÇÃO AOS PROBLEMAS CAUSADOS PELA FRAGMENTAÇÃO DO CONHECIMENTO.

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Carlos Henrique Marroni (UEM) Alceu Panosso (UEM-CESUMAR) Lilian Moreira de Alvarenga Assolari (UEM) Nilton Facci (UEM-CESUMAR-FAP)

Resumo

A compreensão da complexidade da realidade na qual estamos inseridos é imprescindível uma percepção holística para atingirmos o desenvolvimento do conhecimento. A epistemologia de cunho positivista conduziu a uma fragmentação e especialização, as ciências subdividiram-se em várias, surgindo assim os especialistas e as fronteiras entre as ciências. Este modelo analítico de uma ciência o qual busca através da divisão de cada dificuldade no seu conjunto de elementos ínfimos e que a partir do princípio de que existe um conjunto finito de elementos constituintes e que só análise de cada um desses elementos permite compreender o todo. Modelo este que produziu inegáveis frutos, mas que estaria hoje a se revelar insuficiente para o progresso do conhecimento. Não se deve negar o passado, mas transformar o velho em novo, assim para a construção de um conhecimento globalizado e de uma pedagogia que permita uma condição para melhoria da qualidade de ensino têm-se a interdisciplinaridade como convergência e diálogo entre as disciplinas.

Palavras-chave: Conhecimento, Interdisciplinaridade e Fragmentação

Introdução

Temos de perceber que estamos engendrados em um mundo onde os muros foram derrubados, embora outros estejam a ser erguidos. A queda do muro de Berlim, Deutsche Wiedervereinigung - reunificação da Alemanha em 03 de outubro de 1990 é um acontecimento de inesgotável sentido simbólico, e nos remete à reflexão sobre a fragmentação que se estabeleceu nas áreas de conhecimento ao longo do desenvolvimento das ciências. A fragmentação representava uma questão essencial para o próprio progresso científico, tratava-se de entender melhor a relação entre “o todo e as partes”. Estamos num mundo de anulação e de mistura de fronteiras, haja vista, a reorganização política e econômica dos países em blocos, União Européia, NAFTA, MERCOSUL, ALCA etc.

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Na Alemanha, segundo Bandeira (1992, p.162), o anseio do povo era pela reunificação:

Reunificar e reconstruir era o caminho que as massas, em contínuas e crescentes demonstrações, apontavam ao gritarem nas cidades da RDA—República Democrática da Alemanha, não mais Wir sind das volk - nós somos o povo, mas

Wir sind ein volk – nós somos um povo (BANDEIRA, 1992, p.162).

Assim também no aspecto do conhecimento e desenvolvimento científico torna-se pertinente uma reflexão sobre a necessidade da busca de diálogo e convergência, para evoluirmos.

A interdisciplinaridade, segundo Gadotti (2000), remonta ao final do século XIX passado, surgiu pela necessidade de dar uma resposta à fragmentação causada por uma epistemologia de cunho positivista. As ciências haviam-se dividido em muitos ramos e a interdisciplinaridade restabelecia, pelo menos, um diálogo entre elas, embora não resgatasse ainda a unidade e a totalidade. Para Goldman (1979), apenas o modo dialético de pensar, fundado na historicidade poderia resgatar a unidade das ciências. A tradição marxista resolveu, em parte, o problema colocando como fundamento das ciências, a historicidade. Marx afirmava que só existia uma ciência, a história. Assim ele buscou resolver a questão da fragmentação. A totalidade não seria alcançada, como queriam os neo-positivistas, através da interdisciplinaridade, mas através de um referencial comum que é a história.

Desde então, o conceito de interdisciplinaridade vem se desenvolvendo também nas ciências humanas, sobretudo nas ciências da educação. Elas aparecem com clareza em 1912 com a fundação do Institut Jean-Jacques Rousseau, em Genebra, por Edward Claparède, mestre de Piaget. Toda uma discussão foi travada sobre a relação entre as “ciências mães” e as ciências aplicadas à educação: por exemplo, a sociologia (da educação), a psicologia (da educação), etc.

A tradição positivista de só aceitar o observável, os fatos, as coisas, trouxe problemas para as ciências humanas, cujo objeto não é tão observável quanto o objeto das ciências

naturais, modelo sobre o qual se funda o paradigma do positivismo.

Com a fragmentação do saber aparece o especialista e as fronteiras entre as disciplinas se alargaram. A interdisciplinaridade vinha então com a promessa de romper com a epistemologia positivista, mesmo permanecendo fiel aos seus princípios, ou seja, anti-metafísico. Daí ser chamada de neo-positivista.

Pombo (2004) salienta que após a 2ª Guerra Mundial, diante da "eclipse da razão" provocada pela nação que mais se orgulhava de ser racional - a Alemanha - perguntava-se o

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que estaria errado nas ciências, na pesquisa e na educação, já que a pedagogia do diálogo, surgida depois da 1ª Grande Guerra (Buber, 1923) não havia contido a sanha da luta fratricida. Assim, percebe-se que a interdisciplinaridade aparece como preocupação humanista, além da preocupação com as ciências.

Desde então, muitas correntes de pensamento se ocuparam com a questão da interdisciplinaridade, tais como os exemplos supra citados:

1º a teologia fenomenológica (Ladrière, em Louvain, Bélgica) encontrou nesse conceito uma chave para o diálogo entre igreja e mundo;

2º o existencialismo (Rogers e Gusdorf), buscando dar às ciências uma "cara humana", a cara da unidade;

3º a epistemologia (Piaget) que buscava desvendar o processo de construção do conhecimento e fundamentar a unidade das ciências;

4º o marxismo (Goldman) que buscava uma via diferente para a restauração da unidade entre todo e parte.

Fazenda (2003) enfatiza a importante obra que Gusdorf lançou na década de 60, um "projeto interdisciplinar para as ciências humanas" apresentado à UNESCO. Sua obra La Parole (a fala), é considerada uma obra fundamental para entender a interdisciplinaridade.

O projeto de interdisciplinaridade nas ciências passou de uma fase filosófica (humanista) de definição e explicitação terminológica, na década de 70, para uma segunda fase (mais científica) de discussão do seu lugar nas ciências humanas e na educação, na década de 80.

Atualmente, no plano teórico, busca-se fundar a interdisciplinaridade na ética e na

antropologia, ao mesmo tempo que, no plano prático, surgem projetos que reivindicam uma

visão interdisciplinar na educação, mais especificamente, nos currículos dos cursos.

Para Pombo (2004) abordar sobre interdisciplinaridade é hoje uma tarefa ingrata e difícil. Em boa verdade, quase impossível, haja vista uma dificuldade a qual cabe salientar e que tem a ver com o fato de que poucos sabem o que é a interdisciplinaridade. Não há entre as pessoas que a praticam, nem entre as que a teorizam, nem entre aquelas que a procuram definir nenhuma estabilidade relativamente a este conceito. Em um trabalho exaustivo de pesquisa sobre a literatura existente, inclusivamente dos especialistas de interdisciplinaridade, que também já os há, encontram-se as mais díspares definições.

Nos dias atuais, a palavra tem sido usada, abusada e banalizada. A palavra tem uma utilização muito ampla, ou seja, é aplicada em muitos contextos, entrou no vocabulário da investigação científica e dos novos modelos de comunicação. Qual é o projeto que hoje não

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reúne equipes interdisciplinares? Qual é o colóquio ou mesmo o congresso que hoje não é interdisciplinar? Teríamos aqui um contexto epistemológico, relativo às práticas de transferência de conhecimentos entre disciplinas e seus pares. Da mesma forma é recorrentemente proclamada pela universidade, mas também pela escola secundária. Qual é o curso que hoje não comporta elementos curriculares interdisciplinares? Qual é a reforma que hoje se não reclama da interdisciplinaridade?. Contexto pedagógico portanto, ligado às questões do ensino, às práticas escolares, às transferências de conhecimentos entre professores e alunos que tem lugar no interior dos currículos escolares, dos métodos de trabalho, das novas estruturas organizativas das quais, tanto a escola secundária como a Universidade, vão ter que se aproximar cada vez mais.

Sendo assim, há que se ressaltar a premente necessidade de buscarmos um aprofundamento sobre a interdisciplinaridade.

Conceitos e Características de Pluridisciplinaridade, Multidisciplinaridade, Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade.

Uma dificuldade deve-se ao fato de não haver apenas uma, mas quatro palavras para designar o que estamos tratando: pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Portanto na busca de definição para a palavra interdisciplinaridade, teremos de tratar as retro mencionadas quatro palavras, as quais possuem uma mesma raiz: disciplina. Mas, por outro lado, esse comum radical, ao invés de funcionar como elemento de aproximação, constitui um novo procedimento de dispersão de sentido, pois a palavra disciplina pode ter, pelo menos, três grandes significados.

Disciplina como ramo do saber, conhecimento: a Matemática, a Física, a Biologia, a Sociologia ou a Psicologia são disciplinas, ramos do saber, disciplina como componente curricular: História, Ciências da Natureza, Química Inorgânica, etc. Claro que, em grande medida, muitas das disciplinas curriculares se recortam sobre as científicas, acompanham a sua emergência, o seu desenvolvimento finalmente, disciplina como conjunto de normas ou leis que regula uma determinada atividade ou o comportamento de um determinado grupo: a disciplina militar, a disciplina automobilística ou a disciplina escolar, etc.

Há, pois uma flutuação de conceitos mesmo no interior da palavra disciplina, ou seja, o fato de as quatro palavras referidas terem a mesma raiz não ajuda muito a esclarecer seus significados já que essa raiz remete ela mesma para três horizontes diferentes.

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Nestas circunstâncias, é à etimologia dos prefixos que, em cada caso, antecedem a palavra disciplina, há de se recorrer aos prefixos pluri, inter e trans, por razões etimológicas que nos ultrapassam porque estão na raiz daquilo que somos, da língua que falamos, carregam inevitavelmente fortes indicações. Ora, é justamente com base nessas indicações que há a possibilidade de avançar uma proposta terminológica assente em dois princípios fundamentais: a) aceitar estes três prefixos: multi ou pluri, inter e trans (considera-se três e não quatro porque, do ponto de vista etimológico, não faz sentido distinguir entre pluri e multi) enquanto três grandes horizontes de sentido e, b) aceitá-los como uma espécie de continuum que é traspassado por alguma coisa que, no seu seio, se vai desenvolvendo.

Algo que é dado na sua forma mínima, naquilo que seria a pluri (ou multi) disciplinaridade, que supõe o pôr em conjunto, o estabelecer algum tipo de coordenação, numa perspectiva de mero paralelismo de pontos de vista.

Algo que, quando se ultrapassa essa dimensão do paralelismo, do pôr em conjunto de forma coordenada, e se avança no sentido de uma combinação, de uma convergência, de uma complementaridade, nos coloca no terreno intermédio da interdisciplinaridade.

Finalmente, algo que, quando se aproximasse de um ponto de fusão, de unificação, quando fizesse desaparecer a convergência, nos permitiria passar a uma perspectiva holista e, nessa altura, nos permitiria falar enfim de transdisciplinaridade.

Portanto, a idéia é a de que as tais três palavras, todas da mesma família, devem ser pensadas num continuum que vai da coordenação à combinação e desta à fusão, ou seja, se juntarmos a esta continuidade de intensidade, teremos qualquer coisa deste gênero: do paralelismo pluridisciplinar ao perspectivismo e convergência interdisciplinar e, desta, ao holismo e unificação transdisciplinar. Quando tratamos de pluridisciplinaridade ou de multidisciplinaridade, estaríamos nos remetendo naquele primeiro nível que implica pôr em paralelo, estabelecer algum mínimo de coordenação. A interdisciplinaridade, pelo seu lado, já exigiria uma convergência de pontos de vista, quanto à transdisciplinaridade, ela remeteria para qualquer coisa da ordem da fusão unificadora, solução final que, conforme as circunstâncias concretas e o campo específico de aplicação, pode ser desejável ou não.

No entanto há inúmeras definições entre os principais especialistas destas questões que, digamos assim, suportam esta proposta. Outras não. Contudo, para lá de todas as diferenças e disparidades, a interdisciplinaridade é uma palavra que persiste, resiste, reaparece. O que significa que nela e por ela algo de importante se procura pensar.

O termo interdisciplinaridade é muito rico e várias noções giram em torno dele. Nas discussões interdisciplinares percebeu-se muito cedo que as ciências da educação não

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necessitavam apenas de interdisciplinaridade, mas de pluridisciplinaridade e de intradisciplinaridade.

A intradisciplinaridade é entendida nas ciências da educação como a relação interna entre a disciplina "mãe" e a disciplina "aplicada". Por exemplo, ao fazer filosofia da educação, o filósofo descobre a necessidade de uma educação da filosofia. Em outros termos, a aplicação de uma ciência "geral" à educação pode trazer um novo desenvolvimento à própria ciência "mãe". A psicologia, por exemplo, teve um enorme desenvolvimento ao tratar da educação.

Nenhuma ciência da educação pode, por exemplo, explicar completamente o comportamento de um aluno numa classe, recorrendo a um ponto de vista exclusivo. Segundo Japiassu (1976, p.73-74) a multidisciplinaridade é "a gama de disciplinas que propomos simultaneamente, mas sem fazer aparecer as relações que podem existir entre elas"; a pluridisciplinaridade é "a justaposição de diversas disciplinas situadas geralmente no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo a fazer aparecer as relações existentes entre elas"; a

interdisciplinaridade é "a axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e definida

no nível hierárquico imediatamente superior, o que introduz a noção de finalidade".

Nas ciências da educação a transdisciplinaridade é entendida como a coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinas do sistema de ensino inovado sobre a base de uma axiomática geral, ética, política e antropológica, as palavras interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, tem conotações diferentes (complementares, não antagônicas), para designar um procedimento escolar que visa à construção de um saber não fragmentado; um saber que possibilita ao aluno a relação com o mundo e consigo mesmo, uma visão de conjunto na transformação de sua própria situação com que se defronta em determinados momentos da vida.

A interdisciplinaridade está no âmago de cada disciplina. As disciplinas não são fatias do conhecimento, mas a realização da unidade do saber nas particularidades de cada uma. Falar em interdisciplinaridade significa recolocar a questão das disciplinas, a relação entre elas, a teoria, o método, a natureza e a finalidade das ciências e da própria educação.

Passando do nível das palavras ao nível das idéias, ou, se preferirem, das coisas, verifica-se que a interdisciplinaridade é um conceito que invoca-se sempre que se confronta com os limites de um território de conhecimento, sempre que se depara com uma nova disciplina cujo lugar não está ainda traçado no grande mapa dos saberes, sempre que se defronta com um daqueles problemas imensos cujo princípio de solução sabe-se exigir o concurso de múltiplas e diferentes perspectivas.

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Pombo (2003), faz uma exposição de que na verdade, o problema que pela palavra interdisciplinaridade se dá a pensar tem a ver com um fenômeno característico da ciência contemporânea. Uma clivagem, uma passagem, um deslocamento no modelo analítico de uma ciência que se construiu desde os seus primórdios como a procura de divisão de cada dificuldade no seu conjunto de elementos ínfimos, isto é, que partiu do princípio de que existe um conjunto finito de elementos constituintes e que só a análise de cada um desses elementos permite depois reconstituir o todo.

Ora, é este modelo analítico, o qual proporcionou inegáveis frutos que não podem deixar de ser reconhecidos, que se estaria a revelar hoje insuficiente. E, se isto assim é, então, caber-nos-ia a nós, cidadãos do final do século XX começo do século XXI, dar conta de uma mudança muito profunda, de uma clivagem, de um deslocamento no modo de o homem fazer ciência. Mudança que viria de forma inexorável, que se daria a ver, em torno das questões da interdisciplinaridade para as quais não temos ainda estabilidade sequer de palavras, mas que já estão aí, em cima da mesa, como questões que importa pensar.

O progresso da ciência deixou de ser pensado de forma linear devido a problemas que o positivismo histórico (pragmatismo) proporcionara como tratar-se-á a seguir.

Problemas com o Pragmatismo / Especialização e o Nascimento da Interdisciplinaridade

O problema tem muitos condimentos, mas, entre outros, ataca de frente o fenômeno da especialização, situação explosiva que, como se sabe, atingiu na segunda metade do século XX, dimensões alarmantes.

Pombo (2004) afirma que é imprescindível enfatizar que determinadas investigações científicas requerem a sua própria abertura para conhecimentos que pertencem tradicionalmente ao domínio de outras disciplinas e que somente com esta abertura é que se poderá atingir camadas mais profundas da realidade que se quer estudar.

Para Pombo (2004) a especialização do conhecimento científico é uma tendência que nada tem de acidental. Ao contrário, é condição de possibilidade do próprio progresso do conhecimento, expressão das exigências analíticas que caracterizam o programa de desenvolvimento da ciência que nos vem dos Gregos e que foi reforçado no século XVII com Descartes e Galileu, para lá das diferenças que os distinguem, eles comungam de uma mesma perspectiva metódica: dividir o objeto de estudo para estudar finamente os seus elementos constituintes e, depois, recompor o todo a partir daí.

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Assim sendo para ilustrar lançar-se-á mão da idéia do átomo, tendo em vista que constitui uma espécie de sintoma eloqüente deste programa.

Houaiss (2006), o filósofo grego Demócrito 400 a.C. afirmou que se um objeto fosse dividido em partes cada vez menores, o resultado seria pedaços tão pequenos que não seria possível dividi-los, portanto a palavra tem como origem etimológica a língua grega e significa, sem partes, sem tomos, é um a tomos, alguma coisa que já não é divisível, ou seja, com ele, chegamos ao fim, ao ponto limite. A partir de então, podemos recompor porque encontramos o ponto último da análise. Só que a ciência posterior verificou que assim não era, aquilo que se pensava simples, sem partes, atômico, veio a revelar-se como um universo abissal de multiplicidades, de complexidades ilimitadas. Desta forma, quanto mais fina é a análise, maior é a complexidade. Afinal, não tínhamos chegado a nenhum ponto atômico, a nenhum ponto último de análise a partir do qual fosse possível recomeçar o trabalho da reconstrução sintética.

Quer isto dizer que o programa ou modelo analítico está em crise? Não, isto quer dizer que ele surge hoje como insuficiente.

Esse programa, temos que o reconhecer, deu ao homem muitas e magníficas coisas, quase tudo o que temos hoje como ciência, tudo o que enquadra a nossa vida e constitui a base da nossa compreensão do mundo. Contudo temos também que estar abertos a reconhecê-lo que há muita coisa que a própria ciência produziu e que já não cabe neste programa.

Pombo (2004) externa que, apesar de necessária, a especialização foi feita à custa de grandes sacrifícios e elevados custos, tanto do ponto de vista da cultura dos homens de ciência, como do ponto de vista das novas formas de enquadramento institucional da atividade científica.

Ela levou a uma institucionalização do trabalho científico absolutamente devastadora e de que estamos hoje a sofrer as conseqüências. A ciência, como sabemos, começou por ser uma tarefa democrática, nascida na cidade grega, com os filósofos, na praça pública, num lugar de diálogo e discussão, onde era possível a argumentação.

Ora, a ciência que nasceu nessa situação democrática, visando a racionalidade dos seus resultados e, o mesmo é dizer, a universalidade daqueles que a podiam construir e entender, parece encontrar-se absolutamente liquidada nesse objetivo.

Ela surge hoje um conjunto de instituições cindidas, fragmentadas, absolutamente enclausuradas cada qual na sua especialidade, parece que a ciência é hoje uma enorme instituição, com diferentes comunidades competitivas entre si, de costas voltadas umas para as outras, grupos rivais que lutam para arranjar espaço para o seu trabalho, que competem por

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subsídios, que estabelecem entre si um regime de concorrência completamente avesso àquilo que era o ideal científico da comunicação universal.

Estamos perante algo profundamente novo. Não se trata de estabelecer que foi Newton ou que foi Leibniz quem descobriu o cálculo infinitesimal. Como é sabido, houve, aliás, uma polêmica entre ambos, nem sempre elegante, justamente sobre quem tinha sido o autor intelectual do cálculo infinitesimal. Pode-se discutir, eles próprios discutiram, mas, finalmente, temos dois grandes nomes ligados ao cálculo infinitesimal. A História da ciência está cheia desses magníficos exemplos de descoberta/invenção simultânea, bem assim como de muitas outras descobertas/invenções que estão ligadas a um só nome ilustre. Porém, tanto nuns casos como nos outros, a patente dizia respeito a um resultado freqüentemente técnico, mais ao nível das aplicações cujos proveitos econômicos visa proteger, do que das hipóteses, leis ou teorias avançadas pelos grandes gênios do passado.

De qualquer modo, um resultado cujo reconhecimento era tornado público e que, por essa razão, ficava ligado ao nome do seu autor.

Neste momento, muito antes de haver resultado, mal há uma pista de investigação, é essa pista que é imediatamente reservada, como uma espécie de território fechado onde só é permitido que trabalhem as equipes da instituição que estabeleceram a patente. E isto é qualquer coisa de abissal.

Pensemos nos laboratórios governados pelos generais, os Los Álamos, os bastiões, existentes na nossa ciência onde os, regulados por generais e, portanto, obedientes a princípios de sigilo absoluto da própria investigação, casos que ocorreram durante a guerra fria e continuam nos dias atuais.

Que outra coisa poderemos concluir senão que essa investigação é completamente contrária ao espírito científico como sempre o pensamos: dialógico, democrático, cooperativo e de vocação universal, mas como vimos, esses grandes custos e esses grandes sacrifícios fizeram-se, não só em relação às instituições, como também em relação à cultura dos homens de ciência. Ortega y Gasset, tece duras críticas sobre as conseqüências do especialismo sobre o homem de ciência, já nos anos 30 denunciava a barbárie do especialismo:

Dantes os homens podiam facilmente dividir-se em ignorantes e sábios, em mais ou menos sábios ou mais ou menos ignorantes. Mas o especialista não pode ser subsumido por nenhuma destas duas categorias. Não é um sábio porque ignora normalmente tudo quanto não entra na sua especialidade; mas também não é um ignorante porque é “um homem de ciência” e conhece muito bem a pequeníssima parcela do universo em que trabalha. Teremos de dizer que é um sábio- ignorante - coisa extremamente grave - pois significa que é um senhor que se comportará em todas as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem, na sua especialidade, é um sábio.(ORTEGA y GASSET,1929 apud POMBO,2004, p.44).

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Este diagnóstico é de fato premonitório. Não tanto por descrever uma situação de institucionalização que Ortega y Gasset obteve condições de conhecer, mas, sobretudo por apontar certeiramente os efeitos que a especialização da ciência começava então a ter, não apenas no trabalho que era feito, nas práticas da ciência normal, mas na consciência e na cultura dos homens que faziam a dita ciência.

Pombo (2004) salienta que este mesmo diagnóstico foi repetido por outros pensadores e por outras obras influentes. Há que se salientar o fato de, a partir de um certo momento, serem os próprios homens de ciência que se dão conta da gravidade das conseqüências da especialização que praticam. Uma coisa é Ortega y Gasset falar da cisão abissal entre a cultura humanística e a cultura científica, outra coisa são os próprios criadores científicos tomarem consciência da situação em que vivem e inscreverem as suas palavras contra essa situação. Por exemplo, nas palavras de Norbert Wiener, o pai da cibernética:

Há hoje poucos investigadores que se possam proclamar matemáticos ou físicos ou biólogos sem restrição. Um homem pode ser um topologista ou um acusticionista ou um coleopterista. Estará então totalmente mergulhado no jargão do seu campo, conhecerá toda a literatura e todas as ramificações desse campo mas, freqüentemente, olhará para o campo vizinho como qualquer coisa que pertence ao seu colega três portas abaixo no corredor e considerará mesmo que qualquer manifestação de interesse da sua parte corresponderia a uma indesculpável quebra de privacidade. (WIENER, 1948 apud POMBO, 2004, p.52).

Quer dizer, os próprios homens de ciência começam a sentir o absurdo da sua situação. Nas palavras de um outro célebre homem de ciência, Oppenheimer:

Hoje não só os nossos reis que não sabem matemática, mas também os nossos filósofos que não sabem matemática e para ir um pouco mais longe, são também os nossos matemáticos que não sabem matemática. Cada um deles conhece apenas um ramo do assunto, e escutam- se uns aos outros com o respeito simplesmente fraternal e honesto. (...) O conhecimento científico hoje não se traduz num enriquecimento da cultura geral. Pelo contrário, é posse de comunidades altamente especializadas, que se interessam muito por ele, que gostariam de o partilhar, que fazem esforço por o comunicar, mas não faz parte do entendimento humano comum... O que temos em comum são os simples meios pelos quais aprendemos a viver, falar e trabalhar juntos. Além disso, desenvolveram-se as disciplinas especializadas como os dedos da mão: unidas na origem mas já sem contacto algum. (OPPENHEIMER, 1955 apud POMBO, 2004 p.55)

Ora, esta situação denota a crise, que tem vindo a ser ressentida, quanto aos limites do modelo analítico, institucionalização e especialização de ciência, denúncia das suas conseqüências nefastas quer pelos homens da cultura como Ortega y Gasset, quer pelos homens de ciência como Wiener e Oppenheimer, começa a ser completamente invertida a partir dos anos 70.

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Houaiss (2006), a cibernética do grego kybernetiké, significa , condutor, governador, piloto, e trata-se do estudo da comunicação e controle das máquinas, seres vivos, e grupos sociais. Para tanto procura entender o tratamento da informação no interior destes processos como codificação e decodificação, retroação (feedback), aprendizagem etc.

Há muita discussão sobre se a cibernética é uma interciência, ou se, pelo contrário, deveria ser considerada uma interdisciplina, na medida que supõe a participação dos engenheiros, técnicos da informática, bem como a construção de modelos mecânicos, tendo como precedente a teoria de sistemas de Bertalanffy com sua tese sobre organismos vivos como sistemas.

A verdade é que, na ciência, se passa então a verificar uma curiosa décalage, ou seja, falta de equilíbrio, de estabilidade que impele a discordâncias.

Em termos institucionais, a fragmentação tende a aumentar, mas em termos conceituais e em termos de pesquisa, há inúmeras atividades e inúmeras práticas que vão no sentido da interdisciplinaridade.

Simultaneamente, começa a emergência de um conjunto de discursos que vêm fazer o elogio da interdisciplinaridade, que defendem com entusiasmo a bandeira da interdisciplinaridade. Assiste-se então a um vigoroso movimento de reorganização disciplinar e começa também a ser defendido um programa científico alternativo ao modelo analítico o qual, embora com inegáveis benefícios, tinha conduzido a ciência a esta situação. E começa mesmo a ser possível desenhar os contornos de um tal projeto.

Pombo (2004) afirma que em suma, começa a desenhar-se uma espécie de entusiasmo pelo trabalho interdisciplinar, digamos assim, em quatro frentes: a nível discursivo, a nível de reordenamento disciplinar, a nível de novas práticas de investigação e a nível do esforço de teorização dessas novas práticas.

Ressalta-se a devida atenção para a necessidade de, na história da ciência, olharmos com cuidado cada grande criador. Verificaremos que os grandes criadores o eram, ou melhor, o foram, porque justamente não se encaixavam no esquema da especialização. O que muitos autores propõem é pois uma espécie de inversão ou recolocação do nosso olhar para aquilo que foi a própria história da ciência. Sempre pensamos que ela tinha sido feita por especialização crescente, contudo se virmos com atenção, os grandes criadores científicos eram homens que tinham uma formação pluridisciplinar, homens que tinham, na sua origem, não o trabalho no interior da sua especialização, mas justamente a possibilidade de atravessar diferentes disciplinas, de cruzar diversas linguagens e diversas culturas. Vejamos uma passagem de Durand:

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Os sábios criadores do fim do século XIX e dos dez primeiros anos do século XX, esse período áureo da criação científica em que se perfilam nomes como os de Gauss, Lobochevsky, Riman, Poincaré, Becquerel, Curie, Pasteur, Max Planck, Niels Bohr, Einstein, etc., tiveram todos uma larga formação pluridisciplinar, herdeira do velho trivium (as “humanidades”) e quadrivium (os conhecimentos quantificáveis e, portanto, também a matemática) medievais, prudente e parcimoniosamente organizados pelos colégios dos jesuítas e dos frades oratórios e das pequenas escolas jansenistas do novo humanismo Lakanal. (DURAND, 1991,

apud POMBO, 2004, p.136)

Afinal, ao contrário do que poderíamos pensar, aqueles que, no final do século XIX, produziram os grandes acontecimentos e transformações científicas não foram os especialistas, ou seja, aqueles que facilmente cairiam sob a crítica feroz como, supra mencionado, de Ortega e Gasset. Ao invés, foram personagens que tinham beneficiado de uma formação universalista que as nossas escolas e universidades deixaram ultimamente de proporcionar.

Portanto a possibilidade de inovação resulta de uma formação universalista, pluridisciplinar, aberta a todas as transversalidades. Acredita-se e se aposta no trabalho da universidade e da escola como um trabalho que deve repor na ordem do dia essa formação.

Para Pombo (2004), mesmo que a ciência tenha seguido um modelo de especialização, a escola e a universidade, nomeadamente através dos seus regimes curriculares e metodologias de trabalho, devem defender perspectivas transversais e interdisciplinares. E isto porquê? Porque é da presença na consciência do investigador de várias linguagens e de várias disciplinas que pode resultar o próprio progresso científico. Ou seja, porque há uma heurística que resulta justamente dessa formação interdisciplinar. Heurística essa que comporta três interessantes determinações.

Em primeiro lugar, a questão da fecundação recíproca das disciplinas, da transferência de conceitos, de problemáticas, de métodos com vista a uma leitura mais rica da realidade.

Sabemos como grande parte da Química que hoje conhecemos seria impossível sem a Física Quântica, como os dispositivos matemáticos de Rieman foram decisivos para a Física da Relatividade, como a Biologia de Darwin é devedora da economia concorrencial de Smith e Malthus.

Destarte, é nesse sentido que, por exemplo, aquilo a que vulgarmente se chama invenção pelo acaso seria afinal resultante da irrupção súbita, ou seja, o despertar repentino na consciência do praticante de uma determinada disciplina, de uma possibilidade explicativa utilizada por uma outra disciplina que fez parte da sua formação de base, que estava lá, latente desde esse momento.

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O fato de um praticante de uma determinada ciência, no interior de uma certa prática científica, ter a possibilidade de descobrir de repente qualquer coisa é um efeito da formação alargada que teve na sua escolaridade, da presença de outras disciplinas e de outros métodos na sua consciência, algo que resulta da sua preparação, não como especialista habitado por uma obsessão monodisciplinar, mas como homem de larga formação e informação interdisciplinar. Quando há uma dessas irrupções súbitas, em geral, atribui-se ao acaso mas, no fundo, é a própria descoberta por acaso que é senão essa irrupção súbita de uma possibilidade explicativa marginal ou mesmo extrínseca à rotina disciplinar

Um primeiro nível é pois o da fecundação recíproca, que uma disciplina pode exercer sobre outra, através daquilo que, na consciência do cientista, permanece da sua formação interdisciplinar.

Um segundo elemento tem a ver com o fato de, na aproximação interdisciplinar, haver a possibilidade de se atingirem camadas mais profundas da realidade cognoscível, ou seja, passível de investigação. Uma aproximação interdisciplinar não é uma aproximação que deva ser pensada unicamente do lado do sujeito, daquele que faz a ciência. É algo que tem a ver com o próprio objeto de investigação e com a sua complexidade.

Tem a ver com o fato de o átomo não ser efetivamente a partícula mínima, é este abismo da complexidade, da abertura vertiginosa de uma realidade que afinal de contas não é atômica, que constitui o fundamento material da interdisciplinaridade. Note-se que há aqui dois elementos completamente diferentes! Um é defender a heurística da interdisciplinaridade como qualquer coisa que é da ordem do sujeito, qualquer coisa que está do lado de quem descobre, de quem produz uma novidade científica e que, tendo a ver com a sua formação multidisciplinar, tomaria a forma de uma irrupção brusca de elementos de uma disciplina no interior de uma consciência que está a trabalhar noutro campo disciplinar. Outro aspecto diz respeito ao fato de esta perspectivação interdisciplinar permitir tocar zonas do objeto de investigação que o olhar disciplinar especializado não permitia ver, mas que, justamente, se desdobram em camadas múltiplas de uma realidade abissal à nossa frente.

Finalmente, a terceira determinação da interdisciplinaridade diz respeito ao fato de, como dizem muitos pesquisadores, a própria interdisciplinaridade permitir a constituição de novos objetos do conhecimento.

Há muitos objetos do conhecimento que só podem ser constituídos como tal, justamente numa perspectiva interdisciplinar. O clima, a cidade, o trânsito, o ambiente, a cognição, são exemplos de objetos que uma única tradição disciplinar não poderia abarcar nem sequer constituir como objetos de conhecimento, isto é, que só existem como objetos de

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investigação porque, justamente, é possível pôr em comum várias perspectivas interdisciplinares mas, como vimos.

Apartir dos anos setenta, a par da emergência deste tipo de discursos de entusiasmo pela interdisciplinaridade, assisti-se, um pouco por todo o lado, e este é certamente o aspecto mais importante, ao aparecimento de um largo movimento de reordenação disciplinar, à emergência de novas práticas no interior da produção científica que claramente exploram as fronteiras dos quadros disciplinares constituídos.

Por outro lado, é notório um enorme esforço de teorização dessas experiências que ultrapassam as fronteiras disciplinares e ensaiam aproximações a um novo modelo não analítico de compreensão que se está a constituir sob os nossos olhos.

A interdisciplinaridade visa a garantir a construção de um conhecimento globalizante, rompendo com as fronteiras das disciplinas. Para isso, integrar conteúdos não seria suficiente. Seria preciso, como sustenta Fazenda (1979), uma atitude, isto é, postura interdisciplinar. Atitude de busca, envolvimento, compromisso, reciprocidade diante do conhecimento.

Apesar de não possuir definição estanque, a interdisciplinaridade precisa ser compreendida para não haver desvio na sua prática. A idéia é norteada por eixos básicos como: a intenção, a humildade, a totalidade, o respeito pelo outro etc. O que caracteriza uma prática interdisciplinar é o sentimento intencional que ela carrega. Não há interdisciplinaridade se não há intenção consciente, clara e objetiva por parte daqueles que a praticam. Não havendo intenção de um projeto, podemos dialogar, inter-relacionar, e integrar sem , no entanto estar trabalhando interdisciplinarmente.

A apreensão da atitude interdisciplinar garante, para aqueles que a praticam, um grau elevado de maturidade, Isso ocorre devido ao exercício de uma certa forma de encarar e pensar os acontecimentos. Aprende-se com a interdisciplinaridade que um fato ou solução nunca é isolado, mas sim conseqüência de muitos outros.

(FAZENDA, 2003, p.64)

Um projeto de interdisciplinaridade deve então estar imbuído da intenção consciente da necessidade de que a mesma trata-se de um projeto de vida, haja vista, que esta implica em atitude e prática.

Como se Inicia a Prática da Interdisciplinaridade

Fazenda(2003) externa que a interdisciplinaridade exige a participação do educador na construção de uma política educacional que ao invés de negar o passado e com ele suas propostas, o compreenda e reconstitua. Negar o passado seria negar a história, as conquistas através de lutas, deve-se rever o velho para torná-lo novo ou tornar novo o velho, a proposta

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é de revisão e não de reforma, esta consolida-se no intento de reconduzir a educação ao seu verdadeiro papel de formação do cidadão.

A interdisciplinaridade se desenvolveu em diversos campos e, de certo modo, contraditoriamente, até ela se especializou, caindo na armadilha das ciências que ela queria evitar. Na educação ela teve um desenvolvimento particular. Nos projetos educacionais a interdisciplinaridade se baseia em alguns princípios, entre eles:

1º Na noção de tempo: o aluno não tem tempo certo para aprender. Não existe data marcada para aprender. Ele aprende a toda hora e não apenas na sala de aula;

2º Na crença de que é o indivíduo que aprende. Então, é preciso ensinar a aprender, a estudar, etc. ao indivíduo e não a um coletivo amorfo. Portanto, uma relação direta e pessoal com a aquisição do saber;

3º Embora apreendido individualmente, o conhecimento é uma totalidade. O todo é formado pelas partes, mas não é apenas a soma das partes. É maior que as partes;

4º A criança, o jovem e o adulto aprendem quando tem um projeto de vida, e o conteúdo do ensino é significativo (Piaget) para eles no interior desse projeto. Aprendemos quando nos envolvemos com emoção e razão no processo de reprodução e criação do conhecimento. A biografia do aluno é, portanto, a base do método de construção/reconstrução do conhecimento;

5º A interdisciplinaridade é uma forma de pensar. Piaget sustentava que a

interdisciplinaridade seria uma forma de se chegar a transdisciplinaridade, etapa que não

ficaria na interação e reciprocidade entre as ciências, mas alcançaria um estágio onde não haveria mais fronteiras entre as disciplinas.

A metodologia do trabalho interdisciplinar supõe atitude e método que implica: 1º integração de conteúdos;

2º passar de uma concepção fragmentária para uma concepção unitária do conhecimento;

3º superar a dicotomia entre ensino e pesquisa, considerando o estudo e a pesquisa, a partir da contribuição das diversas ciências;

4º ensino-aprendizagem centrado numa visão de que aprendemos ao longo de toda a vida (educação permanente).

No Brasil, o conceito de interdisciplinaridade chegou, inicialmente, através do estudo da obra de Gusdorf e, posteriormente, de Piaget. O primeiro autor influenciou o pensamento de Japiassu no campo da epistemologia e Fazenda no campo da educação.

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Gadotti em sua dissertação de mestrado (1973) procura mostrar a visão antropológica da relação professor-aluno a partir da análise do livro de Gusdorf, Professores, Para quê? Dois anos depois a dissertação foi publicada pela Editora Loyola com o título Comunicação Docente. No prefácio que Gusdorf gentilmente fez para esse livro ele sustenta uma “pedagogia da unidade”, fundada na visão antropológica da “unidade do homem”.

A interdisciplinaridade é vista por Piaget sob o ângulo da epistemologia, enquanto Gusdorf a vê através da antropologia. Piaget e Gusdorf não se davam bem pessoalmente, mas havia também um motivo teórico.

Piaget afirmava que a epistemologia era suficiente para fundamentar a pedagogia e Gusdorf, ao contrário, reservava para a filosofia a tarefa de discutir os fundamentos da educação.

Mesmo com a dinâmica crescente das pesquisas sobre as práticas interdisciplinares, ainda existem, em alguns casos, uma certa confusão, entre o que vêm a ser interdisciplinaridade e a dinâmica de grupo. No Município de São Paulo, durante a gestão de Luiza Erundina (1989-1992), onde Paulo Freire foi Secretário de Educação, o termo foi utilizado pela Secretaria de Educação no chamado "Projeto Inter" que visava articular o conhecimento com a vivência comunitária e promover o trabalho coletivo e solidário.

O “Projeto Inter” acabou chamando a atenção da educadora argentina Emília Ferreiro a qual, em pleno TUCA (Teatro da Universidade Católica), afirmou que a Secretaria de Educação de São Paulo havia “politizado” a interdisciplinaridade.

Apesar de algumas críticas que poderiam ser feitas à implantação do "Projeto Inter", de indefinição de objetivos, confusão conceitual e incapacidade de responder às demandas emergentes nas escolas, a ousadia de experimentar na prática curricular a interdisciplinaridade, trouxe elementos imprescindíveis para a compreensão do seu conceito.

Na proposta da Prefeitura de São Paulo a interdisciplinaridade foi realmente revisitada. Nesse sentido, um dos maiores ganhos foi entender melhor o conceito de integração-desintegração na interdisciplinaridade.

De fato, se a interdisciplinaridade se colocou como principal desafio à tarefa de integração dos conteúdos em educação, ela não desrespeita, como ponto de partida, a fragmentação do saber ou da cultura primeira do aluno, a concepção de trabalho interdisciplinar adotada e construída ao longo desses quatro anos pressupõe um procedimento que parte da idéia de que as várias ciências deveriam contribuir para o estudo de determinados temas que orientariam todo o trabalho escolar.

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Respeita a especificidade de cada área do conhecimento, isto é, a fragmentação necessária no diálogo inteligente com o mundo e cuja gênese encontra-se na evolução histórica do desenvolvimento do conhecimento.

Nesta visão de interdisciplinaridade, ao se respeitar os fragmentos de saberes, procura-se estabelecer e compreender a relação entre uma totalização em construção a procura-ser perprocura-seguida e continuadamente a ser ampliada pela dinâmica de busca de novas partes e novas relações.

Ao invés do professor polivalente, pressupõe a colaboração integrada de diferentes especialistas que trazem a sua contribuição para a análise de determinado tema.

Torna-se notório que a integração do saber e a busca da sua totalidade, é sempre uma totalização em construção, daí a necessidade do diálogo permanente. A perspectiva da interdisciplinaridade casa-se muito bem com a pedagogia do diálogo de Paulo Freire. O conceito chegou ao final desse século com a mesma conotação positiva do início do século, isto é, como forma (método) de buscar, nas ciências, um conhecimento integral e totalizante do mundo frente à fragmentação do saber, e na educação, como forma cooperativa de trabalho para substituir procedimentos individualistas.

A ação pedagógica através da interdisciplinaridade aponta para a construção de uma escola participativa e decisiva na formação do sujeito social. O seu objetivo tornou-se a experimentação da vivência de uma realidade global, que se insere nas experiências cotidianas do aluno, do professor e do povo e que, na teoria positivista era compartimentizada e fragmentada. Articular saber, conhecimento, vivência, escola comunidade, meio ambiente, etc., tornou-se, nos últimos anos, o objetivo da interdisciplinaridade que se traduz, na prática, por um trabalho coletivo e solidário na organização da instituição de ensino.

Conclusão

Um projeto de educação interdisciplinar deverá ser marcado por uma visão geral da educação, num sentido progressista e libertador. A interdisciplinaridade deve ser entendida como conceito correlato ao de autonomia intelectual e moral. Nesse sentido a interdisciplinaridade serve-se mais do construtivismo do que serve a ele.

Considerando que o construtivismo é uma teoria da aprendizagem que entende o conhecimento como fruto da interação entre o sujeito e o meio, onde o papel do sujeito é primordial na construção do conhecimento, é possível concluir que o construtivismo tem tudo a ver com a interdisciplinaridade. Nesse sentido, a interdisciplinaridade serve-se muito mais do construtivismo do que serve a ele.

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A relação entre autonomia intelectual e interdisciplinaridade é imediata. Na teoria do conhecimento de Piaget, o sujeito não é alguém que espera que o conhecimento seja transmitido a ele por um ato de benevolência. É um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo, que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo que organiza seu mundo.

Da mesma forma o conceito de interdisciplinaridade não é unívoco. Ele também está sujeito ao conflito de interpretações. Apesar do seu enorme desenvolvimento, ele ainda não se firmou como um novo paradigma. Inclusive porque, para alguns, a interdisciplinaridade não passa de uma atitude epistemológica. Portanto, não se trataria de um novo paradigma científico.

Apesar da preocupação crescente com a interdisciplinaridade, estão surgindo sempre novas disciplinas e a especialização caminha a passos largos. Talvez isso venha a exigir cada vez mais uma atitude interdisciplinar, dando razão aqueles que defendem a interdisciplinaridade apenas como atitude.

Os marxistas, insistindo no papel da historicidade, reafirmam sua clássica teoria, resumida por Lucien Goldman (1979, p.5-6) em três teses:

1ª nunca há pontos de partida absolutamente certos, nem problemas definitivamente resolvidos;

2ª o pensamento nunca avança em linha reta, pois toda verdade parcial só assume sua verdadeira significação por seu lugar no conjunto, da mesma forma que o conjunto só pode ser conhecido pelo progresso no conhecimento das verdades parciais;

3ª a marcha do conhecimento aparece como uma perpétua oscilação entre as partes e o todo, que se devem esclarecer mutuamente.

Partindo dessas teses, a interdisciplinaridade não atingiria a sua finalidade de integrar as ciências, já que a dinâmica delas próprias implica em momentos diferentes de integração e desintegração, de "ordem-desordem" na expressão de Edgar Morin. Sem esse movimento não haveria progresso das ciências.

Gusdorf prefaciando Japiassu (1976, p.7) afirma que "o mundo em que vivemos padece de uma doença muito grave, como diariamente atesta a imprensa..." A interdisciplinaridade seria, então, a cura para a "patologia do saber".

A interdisciplinaridade para se firmar como atitude e método, não pode entrar em cena como tamanha dramaticidade. O mundo não é apenas "solidão, fragmentação, deterioração, caminho para a morte" como quer nos fazer crer o pessimismo existencialista (Kirkegaard e Heidegger). Há sim um processo dialético no qual as noções de tensão, fragmentação,

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conflito, finitude, desequilíbrio, etc. estão interligadas às noções de alegria, amor, progresso, satisfação, desejo etc.

Freire apresenta uma dialética do conhecimento, o verdadeiro diálogo que só existe no pensamento crítico, que é um pensar dinâmico que capta a realidade em seu devir, ou seja, na sua ação transformadora de se tornar o que não era antes e não se dicotomiza, não segrega, a si mesma na ação.

A conscientização é mais que uma simples tomada de consciência. Implica numa inserção crítica da pessoa conscientizada numa realidade desmistificada. Tem por objetivo a obtenção de consciência crítica. Esta inter-conscientização só é possível através do verdadeiro diálogo, ou seja, neste encontro de dos homens, mediatizados pelo mundo para pronunciá-lo, não se esgotando portanto na relação eu-tu. (FREIRE, 2006, p. 91)

Entre uma visão que enxerga a fragmentação como patologia do saber e outra que fica na simples descrição epistêmica dos processos de construção do conhecimento, temos o construtivismo crítico de Paulo Freire, que entende o conhecimento como um processo de construção e reconstrução do mundo.

Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição, um conjunto de informes a ser depositados nos educandos, mas, a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma inestruturada. (FREIRE, 2006, p. 96).

A educação para Freire é uma ação cultural para a liberdade, ou seja, é um ato de conhecimento no qual o aluno assume o papel de sujeito do conhecimento, através do diálogo com o educador.

Uma visão dialética da interdisciplinaridade, pode ser muito útil no trabalho pedagógico, porque ela nos aponta sua verdadeira natureza, nos mostra os seus obstáculos.

O conhecimento é um fenômeno multidimensional, não se deve empreender em dicotomia de pesquisa e ensino, mas compreender que a pesquisa deve estar na busca de novos conhecimentos e o ensino na socialização dos conhecimentos já obtidos. Sendo assim, a percepção fragmentária cartesiana deve ser substituída pela percepção de rede através da interdisciplinaridade.

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REFERÊNCIAS

BANDEIRA, Moniz. Do ideal socialista ao socialismo ideal: a reunificação da Alemanha. São Paulo: Ensaio, 1992.

FAZENDA, Ivani C.A. Interdisciplinaridade um projeto em parceria. São Paulo: Cortez, 1979.

FAZENDA, Ivani C.A. Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus, 2003. FREIRE, Paulo.Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

GADOTTI, Moacir(Org.). Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. São Paulo: Ática, 2005 GOLDMANN, Lucien. Dialética e Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

HOUAISS, Antonio (Ed.) Dicionário Enciclopédico Veja Larrousse. São Paulo: Abril, 2006.

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2005.

POMBO, Olga. A interdisciplinaridade como problema epistemológico e como exigência

curricular. Lisboa: Relógio D’água, 2003

Referências

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