• Nenhum resultado encontrado

1. Candidata da 8ª turma da Formação Psicanalítica do IP/SPMS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "1. Candidata da 8ª turma da Formação Psicanalítica do IP/SPMS"

Copied!
9
0
0

Texto

(1)

NAS TEIAS DA PULSÃO DE MORTE

DENISE FERNANDES VASCONCELOS¹

Trabalho Apresentado na XIII Jornada de Candidatos do Instituto de Psicanálise da SPMS

Sociedade Psicanalítica de Mato Grosso do Sul

1. Candidata da 8ª turma da Formação Psicanalítica do IP/SPMS denisefv@uol.com.br

(2)

Ao pensar no trabalho desta jornada, “Eros e Thanatos: reflexões na atualidade”, deparei-me com um assunto bastante complexo, já que para definir a Pulsão de Morte - Thanatos, Freud valeu-se de conceitos e argumentações posteriormente muito questionados pelos teóricos que o acompanhavam e também pelos que, depois dele, vieram a pesquisar e enriquecer os estudos psicanalíticos.

Como sempre, ou como tenho feito até aqui, pensei na arte e na forma como esta auxilia e colore o campo da psicanálise, encontrando metáforas e paralelos que auxiliam sua compreensão. Encontrei então, na aranha de Louise Bourgeois, que ela denomina Maman (mamãe), um bom motivo para escrever sobre o tema e no que esta sua obra representa.

Apresento-lhes Maman:

A título de informação, Louise Bourgeois foi uma artista plástica nascida na França em 1911 que, aos 40 anos, tornou-se cidadã americana. Bourgeois passou pela pintura e pela gravura, mas se destacou pelas esculturas, principalmente as aranhas. Submeteu-se à psicanálise e sua arte se desenvolveu em paralelo ao processo psicanalítico, trazendo muitas representações de suas descobertas no divã. Ela morreu aos 99 anos, em 2010.

(3)

Perguntei-me qual teria sido a razão para que a artista denominasse Maman, uma aranha enorme.

Tentando responder a esta questão, apresento o mito de Aracne:

Atená, filha querida de Zeus, nascida da cabeça do pai, já vestida e armada para a guerra, era considerada a deusa mãe que, entre outras competências, presidia as artes, a literatura e as atividades do espírito. Como obreira, coordenava o trabalho feminino da fiação, tecelagem e bordado, que é onde se desentende com Aracne, bela jovem que bordava e tecia com perfeição, mas nada tinha de modesta, a ponto de desafiar Atená a uma competição pública, embora tivesse sido desaconselhada a fazê-lo. Atená apresentou uma tapeçaria dos deuses do Olimpo em lindo colorido, Aracne desenhou histórias pouco decorosas dos amores dos imortais, principalmente Zeus. Seu trabalho ficou perfeito e Atená, irritada, vendo-se vencida ou pelo menos igualada em sua arte a uma simples mortal, cujo trabalho possuía, inclusive, um conteúdo pouco respeitoso, destruiu o trabalho da rival e ainda feriu-a com uma naveta (lançadeira de máquina de costura). Aracne, insultada e humilhada, tentou enforcar-se, mas Atená não o permitiu e transformou-a em uma aranha, condenada a tecer pelo resto da vida. (BRANDÃO 1992).

Continuando a apresentação da simbologia ligada à aranha, Chevalier e Gheerbrant (2015) trazem interpretações variadas, conforme o povo de procedência. Ela é considerada a criadora cósmica, divindade superior, ou mesmo o demiurgo que para Platão é o artesão divino -.ocupando, neste caso, a função de intercessora entre a divindade e o homem, como na punição de Aracne por Atena. Para outros povos ela é o símbolo do deus infernal, uma forma de alma que escapou do corpo durante o sono.

De acordo com Beaudoim, citado por Chevalier (2015), para o psicanalista a interioridade da aranha ameaçadora no centro de sua teia, simboliza a introversão e o narcisismo, a absorção do ser pelo seu próprio centro. Porém, a imagem de uma aranha balançando na extremidade de um fio de sua teia, onde ela parece estar tentando subir, traz um conteúdo sexual latente (o balançar).

Ainda conforme Chevalier (2015), na religião a teia da aranha é citada na Bíblia e no Corão como símbolo da fragilidade, evocando uma realidade de aparência ilusória, enganadora porque efêmera.

(4)

Em sua representação, encontramos a ambivalência que também caracteriza a psicanálise, pois ela evoca, para algumas civilizações, uma realidade ilusória, por ser “vazia de ser”, etérea, enquanto para outras representa a existência verdadeira, a manifestação da essência.

Em nossa civilização ocidental, pode-se encontrar a aranha como representação da genitália feminina, sendo utilizada a expressão “colocar as aranhas pra brigar” uma forma de referir-se ao ato sexual entre mulheres homossexuais.

Entendo que a aranha da mitologia, Aracne transformada, condenada a tecer sua teia infinitamente, fala sobre o mecanismo de compulsão à repetição: ela deverá tecer pelo resto da vida como penitência por ter desafiado uma deusa.

Para esclarecer o mecanismo de compulsão à repetição, me reportei ao texto de Freud “O Estranho” (1919), no qual o autor apresenta o termo “estranho” como algo da área da estética, relacionado às qualidades do sentir e que evoca o que é assustador, provoca medo e horror, mas que, ao mesmo tempo, remete ao que é conhecido e até familiar. Freud chega a esta conclusão depois de vasta investigação sobre o uso linguístico do termo heimisch, que, coincidindo com o funcionamento mental, que é regido por leis antagônicas, apresenta sentido ambíguo e coincide com seu oposto unheimlich (estranho).

Marques Soares (1995), a partir do texto de Freud (1919), esclarece que o que causa a estranheza é a iminência do retorno de um material, um desejo ou crença infantil, reprimido pela censura, independentemente do fato de se saber se o que é estranho era, em sua origem, assustador ou trazia outro afeto. A estranheza é acionada também na indistinção entre realidade e fantasia. O estranho é algo familiar, presente na mente há muito e alienado dela pela repressão.

Marques Soares (1995) diz também:

As experiências que despertam a sensação de estranheza, embora nem sempre distintas entre si, correspondem a:

- aquelas ligadas aos complexos infantis – fantasias de complexo de castração, de estar no útero, relacionadas com o órgão sexual feminino, etc. A estranheza é provocada pelo retorno do reprimido, prevalecendo a realidade psíquica;

- e aquelas nas quais encontramos a onipotência dos pensamentos, a pronta realização dos desejos, a magia, a superstição, os poderes secretos, as sensações diante da loucura e o retorno dos mortos. A estranheza

(5)

provém da confirmação, na realidade objetiva, daquelas crenças da concepção animista do universo, que um dia foram superadas”.

Essa mesma compulsão à repetição é relacionada por Freud (1920), em seu texto “Além do Princípio do Prazer”, à Pulsão de Morte, compulsão esta que seria um sinal demoníaco, independente do princípio do prazer e até oposto a ele.

Nesse mesmo texto Freud, na tentativa de entender o funcionamento da mente, identifica a existência no aparelho psíquico, de duas pulsões, coexistentes: a Pulsão de Vida e a Pulsão de Morte.

A Pulsão de Vida, de acordo com Laplanche e Pontalis (2010), seria regido pelo princípio do prazer, mas regulado pelo princípio de realidade, e responsável pela perpetuação do eu e da espécie humana.

A Pulsão de Morte, ainda de acordo Laplanche e Pontalis (2010), viria se contrapor à pulsão de vida e tenderia à redução completa das tensões geradas pelas energias do aparelho psíquico, sedentas de descarga que, se satisfeita, levaria à descarga total da energia, reduzindo o ser humano a um estado anorgânico. Seria voltada, de início, para o interior, em uma tendência à autodestruição e, posteriormente, dirigida ao exterior, e manifestada na forma de pulsão de agressão ou destruição.

Para conceituar um pouco mais a pulsão de morte, Roudinesco (2016), ao escrever sobre a vida e a obra de Freud, cita que este não conseguia explicar um fenômeno presente em alguns pacientes que permaneciam refratários ao tratamento, piorando em vez de melhorar. Em sua impressão essas pessoas eram perseguidas por uma sina, como se houvesse algo de demoníaco em suas vivências, como se, inconscientemente, obedecessem a uma compulsão à repetição, capaz de levá-los a uma total destruição. Além dessa constatação, Freud deduzia que a morte é a finalidade da vida e que as pulsões de vida apenas prolongariam o percurso até a morte e que ... “a pulsão de morte estava a tal ponto enraizada no inconsciente que condenava o sujeito a jamais livrar-se dela” (ROUDINESCO, 2016 p. 257). Mas, em seu oposto dizia ser inaceitável supor que a vida seria apenas a preparação para a morte, concluindo que, por mais poderosas que fossem as pulsões de morte, seu limite estaria na reprodução da vida além da morte.

A pesquisa de Freud acerca desse assunto não se finaliza neste ponto, mesmo porque a resposta de muitos teóricos da psicanálise foi a não aceitação de tal conceito, qual seja, a pulsão de morte.

(6)

Deixando de lado as controvérsias em relação à pulsão de morte, ao relacionar a aranha de Louise Bourgeois denominada Maman ao conteúdo teórico apresentado acima, somos levados a inúmeros pensamentos:

A primeira reação que uma aranha provoca costuma ser medo, estranhamento, repulsa, porém, quando nos aproximamos um pouco, podemos perceber a delicadeza de sua construção e somos tomados pelo fascínio que sua “arte” provoca: uma teia fina, delicada, quase etérea. Impõe-se a dualidade: essa mesma teia pode conter ou aprisionar; ela propicia proteção e alimento à sua prole, mas pode paralisá-la, submetê-la, torná-la dependente.

No caso de Bourgeois, de acordo com o que descreve Donald Kuspit (2011), essa mãe aranha representada na escultura, promoveu a proteção, mas também o aprisionamento de sua filha, pois Bourgeois estaria casada com a mãe e fisicamente ligada ao seu corpo, identificada com ela como competente tecelã com a qual estabeleceu uma relação de competição na tentativa de ser melhor tecelã que ela. Bourgeois passa a vida tentando superá-la nessa atividade. A mãe é seu objeto primário, tal como o indicam sua equiparação e representação como aranha em Maman, 1999, entre outras esculturas em forma de aranha. Kuspit (2011) diz ainda:

(...) Bourgeois se pensava como aranha, como evidenciam simbolicamente suas esculturas gigantes de aranha. Para ela, a artista é uma aranha fêmea que tece teias astutamente, às vezes rudimentares, às vezes elegantes, a fim de enlaçar o espectador macho e devorá-lo, como inseto morto (Kuspit, 2011 p.126).

Para Bourgeois, a aranha é o retrato de sua mãe e seu autoretrato, ambas representadas em uma só figura e, ao escrever sobre a mãe, Bourgeois declara com raiva e tristeza, que “não estava à altura” da “competência” dela, o que a “exasperava”, ameaçava e “impelia à violência” (Kuspit, 2011, p. 133).

Kuspit também sugere que, inconscientemente, ela esperava que sua mãe voltasse para ela, como se o luto artístico pela mãe pudesse trazê-la de volta do submundo dos desaparecidos. A mãe de Bourgeois morreu quando ela tinha 21anos, ainda imatura e sem clareza sobre o que queria fazer da vida. Bourgeois deu à mãe a pós-vida da arte, mas permaneceu profundamente dependente dela, a mãe nunca saiu de seu coração e de sua mente.

(7)

Agora, pensando neste trabalho, na dualidade existente no conceito das pulsões de vida e de morte em seu caminhar conjunto e na teoria psicanalítica que conheço até aqui, acredito que, a compulsão à repetição pode ser instrumento dessas duas pulsões. Se ela representa o sofrimento sem fim, de repetir as experiências da dor, ela também pode representar uma nova oportunidade de transformar o que se apresenta como mortal, em vida, como vemos na clínica da psicanálise, no momento em que um conteúdo recebe uma nova significação e deixa de ser repetido ad infinitum, trazendo o sopro da vida.

Embora Beougeois tenha repetido muitas vezes a escultura da aranha, resta saber se ela conseguiu fazer as pazes com essa mãe que a acompanhou por toda sua vida, livrar-se da compulsão à repetição ou fazê-la trabalhar a favor da pulsão de vida. Aí fica uma questão impossível de responder, mas que um de seus escritos fornece uma possibilidade de resposta:

Bourgeois escreve no verso de um convite para uma exposição de seu trabalho, datado de 1947:

Sei que não percebe

que estou falando com você sei que não ouve

minha voz e que não conhece minhas 2 línguas o francês e o inglês porque seria demais para você entender todas as

línguas de todos os países mas sei que vai en- tender minha estátua, porque ela não faz barulho, ela não te perturba, ela não cheira mal, não é

(8)

possível que ela te incomode nem te ofenda –

Se faço uma, duas, três, quatro estátuas numa série é porque

preciso me repetir, para ter certeza de que minha mensagem chega até você, se você quiser dez, eu farei dez, cem

até o infinito não me cansarei nunca, teremos um

amontoado de

estátuas como os grãos de areia na praia

Você não precisa

me eleger, mas não me abandone é só isso que

peço não se zangue não me mate por engano vou continuar trabalhando para você, mesmo se você me pedir que tome conta

de meus irmãos e de minha irmã Por você vou deixar que eles me encham o saco. Juro que não lhes farei nenhum mal – não posso te oferecer mais que isso!

(9)

BIBLIOGRAFIA

Bourgeois, Louise. O retorno do desejo proibido: escritos psicanalíticos. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2011. 176 p. Catálogo de exposição, de 07 de julho a 28 de agosto de 2011, Instituto Tomie Ohtake.

Brandão, J.S. (1992) – Mitologia Grega. V. 12ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. Freud, S. (1919) – O Estranho. In Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Trad. J. Salomão. Vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Freud, S. (1920) – Além do princípio do prazer. In Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. J. Salomão. Vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago,1996.

Laplanche J. e Pontalis (2001) – Vocabulário da psicanálise/ Laplanche e Pontalis, sob a direção de Daniel Lagache; tradução de Pedro Tamen – 4ª ed – São Paulo: Martins Fontes. Título original: Vocabulaire de La psychanalyse.

Marques Soares, M. F. (1995) – O estranho de Freud e de todos nós – Monografia para obtenção de título de Psicanalista, do Núcleo Psicanalítico de Mato Grosso do Sul da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro.

Roudinesco, E. (2016) – Sigmund Fred: na sua época e em nosso tempo. Tradução: André Telles. Rio de Janeiro: Zahar.

Kuspit, D. (2011) – Simbolização da perda e do conflito: o processo psicanalítico na arte de Louise Bourgeois. In: Catálogo da exposição: Louise Bourgeois: o retorno do desejo proibido. São Paulo: Instituto Tomie Otake.

Referências

Documentos relacionados

1) Numa primeira etapa, é realizada a revisão da bibliografia e a revisão das pesquisas sobre a Turbina Francis GAMM, realizadas por diferentes pesquisadores, com o objetivo de

O primeiro usuário cadastrado e somente ele terá prerrogativas de administrador do sistema. Diferentemente dos demais, ele terá acesso aos módulos de cadastro

A aplicação de parafina em raízes de mandioca tem sido eficiente para prolongar o seu período de conservação.. Este efeito é atribuído à diminuição da permeabilidade ao

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

No processo da produção da tinta, foi utilizado o pó de carbono (pó de grafite), que apresenta baixo custo e facilidade de se encontrar no mercado, e um verniz

A pouca atenção dada aos princípios de uma boa incisão leva, como no caso clínico descrito anteriormente (onde a incisão foi feita sobre a fístula presente durante a

Cada qual a seu modo, com caraterísticas organizacionais diferentes, CCIR, CONIC, REJU e Koinonia são quatro entidades ecumênicas que vêm tendo certo destaque no país em

Prestadores Prestadores Ciclo de Debates Ciclo de Debates GV Sa GV Sa ú ú de de 18.outubro.2006 18.outubro.2006 1. Aç ções SulAm ões SulAmé érica rica - - Curto/Mé