TRATAMENTO DAS FORMAS SEVERAS DE MIASTENIA PELO ACTH
POR VIA INTRAVENOSA
JOSÉ L A M A R T I N E DE ASSIS *
A miastenia é caracterizada por fatigabilidade anormalmente rápida
dos músculos sob ação dos controles voluntário e automático, seguida de
volta da força, pelo menos em parte, depois de período de repouso. Os
conhecimentos básicos sobre a fisiologia e fisiopatologia devem-se a L o e w i4 7
e Dale 1 9
>
2 0, que mostraram, em 1932, a importância da acetilcolina na
transmissão dos impulsos nervosos. A partir de 1935 as técnicas
eletro-miográficas4 6 e ergográficas8 foram utilizadas para esclarecer o bloqueio
da junção neuromuscular, quer no que concerne às suas características
7-
3 5,
quer quanto à sua origem e mecanismo 2 8
>
3 G' 4 0
>
5 9.
Em 1934, com Mary Walker 9 7
>
9 8 foi iniciada a era moderna dotra-tamento da miastenia, primeiro com a eserina (fisostigmina) e, depois, com
a prostigmina, muito menos tóxica e melhor tolerada. Desde então o
prog-nóstico se modificou e numerosos trabalhos confirmaram a ação
anticolines-terásica da Prostigmina; esta ação é de tal ordem que Viets e S c h w a b9 6
salientaram, em 1935, o valor da droga como teste para o diagnóstico da
doença.
Em 1939 Blalock e col.6 mostraram que a remoção cirúrgica de tumor
do timo era seguida de remissão dos sintomas miastênicos. Keynes 4 3
,
Simp-s o n7 4 e Eaton e Clagett 2 5
-
2 6 trouxeram importantes contribuições para aavaliação e indicação da timectomia.
No decênio 1940-1950 quatro compostos fosforados foram utilizados por
terem mostrado potente ação anticolinesterásica: o di-isopropilfluorofosfato
( D F P V
7, o tetraetilpirofosfato ( T E P P )
3\ a octametilpirofosforamida ( O M
-P A )
6 2.
7 2 e o hexaetiltetrafosfato ( H E T P )1 0 0; infelizmente os limites entre
os efeitos terapêuticos e os tóxicos são tão estreitos que tornam perigoso o
emprego destes compostos5 5. A partir de 1948 foram feitas as primeiras
tentativas de tratamento com os hormônios adrenocorticotrópicos e
corticos-teróides; S o f f e r
7 7, Millikan e E a t o n
4 9, Schlezinger
6 7, Torda e W o l f f
9 3e
Gvob e H a r v e y
3 2 obtiveram algum sucesso com o emprego do A C T H e dacortisona.
Neste último decênio apareceram novas drogas de potente ação
anti-colinesterásica, de fácil manuseio e com poucos efeitos tóxicos e/ou
cola-T r a b a l h o da C l í n i c a N e u r o l ó g i c a d a F a c . M e d . da U n i v . de S ã o P a u l o ( P r o f . A . T o l o s a ) , a p r e s e n t a d o à A c a d e m i a de M e d i c i n a d e S ã o P a u l o .
terais: salientam-se o brometo de mestinon ou Piridostigmina 8 0
>
1 0 3(dime-tilcarbamato de 3-hidroxi-l-metilpirídio), o Mytelaze ou cloreto de mysuran
(WIN-8077) ou Ambenoniun fi9.,J9, o Tensilon 1 0
° .
1 0 2 (cloreto de3-hidroxifenil-dimetilamônio), este último usado por Osserman e c o l .
5 4,
5 6como teste
para o diagnóstico rápido de miastenia. Estão em fase experimental as
drogas BC, isto é, as formas bis de Prostigmina e do Mestinon: B C - 4 0
5 8(bis-Prostigmina) e B C - 5 1
5 8 (bis-Mestinon).Finalmente, têm sido ensaiadas drogas capazes de reativar uma enzima
inibidora da colinesterase (oximas
3 3>
3 4) , dentre as quais salientam-se duas:
a P A M (piridina-2-aldoxima) e a D A M (diacetil-monoxima), que poderão
resolver melhor o problema terapêutico das crises colinérgicas, anulando os
efeitos tóxicos dos compostos amoniacais quaternários (Prostigmina,
Mesti-non, Mytelaze, BC-40 e BC-51).
Bases bioquímicas do tratamento da miastenia pelo ACTH — A
acetil-colina é um mediador químico de grande importância no tecido nervoso,,
matendo relações estreitas com a condução nervosa, atuando sobre os
fe-nômenos intracelulares de polarização e despolarização 3> 2 2
>
5 0. Nos
fenô-menos metabólicos da acetilcolina intervêm duas enzimas importantes — a
colinacetilase e a colinesterase
4 5>
6 1 — a primeira esterificante e a segundahidrolisante.
O metabolismo da acetilcolina apresenta interrelações importantes com
outros sistemas metabólicos que fornecem energia, pois sua síntese é
endo-energética. Duas são as substâncias básicas da síntese desse produto: o
ácido acético e a colina. A colina deriva de certos aminoácidos como a
glicola que, por fenômenos de condensação com ácido fórmico em presença
de certas enzimas, dá a serina que, descarboxilada, produz a etanolamina,.
a qual, metilada pela metionina e fermentos ainda não isolados, dá origem
à colina. O ácido acético entra num sistema enzimático importante: pela
ação do A T P (trifosfato de adenosina) reage com a coenzima A ( C o A ) ,
dando o acetil-coenzima A ou ácido acético ativado; este, em presença da
colinacetilase e dos iontes magnésio, potássio e cálcio, reage com a colina
Parece que o A C T H tem ação na síntese da acetilcolina pela ativação
da colinacetilase
8 7>
8 8. Uma vez formada, a acetilcolina sofre a ação de um
fermento hidrolisante, a colinesterase, originando ácido acético e colina.
Bases fisiopatológicas do tratamento da miastenia pelo ACTH — O
me-canismo exato dos efeitos benéficos do A C T H na miastenia ainda não é
co-nhecido. Com base nos trabalhos de Torda e Wolff 8 3
>
8 9, a causa imediatada doença seria a diminuição da síntese da acetilcolina, pois o A C T H
au-menta a síntese da acetilcolina in vivo e in vitro
8 3>
9° .
9 4; parece que o A C T H
atua ativando a colinacetilase8 8. Está provado, também, que o A C T H é
capaz de modificar a transmissão neuromuscular; nos animais
hipofisectomi-zados 9 2
>
9 4, a capacidade de contração muscular diminui, o eletromiograma
se altera e se aproxima muito do observado em pacientes com miastenia, há
diminuição da amplitude do potencial de ação do músculo, diminuição da
síntese da acetilcolina, além de hipertrofia do timo e do tecido linfóide em
geral; em tais circunstâncias a administração do A C T H regulariza a função
neuromuscular e aumenta a síntese da acetilcolina
3 9.
8 : )-
9° .
9 1•
9 4. A patologia
demonstra, também, a possível ação do A C T H na contração muscular, pela
coexistência de casos de miastenia grave com lesões associadas da
hipó-fise 5 3
-
1 0 6.
Também deve ser salientado que o aumento dos órgãos linfóides em
geral e do timo em particular, encarados como massas de tecidos
hiperfun-cionantes, é capaz de diminuir a síntese da acetilcolina. Hoje não se
con-testa a relação entre timo e miastenia, em que pese o pouco conhecimento
sobre as funções desta glândula e do modo pelo qual ela influi no
apareci-mento ou na agravação da síndrome miastênica.
A alteração histológica mais constante do timo na miastenia é a
hiper-plasia linfóide associada ao menor grau de involução do órgão
5<
5 1>
5 3. O timo
cresce até a puberdade quando atinge o seu maior peso e, depois, involui.
Nos pacientes com miastenia não há involução do timo, ou ela é retardada;
às vezes há modificação estrutural no sentido de hiperplasia ou de tumor
(timoma), o que pode coincidir com agravação do quadro miastênico 5
>
5 1.
Torda e Wolff
8 5>
8 9mostraram, em animais, que injeções de extrato de
timo inibem a síntese da acetilcolina; também foi demonstrado que
extra-tos de timo de pacientes com miastenia diminuem de modo sensível a
sín-tese da acetilcolina. Pesquisas recentes 5 9
«
1 0 4 confirmam a possibilidade dotimo elaborar uma substância responsável pelo bloqueio da junção
neuro-muscular na miastenia. Estes efeitos inibidores foram observados não só
com os extratos de timo como também com os extratos de músculos
es-triados e de nódulos linfóides 5 9
« 8 5> 8 9
>
1 0 4 e com o soro sangüíneo8 4 depa-cientes miastênicos. Esta ação inibidora atuaria diminuindo a síntese da
acetilcolina 8 5
.
8 9.Outro fato que precisa ser salientado é que a extrema involução do
timo, determinada por infecções sistêmicas agudas e outras afecções ou por
fatores não específicos, tem sido considerada como expressão do "fenômeno
stress" 7 1 no sentido de reação contra a doença. Se na miastenia a
involu-ção do timo não se processa ou é retardada, isto significa que a reainvolu-ção
contra a doença é menor, talvez dependendo, em parte, de insuficiência
supra-renal relativa, independente de lesão primária das glândulas
supra-re-nais 4 2
>
7 1. A involução aguda do timo, que começa algumas horas ou
al-guns dias após a ação do fator desencadeante, se caracteriza por rápida
regressão dos elementos linfóides, especialmente da camada cortical. Fato
curioso é que esta involução não ocorre, mesmo em face dos agentes
desen-cadeantes, na falta do tecido cortical supra-renal; nestas condições, tal como
acontece nos animais hipofisectomizados
9 2>
9 4, vai haver aumento de volume
do timo e diminuição da capacidade de contração dos músculos
esqueléti-cos 4 2
>
7 1. A administração do A C T H promove a involução do timo e do
tecido linfóide em geral 2 4> 8 2
>
9 1 e corrige a insuficiência supra-renal 4 2>
7 1, com
o que concorre, indiretamente, para aumentar a síntese da a c e t i l c o l i n a
8 8'
9 1.
Bases anátomo-patológicas para o tratamento da miastenia pelo ACTH
— Se o sistema nervoso dos pacientes com miastenia grave não apresenta
comprometimento que justifique o emprego do A C T H em seu tratamento,
pois na maioria das vezes não se encontram lesões neurológicas6 5, as
alte-rações histológicas do timo, dos músculos estriados e do coração
fundamen-tam, em muitos casos, a tentativa terapêutica mediante o emprego desse
hormônio. Como foi referido, a maioria dos miastênicos apresenta
hiperpla-sia do tecido linfóide em geral e do timo em particular. O A C T H promove
a redução da massa desses tecidos, atuando particularmente sobre os
linfó-citos 2 4
>
8 2.
9 1.
De acordo com vários autores 5 3
, cerca de 50% dos pacientes com
mias-tenia apresentam lesões dos músculos estriados; as alterações histológicas
vão desde as clássicas "linforragias" até as necroses focais ou difusas,
acom-panhadas de reação inflamatória aguda ou crônica
9>
6 5. Russell
6 6admite
que as "linforragias" e outras lesões dos músculos estriados tenham relação
com as alterações do timo, sendo classificadas em três tipos: o tipo 1 se
caracteriza por necrose aguda coagulante da fibra muscular precedida de
edema, intensa eosinofilia do sarcoplasma e perda dos seus núcleos e da
estriação cruzada, pronunciado exsudato inflamatório na fibra e ao seu
redor, com macrófagos, linfócitos, células plasmáticas e, às vezes,
predomí-nio dos polimorfonucleares neutrófilos; o tipo 2, encontrável em todos os
casos, compreende as "linforragias", com degeneração e atrofia das fibras
musculares; o tipo 3 consiste em alterações focais com edema e eosinofilia
do sarcoplasma sem perda de estriação e sem reação inflamatória, havendo
atrofia subseqüente da fibra muscular.
Russell considera as lesões dos tipos 1 e 2 como específicas da
miaste-nia grave. Os três tipos de lesões podem ocorrer de modo isolado ou em
qualquer combinação, e sua patogenia não é conhecida. É de notar que as
"linforragias" são encontradas, também, na artrite reumatóide,
predominan-do, nesta última afecção, nos músculos estriados que podem ser sede de
necroses e outras alterações histológicas descritas no tipo 1 da miastenia
grave. Vários autores 2 9
>
7 8 salientam a semelhança destas lesões com asobservadas na dermatomiosite e esclerodermia, pelo menos em certas fases
da evolução. Recentemente alguns autores 1 4
-
1 5 mostraram a existência deanomalias na arborização dos axônios terminais da junção neuromuscular
em pacientes miastênicos, algumas específicas — placas displásicas — e
ou-tras não específicas — placas distróficas — estas últimas também
encon-tradas na distrofia muscular progressiva e nas polimiosites. Estudos
histo-químicos mais recentes
l f i>
4 4não mostraram alterações das taxas de
colines-terase nos músculos normais e miastênicos, o que dá mais ênfase às lesões
anátomo-patológicas acima referidas.
O miocárdio pode ser sede das mesmas lesões 4> 2 9
<
6 4: densos acúmulos
de linfócitos no pericárdio e endocardio, degeneração das fibras musculares,
acúmulos de células, predominantemente de linfócitos, no tecido intersticial
e em torno dos pequenos vasos, com degeneração das fibras adjacentes,
edema e áreas de necrose. Estas lesões podem acarretar o aparecimento
de sinais e sintomas clínicos de sofrimento do miocárdio, desde a
taquicar-dia até a insuficiência cardíaca congestiva.
Em conclusão, do ponto de vista anátomo-patológico salientam-se, na
miastenia grave, os seguintes fatos: 1) existência nos músculos, nas
vísce-ras e no coração de lesões de tipo infiltrativo-celular (linforragias) com
exsudato e edema, promovendo a degeneração das fibras adjacentes; 2)
semelhança destas lesões com as encontradas na dermatomiosite; 3)
possi-bilidade de evolução para lesões irreversíveis; 4) anomalias na arborização
dos axônios terminais da junção neuromuscular, algumas específicas e
ou-tras não específicas, sendo que estas últimas foram encontradas também
nas polimiosites.
Estas lesões anátomo-patológicas justificam o uso do A C T H para o
tratamento da miastenia grave, seja em face das características
histopato-lógicas, seja pela semelhança com as da dermatomiosite, da esclerodermia
e da artrite reumatóide, em que os hormônios glicocorticóides têm indicação
pela ação específica inibidora que exercem sobre os elementos linfóides.
M É T O D O E M A T E R I A L
Método — O t r a t a m e n t o f u n d a m e n t a l foi feito pelo hormônio adrenocorticotró-pieo ( A C T H " A r m o u r " e Cortrofina " O r g a n o n " ) na dose de 2,5 a 25 m g , sempre pela v i a intravenosa, diluídos em 250 a 1.000 ml de soluto glicosado a 5%, a d m i -nistrado g o t a a gota, na velocidade média de 20 g ô t a s / m i n u t o , d u r a n t e 8 horas.
E m g e r a l , nos primeiros dias de t r a t a m e n t o , o hormônio e r a diluído em 1.000 ml de soluto. C o m o medicação associada foi a d m i n i s t r a d a P r o s t i g m i n a a todos os p a -cientes, substituída, depois, em a l g u n s casos, péla M y t e l a z e : a p r i m e i r a foi usada pelas vias oral ou p a r e n t e r a l e a última somente pela v i a oral. C o m o medicamen-tos a d j u v a n t e s f o r a m usados o cloreto de potássio nas doses de 2 a 8 g por dia e o sulfato de efedrina nas doses de 25 m g três vezes ao dia, a m b o s pela v i a oral. Os pacientes f o r a m mantidos em regime hiperprotéico e acloretado, sendo tomados todos os cuidados inerentes ao uso dos glicocorticóides.
A e v o l u ç ã o foi a c o m p a n h a d a do ponto de vista clínico, sendo a sintomatologia classificada em 4 g r a u s :
1) Sintomatologia muito acentuada, nos casos em que os enfermos ficam imo-bilizados no leito, com p a r a l i s i a acometendo t a m b é m os músculos dependentes dos nervos cranianos e com insuficiência r e s p i r a t ó r i a ; estes sintomas não respondem às d r o g a s anticolinesterásicas.
2) Sintomatologia acentuada, c a r a c t e r i z a d a por impossibilidade do doente a n -dar, de ficar de pé, ou de sentar-se no leito sem auxilio, com paresia a c e n t u a d a dos territórios m u s c u l a r e s dependentes dos nervos cranianos; impossibilidade de erg u e r a cabeça do travesseiro e p r o v a s deficitárias positivas p a r a os q u a t r o m e m -bros; possibilidade de crises respiratórias. Os sintomas n ã o respondem às d r o g a s anticolinesterásicas ou são muito pouco influenciados por elas.
3) Sintomatologia média em que a posição de pé e a d e a m b u l a ç ã o são a i n d a possíveis e m b o r a dificultadas pela f a d i g a r á p i d a ; dificuldade p a r a se l e v a n t a r do leito; comprometimento menos acentuado do território m u s c u l a r dos nervos c r a n i a -nos, permitindo o fechamento das p á l p e b r a s ( e m b o r a de modo fraco e incompleto) e sendo possível a deglutição de alimentos líquidos e semilíquidos; as p r o v a s defi-citárias só são positivas após esforço; não h á crises respiratórias; os sintomas são pouco influenciados pelas d r o g a s anticolinesterásicas e logo d e i x a m de responder às mesmas.
4) Sintomatologia leve que permite as atividades h a b i t u a i s do enfermo e, muitas vezes, a própria a t i v i d a d e profissional; a sintomatologia responde bem às d r o g a s anticolinesterásicas; os distúrbios, muito discretos, se restringem quase in-teiramente a u m dos setores do território m u s c u l a r dos nervos cranianos.
Material — É representado por 10 pacientes portadores de miastenia g r a v e com sintomatologia acentuada (8 casos) e média (2 c a s o s ) ; todos v i n h a m sendo t r a t a -dos com d r o g a s anticolinesterásicas ( P r o s t i g m i n a , Mestinon, M y t e l a z e ) , em -doses a d e q u a d a s , respondendo cada vez menos a esta terapêutica. E m a l g u n s casos fo-ram tentados outros tratamentos, como a telecobaltoterapia d a r e g i ã o tímica, timec-tomia e d e n e r v a ç ã o do seio carotídeo, sem resultados. É de n o t a r que as remis-sões espontâneas neste g r u p o de doentes constituíram a exceção e, q u a n d o ocorre-ram, f o r a m de curta d u r a ç ã o . Os dados clínicos referentes a estes 10 pacientes são, sinteticamente, os seguintes:
C A S O 1 — B . A . , com 35 anos, sexo masculino. D o e n ç a iniciada h á 10 anos, com dificuldade p a r a m a s t i g a r e deglutir alimentos e p a r a ocluir as p á l p e b r a s . A doença v e m piorando progressivamente. J a m a i s h o u v e remissão espontânea dos sin-tomas que, entretanto, remitiam, no início, com P r o s t i g m i n a ; contudo os sinsin-tomas f o r a m - s e t o r n a n d o resistentes a este medicamento e a outras d r o g a s . O paciente chegou a t o m a r 300 m g d i á r i a s de P r o s t i g m i n a sem remissão. O uso do Mestinon não t r o u x e melhoras. Q u a d r o clássico de miastenia, com predominância dos distúr-bios nos territórios m u s c u l a r e s dos pares cranianos.
C A S O 2 — A . B., com 26 anos, sexo feminino. D o e n ç a iniciada h á 8 anos, com f r a q u e z a e f a d i g a r á p i d a dos músculos enervados pelos pares cranianos. D e 7 anos p a r a cá a paciente começou a usar P r o s t i g m i n a , sendo necessárias doses cada vez maiores e com resultados cada vez mais precários. A e n f e r m a chegou a u s a r 150 m g de P r o s t i g m i n a por dia e foi submetida à timectomia; após esta operação e r a d i o t e r a p i a a doença piorou, a ponto de impedir a deglutição, a m a r c h a e a m o -v i m e n t a ç ã o a t i -v a no leito. Q u a d r o miastênico muito acentuado com -voz a n a s a l a d a , l í n g u a quase inerte n a boca;1 m a s t i g a ç ã o e deglutição impraticáveis; o f t a l m o p l e g i a
bilateral.
C A S O 3 — C A . S., com 49 anos, sexo feminino. D o e n ç a iniciada h á 7 anos, com diplopia, f r a q u e z a nos q u a t r o m e m b r o s e desordens da f a l a , m a r c h a , degluti-ção e m a s t i g a ç ã o . A paciente j á estivera i n t e r n a d a com o f t a l m o p l e g i a total e
im-possibilidade de a n d a r e de ficar de pé. T r a t a d a com P r o s t i g m i n a melhorou rapi-damente, restando, porém, ptose p a l p e b r a l e diplopia que persistem até a d a t a do e x a m e atual, a p e s a r do tratamento.
C A S O 4 — R . V . S., com 24 anos, sexo feminino. D o e n ç a iniciada h á 3 anos, com diplopia, disfagia, r e f l u x o de líquidos pelas fossas nasais, cansaço rápido d u -r a n t e a m a s t i g a ç ã o e voz a n a s a l a d a . Estes sintomas a g -r a v a -r a m - s e -rapidamente, a c o m p a n h a d o s de f r a q u e z a e f a d i g a dos membros, dificultando a d e a m b u l a ç ã o e a utilização das mãos. Surtos de insuficiência respiratória e g r a n d e dificuldade p a r a se e r g u e r do leito, a p e s a r do uso da P r o s t i g m i n a (270 m g d i á r i o s ) . T r a n s f u s ã o de s a n g u e de paciente miotônico não influenciou o q u a d r o miastênico.
C A S O 5 — I . D., com 16 anos, sexo feminino. D o e n ç a iniciada h á 2 anos, com f r a q u e z a e f a d i g a r á p i d a dos m e m b r o s inferiores, seguidas de comprometimento dos m e m b r o s superiores. A g r a v a ç ã o progressiva com impossibilidade de se e r g u e r do leito e ficar de pé. Depois de a l g u n s meses, dificuldade e f a d i g a r á p i d a n a m a s -tigação e voz f r a c a e a n a s a l a d a , diplopia, estrabismo e ptose das p á l p e b r a s . A P r o s t i g m i n a , que m a n t i n h a remissão dos sintomas no início, foi-se tornando cada vez menos eficiente, mesmo em doses a d e q u a d a s (90 m g por d i a ) .
C A S O 6 — A . V., com 31 anos, sexo masculino. D o e n ç a iniciada h á 2 anos. Miastenia com predomínio no território dos pares cranianos: diplopia, ptose p a l p e -bral, voz a n a s a l a d a , dificuldade à m a s t i g a ç ã o e à deglutição. E v o l u ç ã o p a r a pior; só u m a remissão espontânea de curta d u r a ç ã o . D e início os sintomas respondiam bem à P r o s t i g m i n a , p o r é m nos últimos meses h o u v e a c e n t u a d a e progressiva a g r a -v a ç ã o , a p e s a r do uso de 120 m g diários deste medicamento.
C A S O 7 — D . R . , com 20 anos, sexo feminino. D o e n ç a iniciada h á 2 anos, com g r a n d e dificuldade p a r a a b r i r a boca, m a s t i g a r , deglutir, fechar as p á l p e b r a s ; di-plopia e cansaço fácil nos membros; ao se deitar a cabeça cai sobre o travesseiro sem q u a l q u e r reação de defesa; g r a n d e dificuldade p a r a se e r g u e r do leito; voz a n a s a l a d a .
C A S O 8 — A . P., com 27 anos, sexo feminino. D o e n ç a iniciada h á 4 anos, com f r a q u e z a no pescoço e nas pernas; dificuldade p a r a e r g u e r a c a b e ç a do travesseiro; diplopia e dificuldade p a r a fechar as p á l p e b r a s . A doença v e m evoluindo com pe-ríodos de piora e de m e l h o r a ; d u r a n t e os primeiros, m u i t a s vezes, a paciente tinha de ficar a c a m a d a , pois não conseguia se e r g u e r do leito nem a n d a r . Desde o início v e m fazendo uso da P r o s t i g m i n a com resultados c a d a vez menos f a v o r á v e i s .
C A S O 9 — J. A . S., com 18 anos, sexo masculino. Doença iniciada h á 3 anos, com f r a q u e z a e f a d i g a r á p i d a nos q u a t r o m e m b r o s após infecção g r i p a l . A g r a v a ç ã o progressiva até impedir a d e a m b u l a ç ã o . H á u m mês dificuldade n a deglutição, voz a n a s a l a d a e crises de insuficiência respiratória. Esta sintomatologia m e l h o r a v a com a P r o s t i g m i n a ; a paciente chegou a t o m a r 240 m g diariamente. E x a m e neurológico; fácies miastênica, ptose p a l p e b r a l b i l a t e r a l , paresia de a m b o s os faciais, f a -d i g a r á p i -d a à m a s t i g a ç ã o , voz a n a s a l a -d a , cansaço r á p i -d o -dos membros; m a r c h a impossível; o paciente não consegue se e r g u e r do leito nem e r g u e r a cabeça do t r a -vesseiro.
C A S O 10 — C. M „ com 29 anos, sexo masculino. D o e n ç a iniciada h á u m ano e meio. C a n s a ç o fácil nos m e m b r o s superiores; diplopia, ptose p a l p e b r a l , voz a n a -s a l a d a , f a d i g a rápida à m a -s t i g a ç ã o e à m o v i m e n t a ç ã o da língua, dificuldade p a r a e r g u e r a cabeça. E v o l u ç ã o progressiva com a g r a v a ç ã o nestes últimos 6 meses; disfagia. P o u c a s melhoras com o uso da P r o s t i g m i n a pela v i a o r a l ; melhor res-posta pela via p a r e n t e r a l . P i o r a a p e s a r do aumento das doses de P r o s t i g m i n a . T u m o r do timo e timectomia com remissão da sintomatologia por 2 meses, seguida de piora lenta e progressiva que não respondia à P r o s t i g m i n a (120 m g d i a r i a m e n t e ) .
E m r e l a ç ã o aos e x a m e s subsidiários ressaltaremos os seguintes fatos: E l e t r o diagnóstico n o r m a l nos casos 1, 2, 7 e 8 e com hipoexeitabilidade g a l v â n i c a e f a r á -dica dos músculos mastigadores (caso 3) e dos glúteos (caso 5 ) ; em um único caso se obteve a r e a ç ã o miastênica de Jolly (caso 4 ) . N o s 5 casos em que o eletrocar-d i o g r a m a foi feito f o r a m o b s e r v a eletrocar-d a s alterações em 4 (casos 4, 5, 8 e 9 ) . O e x a m e eletrencefalográfico foi feito em dois casos, sendo n o r m a l em u m (caso 2 ) ; no caso 4 h o u v e suspeita de a n o r m a l i d a d e paroxistica temporal. A e l e t r o m i o g r a f i a mostrou a t i v i d a d e muito diminuída nos músculos masseter e frontal à direita no caso 4. A r a d i o g r a f i a simples do t ó r a x resultou n o r m a l em todos os casos, exceto no caso 10, em que revelou a presença de t u m o r na r e g i ã o ântero-superior do mediastino, e no caso 9 em que mostrou a u m e n t o da á r e a cardíaca. A p l a n i g r a f i a foi normal nos casos 4, 5 e 7, confirmando o achado da r a d i o g r a f i a simples no caso 9. E m dois casos (5 e 7) foi feita a p n e u m o m e d i a s t i n o g r a f i a que mostrou p r o v á v e l timo hiper-plásico, devendo-se n o t a r que nestes casos a r a d i o g r a f i a simples e a p l a n i g r a f i a h a v i a m sido normais. O e x a m e do liqüido c e f a l o r r a q u i d i a n o foi n o r m a l em todos os casos. A s p r o v a s p a r a função tireoidiana, inclusive c a p t a ç ã o do I1 3 1 pela tireóide,
f o r a m normais. A e l e t r o m i o g r a f i a da m u s c u l a t u r a o c u l a r extrínseca mostrou, em todos os casos em que foi feita, alterações características da miastenia. C r a n i o -g r a m a n o r m a l . Os e x a m e s de rotina n a d a de importante p e r m i t i r a m assinalar.
T R A T A M E N T O E E V O L U Ç Ã O
C A S O 1 — A g r a v a ç ã o r á p i d a do q u a d r o miastênico, com g r a v e s distúrbios res-piratórios a p e s a r do uso intensivo da P r o s t i g m i n a (30 m g , 8 a 10 vezes ao d i a ) , sendo necessárias a a s p i r a ç ã o b r ô n q u i c a e o uso do oxigênio. Foi instituído o t r a -tamento pelo A C T H : nos primeiros 4 dias f o r a m administrados 12,5 m g por dia; a seguir 10 m g (6 d i a s ) e 8 m g por dia (12 d i a s ) ; como houvesse ligeira a g r a v a ç ã o dos sintomas, a dose d i á r i a foi e l e v a d a p a r a 10 m g e assim mantida por mais 12 dias; como não houvesse melhora, a dose foi n o v a m e n t e e l e v a d a p a r a 15 m g diários e m a n t i d a por 27 dias, o que permitiu a remissão quase total do q u a d r o miastê-nico; depois, a dose foi diminuída p a r a 10 e 5 m g até a a l t a hospitalar. A dose total de A C T H foi de 751 m g em 64 dias ( g r á f i c o 1 ) .
O paciente passou bem d u r a n t e o primeiro mês após o término desta primeira série de A C T H e apenas os músculos orbiculares das p á l p e b r a s não tinham r e a d
-quirido, de modo completo, a sua força. Depois r e a p a r e c e r a m os sintomas miastê-nicos nos demais territórios m u s c u l a r e s dos nervos cranianos, porém com pouca in-tensidade e assim p e r m a n e c e r a m até dezembro de 1954, q u a n d o a sintomatologia n o v a m e n t e se a g r a v o u , porém sem nunca i g u a l a r o q u a d r o que o b r i g o u à inter-nação anterior. Como não houvesse m e l h o r a dos sintomas com o uso da Prostig-mina em doses altas, o enfermo foi reinternado em 8-3-55, p a r a ser feita n o v a série de A C T H : 12,5 m g nos primeiros 10 dias e, a seguir, 10 m g (7 d i a s ) , 8 m g (3 d i a s ) e 5 m g (2 d i a s ) ; a seguir foi iniciada a a d m i n i s t r a ç ã o da dose de m a -nutenção de 5 mg, em dias a l t e r n a d o s (5 aplicações) e, depois, cada 2 dias (7 aplicações) ( g r á f i c o 2 ) . A dose total do A C T H foi de 289 m g em 47 dias. A l t a em excelentes condições gerais e com remissão total dos sintomas. Este paciente v e m sendo a c o m p a n h a d o até o presente momento: êle passa r e l a t i v a m e n t e bem, está t r a b a l h a n d o e v e m sendo mantido com doses b a i x a s de Mestinon (meio compri-mido 2 vezes ao d i a ) ; apresenta a p e n a s ligeira diminuição d a força do músculo o r b i c u l a r das p á l p e b r a s dos dois lados e a voz levemente a n a s a l a d a ; as crises mias-tênicas g r a v e s não mais se repetiram.
C A S O 2 — P o u c a s melhoras f o r a m conseguidas com o uso d a P r o s t i g m i n a nas doses de 75 a 150 m g diários, nos primeiros dias de hospitalização. Cinco dias após o início do A C T H h o u v e piora r á p i d a dos sintomas a ponto de serem neces-sárias a traqueostomia e a a s p i r a ç ã o b r ô n q u i c a . A seqüência da p r i m e i r a série de t r a t a m e n t o pelo A C T H foi a seguinte: nos primeiros 3 dias, 12,5 m g por dia; a seguir, 15 m g d u r a n t e 16 dias, depois 20 m g d u r a n t e 21 dias; em seguida as doses f o r a m b a i x a d a s lenta e p r o g r e s s i v a m e n t e p a r a 15, 12,5, 10 e 8 m g n u m prazo de 3 semanas; finalmente, f o r a m mantidos 10 m g diários como dose de m a n u t e n ç ã o até a a l t a hospitalar que ocorreu em 19-9-53. A dose total de A C T H foi de 1.057,5 mg, em 93 dias de t r a t a m e n t o ( g r á f i c o 3 ) .
A e n f e r m a passou bem no primeiro mês depois da alta, tendo reassumido suas atividades profissionais ( d a t i l o g r a f a ) . M a n t e v e - s e r e l a t i v a m e n t e bem com o uso do Cortone por v i a oral ou m u s c u l a r e P r o s t i g m i n a (3 comprimidos ao d i a ) , a partir da a l t a hospitalar a t é poucas s e m a n a s antes da s e g u n d a internação, determinada por seria a g r a v a ç ã o . Como acontecera n a p r i m e i r a hospitalização, a paciente foi internada em estado g e r a l precário, pois nas últimas semanas tivera sua deglutição
bastante comprometida, e se a l i m e n t a r a de modo deficiente. H o u v e , como n a pri-meira série do A C T H , a g r a v a ç ã o a l a r m a n t e dos sintomas na pripri-meira s e m a n a de tratamento. A seqüência da s e g u n d a série do t r a t a m e n t o pelo A C T H foi a se-guinte: 15 m g nos primeiros 6 dias; como tivesse h a v i d o a g r a v a ç ã o d a sintoma-tologia, a dose foi e l e v a d a p a r a 25 m g diários até o 12« dia; ulteriormente passou a ser de 12,5 m g d u r a n t e 10 dias; a p a r t i r do 22" dia de tratamento as doses f o r a m diminuídas p a r a 10 m g ,
porém t i v e r a m que ser n o v a m e n -te e l e v a d a s p a r a 12,5 m g u m a semana depois, em v i r t u d e do aparecimento de discretos distúr-bios na deglutição e na f a l a ; esta ú l t i m a d o s a g e m foi m a n t i d a co-mo dose de m a n u t e n ç ã o até a a l t a hospitalar, em 15-1-54. A dose total do A C T H foi de 525 m g em 36 dias de t r a t a m e n t o ( g r á f i c o 4 ) . A paciente saiu do hospital em excelentes condições clinicas e gerais, com remissão quase total. R e s t a v a ligeira di-ficuldade n a deglutição a p e s a r do uso continuado da P r o s t i g m i n a (3 comprimidos ao d i a ) . Como medida de precaução foi m a n t i d a a traqueostomia e indicado o uso do Cortone por via m u s c u l a r .
A paciente manteve-se relati-v a m e n t e bem até a l g u m a s sema-nas antes da terceira internação, em 10-12-1954, condicionada por rápida a c e n t u a ç ã o do q u a d r o miastênico, com impressionante repercussão p a r a o lado do estado g e r a l , e x i g i n d o a d m i n i s t r a
-cão de oxigênio e de P r o s t i g m i n a n a veia, em virtude de dispnéia e impos-sibilidade de deglutição; a paciente m a n t i n h a - s e completamente imobilizada no leito. A sintomatologia pouco ou quase n a d a se modificou com doses elevadas de P r o s t i g m i n a u s a d a por todas as vias. A p ó s a p r i m e i r a s e m a n a de A C T H as m e l h o r a s c o m e ç a r a m a a p a r e c e r e f o r a m se a c e n t u a n d o de modo lento, m a s pro-gressivo. Como das outras vezes, n a p r i m e i r a s e m a n a do t r a t a m e n t o pelo A C T H h o u v e a g r a v a ç ã o dos sintomas, não muito a c e n t u a d a e que cedeu com e l e v a ç ã o da dose do A C T H . A p ó s u m mês de t r a t a m e n t o as condições gerais e neurológicas e r a m excelentes, o peso da paciente a u m e n t o u de 13 quilos; r e s t a v a m , ainda, in-completo fechamento das p á l p e b r a s e ligeira a l t e r a ç ã o na deglutição. A seqüên-cia desta terceira série do t r a t a m e n t o pelo A C T H foi a seguinte: nos primeiros 5 dias, 12,5 m g por dia; no 6» dia 20 m g ; nos 5 dias subseqüentes 12,5 m g ; no 12<? dia 15 m g ; nos 20 dias seguintes 12,5 m g ; a p a r t i r do segundo mês 10 m g por dia d u r a n t e 10 dias, 8 m g d u r a n t e 4 dias e 5 m g d u r a n t e 10 dias; a seguir inicia-mos a dose de 2,5 m g em dias alternados e, depois, em v i d t u d e de ligeira piora tentamos 5 m g cada 2 dias e terminamos a série com 5 m g em dias alternados; esta ú l t i m a d o s a g e m foi considerada de m a n u t e n ç ã o . A l t a em 19-4-55. O total de A C T H foi de 354,5 m g em 83 dias ( g r á f i c o 5 ) .
C A S O 3 — A seqüência da série de t r a t a m e n t o pelo A C T H foi a seguinte: nos primeiros 7 dias f o r a m feitos 12,5 m g por dia; nos 15 dias restantes f o r a m feitos 10 m g por dia. A dose total de A C T H foi de 737,5 m g e m 22 dias. A diplopia e a ptose p a l p e b r a l d e s a p a r e c e r a m completamente, h a v e n d o correção total do es-trabismo. É de n o t a r que esta remissão completa d a o f t a l m o p l e g i a se verificou pela p r i m e i r a vez nos 3 anos d a doença e coincidiu com o t r a t a m e n t o pelo A C T H . A paciente passou b e m cerca de u m mês depois de t e r m i n a d o o tratamento, porém, a seguir, a diplopia e a ptose p a l p e b r a l r e a p a r e c e r a m , sendo esta última pouco evidente e a p e n a s o b s e r v á v e l em O D . N e n h u m a o u t r a m a n i f e s t a ç ã o surgiu e a e n f e r m a v e m exercendo até o presente m o m e n t o todas as suas atividades habituais.
C A S O 4 — A p ó s 5 dias sem q u a l q u e r tratamento, foi feito o teste da P r o s t i g m i -na com resposta positiva. A seguir, foi a d m i n i s t r a d a a P r o s t i g m i n a -nas doses de 15 m g q u a t r o vezes ao dia pela v i a oral com melhoras acentuadas, exceto d a oftal-m o p l e g i a que peroftal-maneceu irredutível. A p a r t i r da segunda s e oftal-m a n a seguiu-se piora p r o g r e s s i v a a p e s a r d a m a n u t e n ç ã o d a d r o g a anticolinesterásica: a paciente não
consegue sentar-se sozinha no leito e nem mesmo e r g u e r a cabeça do travesseiro; m a s t i g a e deglute de modo precário e continua apresentando o f t a l m o p l e g i a total. E m v i r t u d e do aparecimento de efeitos colaterais da P r o s t i g m i n a foi administrado sulfato de atropina, suspenso a l g u n s dias depois em v i r t u d e do aparecimento de fenômenos tóxicos. L o g o a seguir s u r g i r a m crises respiratórias i n t e r v a l a d a s por a l g u n s dias de remissão, e debeladas com a P r o s t i g m i n a pela via m u s c u l a r . U m a t r a n s f u s ã o de s a n g u e de paciente p o r t a d o r de miotonia não influenciou a sinto-m a t o l o g i a sinto-miastênica; esta t r a n s f u s ã o foi precedida pela suspensão t e sinto-m p o r á r i a da medicação anticolinesterásica e não foi a c o m p a n h a d a de q u a l q u e r efeito colateral. Os surtos de asfixia f o r a m se tornando c a d a vez mais freqüentes e mais g r a v e s , sendo a c o m p a n h a d o s de intensa sudorese, cianose e a g i t a ç ã o psicomotora; d u r a n t e as crises mais g r a v e s a doente ficava inconsciente e, a l g u m a s vezes, a p r e s e n t a v a manifestações epileptiformes. Foi iniciado o A C T H n a dose de 12,5 mg, d i a r i a -mente, passando a P r o s t i g m i n a a ser a d m i n i s t r a d a em doses b e m maiores ( 3 com-primidos 6 vezes ao d i a ) . E m virtude da a g r a v a ç ã o das desordens respiratórias o A C T H foi suspenso, tendo h a v i d o m e l h o r a p a r c i a l do q u a d r o miastênico l o g o após a suspensão do hormônio. A seguir, n o v a s e mais g r a v e s crises respiratórias f o r a m se sucedendo, a g o r a diariamente, o b r i g a n d o o e m p r e g o da medicação anticolineste-rásica em doses e l e v a d a s (270 m g nas 24 h o r a s ) pelas vias oral, m u s c u l a r e in-travenosa, a traqueostomia e a respiração artificial. Foi reiniciado o A C T H , n a se-guinte seqüência: 12,5 m g por 12 dias, 15 m g por 2 dias, e 20 m g d u r a n t e 5 dias;
TRATAMENTO DA MI ASTENIA PELO ACTH POR VIA ENDOVENOSA 371
a seguir, as doses f o r a m b a i x a d a s p a r a 12,5 m g por 13 dias, 10 m g por 3 dias, 8 m g por 1 dia e 5 m g por 18 dias. A s melhoras se p r o c e s s a r a m de modo lento m a s progressivo, não tendo sido necessário o uso do respirador mecânico.
N a ocasião d a a l t a (1-7-57) o estado g e r a l da e n f e r m a e r a excelente, o estado de nutrição muito bom ( h o u v e a c e n t u a d o a u m e n t o de peso) e os sintomas o sinais da miastenia se m a n t i n h a m em remissão completa, tendo cedido as crises de insu-ficiência respiratória. A dose total de A C T H a d m i n i s t r a d a foi de 633 m g d u r a n t e 67 dias.
C A S O 5 — D u r a n t e todo o período de e x a m e s a paciente foi t r a t a d a e x c l u s i v a -mente pela P r o s t i g m i n a na dose de 3 comprimidos ao dia; o q u a d r o miastênico me-lhorou sensivelmente nos primeiros dias de tratamento, p a r a depois estacionar e sofrer u m a piora, o que o b r i g o u ao a u m e n t o de dose da medicação p a r a 6 com-primidos diários, sem que, a p e s a r disso, a sintomatologia fosse influenciada. A miastenia continuou se a g r a v a n d o a ponto de imobilizar a paciente no leito; ela n ã o mais conseguia se e r g u e r nem a n d a r sem apoio, e nem sequer l e v a n t a v a a c a b e ç a do travesseiro. O a u m e n t o progressivo d a dose de P r o s t i g m i n a não influen-ciou este estado. N e s t a s condições, foi iniciado o t r a t a m e n t o com A C T H (12,5 m g diários d u r a n t e 27 d i a s ) , na dose total de 337,5 mg. A s melhoras se processaram de modo rápido no começo e depois menos rapidamente, m a s de modo progressivo, tendo h a v i d o piora transitória e discreta a p a r t i r do 20? dia, ocasião em que foi suspensa a P r o s t i g m i n a . Esta d r o g a v i n h a sendo a d m i n i s t r a d a n a dose de 3 a 4 comprimidos diários d u r a n t e todo o período de t r a t a m e n t o pelo A C T H , exceto por dois dias a p a r t i r do 20"? dia do inicio da terapêutica h o r m o n a l . A administração da d r o g a p r o m o v e u n o v a remissão ( g r á f i c o 7 ) . A paciente passou a se e r g u e r sozinha do leito, a a n d a r e a se a l i m e n t a r n o r m a l m e n t e ; os músculos oculares se n o r m a l i z a r a m , tendo desaparecido a diplopia. Desde que teve a l t a , se apresenta em remissão completa. A P r o s t i g m i n a foi substituída pela Mytelaze, n a dose de 50 m g diários. A t é o momento (6-11-59) a paciente está passando muito bem, exercendo suas atividades profissionais.
16 dias. O paciente tomou 275 m g de A C T H em 21 dias. H o u v e a c e n t u a d a e r á -pida m e l h o r a do q u a d r o miastênico, inclusive nos territórios musculares dos pares cranianos, pois a voz se n o r m a l i z o u e b e m assim a deglutição e a m a s t i g a ç ã o ; a m a r c h a e s t a v a n o r m a l e bem assim a respiração n a ocasião da a l t a . N o s primei-ros dias d a a d m i n i s t r a ç ã o do A C T H h o u v e a g r a v a ç ã o dos sintomas, especialmente da diplopia, sem, no entanto, h a v e r sinais e sintomas de insuficiência respiratória. A s melhoras c o m e ç a r a m a a p a r e c e r a p a r t i r do 5« dia do t r a t a m e n t o e se process a r a m de modo muito r á p i d o ( g r á f i c o 8 ) . D u r a n t e todo o tranprocesscurprocesso da h o r m o -nioterapia a P r o s t i g m i n a foi a d m i n i s t r a d a na dose de 2 comprimidos 4 vezes ao dia.
C A S O 7 — P o u c a s melhoras f o r a m conseguidas com o uso da P r o s t i g m i n a pela v i a oral na dose de 60 m g diários. A e l e v a ç ã o dessa dose foi seguida de piora do q u a d r o miastênico, inclusive com o aparecimento de m o d e r a d a crise respiratória, pelo que foi feita a telecobalterapia d a r e g i ã o do mediastino anterior e superior. F o r a m feitas 200 r por dia, n u m total de 3.000 r. N o decurso deste t r a t a m e n t o a paciente queixou-se freqüentemente de dor retrosternal ( m e d i a s t i n i t e ? ) ; n a d a mais de importante foi verificado, inclusive p a r a o lado do s a n g u e controlado por e x a m e s hematológicos periódicos. Como não apresentasse m e l h o r a evidente com os t r a t a m e n t o s supracitados, foi feito o A C T H p e l a v i a intravenosa, em aplicações diárias de 12,5 m g , n u m total de 337,5 m g em 27 dias. H o u v e m e l h o r a a c e n t u a d a : a paciente conseguia e r g u e r - s e sem dificuldade do leito, a u m e n t o u a força em todos os territórios m u s c u l a r e s e a m a r c h a , a deglutição e a m a s t i g a ç ã o se n o r m a l i z a -r a m . A única q u e i x a d a paciente e -r a f a l t a de fo-rça p a -r a f a l a -r , e m b o -r a a voz fosse n o r m a l ( g r á f i c o 9 ) .
CASO 8 — Foi continuado o t r a t a m e n t o com P r o s t i g m i n a pela v i a o r a l em
doses eficientes e c a d a vez mais altas sem resultado f a v o r á v e l . A d m i n i s t r a d o o A C T H n a seguinte seqüência d i á r i a : 12,5 m g 13 dias, 10 m g 1 dia, 8 m g 1 dia, e 5 m g 5 dias. Dose total de 205,5 m g em 20 dias. A P r o s t i g m i n a foi a d m i n i s t r a d a na dose de 3 comprimidos por dia. A s m e l h o r a s se p r o c e s a s r a m de modo muito r á p i d o e sem q u a l q u e r complicação ( g r á f i c o 1 0 ) . A l t a em excelentes condições g e -rais e de nutrição e com remissão completa de todos os sinais e sintomas. Esta paciente v e m sendo controlada no a m b u l a t ó r i o e continua passando perfeitamente bem. A P r o s t i g m i n a continuou sendo u s a d a n a dose de 3 a 4 comprimidos por
dia, tendo sido substituída, recentemente, pela M y t e l a z e com v a n t a g e m segundo nos informou a própria doente; a dose ótima p a r a o caso foi de 30 m g dia-riamente.
C A S O 9 — D u r a n t e as duas primeiras s e m a n a s foi a d m i n i s t r a d a a P r o s t i g m i n a na dose de 12 comprimidos ao dia, a u m e n t a d a depois de a l g u n s dias, p a r a 16 com-primidos d i a r i a m e n t e em virtude de a g r a v a ç ã o dos sintomas miastênicos, inclusive com o aparecimento de crises de dispnéia. A sintomatologia foi muito pouco in-fluenciada pela P r o s t i g m i n a . É de notar que nos primeiros dias de internação o doente foi acometido de processo a g u d o febril de etiologia não esclarecida, o que
a g r a v o u o q u a d r o miasténico. Ces-s a d a a infecção, foi feito o A C T H
(12,5 m g por 8 d i a s ) , sendo m a n t i d a a P r o s t i g m i n a n a dose de 16 compri-midos ao dia. H o u v e discreta mel h o r a nesta p r i m e i r a s e m a n a de t r a -tamento. N o 8« dia, entretanto, ocor-reu g r a v e crise respiratória, com a g r a v a ç ã o muito a c e n t u a d a dos sin-tomas miastênicos, a u m e n t o das se-creções das v i a s a é r e a s e hipersia-lorréia, o que o b r i g o u à traqueosto-m i a de urgência, a o e traqueosto-m p r e g o do res-suscitador ( A G A ) , à a d m i n i s t r a ç ã o de a t r o p i n a pela v i a m u s c u l a r na dose de % m g 8-8 horas e depois VA, m g 66 horas, a l é m de P r o s t i g -m i n a pela via intravenosa; o A C T H foi interrompido e reiniciado, 3 dias depois, n a seguinte seqüência: 20 m g 1 dia, e 12,5 m g 10 dias? n a última s e m a n a de t r a t a m e n t o as doses do hormônio f o r a m b a i x a d a s progressi-v a m e n t e p a r a 10 mg, 8 m g e 5 m g . A dose total de A C T H a d m i n i s t r a d a foi de 349 m g em 38 dias. H o u v e m e l h o r a discreta dos sintomas até
ú 8o dia do início do A C T H , q u a n d o
a p a r e c e u a crise respiratória a c i m a referida; a seguir, as melhoras se p r o c e s s a r a m de modo r á p i d o e p r o -gressivo até a remissão completa da sintomatologia. N o final do t r a t a -mento a P r o s t i g m i n a e s t a v a sendo a d m i n i s t r a d a n a dose de 6 compri-midos ao dia e assim foi mantido mesmo após a a l t a ( g r á f i c o 1 1 ) .
C A S O I O — A p e s a r das doses a d e q u a d a s de P r o s t i g m i n a ( 6 comprimidos de 1 5 m g p o r d i a ) , o q u a d r o miasténico continuou piorando, tendo aparecido insuficiência respiratória, em crises, sendo que u m a delas, muito g r a v e , só remitiu com 3 a m -polas de P r o s t i g m i n a na veia. P o r estas razões foi mantido o oxigênio, refeita a t r a q u e o s t o m i a e a u m e n t a d a s as doses de P r o s t i g m i n a (2 comprimidos 4 vezes ao d i a ) . Iniciado o A C T H n a dose de 1 2 , 5 m g o paciente continuou sem alterações até a 5* aplicação, q u a n d o apresentou séria a g r a v a ç ã o do q u a d r o miasténico com g r a v e crise de insuficiência respiratória e a c e n t u a d o a u m e n t o das secreções nas vias aéreas, o que o b r i g o u o e m p r e g o do r e s p i r a d o r artificial; a dose de A C T H foi
e l e v a d a p a r a 15 m g ao dia nas 48 horas seguintes e depois p a r a 20 m g ao dia por mais 36 horas; f o r a m feitas injeções i n t r a m u s c u l a r e s de sulfato neutro de a t r o -pina y2 m g de 8-8 horas, aspirações freqüentes a t r a v é s da c â n u l a de traqueostomia,
e suspensa a P r o s t i g m i n a pela v i a o r a l ( h a v i a d ú v i d a s q u a n t o a u m a possível reação c o l i n é r g i c a ) ; com estas medidas h o u v e a c e n t u a d a melhora, inclusive da hipersecreção das vias aéreas que ficou reduzida ao mínimo. A p ó s 48 horas, o p a
-ciente foi retirado do p u l m ã o de « aço, e a d a p t a d o à c â n u l a da t r a -£ queostomia o respirador tipo A G A ,
que t a m b é m foi retirado ao fim de mais 48 horas. A seguir, não mais foi necessária a respiração artificial, pois o enfermo prosseguiu melho-rando r a p i d a m e n t e a ponto de, na 10* a p l i c a ç ã o de A C T H ( a contar do início da crise m i a s t ê n i c a ) , os sintomas miastênicos terem remitido q u a se que completamente; r e s t a v a a p e -nas certa dificuldade n a deglutição. A s doses de A C T H f o r a m sendo b a i -x a d a s de modo progressivo n a se-guinte o r d e m : 20 m g 3 dias, 15 m g 1 dia, 12,5 m g 5 dias, 10 m g 3 dias; a seguir, retorno às doses de 12,5 m g mais 5 dias, em vista de ligeira piora dos sintomas, e depois 10 m g 4 dias, 8 m g mais 5 dias e 5 m g nos 2 últimos dias. A dose total de A C T H foi de 412,5 mg, em 35 dias
( g r á f i c o 12). A P r o s t i g m i n a foi a d -ministrada desde o começo n a dose de 4 e depois 6 comprimidos ao dia; esta polosogia foi a u m e n t a d a p a r a 2 comprimidos 4 vezes ao dia desde que se iniciou o A C T H e, d u r a n t e um dia, 6 vezes (12 comprimidos nas 24 h o r a s ) p a r a , a seguir, coincidin-do com séria a g r a v a ç ã o coincidin-do q u a d r o miastênico, ser suspensa d u r a n t e 4 dias ( g r á f i c o 12), ao passo que a dose de A C T H e r a a u m e n t a d a de 12,5 m g p a r a 15 e depois 20 m g ao dia. Depois d a remissão d a crise a P r o s t i g m i n a foi a d m i n i s t r a d a em aoses menores (3 comprimidos ao d i a ) d u r a n t e 19 dias, e depois em doses maiores (6 comprimidos ao d i a ) mais 6 dias. Finalmente, no final d a série de A C T H , a P r o s t i g m i n a foi substituída pela M y t e -laze, 2 comprimidos de 25 m g ao dia d u r a n t e 10 dias e depois u m ao dia após a a l t a . N a ocasião da a l t a a miastenia e s t a v a em remissão completa. O estado g e r a l e de nutrição era excelente. Este paciente está sendo a c o m p a n h a d o e até o momento passa bem.
C O M E N T Á R I O S
Apesar do pouco entusiasmo manifestado por muitos autores
3 2 , 4 1 , 7 3 , 7 7pelo emprêgo do A C T H no tratamento da miastenia grave, iniciamos este
método terapêutico nos casos com sintomatologia acentuada e nos de média
intensidade, utilizando a via intravenosa para a administração do hormônio 2.
Várias razões justificavam a nossa orientação. Há tendência em
admi-tir que a miastenia grave seja conseqüente à diminuição da síntese da ace¬
tilcolina e uma vez que o A C T H aumenta a capacidade de síntese da ace¬
tilcolina in vitro e in vivo, é de supor que o uso deste hormônio seja útil
no tratamento da miastenia. Por outro lado, os tecidos linfóides e o timo
que não sofrem a involução fisiológica nos pacientes miastênicos, e até
po-dem evoluir no sentido de hiperplasia ou de hipertrofia, atuariam, mediante
a elaboração de substâncias inibidoras, no sentido de diminuir a síntese da
acetilcolina: ora estes tecidos são reduzidos em massa e em peso pela ação
do A C T H e, assim, este hormônio, além de agir diretamente no sentido de
aumentar a síntese da acetilcolina, agiria indiretamente, pela redução dos
tecidos linfóides e do timo. É preciso considerar também, que as lesões
encontradas nos músculos estriados e no coração, na vigência de miastenia
(infiltrações linfocitárias e reações inflamatórias exsudativas em que o
ede-ma assume, por vezes, grandes proporções), podem ser inbluenciadas
bene-ficamente pelo A C T H . Deve ser salientada, ainda, a grande semelhança
das alterações histológicas, em certas fases da evolução da miastenia grave,
com as encontradas na dermatomiosite, na esclerodermia e na artrite
reu-matóide, afecções em que os hormônios glicocorticóides têm perfeita
indica-ção; o A C T H poderia impedir que as lesões ainda reversíveis se tornem
irreversíveis, com danos definitivos para a fibra muscular que entraria em
degeneração e atrofia em alguns casos. Por último, deve ser lembrado que
os autores que utilizaram o A C T H no tratamento da miastenia grave até
agora, o fizeram de modo arbitrário, em doses variáveis, em geral
eleva-das, sempre pela via muscular, em séries de duração diversa, porém na
maioria das vêzes de curta duração, em geral não mais de 8 dias. Os
resultados obtidos com a cortisona foram sempre menos favoráveis que com
o A C T H
7 3.Pelos resultados obtidos em nossos pacientes julgamos excessivo o
des-crédito com que alguns autores consideram esta terapêutica. Foram as
formas de sintomatologia acentuada as que responderam melhor ao
trata-mento. Alguns dos casos aqui registrados estavam respondendo pouco e
cada vez menos às drogas anticolinesterásicas, e outros não mais
respon-diam a estas drogas, inclusive ao Mestinon e ao Mytelaze, quando se
deci-diu o emprego do A C T H . Dêstes casos, a maioria não tinha tido qualquer
período de remissão espontânea anterior, e dois deles haviam apresentado
uma única remissão espontânea e de curta duração (casos 2 e 6 ) . Em
dois pacientes havia sido feita a timectomia, sendo um com hiperplasia do
timo (caso 2) e outro com timoma (caso 10); em ambos houve agravação
acentuada da doença após a intervenção cirúrgica.
Dois pacientes foram submetidos previamente a irradiação do timo,
in-clusive pela telecobaltoterapia (casos 7 e 10), sem qualquer melhora. Um
dos pacientes foi submetido à denervação do seio carotídeo (caso 6) sem
resultado benéfico.
Em quase todos os pacientes tratados pelo A C T H as doses de
Prostig-mina foram elevadas no início do tratamento ou durante a agravação do
quadro miastênico, para serem reduzidas ulteriormente.
Em uma paciente (caso 2) a Prostigmina chegou a ser suspensa
tran-sitoriamente sem que por isso a sintomatologia houvesse reaparecido; esta
mesma enfêrma passou a ser mantida, ulteriormente, com doses pequenas
de Prostigmina (3 comprimidos ao dia) e, mais recentemente, com Mytelaze,
ao qual houve melhor resposta. Além dêste, outros pacientes vêm
respon-dendo melhor ao uso do Mytelaze (casos 5, 8 e 10) após o tratamento pelo
A C T H .
Dos casos tratados pelo A C T H , em 6 houve agravação dos sintomas
miastênicos dentro dos primeiros 10 dias de tratamento; isso ocorreu no
caso 1 (primeira série do A C T H , gráfico 1 ) , no caso 2 (gráficos 3, 4 e 5)
e nos casos 4, 6, 9 e 10 (gráficos 6, 8, 11 e 12); a agravação foi muito
acentuada, tendo sido necessária a traqueostomia nos casos 2, 4, 9 e 10,
sendo que os três últimos necessitaram, ainda, de respiração artificial. N o
caso 1 a agravação foi lenta e se iniciou no 10.° dia de tratamento,
coin-cidindo com redução da dose do A C T H (gráfico 1 ) ; na segunda série
obte-ve-se a remissão rápida e quase completa dos sintomas (gráfico 2 ) . Nos
casos 4 e 9 o hormônio foi suspenso transitoriamente no acme da crise
miastênica (gráficos 6 e 11). Em todos os casos o aumento das doses do
A C T H ou o seu reinício com doses mais altas, promoveu a remissão da
sintomatologia. Em dois casos (na segunda série do caso 2 e no caso 5)
houve ligeira agravação da miastenia quase no final do tratamento: no
pri-meiro (gráfico 4) bastou moderada elevação das doses diárias do A C T H ,
de 10 para 12,5 mg, para promover a remissão completa, pois a piora
coin-cidiu com a diminuição das doses; no segundo (gráfico 7 ) , a agravação
de-pendeu da suspensão da Prostigmina, e foi logo corrigida com a
adminis-tração desta droga. É preciso, ainda, ressaltar que no caso 2 houve
remis-são lenta da miastenia na terceira série de A C T H após crise miastênica
moderada inicial, porém não se conseguiu remissão completa (gráfico 5 ) .
Em todos os casos, exceto na terceira série de A C T H do caso 2, foi obtida
remissão completa ou quase completa da sintomatologia.
Entretanto, a agravação dos sintomas miastênicos não constitui
compli-cação que se verifique em todos os pacientes tratados pelo A C T H , pois isso
não foi observado em 4 dos 10 casos (casos 3, 5, 7 e 8 ) . É óbvio que com
apenas 10 casos não podemos tirar conclusões estatísticas, porém não deixa
de ser significativo o fato de 4 pacientes não terem apresentado a crise
miastênica na vigência da terapêutica hormonal.
A agravação dos sintomas durante a administração do A C T H poderia
resultar de desordens em muitas fases do metabolismo 1 8 , 8 1
: diminuição de
glutationa do sangue, aumento da secreção de muitos hormônios esteróides,
efeitos adversos sôbre o metabolismo dos hidratos de carbono e alterações
do balanço eletrolítico do organismo. Segundo Torda e W o l f f8 6 tôdas estas
alterações dificultam ou impedem a síntese da acetilcolina e agravam os
sintomas da miastenia. Para outros autores3 2 o mecanismo desta
exacer-bação da miastenia durante o tratamento pelo A C T H poderia ser atribuído
a possível baixa do potássio intracelular.
C O N C L U S Õ E S
1) O hormônio adrenocorticotrópico da hipófise ( A C T H ) , usado por
via intravenosa, representa importante contribuição na terapêutica da
mias-tenia grave.
2) Este novo método de tratamento encontra apoio em bases
bioquími-cas, fisiopatológicas e anátomo-patológicas.
3) O A C T H torna a sintomatologia miastênica mais sensível às drogas
anticolinesterásicas, permitindo o controle dos sintomas por tempo mais
prolongado com doses menores de medicamento.
4) Durante a administração do A C T H é obrigatório o uso da
medica-ção anticolinesterásica associada, devendo as doses serem aumentadas nos
primeiros 10 dias e mantidas, em posologia variável para cada caso, mas
quase sempre mais baixa, durante o período restante e após o término do
tratamento hormonal. A administração do cloreto de potássio é
compulsó-ria somente durante as aplicações do A C T H , sendo facultativo o uso do
sulfato ou do cloridrato de efedrina como medicação adjuvante.
5) Os casos de miastenia acentuada e os de média intensidade que
respondem pouco ou nada às drogas anticolinesterásicas são os que mais
se beneficiam com o tratamento pelo A C T H . O A C T H é também indicado
nos casos em que foram empregados outros tratamentos (timectomia,
de-nervação do seio carotídeo e irradiação do timo) e que sofreram agravação
imediata ou tardia apesar do uso da medicação anticolinesterásica em
do-sagens adequadas.
6) O tratamento pelo A C T H intravenoso deve ser feito em hospital
adequado para atender as crises respiratórias, em virtude da agravação,
por vezes acentuada, dos sintomas miastênicos na vigência da terapêutica
hormonal.
R E S U M O
O autor inicia o trabalho referindo as bases bioquímicas,
fisiopatológi-cas e anátomo-patológifisiopatológi-cas do tratamento da miastenia pelo A C T H . Na
miastenia grave há diminuição da síntese da acetilcolina no organismo,
atuando o A C T H no sentido de aumentar esta síntese seja diretamente,
por ativação da colinacetilase, seja indiretamente, mediante a redução da
massa dos tecidos linfóides, em particular do timo, responsáveis pela
elabo-ração de substâncias que diminuem a síntese da acetilcolina.
O autor empregou o A C T H "Armour" e a Cortrofina "Organon", nas
doses de 2,5 a 25 mg, sempre pela via intravenosa, diluídos em 250 a 1.000 ml
de soluto glicosado a 5%, administrado gota a gôta, na velocidade média
de 20 gôtas por minuto, durante 8 horas. Como medicação associada foi
administrada a Prostigmina a todos os pacientes, substituída., depois, em
alguns casos, pelo Mestinon ou pela Mytelaze. Como adjuvantes foram
em-pregados o cloreto de potássio (2 a 8 g por dia) e o sulfato de efedrina
(25 mg 3 vêzes ao dia). Os pacientes foram mantidos em regime
hiper-protéico e acloretado, sendo tomados todos os cuidados inerentes ao uso
do A C T H .
Foram estudados 10 pacientes portadores de miastenia com
sintomatolo-gia acentuada (8 casos) e média (2 casos). Todos os doentes vinham sendo
tratados com drogas anticolinesterásicas em doses adequadas (Prostigmina,
Mestinon, Mytelaze) e a sua sintomatologia respondia cada vez menos a esta
terapêutica. Em alguns casos haviam sido tentados outros tratamentos
(timectomia, denervação do seio carotídeo, irradiação da região tímica) sem
resultado. É de notar que as remissões espontâneas neste grupo de
enfer-mos foram excepcionais e de curta duração. A evolução foi acompanhada
do ponto de vista clínico, com a sintomatologia classificada como muito
acentuada, acentuada, média e leve. Em todos os casos houve remissão
completa ou quase completa da sintomatologia após dosagens variáveis de
A C T H ; no caso 2, por exemplo, somente na terceira série de A C T H , foi
con-seguida remissão da sintomatologia acentuada para leve. Dos 10 casos
re-latados neste trabalho, em 6 houve agravação dos sintomas miastênicos nos
primeiros 10 dias de tratamento.
O autor considera o A C T H , utilizado por via intravenosa, como
impor-tante contribuição na terapêutica da miastenia grave, sendo especialmente
indicado nas formas severas que não regridem mediante o emprego dos
me-dicamentos anticolinesterásicos habitualmente usados.
S U M M A R Y
Treatment of severe forms of myasthenia by intravenous
administration of ACTH.
The author presents the biochemical, physiopathological and
anatomo-pathological bases of the treatment of myasthenia gravis by A C T H . In this
disease there is a reduction of the synthesis of acetylcholine in the body;
A C T H stimulates this synthesis, diretly by activation of cholinacetylasis,
or indirectly, through reduction of the mass of lymphoid tissues, especially
of the thymus, which are responsible for the elaboration of substances which
reduce the synthesis of acetylcholine.
The author used A C T H "Armour" and Cortrophine "Organon", in the
doses of 2.5 to 25 mgm., diluted in 250 to 1,000 ml. of a 5% glycose
solu-tion; administration was always by intravenous way, in an average rate
of 20 drops/minute, during 8 hours. As associate medication all patients
received Prostigmin, which was later replaced, in some cases, by Mestinon
or Mytelaze. As accessory medicaments were used potassium chloryde (2
to 8 grams per day) and ephedrine sulfate (25 mgm. 3 times a dayly).
Patients were kept in an hyperproteic and achlorated diet and all
precau-tions indicated when using A C T H were employed.
Ten patients with myasthenia were studied. All patients had been treated
before with anticholinesterasic drugs (Prostigmin, Mestinon, Mytelaze) in
proper doses and their reaction to this therapy decreased gradually. In
some cases other treatments had been tried thymectomy, denervation of the
carotid sinus, radiation of the thymic region) without any result.
Spon-taneous remission in this group of patients were exceptional and for only
short periods. Evolution was followed up from the clinical point of view.
In all cases complete or almost complete remission occurred after a variable
dosage of A C T H . In case 2, for instance, only after the 3rd series of A C T H
remission of a severe symptomatology to a slight one was attained. In
6 of the 10 cases myasthenic symptoms became worse during the first 10
days of treatment. The author considers intravenous administration of
A C T H as an important contribution to the therapy of myasthenia gravis,
being especially indicated in the severe forms, which does not decrease
through the use of anticholinesterasic drugs usually employed.
R E F E R Ê N C I A S 1. A R K - U P M A R K , E. — C a r d i o v a s c u l a r o b s e r v a t i o n s in m y a s t h e n i a g r a v i s a n d d y s t r o p h i a m y o t o n i c a . A c t a M e d . S c a n d i n a v . , 116:502, 1944. 2. A S S I S , J. L . — T r a t a m e n t o dos casos g r a v e s d e m i a s t e n i a : a ç ã o d o A C T H e c o r t i s o n a . C o n s i d e r a ç õ e s a p r o p ó s i t o de 3 casos. A r q . de N e u r o - P s i q u i a t . , 14:28, 1956. 3. B A R S O U M , G. S. —- T h e a c e t y l c h o l i n e e q u i v a l e n t o f n e r v o u s tissues. J. P h y s i o l . , 84:259, 1935. 4. B A R T O N , F . E. e B R A N C H , C. F . — M y a s t h e n i a . g r a v i s : case r e p o r t w i t h n e c r o p s y . J . A . M . A . , 109:204, 1937. 5. B E L L , E . T . — T u m o r s o f t h e t h y m u s in m y a s t h e n i a g r a v i s . J. N e r v . a. M e n t . Dis., 45:130, 1917. 6. B L A L O C K , A . ; M A S O N , M . F . ; M O R G A N , H . J.; R I V E N , S. S. — M y a s t h e n i a g r a v i s and t u m o r s o f t h e t h y m i c r e g i o n . A n n . Surg., 110:544, 1939. 7. B O T E L H O , S. Y . — C o m p a r i s o n o f s i m u l t a -n e o u s l y r e c o r d e d e l e c t r i c a l a-nd m e c h a -n i c a l a c t i v i t y i-n m y a s t h e -n i a g r a v i s p a t i e -n t s a n d in p a r t i a l l y c u r a r i z e d n o r m a l h u m a n s . A m . J. M e d . , 19:693, 1955. 8. B R A Z I E R , M . — E l e c t r o m y o g r a p h i c a n d e r g o g r a p h i c s t u d i e s in m y a s t h e n i a g r a v i s . J. N e r v . a. M e n t . Dis., 100:615, 1944. 9. B R E M , J. e W E C H S L E R , H . F . — M y a s t h e n i a g r a v i s a s s o c i a t e d w i t h t h y m o m a . A r c h . I n t . M e d . , 34:901, 1934. 10. B U S C A I N O , G . A . — P a n o r a m i di B i o c h i m i c a T o p o g r á f i c a d e l S i s t e m a N e r v o s o . A c t a N e u r o l . P o -l i c -l i n i c o N á p o -l e s , 1950. 11. B U T T , H . R . — M y a s t h e n i a g r a v i s : s t u d y o f p o s t - m o r t e m o b s e r v a t i o n s i n c l u d i n g d e m o n s t r a t i o n o f G r a m p o s i t i v e b a c t e r i a ( s t r e p t o c o c c i ) in a n d b e t w e e n m u s c l e f i b e r s . A r c h . P a t h . , 21:27, 1936. 12. C A S T L E M A N , B . e N O R ¬ R I S , E. H . — P a t h o l o g y o f t h e t h y m u s in m y a s t h e n i a g r a v i s . M e d i c i n e , 28:27, 1949. 13. C H U R C H I L L D A V I D S O N , H . C. e R I C H A R D S O N , A . T . — N e u r o m u s c u l a r t r a n s -m i s s i o n in -m y a s t h e n i a g r a v i s . J. P h y s i o l . , 122:252, 1953. 14. C O Ë R S , C. — L e s v a r i a t i o n s s t r u c t u r e l l e s n o r m a l e s e t p a t h o l o g i q u e s de l a f u n c t i o n n e u r o m u s c u l a i r e . A c t a N e u r o l , e t P s y c h i a t . B e l g . , 55:741, 1955. 15. C O Ë R S , C. e D E S M E D T , J. E . — M i s e en é v i d e n c e d ' u n e m a l f o r m a t i o n c a r a c t é r i s t i q u e de l a f o n c t i o n n e u r o m u s c u l a i r e d a n s l a m y a s t h é n i e . C o r r é l a t i o n s h i s t o e t p h y s i o - p a t h o l o g i q u e s . A c t a N e u r o l , e t P s y c h i a t . B e l g . , 59:539, 1959. 16. C O H E N , R . B . ; Z A C K S , S. e C A S T L E M A N , B . —