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Arte-Circuito: trajetórias da arte contemporânea no Centro de São Paulo

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES EM ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE. IVALDO BRASIL JUNIOR. ARTE-CIRCUITO Trajetórias da arte contemporânea no Centro de São Paulo. SÃO PAULO – 2018.

(2) 2. Ivaldo Brasil Junior. Arte-Circuito: trajetórias da arte contemporânea no Centro de São Paulo. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Interunidades em Estética e História da Arte — PGEHA, da Universidade de São Paulo, como requisito para obtenção do título de Mestre em Estética e História da Arte, sob orientação do Prof. Dr. Artur Matuck.. São Paulo – 2018.

(3) AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL E PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.. Catalogação da Publicação Biblioteca Lourival Gomes Machado Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Brasil Júnior, Ivaldo. Arte-Circuito: trajetórias da arte contemporânea no Centro de São Paulo/ Ivaldo Brasil Júnior; orientador Artur Matuck. -- São Paulo, 2018. 94 f. : il. Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte) -- Universidade de São Paulo, 2018. 1. Arte Contemporânea – Brasil – Século 21. 2. Espaços Culturais – São Paulo (SP). 3. Espaço Urbano – São Paulo (SP). 4. Distrito da Sé (São Paulo, SP). I. Matuck, Artur. II. Título.. CDD 709.81.

(4) 3. Arte-Circuito: Trajetórias da arte contemporânea no Centro de São Paulo. Dissertação apresentada para a obtenção do título de mestre, na linha de pesquisa Produção e Circulação da Arte, em sua forma final, pelo Programa de Pós-Graduação em Estética e História da Arte, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, em Janeiro de 2018.. Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelos professores:. Orientador: ------------------------------------------------------Prof. Dr. Artur Matuck Universidade de São Paulo. Membro:. ------------------------------------------------------Prof. Dr. Arhur H. Lara Universidade de São Paulo. Membro: -------------------------------------------------------Prof.. Membro: -------------------------------------------------------Prof..

(5) 4. Dedico esta dissertação de mestrado aos meus pais, Ivaldo Brasil (in memoriam) e Maria Jurema Brasil, que sempre me incentivaram a buscar no conhecimento e na harmonia o melhor caminho para vida. Às minhas irmãs e sobrinhas que sempre me iluminaram com alegria, energia e sorrisos..

(6) 5. Agradeço aos amigos que sempre estiveram ao meu lado e incentivaram este trabalho com muitas ideias, conversas e carinho. Um agradecimento especial aos meus pequenos companheiros caninos Colie e Preto pela confiança, afeto e momentos de alegria tão genuínos. Agradeço especialmente ao meu orientador Prof. Dr. Artur Matuck pela amizade, apoio, confiança e incentivo constante aos meus trabalhos acadêmicos, artísticos e profissionais..

(7) 6. Resumo. A partir dos anos 2000, o Centro da cidade de São Paulo voltou a vibrar como polo atrativo de novos moradores, entre eles artistas. Favorecidos com boa infraestrutura, preços baixos e uma (re) conexão cultural e afetiva com o centro histórico, os novos “moradores” passaram a se reunir em espaços autônomos de arte, onde criam laços e se influenciam pelo espaço urbano singular da região central da cidade. Tais espaços autônomos se configuram pela independência do circuito institucional e do mercado de arte, estando livres para criar, refletir e apresentar seus trabalhos no contexto da cidade. As trajetórias da arte contemporânea em um circuito independente e experimental no distrito da Sé conduzem esta pesquisa. O mapeamento dos espaços autônomos de arte na região mostra como eles se articulam no centro histórico da maior cidade brasileira, formando uma teia de relações entre artistas, espaços autônomos e a cidade.. Palavras-chaves: cidade, circuito, circuito de arte, Distrito da Sé, espaços autônomos de arte, espaços culturais, espaço urbano, São Paulo..

(8) 7. Abstract. From the 2000s, the São Paulo city downtown has once again vibrated as an attractive pole of new residents, among them artists. Favored by good infrastructure, low prices and a cultural and affective (re) connection with the historic center, the new "residents" get together in autonomous art spaces, where they create bonds and are influenced by this unique urban space of the center of the city. These autonomous spaces are shaped by the independence of the institutional circuit and the art market, being free to create, reflect and present their works in the context of the city. The trajectories of contemporary art in an independent and experimental circuit in the Sé district lead this research. The mapping of autonomous art spaces in the region shows how they are articulated in the historical center of the largest Brazilian city, forming a web of relations between artists, autonomous spaces and the city.. Keywords: autonomous art spaces, art circuit, circuit, city, cultural spaces, urban space, Sé District, São Paulo..

(9) 8. Sumário. Introdução...................................................................................................... 09 Capítulo 1 Espaços autônomos de arte contemporânea............................................. Os nós do Arte-Circuito........................................................................... Centro Cultural Ocupa Ouvidor 63.................................................. Estúdio Lâmina.................................................................................. Sé Galeria/Casa Juisi........................................................................ Instituto Ângelo Palumbo (IAP)........................................................ Casa Ranzini...................................................................................... Espaços autônomos temporários........................................................... O Distrito da Sé em dados................................................................ O circuito fora do circuito.................................................................. 16 18 18 18 18 19 19 24 27 30. Capítulo 2 Moderno e Contemporâneo na Sé............................................................... Cidade Antropofágica.............................................................................. Descentralidade, deslocamento e retorno............................................. De volta para o futuro – experiências artísticas no Século XXI........... O centro em circuito.................................................................................. 32 33 40 44 45. Capítulo 3 As trajetórias dos espaços autônomos de arte Contemporânea na Sé... Centro Cultural Ocupa Ouvidor 63......................................................... Estúdio Lâmina......................................................................................... Sé Galeria/Casa Juisi............................................................................... Instituto Ângelo Palumbo (IAP)............................................................... Casa Ranzini.............................................................................................. 46 47 51 54 59 63. Capítulo 4 Trajetórias em rede – práticas artísticas e curatoriais.............................. Arte Circuito Sé: caminhada................................................................... Terceiro Andar – Espaço Tomado.......................................................... Ciclocircuito: arte circulatória................................................................. Considerações finais..................................................................................... Bibliografia..................................................................................................... Outras fontes bibliográficas – periódicos/catálogos................................. Websites consultados.................................................................................... 67 69 76 81 86 89 92 93.

(10) 9. Introdução À deriva no “centro velho” de São Paulo, observo tudo na imensidão vertical e horizontal, perco-me no emaranhado de ruas e praças, divago na velocidade de carros e pessoas. Imerso neste espaço urbano sui generis, encontrei lugares onde a arte é a interlocução entre artistas e cidade. Os espaços artísticos autônomos encravados no coração da cidade, no distrito da Sé, passam a formar um imaginário circuito autônomo de produção e circulação de arte contemporânea. Em um “estado de espírito errante”, passei a enxergar além da imagem espetacular da cidade, e meu corpo então se tornou parte dela. Era como se as palavras da arquiteta Paola Berenstein Jacques se introjetassem em mim:. Para o errante, são sobretudo as vivências e ações que contam, as apropriações com seus desvios e atalhos, e estas não precisam necessariamente ser vistas, mas sim experimentadas, com todos os outros sentidos corporais. A cidade é lida pelo corpo e o corpo escreve o que poderíamos chamar de “corpografia”1 (JACQUES, 2012: p. 119). Passei a fazer caminhos inversos aos propostos e vistos pelos urbanistas. Não vejo a cidade de cima como um deles, mas erro por entre ruelas, viadutos, velhos cinemas, praças, avenidas, multidões. O errante erra por vontade própria, busca a desterritorialização, quer ser nômade e se perder na selva de pedra. Experimentei tudo de dentro; caminhei e reordenei a cidade, o que sobrou foram as memórias de muitos trajetos. Como li em Nicolas Borriaud: “A forma da arte hoje expressa um caminho, um trajeto, mais que um espaço ou tempo fixos” (2009: p. 132).. 1. Corpografia – termo proposto por Alain Guez, em 2005..

(11) 10. Era chegada a hora de propor algo a esta cidade já explorada e “incorporada”, pesquisada e sempre desconhecida. Finalmente, em 2014, ao visitar a Sé Galeria deparei-me com um mapa do Centro de São Paulo diferente; haviam pontos marcados, pontos que são espaços autônomos de arte contemporânea. O mapa tinha o sugestivo título de Circuito Centro, e foi ele o estopim deste meu projeto de pesquisa. Depois, descobri-o no Facebook e pude ler e entender melhor esta iniciativa independente. Ela visava “estabelecer trocas de experiência, compartilhamento de serviços e organização de agenda coletiva criando uma rede colaborativa”, como se situa na página do Facebook. O mapa impresso disponibilizava informações sobre os espaços e suas atividades, com o “objetivo de torná-los mais acessíveis”. Ele ainda situava instituições culturais, restaurantes e outros pontos turísticos localizados nos arredores dos espaços da rede, e com isso também pretendia estimular passeios pelo Centro da cidade. Na página do Facebook, divulgavam exposições, debates, oficinas e outros eventos ligados aos tais espaços autônomos. O que vi registrado na internet é que a empreitada do Circuito Centro começou no .Aurora (lê-se “ponto Aurora”), espaço autônomo de arte contemporânea localizado na República, e contou com a colaboração dos seguintes espaços: Casa do Povo, Pivô, Phosphorus (atual Sé Galeria), PaperboxLab (atual Instituto Ângelo Palumbo), Matilha Cultural, Galeria Mezanino, Estúdio Lâmina, Casa Nexo e próprio .Aurora. O projeto cobria uma área que incluía Sé, República, Bom Retiro, Liberdade e Cambuci. Naquele momento, decidi deter-me no distrito da Sé, primeira ocupação urbana da cidade de São Paulo e local onde vivo e transito desde 2009. Nas minhas andanças à deriva pela Sé, encontrei mais dois espaços que não haviam sido mapeados no Circuito Centro: a Casa Ranzini e o Centro Cultural Ocupa Ouvidor 63, que então se juntaram ao Estúdio Lâmina, Sé Galeria/Casa Juisi e PaperboxLab (atualmente Instituto Ângelo Palumbo)..

(12) 11. Fotografia (1) – Mapas de bolso do Circuito Centro. Crédito: Ivaldo Brasil Junior.

(13) 12. Finalmente, configurei a rede ou circuito de espaços autônomos de arte contemporânea na Sé, que passei a chamar de Arte-Circuito. Com o mapeamento feito, dirigi a pesquisa para a apresentação e reflexão sobre os diferentes caminhos tomados por cada um destes cinco espaços artísticos autônomos no ponto mais central da cidade. A intenção é verificar diferenças, intersecções, interações e relações entre os espaços e entre eles e a cidade. A criação e o desenvolvimento do Arte-Circuito se deu, e ainda se dá, diariamente, travando contato com artistas, curadores e gestores culturais dos cinco espaços autônomos. Estes locais são voltados à pesquisa, criação, reflexão, exibição de arte e também ao encontro e à troca entre artistas, curadores, pesquisadores e público. Como ilhas presas a uma rede, ou como elos de um circuito, tais espaços podem ser comparados às utópicas “zonas autônomas temporárias” do escritor e filósofo HakimBey – lugar onde se está livre de controle político e social por determinado tempo, o que potencializa a liberdade de expressão e criação. Assim, os espaços autônomos de arte buscam maneiras de viver e criar em um meio multicultural, cosmopolita e cheio de contradições que é o Centro de São Paulo. Os processos artísticos e de vida cotidiana se embaralham nestes lugares e a relação entre arte e cidade atinge artistas, curadores, gestores e espectadores.. Assim, a obra de arte pode consistir num dispositivo formal que gera relações entre pessoas, ou nascer de um processo social – fenômeno que apresentei com o nome de estética relacional – cuja característica determinante é considerar o intercâmbio humano como objeto estético em si. (BOURRIAUD, 2009: p. 32-33). A interação humana e o contexto social são pontos derradeiros para a arte contemporânea, segundo a estética relacional de Bourriaud, o que torna os espectadores atuantes na ação artística e os artistas reveladores do cotidiano. Por conseguinte, todos se confundem, artistas e audiência, arte e vida. Os espaços autônomos de arte também agem neste sentido, camuflam-se ou transfiguram-se na arte que produzem..

(14) 13. “Por não serem grandes empreendimentos, seus objetivos tampouco visam o lucro, mas o encontro, o ensino, a formação e o agenciamento da produção contemporânea de arte” (2009: p. 56), afirma a pesquisadora Kamille Nunes ao observar a variedade de modelos organizacionais e operacionais destes empreendimentos no livro Espaços autônomos de arte, pesquisa que abrange espaços de arte todo o país. O que vemos é aquilo que nos olha, diz a máxima relacional sobre a presenticidade, a simultaneidade entre artista e espectador, espaço estético e urbano, espaço de arte e cidade. Os novos territórios de convivência trabalham e desenvolvem-se coletiva e colaborativamente nas grandes cidades. Este é um fator de aproximação entre os espaços do Arte-Circuito, mas o que ainda ressalta é a diversidade de práticas artísticas e relações organizacionais e interpessoais. Em um mundo onde nos movemos numa espécie de realidade aumentada, com a integração do real e do virtual, as interações e as tramas em redes ficam cada vez mais intensas e complexas, com novos links comportamentais, políticos e relacionais rearranjando estruturas como as cidades. É neste contexto de diversidade de pontos de vista, interação e diálogo com a cidade que os cinco espaços autônomos deste Arte-Circuito atuam no “centro velho” de São Paulo. Para traçar as trajetórias da arte contemporânea no distrito da Sé, adentrei velhos casarões e edifícios ocupados, vi diversas exposições e eventos nestes lugares, acompanhei criações e discussões, entrevistei artistas e gestores culturais, aprofundei-me por entre pensamentos de diversos autores e criei minhas próprias práticas artísticas e curatoriais para unir os pontos do ArteCircuito. Em pouco mais de três anos e meio, frequentei e convivi nos cinco espaços artísticos da Sé de modo a observar e tentar compreender suas formas de organização e gestão, conhecer as pessoas que habitam esses lugares, conhecer as práticas e linhas artísticas adotadas por eles, e ainda pensar estratégias para realmente criar uma sinergia entre eles. Meu interesse pelos espaços autônomos de arte me levou a refletir sobre a história deste tipo de lugar. Será que existiram espaços autônomos de arte no passado da cidade?.

(15) 14. Deparei-me com o modernismo iniciado com as primeiras exposições de Anita Malfatti e Lasar Segal, nos anos 1910, e logo entendi que muitos artistas visuais conhecidos tiveram papel relevante na constituição de espaços destinados ao encontro, reflexão, criação e exposição no Centro de São Paulo. A instigante narrativa do modernismo inaugurado no início do século XX no Centro da capital paulista esteve em conexão com as vanguardas europeias e foi constituído pela antropofagia oswaldiana sobre a cultura brasileira. Os primeiros espaços autônomos de arte na cidade seguiam os passos de Oswald de Andrade e de suas reuniões com amigos em sua garçonniére. O Clube dos Artistas Modernos (CAM), a Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM) e o Grupo Santa Helena são mais alguns dos exemplos desta busca dos artistas e pensadores por autonomia na criação artística no núcleo de São Paulo. E aqui, contam-se também as práticas desenvolvidas por estes e outros núcleos de artistas que faziam a cidade ver-se um espelho sem entender ao certo a imagem projetada. Como é o caso da Experiência Nº2, de Flávio de Carvalho, que em 1931 realizou seu primeiro ato performático tendo a cidade e seu cotidiano, no caso uma procissão pelas ruas da Sé, como constituintes de uma ação artística. A partir de reflexões, experimentações e busca de relações entre a história e a atualidade da arte no Centro, em 2016 parti para a prática deste projeto de pesquisa. Arte-Circuito Sé se tornou um roteiro de caminhada pelos cinco espaços autônomos de arte, estabelecido através de intervenções performáticas imersivas na malha urbana. Tal prática foi elaborada sobre os conceitos da caminhada como prática estética de Francesco Careri e Frédéric Gros, e apresentadas em duas edições da Jornada do Patrimônio, em 2016 e 2017. Como roteiro integrante da programação oficial do evento, o Arte-Circuito Sé contou com a participação espontânea do público que percorreu o itinerário onde estão localizados os cinco espaços autônomos de arte contemporânea no “centro velho”..

(16) 15. Estudos e práticas curatoriais adentraram o ano de 2017 e então desenvolvi o projeto curatorial Ciclocircuito para o curso Exercícios Curatoriais, orientado pelos curadores Gauciane Neves e Paulo Miyada, no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc, em São Paulo. O projeto ainda não foi realizado e prevê que bicicletas adaptadas, como galerias de arte, laboratório fotográfico e sound system, dos cinco espaços do Arte-Circuito circulem desde a Praça da Sé até a Casa da Luz, ao lado da Estação da Luz, conduzindo obras e proposições artísticas que formarão uma exposição/ação. Ao curso de entrevistas e convívio com artistas e gestores no período desta pesquisa, o Instituto Ângelo Palumbo me convidou para fazer a curadoria de uma exposição coletiva, que se realizou em novembro de 2017 e ocupou todo o terceiro andar do prédio onde está instalado. A exposição Terceiro Andar – Espaço Tomado teve a participação de artistas de dois dos espaços do ArteCircuito: Sé Galeria/Casa Juisi e Casa Ranzini. Além destes, também participaram artistas que lidam com questões sobre urbanidade, identidade e memória, muitas vezes associadas ao Centro da cidade ou ao movimento pendular centro-periferia. No total, 28 artistas participaram da exposição com trabalhos em diferentes suportes. Na atuação com o público da exposição, fiz visitas guiadas com grupos e promovi uma caminhada Arte-Circuito Sé que terminou na exposição. O objetivo destes trabalhos práticos é dar visibilidade aos nós do circuito, ou seja, os espaços autônomos de arte, e provocar uma possível integração ou diálogo entre eles, dando enfim forma e ação ao Arte-Circuito. Estas experiências práticas são parte inconteste da pesquisa e abrem canais de interlocução entre teoria e prática, tão necessária em pesquisas sobre arte. Os três projetos práticos foram desenvolvidos a partir, conjuntamente e como extensão desta pesquisa, ratificando minha intenção de um real circuito integrado de espaços autônomos de arte no Centro de São Paulo..

(17) 16 A arte, também reconhecendo suas condições iniciais, dirige-se para um novo destino, o de servir à sociedade urbana e à vida cotidiana nessa sociedade. (Henri Lefebvre). Capítulo 1. Espaços autônomos de arte contemporânea O primeiro momento desta pesquisa foi as descoberta dos espaços autônomos de arte, que podemos pensar que são como ilhas de liberdade para experimentar e experenciar a arte e a vida. Aqui, consideramos a cidade como cenário, ou melhor, espaço interativo e imersivo e, ao mesmo tempo, deflagrador de peculiaridades destes espaços autônomos de arte contemporânea. Também devemos considerar estes espaços autônomos e muitas vezes coletivos, afinal muitos trabalham de forma colaborativa e coletiva, como admiradores e praticantes da responsabilidade social, o que implica muitas vezes em ir contra o mercado e à estética institucionalizada. Sobre a questão de nomenclatura, o uso da terminologia “autônomo” e não “independente”, segundo a pesquisadora Kamilla Nunes, é porque se deve ter em mente que estes lugares não. foram. dependentes. e. então. se. emanciparam,. mas. nasceram. espontaneamente com suas próprias leis. De qualquer forma, temos de levar em conta que no Brasil o termo “independente” é usado no sentido de autonomia e liberdade.. Um espaço autônomo de arte contemporânea, por sua vez, configura um modo de agir e estar no mundo, sitiado por suas próprias leis. (NUNES, 2011, p. 46).

(18) 17. São Paulo é um emaranhado de fios de diferentes referenciais em todos os aspectos, e na trama das artes o labirinto de práticas e poéticas cria diversas redes que podemos separar em circuitos independentes. Então, a partir de um mapeamento da região central da cidade intitulado Circuito Centro, de 2014, passamos a concentrar esta pesquisa no distrito da Sé, onde já estavam demarcados três espaços autônomos de arte contemporânea: Estúdio Lâmina, PaperboxLab e Phosphorus. Acrescentamos outros dois espaços que não figuraram no Circuito Centro, mas também estão localizados neste distrito: Casa Ranzini e Centro Cultural Ocupa Ouvidor 63 (1). Assim desponta o Arte-Circuito, sobre o qual nos debruçamos nesta pesquisa. O Arte-Circuito é formado por cinco espaços autônomos e heterogêneos entre si nas formas de organização e gestão, mas que têm em comum a vivência em um espaço urbano histórico e ímpar da cidade, com suas próprias contradições e expectativas, viabilidades e adversidades – o distrito da Sé. É por este território que passamos a caminhar e observar a arte contemporânea, quando se depara, envolve-se, dialoga, contamina-se e configura-se com o espaço urbano e sua sociedade, como o geógrafo francês Michel Lussault nos destaca:. Se pensarmos no espaço territorializado da arte, ou o seu lugar físico e simbólico, o que define a sua existência é o fato de ela ocupar um espaço comumente pensado como o espaço institucionalizado do museu ou da galeria, por exemplo. Mas ao longo do tempo as instituições artísticas se modificaram para acompanhar as mudanças sociais e da própria arte, que chega a estetizar o espaço urbano. (LUSSAULT, 2003). Em nosso caso, os espaços artísticos formadores do Arte-Circuito acompanham as mudanças sociais, culturais e políticas da cidade, instalam-se no Centro quando ele é redescoberto e ocupado por artistas afinados com a sua importância histórica e social..

(19) 18. Galerias e museus repensam seus espaços para a arte que agora emerge e se posiciona como propositora de ações que misturam o social, o político e o artístico, colocando em segundo plano o objeto de arte. Caminhamos por um lugar onde o mercado é muito menos importante que o afeto do olho no olho. Nunes resume a questão: “Os objetivos dos espaços autônomos não visam o lucro primordialmente, mas o encontro, o ensino, a formação e o agenciamento da produção contemporânea de arte” (2011, p. 56). Os nós do Arte-Circuito Apresentamos a seguir os protagonistas do Arte-Circuito resumidamente. No Capítulo 3, eles são examinados com maior profundidade, mas aqui cabe descrevê-los para um breve reconhecimento. Centro Cultural Ocupa Ouvidor 63 – Rua do Ouvidor 63, próximo à Praça da Bandeira e Largo São Francisco. Em 2014, jovens artistas ocuparam o edifício abandonado que pertence à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do Estado de São Paulo, onde resistem à reapropriação mantendo eventos culturais diversos, de apresentações de circo e teatro a exposições de arte e discussões sobre gestão de espaços autônomos. Estúdio Lâmina – Avenida São João 108, entre o Vale do Anhangabaú e a Rua Líbero Badaró. O Estúdio Lâmina ocupou originalmente a sala 41, quando foi fundado em 2011, de um prédio da década de 1930. Hoje ocupa quase todo o quarto andar e salas no terceiro e segundo andares. Artes visuais, poesia e música são as formas artísticas de destaque na programação do local. Sé Galeria/Casa Juisi – Rua Roberto Simonsen 108, próximo ao Pátio do Colégio e Praça da Sé. O espaço iniciou atividades em 2011 em um casarão de 1890, que foi o primeiro cartório da cidade. Galeria de arte e acervo de moda dividem o espaço de mil metros quadrados, mas os ateliês já extrapolaram a casa e também estão no prédio vizinho..

(20) 19. Instituto Ângelo Palumbo (IAP) – Rua do Carmo 56, próximo a Praça Clóvis Beviláqua e Igreja da Ordem Terceira do Carmo. O IAP ocupa um edifício de três andares da década de 1940 que serviu para repartições públicas, atualmente as salas viraram ateliês e o prédio é adaptado para portadores de deficiências físicas. As atividades artísticas começaram em 2012 sob o nome de PaperboxLab, mas com a morte do criador do espaço, em 2017, o Instituto recebeu seu nome. Casa Ranzini – Rua Santa Luzia 31, próximo ao Forum João Mendes e Praça da Liberdade. Uma associação informal de amigos comprou a antiga casa da família do arquiteto italiano Felisberto Ranzini (1881-1976) em 2009. A casa é tombada pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) e atualmente é residência artística de um fotógrafo e é acessível a visitas durante eventos, como a Jornada do Patrimônio..

(21) DISTRITO DA SÉ.

(22) TRIÂNGULOS HISTÓRICOS. 1- Igreja São Francisco 2- Igreja São Bento 3- Igreja do Carmo.

(23) ESPAÇOS AUTÔNOMOS DO ARTE-CIRCUITO.

(24) INSTITUIÇÕES CULTURAIS (principais). 1- Casa da Imagem 2- Solar da Marquesa de Santos 3- Museu Padre Anchieta 4- Caixa Cultural 5- Centro Cultural Banco do Brasil 6- Farol Santander. 7- FAAP–Museu de Arte Brasileira – Centro 8- Museu do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 9- Museu Catavento 10- Sesc Carmo 11- Espaço Cultural BM&F Bovespa.

(25) 24. Espaços autônomos temporários Para seguirmos adiante algumas perguntas precisam ser respondidas para que consigamos entender as trajetórias imprimidas pelos espaços autônomos de arte contemporânea no distrito da Sé. Afinal, o que são espaços autônomos de arte? Como eles se organizam e se mantêm? Quais as implicações artísticas e cotidianas de estarem situados no “centro velho”? Violência, gentrificação e interação com o espaço urbano fazem parte da vida destes espaços? Como eles se relacionam com estas questões? Partimos do conceito das “Zonas Autônomas Temporárias”, na sigla em inglês TAZ (temporaryautonomous zones), do filósofo e escritor HakimBey que equipara os territórios livres dos piratas dos séculos XVI e XVII com espaços de relativa autonomia nas sociedades contemporâneas. Sobre o passado dos piratas e os locais onde viviam, o autor nos conta que:. “algumas dessas ilhas hospedavam ‘comunidades intencionais’, minisociedades que conscientemente viviam fora da lei e estavam determinadas a continuar assim, ainda que por uma temporada curta, mas alegre” (2011, p. 11).. Estas ilhas ou espaços autônomos são lugares onde podemos subverter a ordem institucional vigente das autoridades e do Estado para produzir múltiplas formas de saber sem estarmos presos ao intermédio de uma verdade dominante e dominadora. Assim, podemos dizer que a arte feita nas TAZs não tem ou tem pouquíssimo vínculo com os paradigmas de instituições oficiais públicas ou privadas e está livre de discursos repressivos de poder, como os gestores e artistas dos espaços incluídos no Arte-Circuito confirmaram em entrevistas. “Eu imaginei que conseguiria patrocinadores, mas não consegui porque não sei fazer isso e também achei melhor não ter marca nenhuma aqui dentro, porque isso iria comprometer o esquema todo..

(26) 25 As marcas não conseguem apoiar e te deixar livre, tem de passar por um crivo delas e eu não quero. Ser um espaço independente não quer dizer que você não é dependente de ninguém, mas independência tem a ver com autonomia. E eu fiquei com medo de perder essa autonomia. Não abri concessões, sempre quis seguir o meu caminho.” (Maria Montero, curadora da Sé Galeria, em entrevista concedida a esta pesquisa, em 2017.) “Como cada andar é independente e tem suas próprias regras, então a reunião semanal é importante pra gente fortificar a identidade do prédio, pra gente não esquecer que é uma ocupação artística, aberta pras pessoas que querem participar.” (Luís Só, músico residente da Ocupa Ouvidor 63, em entrevista concedida a esta pesquisa, em 2017.). Bey não quer colocar a TAZ como um fim em si mesmo e substituta de “todas as outras formas de organização, táticas e objetivos”. A efemeridade e a autonomia destes espaços são o que os faz emergir como lugares fora do controle do Estado e de instituições privadas, ambos agentes controladores. A TAZ é uma espécie de operação de guerrilha que libera áreas de terra, de tempo ou de imaginação, segundo Bey, e se dissolve para se reconstituir em outro espaçotempo, antes mesmo que possamos percebê-la. É em uma zona autônoma temporária que o autor crê que a arte floresça sem fronteiras.. Acredito, ou ao menos gostaria de propor, que a única solução para a “supressão e realização” da arte está na emergência da TAZ. Rejeito veementemente a crítica que diz que a própria TAZ não é “nada além” de uma obra de arte, muito embora ela possa vestir alguns de seus enfeites. Eu sugiro que a TAZ é o único “lugar” e “tempo” possível para a arte acontecer pelo mero prazer do jogo criativo, e como uma contribuição real para as forças que permitem que a TAZ se forme e se manifeste. (BEY, 2011, p. 69). O espaço livre e sem impedimentos em um tempo aberto à criação e execução artísticas são fundamentais para a autonomia, o que também delineia a pluralidade dos espaços artísticos que observamos..

(27) 26. A auto-sustentabilidade geradora de ideias, opiniões, financiamentos e produção, bem como a liberdade ideológica e de comercialização são cruciais para a manutenção e desenvolvimento de tais espaços.. (...) Os “espaços independentes” têm um papel importante a desempenhar no exercício de uma postura resistente à mera comercialização da arte, a um comportamento padrão que envolve mais aparência do que afetividade, e à institucionalização. Assim, a distância conceitual que divide esses discursos abriga a profundidade dos mesmos. E essa pluralidade que constitui a essência dos espaços, e também o que os diferencia uns dos outros, e estes dos aparelhos culturais geridos pelo Estado e pelas grandes corporações. (NUNES, 2011, p. 53). Os espaços autônomos de arte contemporânea que constam em nossa cartografia no distrito da Sé, área primordial da cidade de São Paulo, constituemse então como zonas autônomas temporárias, dentro dos preceitos de Bey. A rede de TAZs que propomos aqui tem comobase o projetoindependente Circuito Centro, de 2014, bem como a nossa curiosidade, que nos move e nos faz participantes de atividades artísticas e culturais nestes espaços-tempos singulares. O. Circuito. Centro. pretendeu. “estabelecer. trocas. de. experiência,. compartilhamento de serviços e organização de agenda coletiva criando uma rede colaborativa” entre os espaços autônomos de arte da região central de São Paulo, com “objetivo de torná-los mais acessíveis”. Com o Arte-Circuito, trabalhamos com um número menor de espaços autônomos, que estão mais próximos geográfica, social e politicamente, o que pode favorecer o encontro, a troca e a partilha de ideias e projetos. Logo, é importante conhecermos o distrito da Sé para entendermos onde pisamos e onde está situado o nosso roteiro artístico..

(28) 27. O Distrito da Sé em números e dados A Sé é um dos oito distritos administrados pela Prefeitura Regional da Sé que formam o Centro da cidade de São Paulo. A área do distrito da Sé é de 2,19 km2, com população de 23.651 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010. Geograficamente, a Sé tem os seguintes limites com outros distritos: a oeste com República, a leste com Brás, ao norte com Luz e ao sul com Liberdade e Cambuci. Na região mais central do distrito, está o “triângulo histórico”,2 que é a menos habitada. Na área há uma concentração grande de empresas públicas e privadas, estabelecimentos financeiros e comerciais, e instituições de educação e cultura. Nesta parte da Sé é que estão situados quatro dos nossos cinco espaços autônomos de arte pesquisados: Ocupa Ouvidor 63, Estúdio Lâmina, Instituto Ângelo Palumbo e Sé Galeria/Casa Juisi. À vista disso, esta área central da Sé configura-se como lugar de passagem ou trânsito, portanto podemos considerála uma espécie de não-lugar, na acepção do etnólogo francês Marc Augé, que também vê uma dicotomia no sentido deste termo.. Se definirmos o não lugar não como um espaço empiricamente identificável (um aeroporto, um hipermercado ou um monitor de televisão), mas como o espaço criado pelo olhar que o toma como objeto, podemos admitir que o não lugar de uns (por exemplo, os passageiros em trânsito num aeroporto) seja o lugar de outros (por exemplo, os que trabalham nesse aeroporto). (AUGÉ, 2006, p. 116). Concluímos que como centros de arte que também são residências artísticas, os espaços autônomos de arte contemporânea da Sé exercem papéis diversos,. 2. O livro Triângulo São Paulo – um guia para se perder no Centro dá a seguinte definição do “triângulo histórico”, que se delimita pela praça da Sé e os Largos de São Francisco e São Bento: “Nesse pequeno núcleo (não exatamente um triângulo), a cidade nasceu, ergueu suas primeiras escolas, paróquias, quitandas e casas de taipa (...) O Triângulo guarda traços dos muitos processos que transformaram a cidade nos trezentos anos em que ela esteve circunscrita à região...”.

(29) 28. como lugar para os artistas e como não-lugar para o público. Neste sentido, o Arte-Circuito trabalha no mesmo viés, ora como lugar ora como não-lugar, e assim também transforma e ressignifica o espaço urbano. “Existe contaminação entre a cidade e o nosso trabalho a todo momento. Na semana passada, o Junior [Guarniei, sócio da Casa Juisi] tirou uma foto de uma mulher vestida com sacos plásticos num boteco aqui perto e virou um “bafafá” na internet. São coisas daqui, das questões sociais daqui. E daí um amigo em Londres disse que viu algo parecido num desfile de alta-costura lá. E teve um artista da residência Phosphorus que espalhou umas pedras aqui pelo Centro e as pessoas achavam que elas tinham vindo de outro planeta. É uma maravilha!” (Simone Prokopp, sócia da Casa Juisi, em entrevista para esta pesquisa, em 2017.) “Na Virada Sustentável de 2016, abrimos a casa com muitos eventos, inclusive com show do André Abujamra e a banda Karnak, e tinha pessoas conhecidas, mas fizemos questão de convidar os vizinhos, e aqui perto tem uns cortiços e ocupações. Muita gente daqui de perto veio e gostou do que viu, assistiu tudo de forma bastante interessada.” (Luís Castañón, presidente do Instituto Ângelo Palumbo, em entrevista a esta pesquisa, em 2017.). A história do distrito da Sé confunde-se com a da cidade de São Paulo, pois por cerca de três séculos o povoado que se desenvolveu no alto da colina cercada pelos rios Tamanduateí e Anhangabaú foi a cidade em si. Da fundação da vila de São Paulo de Piratininga até meados do século XIX, já alçada à capital da província de São Paulo, a cidade permaneceu restrita a esta área e ponto de passagem entre o litoral e o interior. A virada desta situação se deu com a chegada de imigrantes europeus e asiáticos que ajudaram a impulsionar a industrialização da cidade e a cultura cafeeira no interior do estado, o que não só interferiu no aspecto sócio-econômico, mas também cultural e artístico da cidade. A vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos “padrões” que coexistem na Cidade. (LEFEBVRE, 2001, p. 22).

(30) 29. Hoje, o distrito da Sé é marcadamente o centro histórico da cidade de São Paulo. É nele que encontramos marcos arquitetônicos, artísticos e religiosos, comércio intenso e diversificado, importantes instituições financeiras e alguns centros culturais com programação nas áreas de artes visuais, teatro, música e cinema. Lugar de apelo turístico, a Sé é muitas vezes deixada em segundo plano pelos governos municipal e estadual, o que é bastante revelador pelo aspecto físico das ruas, praças e edifícios, mesmo atraindo muitos turistas. Pelos dados numéricos oficiais é fácil verificar que o distrito da Sé tem poucos equipamentos culturais. Na seção Infocidade do site da Prefeitura Municipal de São Paulo3, constatamos certo descaso com a pesquisa por conta das fontes informais, por exemplo o uso de guias de lazer de jornais diários que não são muito adequados para mensurar as reais quantidades e identificações de galerias de arte, espaços culturais, museus, bibliotecas, casas de shows, teatros e cinemas na cidade, em particular no distrito da Sé, que é objeto da nossa pesquisa. Na seção Centros Culturais, Espaços Culturais e Casas de Cultura estão listados oito destes equipamentos no distrito da Sé, sendo um público estadual e sete particulares. Nestes dados de 2012, constatamos alguns problemas como a figuração do Espaço Cultural das Classes Laboriosas que foi destruído por um incêndio em 2008, e também há a repetição de um local com dois nomes semelhantes: Espaço Cultural BM&F e Espaço Cultural da Bolsa de Mercadorias & Futuros. Na Sé há 10 museus, segundo dados de 2012 no site, e três galerias de arte, segundo levantamento da Prefeitura em 2016 e que são: Espaço Cultural da Bolsa que tem pouca atividade, Estação Sé do Metrô que tem exposições em um mezanino e o restaurante Salve Jorge, que é um ambiente temático onde acontecem apresentações de samba e chorinho. O site da Prefeitura ainda contabiliza 13 bibliotecas especializadas e nenhuma pública (dados de 2016), quatro teatros, uma sala de cinema e três salas de shows e concertos (dados de 2012).. 3. Em http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br acessado novembro de 2017.

(31) 30. O circuito fora do circuito Obviamente, notamos que os nossos cinco espaços autônomos de arte não figuram nas estatísticas institucionais, o que nos leva de volta ao conceito das zonas autônomas temporárias de Bey. Tais lugares estão à margem das instituições e não fazem parte do circuito artístico-cultural oficial, eles estão encapsulados no tecido da cidade e são visíveis a quem tem realmente interesse e a quem eles se deixam vislumbrar. O isolamento destes espaços autônomos os conduz, como vimos anteriormente, a uma maior liberdade de atuação artística, social e política e de vinculação ao espaço urbano. Bey define pontualmente esse processo de visibilidade e invisibilidade das TAZ, que aqui são os nossos espaços autônomos de arte, os nós do Arte-Circuito:. Iniciar a TAZ pode envolver várias táticas de violência e defesa, mas seu grande trunfo está em sua invisibilidade – o Estado não pode reconhecê-la porque a História não a define. Assim que a TAZ é nomeada (representada, mediada), ela deve desaparecer, ela vai desaparecer, deixando para trás um invólucro vazio, e brotará novamente em outro lugar, novamente invisível, porque é indefinível em termos do Espetáculo. Assim sendo, a TAZ é uma tática perfeita para uma época em que o Estado é onipresente e todo-poderoso mas, ao mesmo tempo, repleto de rachaduras e fendas. (BEY, 2001, p. 16). Os espaços autônomos de arte habitam as frestas, caminham no entretempo, esgueiram-se por espaços intersticiais que fogem da percepção e compreensão do Estado e da grande maioria do público. Mas ao contrário da afirmação de Bey, muitos deles resistem e mantêm-se por muito tempo. Todavia, é neste habitat urbano que criam e recriam, interpretam, criticam e experimentam com liberdade de expressão a sociedade, a(s) cultura(s) e o espaço-tempo em que vivem..

(32) 31. Não é apenas com números e grandezas que fazemos a cidade que habitamos, mas é através da cultura de seus habitantes, da nossa cultura. E quanto mais diversificadas forem as origens da população, mais heterogênea e rica será a cultura de tal cidade, como aborda a socióloga Maité Clavel. Para ela, “a cidade sonhada e a cidade praticada” são espaços de circulação cultural, que mesmo que em um primeiro momento não haja integração total de diferentes culturas e que partes fiquem opacas às demais, há processos coletivizadores e tentativas de aproximação que misturam a cultura legítima de tal cidade às diversas outras culturas.. A cultura da cidade é a cultura dos cidadãos que fazem parte da cidade. Os que nela residem, os que trabalham nela e todos os que a frequentam. O que faz com que tal cidade seja reputada “cinza”, “fria”, “bela”, “dura”, “alegre” etc., é o resultado de uma aliança entre as construções e as pessoas que produz uma atmosfera particular. (CLAVEL, 2006, p. 70). São Paulo é uma gigantesca colcha de retalhos culturais que costuramos e remendamos dia a dia. Desde o passado remoto, quando indígenas e europeus se encontraram pela primeira vez até os recentes fluxos migratórios de africanos e latino-americanos no século XXI, a cultura da cidade vem se recompondo e se revigorando, em uma transculturação antropofágica. Se continuarmos a caminhar pelo Centro de São Paulo, notaremos que uma possível síntese ou reconfiguração desta cultura miscigenada e aglomerada ainda está em ebulição neste espaço urbano e contamina todos e tudo, e certamente os espaços autônomos de arte contemporânea..

(33) 32. Capítulo 2. Moderno e Contemporâneo na Sé No âmago da cidade de São Paulo tudo se passa como em um turbilhão constante, que deposita camadas de história em formas de edifícios, praças, viadutos, avenidas e ruas. As eras históricas da cidade podem ser vistas através de edifícios singulares, que brotam de todos os cantos e colocam lado a lado estilos arquitetônicos muito diversos. Tem-se que olhar para o alto para ver os séculos de história que se estendem neste pequeno espaço de São Paulo. Certamente, a arte também está amalgamada a estas camadas históricas, afinal arte, arquitetura e sociedade caminham juntas. Mas, assim como os atuais espaços independentes de arte, certamente a Sé foi palco de uma pré-história desses lugares, palco de protozonas autônomas temporárias de produção, discussão e circulação da arte. Se as memórias sobre ateliês e espaços compartilhados por artistas entre a fundação da cidade, em 1554, até o final do Século XIX são raras, muitos são os registros de iniciativas independentes que fizeram São Paulo firmar-se como epicentro artístico-cultural do país. A chegada dos imigrantes, sobretudo os europeus, colocou a cidade a par dos rumos da arte de vanguarda nas metrópoles internacionais. A Semana de Arte Moderna de 1922 torna-se a lanterna que guiaria São Paulo durante o Século XX rumo ao status conquistado de lugar essencial para a arte brasileira..

(34) 33. Cidade antropofágica Quando os exploradores portugueses subiram a Serra do Mar, desde São Vicente até o Planalto de Piratininga, iniciou-se naqueles primeiros anos do Século XVI o percurso da construção da maior e mais rica cidade brasileira. São Paulo passou três séculos apenas como um vilarejo que servia de ponto de parada entre o litoral e o interior do Brasil. Até que o Século XX jogou luzes sobre a cidade. Ela viria a ser não somente a mais populosa cidade brasileira, miríade de imigrantes de todo o mundo e catalisadora econômica, mas também o mais pujante e inovador palco das artes no país, em eterna rixa com a então capital do país Rio de Janeiro. O começo do século XX é marcado pela ascensão do modernismo paulistano, que a partir da primeira exposição de Anita Malfatti, em dezembro de 1917, impulsionou a arte e o pensamento de muitos intelectuais que em São Paulo traçaram caminhos importantes para as artes visuais brasileiras. Nas primeiras décadas do Século XX, São Paulo passeou por transformações profundas que expandiram seus domínios para além da Sé. Geograficamente, a cidade “formou-se numa espécie de colina ou platô em forma de ‘V’, cercada pelos rios Anhangabaú, de um lado, e Tamanduateí, de outro” (TOLEDO, p.93), área que hoje faz parte do distrito da Sé. Até aproximadamente 1930, a cidade localizava-se no “triângulo histórico” e somente com a reconstrução do Viaduto do Chá em concreto armado, em 1938, é que o Centro se expandiu para as regiões da República, Higienópolis, Campos Elíseos e outros bairros vizinhos que então se formavam. Neste cenário que se inovava urbanística, tecnológica e culturalmente, os artistas modernistas pincelavam uma nova trajetória para as artes, mais relevantemente nas artes plásticas, mas também na música, teatro e literatura. Desenvolvia-se o pensamento de uma arte brasileira que conjugasse a experiência única na metrópole rica que despontava, um misto de selva e civilização que os modernistas tanto exploraram..

(35) 34. Um lugar importante para as reuniões dos artistas modernistas foi a garçonnière de Oswald de Andrade, no final dos anos 1910. O pequeno estúdio ficava no terceiro andar do antigo número 67 da Rua Líbero Badaró. Em matéria publicada na revista Nau Cultura e Pensamento (edição nº 1, 2013), sob o título “Garçonnière de Oswald”, dá para entender um pouco sobre o clima naquele espaço do poeta e escritor que muito se assemelha aos atuais espaços artísticos autônomos:. Virou um ponto de encontro dos amigos de Oswald de Andrade. Ignácio da Costa Ferreira, Guilherme de Almeida, Pedro Rodrigues de Almeida, Leo Vaz e Monteiro Lobato, entre outros, frequentaram aquele espaço por todo o ano de 1918 e 1919, e começaram a compor juntos uma espécie de diário coletivo, ou ata delirante de encontros. Por sugestão de Rodrigues de Almeida, o diário foi chamado de “O perfeito cozinheiro das almas desse mundo.” (Nau Cultura e Pensamento, 2013, p. 4). As incursões literárias pelo grupo de Oswald de Andrade e a proximidade geográfica foram inspiração para a o Estúdio Lâmina criar seu próprio evento de poesia intitulando La Garçonnière, há dois anos. Nestes saraus também discutese arte em geral, como acontecia no pequeno apartamento de Oswald de Andrade. Os modernistas devem ter falado muito sobre a primeira exposição da pintora Anita Malfatti, na ocasião, recém-chegada de viagem à Europa e Estados Unidos, onde estudou pintura e trouxe na bagagem traços que até então eram desconhecidos dos paulistanos.. E o fato histórico inconteste é que a disputa no País entre arte moderna e arte acadêmica se inaugurou com a exposição de Anita Malfatti em 1917. Essa mostra teve o condão de suscitar o problema, agitar os meios artísticos e intelectuais, arregimentar adeptos e adversários, alcançando e apaixonando até mesmo a opinião pública, em geral, e sobretudo naquele tempo, distanciada de tais assuntos. (ALMEIDA, 1976: p.12).

(36) 35. Entre muitas controvérsias, a arte e a cidade de São Paulo caminhavam juntas rumo a novas descobertas, novas visões de um mundo que se abria a sua frente, um mundo veloz, com máquinas à vapor, bondes elétricos, carros, telefones e arranha-céus. A cidade que se expandia em todas as direções estava cheia de novidades e a vida das pessoas mudava radicalmente. A virada dos séculos XIX e XX foi um momento de transição social, cultural, política e econômica no país, e o mecenas Paulo Prado é figura central das movimentações que levaram à Semana de Arte Moderna de 1922. Filho de cafeicultores ricos, Prado participava de soirées onde conheceu e tornou-se amigo e financiador de artistas, escritores e pensadores que questionavam a arte apoiada pela Academia Brasileira de Letras. Em conversas com Di Cavalcanti e outros artistas, Prado levou à diante a idéia de mostrar uma arte brasileira de vanguarda e organizou e financiou a Semana de Arte Moderna, conforme relata a antropóloga Thais Chang Waldman. 4 Mas em contrapartida, o museólogo e marchand Pietro Maria Bardi afirma no catálogo da exposição Semana de 22, que aconteceu no MASP em 1972, que entre muitas histórias houve um grupo grande de pessoas envolvidas na organização da Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal:. A composição da companhia era heterogênea. Basta pensar-se no secretário da Semana, René Thiollier, que em depoimento declarou na aberttura e no fim: “Por mais extravagante que possa parecer, quem organizou a Semana... fui eu.” Em seu nome foi extraído o recibo de aluguel do Teatro Municipal, dando-lhe, assim, um atestado de participante da ‘Semana Futurista’. (BARDI, 1972, p.11). 4. WALDMAN, Thais Chang. Moderno bandeirante: Paulo Prado entre espaços e tradições. Dissertação de mestrado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2009..

(37) 36. Foi sobremaneira eficaz na formação e criação de afiliações artísticas diversas, proto-espaços autônomos de arte, como a Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM) e o Clube dos Artistas Modernos (CAM), chegando à fundação do Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1947, e do Museu de Arte Moderna (MAM), em 1948, que teve como consequência a 1ª Bienal de São Paulo, em 1951. Estas movimentações na capital paulista foram articuladas a partir de saraus e reuniões de artistas financiados por comerciantes e industriais ricos. O crítico de arte Paulo Mendes de Almeida lembra a importância da aristocracia paulistana para o desenvolvimento do movimento modernista, o que denota a influência cultural que as artes visuais tomaram naquele início do Século XX. “A abertura do ‘salon’ modernista de Dona Olívia Guedes Penteado representou também a abertura de uma brecha considerável na resistência aos novos valores artísticos que despontavam no país” (ALMEIDA, 1976, p.15). O autor segue dando conta das reuniões na casa da rica senhora para discutir arte, política e o dia a dia da cidade, sendo aqueles encontros prenúncios de uma forma de agrupamento artístico, mesmo que ainda fora dos parâmetros de coletividade atuais.. Em torno dessa ilustre dama (…) concentraram-se artistas e intelectuais da corrente reformadora, e assim, as reuniões em sua casa assumiram a feição de movimento coletivo, precursor das futuras sociedades de artistas e de amigos da arte moderna (ALMEIDA, 1976: p.15). Nas décadas de 1920 e 1930, as atividades governamentais, comerciais e culturais de São Paulo restringiam-se basicamente ao atual Centro – Sé, ou “centro velho”, e República, ou “novo centro”. Nestas regiões da cidade é que foram fundadas duas agremiações de artistas, em 1932..

(38) 37. A Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM) surgiu no dia 23 de novembro e o Clube de Artistas Modernos (CAM) no dia seguinte. A SPAM era tida como uma sociedade de grã-finos liderada por Lasar Segall, Gregori Warchavchik, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral entre outros, e tinha como endereço a Praça da República.. O programa da SPAM era vasto. Propunha-se a “estreitar as relações entre os artistas e as pessoas que se interessam pela arte em todas as suas manifestações”, promover exposições, concertos, conferências, reuniões literárias, organizar anualmente o “mês da arte”, e instalar uma sede social”, “com salão de festas e exposições, sala de leitura, atelier para artistas, etc.” reclamando, para tanto, a colaboração de todos os artistas e amigos da arte. (ALMEIDA, 1976: p. 19). O CAM tinha um tom boêmio e vanguardista com a liderança de Flávio de Carvalho, juntamente com Di Cavalcanti, Carlos Prado e Antônio Gomide. O clube ocupava todo um prédio da Rua Carlos Lessa 2, embaixo do Viaduto Santa Ifigênia.. Era um salão grande, para exposições, conferências, concertos, festas, biblioteca, etc. e… um bar. No outro piso, os “ateliers” foram muitas vezes cedidos aos artistas do Clube, para sessões conjuntas com modelo vivo. (…) Flávio de Carvalho introduzira essa novidade dos debates após as conferências, o que lhes reforçava o interesse, dando calor àquelas reuniões. (…) Em pouco tempo, o CAM tornou-se um ponto obrigatório de encontro para quantos, na cidade, achavamse de qualquer forma ligados às manifestações artísticas e intelectuais. (ALMEIDA, 1976, p. 28 e 30).

(39) 38. Pouco tempo depois, em 1934, outro grupo de artistas se uniu na Praça da Sé, ocupando uma sala do Palacete Santa Helena, na verdade, o escritório do pintor Francisco Rebolo. Posteriormente, a associação de artistas recebeu o nome de Grupo Santa Helena, em virtude do edifício em que trabalhavam. Não eram artistas de mesmas referências culturais e intelectuais que os do CAM e SPAM, eram imigrantes ou filhos de imigrantes operários, mas logo ganharam destaque na imprensa e nos salões de arte, gerando mais faíscas no universo artístico da cidade.. Numa pequena sala do edifício Santa Helena, onde Rebolo Gonzales mantinha o escritório de sua atividade profissional, improvisou-se um atelier, onde se reuniam os componentes desse núcleo, e que eram, se bem nos ajuda a memória, além de Rebolo Alfredo Volpi, Fúlvio Pennacchi, Mário Zanini, Aldo Bonadei, Humberto Rosa, Clóvis Graciano e Manuel Martins. Naquele ambiente modesto e acanhado, faziam sessões conjuntas de desenho e pintura, utilizando modelo vivo, a bela Adolfina, por quase todos eles retratada. (ALMEIDA, 1976: p.5253). Em maio de 1937, o Grupo Santa Helena participou de uma exposição organizada pela Família Artística Paulista, da qual Paulo Mendes de Almeida destaca uma frase do catálogo, assinado por Ozenfant e Jeanneret: “A pintura vale pela qualidade intrínseca dos elementos plásticos e não por suas possibilidades representativas ou narrativas” (ALMEIDA, 1976: p. 52). A qualidade técnica e formal da pintura unia os artistas do Grupo Santa Helena, composto por pintores-artesãos que não tinham um programa artístico préestabelecido, e, de certa forma, andavam na contramão dos preceitos modernistas vigentes entre a intelectualidade vanguardista da cidade..

(40) 39 Constituíam-no, em parte preponderante, alguns profissionais da pintura de paredes, ou de outros ofícios manuais, providos de inata curiosidade pela pintura artística, e sensibilidade apurada para a compreensão de seus problemas. (ALMEIDA, 1976, p. 52). Assim como os participantes do Grupo Santa Helena, muitos dos artistas que avançaram com suas experiências e práticas artísticas na São Paulo que se modernizava na primeira metade do Século XX eram estrangeiros ou de famílias de imigrantes, principalmente europeias e japonesas. Mas também os filhos das famílias paulistanas abastadas contribuíram para os novos caminhos das artes visuais. Muitos deles estudaram e conheceram a arte de vanguarda na Europa e nos Estados Unidos, e assim colocaram em prática novos rumos na arte brasileira, tão miscigenada quanto a população que vinha transformando São Paulo em uma cidade cada vez mais cosmopolita. As iniciativas artísticas eram tímidas ou isoladas, mas foram “aos poucos convertidas em pronunciamentos e atividades coletivas, com a instituição de grupos ou sociedades, com partícipes em escala já considerável” (ALMEIDA, 1979, p.203). Então, nasceram o Museu de Arte de São Paulo (MASP, em 2 de outubro de 1947) e o Museu de Arte Moderna (MAM, em 15 de julho de 1948), que continuaram a tradição de ponto de encontro de artistas, críticos, curadores, mecenas e público. Estes museus nascem de uma particularidade apontada por Mendes de Almeida de que no terreno das artes plásticas somente em São Paulo “verificou-se a formação de sociedades ou movimentos coletivos, como a SPAM, o CAM, o SALÃO DE MAIO, etc.” (ALMEIDA, 1979, p.213). No período após a Segunda Guerra Mundial, São Paulo foi tomada por mais levas de imigrantes europeus e asiáticos, e muito mais recentemente por sulamericanos, haitianos e africanos. E não há como deixar de fora a contribuição dos brasileiros das diversas regiões nacionais na configuração artístico-cultural multifacetada da cidade de São Paulo, com destaque para os nordestinos..

(41) 40. Descentralidade, deslocamento e retorno Se do início do Século XX até os anos 1960 a região central era irradiadora de poder, cultura e modismos, a partir dos anos 1970 acontece o declínio do Centro. Populações pobres crescem nos bairros centrais da Sé, República, Liberdade, Brás, Pari, Cambuci, Campos Elísios, Mooca e Bom Retiro. As ruas do Centro passaram a ter índices altos de violência e criminalidade, a população em estado de rua cresceu consideravelmente, bandos de meninos de rua foram notícia internacional, empresas e moradores abandonaram a região e deixaram para trás muitos prédios vazios. A decadência cultural foi visível no declínio dos cinemas, teatros e espaços expositivos,. que. migraram. para. novos. bairros. e. shopping. centers.. Inevitavelmente, a especulação imobiliária na região da Avenida Paulista disparou quando ela e seu entorno viram alternativas viáveis para um novo centro da cidade, que passa a congregar o social, o econômico e o cultural da cidade moderna, e torna-se o centro financeiro do País.. A cidade sempre teve relações com a sociedade no seu conjunto, com sua composição e seu funcionamento, como seus elementos constituintes (campo e agricultura, poder ofensivo e defensivo, poderes políticos, Estados etc.), com sua história. Portanto, ela muda quando muda a sociedade no seu conjunto. (LEFEBVRE, 2011: p.52). No sentido de uma cidade mutável junto com sua sociedade, como descreve o filósofo e sociólogo Henri Lefebvre, o jornalista Roberto Pompeu de Toledo descreve as idas e vindas no urbanismo do Centro de São Paulo em A capital da vertigem e conta que o Viaduto do Chá em concreto armado, o Teatro Municipal e a reforma do Anhangabaú deram rumo oeste à centralidade da cidade, já que a leste se estabeleciam fábricas e bairros de operários..

(42) 41. O autor ainda faz referência ao livro Anhangabaú, história e urbanismo, do urbanista José Geraldo Simões Jr., ao comentar sobre os caminhos do Centro paulistano.. A centralidade, ao longo do século XX, tomará a inflexão sudoeste, e sucessivamente subirá até a avenida Paulista, descerá do outro lado, em busca da Brigadeiro Faria Lima, e até testará novos ares junto ao Rio Pinheiros, na avenida Luís Carlos Berrini. Guiava-se pela lei não escrita de acompanhar os bairros residenciais de mais alta renda. (TOLEDO, 2015, p.79). A retirada em direção à Avenida Paulista e a consequente especulação imobiliária de novas áreas são apenas parte da história. Também houve a incapacidade do poder público e da sociedade de construir um novo projeto urbano que integrasse e promovesse a coexistência de moradores, empresas privadas e estabelecimentos públicos no Centro. A derrocada econômica e o agravamento da violência e da miséria levaram o Centro ao quase esquecimento dos paulistanos nos anos 1980. E aqui também se deve assinalar a descentralização cultural e artística na cidade empreendida pelas diversas unidades do Sesc em diferentes bairros e nas cidades metropolitanas. O Sesc Pompéia é um dos marcos das novas concepções de centros culturais ligados ao patrimônio histórico e à democratização da cultura. Em 2017, em sentido inverso, o Sesc 24 de Maio foi inaugurado com o intuito de revitalizar e requalificar o Centro de São Paulo. Mas em 1989, dois empreendimentos culturais na Sé impulsionaram a região através da arte. Em agosto daquele ano é aberta a Caixa Cultural no antigo prédio que foi sede do banco Caixa Econômica Federal, na Praça da Sé. Em outubro, é a vez do Banco do Brasil inaugurar o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) também em antigo prédio que foi sede do banco, na esquina das ruas Álvares Penteado e da Quitanda..

(43) 42. As instituições ligadas aos bancos estatais passaram a atrair público para a região com grandes mostras de arte e programações variadas de cinema, música e teatro. Mas elas não se constituíram como espaços de troca entre artistas e entre artistas e público, apesar de suas iniciativas educativas. Também através da premissa da promoção cultural, foi fundada em 1991 a Associação Viva o Centro, que desenvolveu alguns projetos culturais, mas o que ficou evidente em suas ações foi o serviço de zeladoria na Sé, iniciativa que não existe mais. A atuação da Associação Viva o Centro diminuiu drasticamente a partir dos anos 2000, como indicam cronogramas, notícias e atividades registrados em seu site atualmente. Na virada dos séculos XX e XXI, o Centro ainda resistia como sítio turístico – seja pela beleza arquitetônica, pela história de esplendores e riquezas ou pelo declínio social e econômico recente – até que novos moradores, empresas e também artistas começaram o movimento inverso da expansão da cidade e escolheram Sé e República como novos refúgios, locais que têm boa infraestrutura e preços mais convidativos. Iniciativas governamentais, como o Projeto Nova Luz, levantaram a questão de requalificação da região central, mas também ativaram o radar da especulação imobiliária. Mesmo que alguns planos da Prefeitura e do Governo do Estado tenham andado muito aquém do que se esperava, por razões diversas, a especulação imobiliária nos bairros centrais cresceu com a retomada de áreas como Baixo Augusta (parte inicial desta rua e arredores como Praça Roosevelt e Rua Frei Caneca), Consolação, República e Santa Cecília, que se transformaram em lugares com intensidade de serviços ligados ao lazer, além dos novos empreendimentos imobiliários. Os processos de requalificação urbana ligados ao poder político ficaram à espera de novas oportunidades para reorganizar aquilo que foi degradado e desvalorizado, e isso começou a se vislumbrar quando novos empreendimentos imobiliários começaram a aparecer no Centro, no início dos anos 2000. Despertou-se o interesse com a exploração de bens e imóveis, reativou-se a área e as empresas se capitalizaram com as vendas, e também com os projetos públicos de renovação..

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