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Erwin Panofsky e a Renascença

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Academic year: 2021

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Erwin Panofsky e a Renascença

Rogéria Olimpio dos Santos

Erwin Panofsky, um dos mais importantes historiadores da arte do século XX se tornou particularmente conhecido graças aos seus estudos de iconologia. Nascido em Hannover, Alemanha em 1892, terminou seus dias lecionando em Princeton nos Estados Unidos após ter fugido da Alemanha nazista. Panofsky graduou-se em 1914 na Universidade de Friburgo, depois de estudar em várias universidades alemãs. Alcançou notoriedade com a tese A teoria da arte em Dürer. Em 1916 casou-se com Dora Mosse, também historiadora da arte e em 1920 mudou-se para Hamburgo, onde assumiu um posto na universidade recém criada.

Em Hamburgo permaneceu até 1933, participando ativamente das atividades resultantes do acordo estabelecido entre a universidade e a família Warburg. Quando Panofsky iniciou suas atividades na universidade, Aby Warburg, estudioso da tradição clássica, criador da biblioteca que se tornaria o ‘Instituto Warburg para a ciência da cultura’, estava internado na Suiça. Fritz Saxl – historiador da arte austríaco – nesta época dirigia a biblioteca e os alunos e professores da Universidade, autorizados pela família Warburg, começaram a frequentar a biblioteca e a conduzirem uma série de conferências. A biblioteca dedicava-se ao tema do renascimento do paganismo antigo, e, durante o período em que Aby Warburg encontrava-se em tratamento médico, esta, pelas relações estabelecidas com a Universidade foi transformada em Instituto de Pesquisa. É deste contexto que Erwin Panofsky participou no período em que esteve em Hamburgo, o período em que outros estudiosos como Ernst Cassirer e Edgar Wind, atraídos pelo ambiente intelectual que se desenvolvia pela criação da Universidade e do Instituto transladaram-se para lá e integraram-se às atividades que tinham a biblioteca de Warburg como centro.

Erwin Panofsky permaneceu em Hamburgo até o ano de 1933. Desde 1931 dividia suas atividades profissionais entre Hamburgo e a cidade de Nova York. Quando os nazistas tomaram o poder, os pesquisadores do Instituto Warburg se dispersaram, Panofsky abandonou então a Alemanha e mudou-se para os Estados Unidos. Os anos que passou em Hamburgo

Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutoranda em História (UFJF). Mestre em História (UFJF). Especialista em Docência do Ensino Superior (UFRJ). Licenciada em História (CESJF). Licenciada em Educação Artística

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foram aqueles em que Ernst Cassirer publicou Filosofia das formas simbólicas (1923) e

Indivíduo e cosmos na filosofia do renascimento (1927). Essas obras resultaram dos estudos

que percebiam o Renascimento enquanto um mundo de símbolos e figuras enigmáticas. Símbolos e figuras que contribuem para analisar a estrutura mental do homem. Cassirer interessava-se particularmente pelo “mecanismo pelo qual a mente humana lê e descreve o mundo real de acordo com seus próprios esquemas representativos” (CAMPOS, 2013b: s/p.). De formação neokantiana, buscava a compreensão do pensamento moderno no ocidente.

Em 1923 Panofsky escreve com Fritz Saxl o estudo sobre a Melancolia I de Dürer dando continuidade aos seus estudos sobre o pintor alemão. Em 1924 publica Idea: a

evolução do conceito de belo, uma contribuição para a história das ideias na história da arte,

onde, inspirado por uma conferência dada por Cassirer na Biblioteca Warburg com o tema ‘A ideia do Belo nos diálogos de Platão’, examinou a história da teoria neoplatônica na arte, seguindo a evolução histórica deste conceito. A parceria com Saxl rendeu ainda outros estudos voltados para a análise da mitologia clássica na arte medieval.

Os anos vividos em Hamburgo junto ao Instituto Warburg deram a Erwin Panofsky os recursos de que ele se utilizaria para organizar o seu método de pesquisa. De Warburg aprendeu a conectar outras expressões culturais ao objeto artístico, mas distanciou-se deste ao tentar construir generalizações capazes de reduzir as linguagens a formas ideais. É o que faz em Arquitetura gótica e escolástica (1951), ao traduzir a linguagem filosófica em linguagem arquitetônica, deixou de pensar no particular, fez uma história da arte sem a obra de arte. Segundo Gombrich, esta obra “mostra-o a tentar “salvar” a tradicional ligação entre estes dois aspectos da cultura medieval, postulando um “hábito mental” adquirido nas instituições escolásticas e transportando para a prática da arquitectura” (GOMBRICH, 1994: 60-61).

Em Estudos de iconologia: temas humanísticos na arte do renascimento (1939) e

Significado nas artes visuais (1955), Panofsky escreve sobre o seu método de análise

iconológica. Este seria constituído da análise dos três níveis de significados ou temas que Panofsky percebia nas obras de arte. O primeiro consiste naquele onde as informações são percebidas em segundos, é o nível primário das formas onde a descrição é a responsável pela primeira interpretação. Neste nível o objeto da interpretação é o tema primário ou natural, aquele que constitui o mundo dos motivos artísticos. A interpretação ocorre a partir de uma descrição pré-iconográfica onde a experiência prática, ou seja, a familiaridade com os objetos e os eventos é o recurso ou elemento utilizado para essa interpretação. Panofsky associa a interpretação neste nível, à escrita da ‘história do estilo’, entendido por ele como a

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“compreensão da maneira pela qual, sob diferentes condições históricas, objetos e eventos

foram expressos pelas formas” (PANOFSKY, 2004: 65).

No segundo nível, à descrição da obra é somado um conceito, e, para que a interpretação ocorra nesse nível é necessária a análise da figuração iconográfica da obra. Para que tal ocorra faz-se necessário o conhecimento de temas específicos ou conceitos adquiridos através de fontes literárias ou tradição oral. O tema neste nível relaciona-se ao mundo das imagens, histórias e alegorias. É a ‘história dos tipos’, a da “compreensão da maneira pela qual, sob diferentes condições históricas, temas ou conceitos foram expressos por objetos e

eventos” (PANOFSKY, 2004: 65).

O terceiro nível diz respeito à interpretação, ao significado profundo, à compreensão do significado da obra. O tema neste nível insere-se no mundo dos valores simbólicos. A interpretação é iconológica e ocorre por meio da intuição sintética condicionada pela psicologia pessoal e pela weltanschauung (orientação cognitiva fundamental de um indivíduos ou de toda uma sociedade, mais do que filosofia abrange os valores fundamentais, existenciais e normativos). Neste nível busca-se a “compreensão da maneira pela qual, sob diferentes condições históricas, tendências essenciais da mente humana foram expressas por

temas e conceitos específicos” (PANOFSKY, 2004: 65).

Erwin Panofsky distingue a leitura iconográfica da iconológica, justificando que a primeira se prenderia à análise enquanto que a segunda à interpretação. O objeto de estudo da iconologia é a gênese e o significado das imagens figurativas. Busca a interação entre os tipos; a influência das ideias filosóficas, teológicas e políticas; os propósitos e inclinações dos artistas e comitentes; a relação por fim entre os conceitos inteligíveis e a forma visível que a obra assume em cada caso. O método iconológico resulta da síntese de um quadro conceitual maior em que a obra se insere.

Inspirado por Ernst Cassirer, Panofsky nos dizeres da Prof. Dra. Raquel Quinet Pifano, concebeu a obra de arte como uma substancial identidade entre as formas conscientes e as imagens do inconsciente e não como simples produto da consciência do artista. Esta autora lembra que a “exposição de um método de interpretação dos significados de temas antigos que reaparecem na arte do século XV e XVI investidos de significado diferente do original, suscitou intermináveis discussões, rendendo copiosa fortuna crítica” (PIFANO, 2013: 2). O que fez Panofsky se tornar uma leitura obrigatória para história da arte é a possibilidade entrevista no seu método de análise iconológica de pensar o percurso das imagens.

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Erwin Panofsky entende os fundamentos humanísticos baseados não numa teoria única, específica, mas numa conexão geral histórica que tem como ponto de partida a união dos conceitos de ‘humanitas’ segundo os pontos de vista da antiguidade e do medievo. Na antiguidade este termo possuía um valor positivo, era o que distinguia o homem tanto dos animais quanto dos bárbaros, o que o dotava de civilidade. Neste sentido incluem-se os valores morais cristãos e os valores morais que transformam o homem em cidadão. No medievo este conceito foi deslocado, distinguindo o homem da divindade. ‘Humanitas’ neste sentido está ligado à efemeridade da vida humana, à caducidade e fragilidade perante a perenidade divina. É desses dois conceitos que a ‘humanitas’ renascentista deriva. Marsílio Ficino e Pico della Mirandolla dedicaram-se ao trabalho de reunir num mesmo conjunto teórico essas e outras tradições, presentes no imaginário do homem europeu moderno. Seu objetivo era reunir o pensamento clássico e a tradição cristã num conjunto coerente, capaz de dar sentido à existência deste homem moderno.

Em Renascimento e Renascimentos na Arte Ocidental (1957) Panofsky estuda a arte medieval e a do Renascimento. Ao tratar da revivescência da cultura antiga Panofsky analisa a utilização por Petrarca de termos utilizados pelos teólogos, pelos Padres da Igreja encontrados nas escrituras como luz e sol em contraposição à noite e às trevas; despertar em oposição à ideia de torpor; vista ao invés de cegueira. Ao utilizar tais termos Petrarca inaugura um novo período em que o período de consolidação da Igreja è associado às trevas, enquanto que os romanos pagãos é que teriam andado na luz. Essa a leitura que revolucionou segundo Panofsky a interpretação da história.

A regeneração proposta por Petrarca era de cunho político e pressupunha uma “purificação da gramática e dicção latinas, uma ressurgência do grego e um regresso dos compiladores, comentadores e autores medievais aos antigos textos clássicos” (PANOFSKY, 1981: 30). Inspirando-se na expressão de Horácio ut pictura poesis, que traz a ideia de uma analogia entre a poesia e a pintura, as artes visuais, começando pela pintura foram inseridas no alargamento cultural, resultante da revivescência entrevista por Petrarca. Para tal, Panofsky busca em Bocaccio o elogio ao talento de Giotto, e em Filippo Villani o antecessor deste, Cimabue. Ambos – Giotto e Cimabue – buscavam a verossimilhança, perdida pelos cristãos no longo caminho militantemente trilhado pela Igreja até o seu triunfo.

Com Cimabue e Giotto, a pintura retoma a sua semelhança com a natureza, mas não ainda a sua semelhança com os clássicos. A leitura efetuada por Panofsky mostra que o regresso à natureza e o regresso à antiguidade clássica haviam ocorrido em momentos e de

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formas distintas dependendo do meio de expressão. Assim, “o regresso à natureza desempenhara um papel primordial na pintura; o regresso à antiguidade clássica desempenhara um papel igualmente primordial na arquitectura; e algo de intermédio entre estes dois extremos se passou relativamente à escultura.” (PANOFSKY, 1981, 43)

Baseado nas fontes do século XV, Panofsky define a função da pintura àquela época como não mais limitada à imitação reprodutiva da realidade, ao contrário, mostra que ela se alarga à organização racional da forma dominada pelas ‘justas proporções’ as quais eram do conhecimento dos antigos. Já a arquitetura, alargava-se à imitação re-criadora da natureza, também dominada pelas justas proporções. A diferença entre a arquitetura medieval e a clássica é que a primeira prega a humildade cristã enquanto que a segunda proclama a dignidade do homem. O conceito de proporção é o responsável por unir as artes figurativas à arquitetura. Os conceitos de invenção, composição e iluminação cumpririam a mesma função, unindo porém as artes figurativas à literatura.

Panofsky analisa ainda mais detalhadamente neste mesmo livro a renovatio carolíngia, a pintura do século XIV e seu impacto na Europa e o renascimento da antiguidade no século XV. Seguindo os passos iniciados nos anos em que pesquisava em Hamburgo no Instituto Warburg, Panofsky procura nesses outros três momentos históricos a permanência ou existência dos símbolos clássicos da antiguidade pagã, presentes nos textos clássicos. Estes foram os responsáveis pela reviscência cultural e literária que se percebe com os intelectuais que cercavam Carlos Magno. A sua leitura por Dante, Petrarca e Bocaccio se faz presente nos mesmos textos que elegem e divulgam as figuras de Cimabue e Giotto pelo retorno à natureza, à verossimilhança na imagem. E são ainda os mesmos autores que, revisitados pelos humanistas do século XV, convidam os artistas a intelectualizarem o seu fazer artístico, a elevarem-no à condição de arte liberal.

Segundo o prof. Jorge Lúcio de Campos a “novidade introduzida pela concepção artística do Quattrocento será o princípio da uniformidade e a tendência a buscar obter uma

visão globalizante do espaço” (CAMPOS, 2003: 5). A mesma visão globalizante que muda a

percepção do homem em relação ao mundo e em relação a si mesmo. Panofsky busca o pensamento capaz de explicar a leitura do mundo dos motivos artísticos, do mundo das imagens e alegorias e do mundo dos valores simbólicos através da elaboração de uma síntese que abarque todos esses mundos. E consegue encontrá-lo.

O conjunto da obra de sua vida ainda é referência para aqueles que pretendem estudar a história da arte a partir das imagens, das representações. Esse talvez o grande mérito de Aby

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Warburg: reunir em torno de si desbravadores da história cultural, que apesar de terem percorridos caminhos distintos, que se entrecruzam às vezes e se distanciam em tantas outras, criaram e demonstraram com suas pesquisas as possibilidades de se entender esse ambiente singular que é o da História da Arte.

O caminho escolhido por Erwin Panofsky busca a compreensão de como sob determinadas condições históricas objetos e eventos diversos são expressos por formas diversas; temas ou conceitos são expressos por objetos e eventos vários; tendências essenciais da mente humana são expressas por temas e conceitos específicos. A História da Arte para Panofsky é uma ciência que necessita da junção desses três exercícios de compreensão para se concretizar: a leitura do mundo dos motivos artísticos, do mundo das imagens e alegorias e do mundo dos valores simbólicos. Foi sob esta ótica que ele empreendeu seus estudos sobre a arte renascentista, buscando na literatura, nas representações artísticas que comumente eram encontradas, nas leituras alegóricas ou simbólicas que a arte trazia os percursos seguidos pelos artistas da renascença para executarem suas obras.

A leitura do mundo dos motivos artísticos, do mundo das imagens e alegorias e do mundo dos valores simbólicos no entanto, prescinde das escolhas que porventura o artista possa fazer, assim como pode ser feita sem que o ambiente de vida do artista tenha que ser necessariamente explorado pelo historiador da arte. A busca das ressonâncias perceptíveis nas obras de arte envolvendo os motivos artísticos preferencialmente trabalhados, as imagens e alegorias conhecidas e eleitas nas representações e os valores simbólicos atribuídos às imagens representadas seriam capazes de permitir a leitura historiográfica da obra de arte. Talvez o que falte seja o que Aby Warburg considerava a presença divina, o peculiar, o ‘deus’ criador dentro de cada um que se manifesta no detalhe, no singular. A presença do indivíduo tão apregoada por Jacob Burckhardt em seu ensaio sobre a cultura do Renascimento na Itália é o elemento fundador daquela civilização que gerou as obras de arte perseguidas, esquadrinhadas e analisadas minuciosamente por aqueles estudiosos que, tal como Erwin Panofsky buscaram entender a arte da Renascença italiana.

Referências bibliográficas

CAMPOS, Jorge Lúcio de. Erwin Panofsky e a questão da perspectiva. In:Espéculo. Revista

de estudiosliterarios. UniversidadComplutense de Madrid. Madrid, 2003. Disponível em:

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______. Sobre Riegl, Panofsky e Cassirer: a intencionalidade histórica da representação espacial. Disponível em: http://sincronia.cucsh.udg.mx/lcampos2.htm. Acesso em: 08 jul. 2013.

GOMBRICH, E. H. Para uma história cultural. Lisboa: Gradiva, 1994.

PANOFSKY, Erwin. Estudos de iconologia: temas humanísticos na arte do renascimento. Lisboa: Editorial Estampa, 1986.

______. Renascimento e renascimentos na arte ocidental. Porto: Editorial Presença, 1981. ______. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2004.

PIFANO, Raquel Quinet. História da arte como história das imagens: a iconologia de Erwin Panofsky. In: Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Vol. 7 Ano VII nº 3. ISSN:

1807-6971. Disponível em:

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