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As contratações administrativas como instrumento do desenvolvimento social e concretização de políticas públicas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

LEONARDO ULISSES MORAES

AS CONTRATAÇÕES ADMINISTRATIVAS COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E CONCRETIZAÇÃO DE

POLÍTICAS PÚBLICAS

FLORIANÓPOLIS 2017

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AS CONTRATAÇÕES ADMINISTRATIVAS COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E CONCRETIZAÇÃO DE

POLÍTICAS PÚBLICAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. José Sérgio da Silva Cristóvam

FLORIANÓPOLIS 2017

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AGRADECIMENTOS

Chegar ao fim deste trabalho é a ilustração do fechamento de um ciclo muito importante em minha vida. Nesses quase cinco anos que estive no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina eu aprendi as mais valiosas lições e fiz os melhores amigos que alguém poderia ter.

Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Nereo e Clair, por terem se dedicado integralmente em proporcionar a educação necessária para chegar até aqui. Obrigado por todo carinho e atenção que sempre me deram. Eu amo vocês.

Não poderia deixar de agradecer de maneira muito especial o meu irmão Alexandre, peça fundamental para conclusão desse curso. Jamais esquecerei de todo o apoio que recebi desde que cheguei nessa cidade. Muito obrigado pelos conselhos, cobranças e por exigir sempre o melhor de mim.

Agradeço, de coração, a minha namorada Dayane pelo carinho e companheirismo na conclusão desse trabalho. Espero ser tão importante na busca dos seus objetivos como você é na busca dos meus.

Agradeço também à paciente orientação do Prof. Dr. José Sérgio da Silva Cristóvam, obrigado por todo suporte e conselhos durante a elaboração deste trabalho. Da mesma forma, agradeço o Prof. Bernardo Wildi Lins pela atenta coorientação e habitual companheirismo.

Aos grandes amigos que fiz nessa caminhada, em especial ao Arthur Bobsin, Arthur Peruch, Gabriel Bub, Guilherme Santos, Isaac Medeiros, João Pedro, Jonathan Cirimbelli, Tiago Souza, João Victor Harger, Mateus Costa e tantos outros que não mencionei aqui. Vocês foram responsáveis por transformar esses cinco anos de faculdade nos melhores anos da minha vida.

Por fim, agradeço a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigado.

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A forma como a Administração adquire seus bens e serviços nem sempre foi como é conhecida hoje. No Brasil o primeiro ordenamento jurídico com o objetivo de regulamentar essas compras foi o Código de Contabilidade da União de 1922, com apenas cinco artigos destinados ao assunto. Já em 1967, com a forma da Administração Pública o Decreto-Lei nº 200/67, onde foi instaurado pela primeira vez um regime único de compras. Reflexo dos anos de chumbo da ditadura militar o Decreto-Lei nº 2.300/86 teve como principal finalidade a buscar por mais moralidade nas contratações. A Lei nº 8.666/93, atual Lei de Licitações, pode ser considerada ato continuo da legislação de 1986, com diversos dispositivos com o intuito de restringir a atuação do agente público. Entretanto, a Lei nº 8.666/93 foi objeto de diversas modificações trazidas por outras legislações que buscavam dar uma nova finalidade para as contratações. Através de incentivos no processo de licitação ou no contrato administrativo o Estado busca fomentar determinados grupos de empresas ou associações utilizando o poder de compra governamental, que movimenta cerca de 15% do PIB do Brasil. Diversos dispositivos foram inseridos de formas diferentes no ordenamento, como por exemplo, o incentivo às associações de portadores de deficiência, catadores de materiais recicláveis, empresas com produtos nacionais, micro e pequenas empresas e empresas com responsabilidade ambiental.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Histórico Legislativo. Licitações. Poder de Compra. Planejamento. Desenvolvimento. Políticas Públicas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1 CONTRATAÇÕES PÚBLICAS NO BRASIL: HISTÓRICO LEGISLATIVO ... 9

1.1 A EVOLUÇÃO DAS LICITAÇÕES NO BRASIL ... 10

1.1.1 O Código de Contabilidade da União ... 10

1.1.2 A Reforma Administrativa de 1967 ... 11

1.1.3 O Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos ... 12

1.1.4 A Constitucionalização das Licitações ... 14

1.1.5 A Lei Federal nº 8.666/93 ... 16

2 A LICITAÇÃO COMO FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL ... 20

2.1 PARTICIPAÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA ... 20

2.1.1 Do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito ... 20

2.1.2 Desenvolvimento e Planejamento Econômico ... 22

2.2 O PODER DE COMPRA DO ESTADO BRASILEIRO ... 24

2.3 O NOVO PARDIGMA DAS LICITAÇÕES ... 27

2.3.1 A nova finalidade das contratações públicas ... 28

2.3.2 O princípio constitucional da isonomia ... 29

2.3.3 A promoção do desenvolvimento nacional sustentável ... 32

2.3.4 A definição de proposta mais vantajosa ... 34

3 INTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS NAS LICITAÇÕES ... 37

3.1 HIPÓTESES DE DISPENSA DE LICITAÇÃO ... 37

3.1.1 Dispensa de licitação com base no artigo 24, XIII da Lei. 8.666/93 ... 38

3.1.2 Contratação de associação de portadores de deficiência física ... 40

3.1.3 Contratação de associação ou cooperativas de catadores de materiais recicláveis ... 41

3.2 MARGEM DE PREFERÊNCIA PARA PRODUTOS NACIONAIS ... 43

3.3 O TRATAMENTO DISPENASDO ÀS MICROEMPRESAS (ME) E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE (EPP) ... 49

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3.3.3 As licitações diferenciadas ... 52

3.3.4 A participação das MEs e EPPs nas compras públicas ... 54

3.4 CONTRATAÇÕES SUSTENTÁVEIS ... 56

3.4.1 Sustentabilidade na definição do objeto ... 57

3.4.2 Sustentabilidade no contrato administrativo ... 58

3.4.3 Contratação sustentável e os princípios da economia e economicidade ... 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 61

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INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina tem como base teórica o estudo do Direito Constitucional e Administrativo brasileiro, tendo como foco principal o estudo das contratações públicas e suas implicações em diversas políticas públicas.

A delimitação do tema busca analisar a nova finalidade das licitações públicas caracterizada por diversas normas que visam dar benefícios a determinados contratantes com o objetivo promover o desenvolvimento nacional sustentável e o desenvolvimento social de algumas parcelas da sociedade brasileira.

No que diz respeito às justificativas do presente trabalho, importante demonstrar as diversas discussões acerca da real finalidade das contratações públicas, bem como, a escassez de regulamentação desses novos dispositivos, ocasionando uma enorme dificuldade de aplicação na Administração Pública.

Toda e qualquer política pública tem seus resultados diretamente ligados com a forma que planeja suas ações. Antes de qualquer implementação de política pública é preciso estar claro os objetivos a serem alcançados. Não é diferente nos casos em que se utiliza das contratações administrativas para esse fim. O planejamento e o acompanhamento de resultados dessas ações são fundamentais para o sucesso desses dispositivos.

A problemática central reside no real objetivo do legislador em apropriar-se do fato do Estado ser o maior comprador interno e utilizar essas contratações não apenas com o objetivo de contratar pelo preço mais vantajoso, mas também visando a implementação de algumas políticas públicas de dever do Estado.

A relevância do tema é caracterizada pelos significativos valores movimentados pelo Estado através das contratações administrativas e as discussões acerca dos princípios da isonomia nas licitações. A aplicabilidade de dispositivos que visam fortalecer políticas públicas está longe de ser um consenso entre doutrinadores e estudiosos da área.

O método de abordagem utilizado para criação do trabalho é o dedutivo. O método de procedimento de pesquisa é o monográfico. A técnica de pesquisa utilizada é a bibliográfica, a partir de fontes primárias (basicamente legislação

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constitucional e infraconstitucional brasileira) e secundárias (livros sobre temáticas específicas, manuais, artigos de revistas especializadas em suporte físico e digital, teses e dissertações, documentos públicos e dados estatísticos).

Neste trabalho analisar-se-á primeiramente os aspectos históricos das licitações no Brasil e a modificação de suas finalidades ao decorrer do tempo. O Código de Contabilidade da União, datado de 1922 é reconhecido como o dispositivo legal responsável pela formalização das contratações administrativas no Brasil. Sobre o tema a Reforma Administrativa de 1967 instituiu um conteúdo mínimo a ser observado em todo o território nacional. Será trazido a discussão também as importantes inovações trazidas pelo Decreto-Lei nº 2.300/1986 que serviu como base para constitucionalização das contratações.

Encerrando o primeiro capitulo deste trabalho apresentar-se-á o contexto histórico onde foi criada a atual lei de licitações e contratos administrativos, a Lei nº 8.666/93. Será demonstrado como diversos fatores, substancialmente políticos, influenciaram diretamente nos principais pontos abordados pela Lei 8.666/93.

O segundo capítulo será dedicado ao exame da intervenção do Estado na economia sob a ótica do poder de compra dos órgãos governamentais. O trabalho buscará trazer uma reflexão histórica do papel do Estado na economia, trazendo as noções de planejamento e desenvolvimento econômico e social.

Ainda no segundo capítulo demonstrar-se-á os montantes movimentos pelo Estado através das contratações Administrativas. Dito isso, o trabalho passará a demonstrar as transformações legislativas que tiverem como objetivo utilizar o poder de compra governamental para inserir políticas públicas nas licitações. Pretende-se trazer uma ligeira reflexão acerca das finalidades do processo elencadas no artigo 3º da Lei 8.666/93, principalmente no que diz respeito à busca pela promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

Serão expostos no terceiro capítulo alguns dispositivos legais que modificaram a legislação acerca das compras públicas com o objetivo de inserir políticas econômicas e sociais. Serão examinadas as hipóteses de dispensa de licitação, a possibilidade de criar margens de preferência para produtos nacionais, os benefícios concedidos às MEs e EPPs e as contratações sustentáveis.

Por fim, a aprovação do presente Trabalho de Conclusão de Curso não representa o endosso do Professor Orientador, da Banca Examinadora e do

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Programa de Graduação do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina as conclusões obtidas pelo presente trabalho.

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1 CONTRATAÇÕES PÚBLICAS NO BRASIL: HISTÓRICO LEGISLATIVO

Diferentemente dos particulares, os quais têm a liberdade de comprar, vender, locar bens e contratar a execução de obras e serviços da forma que bem entenderem, a Administração quando o faz necessita seguir um procedimento que está descrito em lei, esse sistema é chamado de Licitação (MELLO 2015, p. 536). Licitação, no ordenamento brasileiro, é processo administrativo em que a sucessão de fases e atos leva à indicação de quem vai celebrar contrato com a Administração. Buscar, portanto, selecionar qual será a proposta mais vantajosa ao interesse público. (MEDAUAR, 2004. p. 213)

Nas palavras de Marçal Justen Filho (2014, p. 495):

A licitação é um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que determina critérios objetivos visando a seleção da proposta de contratação mais vantajosa e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, com observância do princípio da isonomia, conduzido por um órgão dotado de competência especifica.

O ponto de partida para os estudos das licitações públicas reside no fato de que no mercado, de modo geral, há diversos particulares que pretendem contratar com a Administração Pública, portanto, esse procedimento licitatório deve indicar ao final qual a proposta mais vantajosa (FURTADO, 2016, p. 348).

O artigo 3º da Lei nº 8.666/93 define que “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável”.

A atual redação desse artigo foi dada pela Lei nº 12.349/2010, a qual alterou a Lei nº 8666/93. Tal dispositivo traz, em linhas gerais, a finalidade das contratações públicas. Essas deverão sempre levar em conta os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.

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Ao longo do tempo o próprio conceito de finalidade das contratações públicas sofreu importantes modificações, motivadas muitas vezes pelo momento social, econômico e político do país. Essa evolução decorre de um olhar cada vez mais amplo sobre as licitações, levando em conta não apenas a conveniência da Administração em suprir suas necessidades, mas também o impacto social, econômico e ambiental das compras públicas.

O objetivo deste capítulo inicial é fazer um escorço histórico sobre os diversos diplomas licitatórios que já tivemos no Brasil. Demonstrando, em síntese, a influência de inúmeros fatores nos processos legislativos.

1.1 A EVOLUÇÃO DAS LICITAÇÕES NO BRASIL

1.1.1 O Código de Contabilidade da União

O processo licitatório como conhecemos hoje é resultado de uma evolução histórica de diversos diplomas que buscaram regular a forma que o Estado contrata com o particular. Os primeiros relatos da licitação como instrumento de compra do Estado datam da Idade Média, surgindo da necessidade de adquirir determinado bem ou serviço, geralmente alguma obra, que o Estado não tinha condições de executar diretamente. (ROSILHO, 2013, p. 35)

Há notícias da existência de regras para disciplinar a alienação de despojos e de guerra e obras públicas desde a antiguidade romana. Também já na Europa Ocidental era conhecido um sistema chamado de “vela e pregão”, o qual consistia em uma sessão onde os construtores faziam suas propostas enquanto ardia uma vela, adjudicando ao proponente que possuía o melhor preço quando a vela se apagava. (ARAÚJO, 2015, p.17)

As licitações como processo administrativo complexo e formal, semelhante ao que tempos hoje em dia, surgem com a aparição da Administração Pública Burocrática, caracterizada pela forte padronização e controle dos procedimentos. A época se mostrou eficaz tendo em vista que diminui bastante a discricionariedade nas tomadas de decisões do responsável por esses processos, evitando ou ao menos diminuindo atos de corrupção, empreguismo e nepotismo. (RIBEIRO, 2017)

No Brasil o primeiro mecanismo de licitação foi inserido no sistema jurídico por meio do Decreto nº 2.926, de 14.05.1862, que tinha como objetivo

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regulamentar as arrematações dos serviços do então Ministério da Agricultura Comércio e Obras Públicas.

Após o advento de diversas outras leis que trataram de forma singela do assunto, o procedimento licitatório veio a ser realmente formalizado através da edição do Decreto nº 4.436, de 28 de janeiro de 1922 – Código de Contabilidade da União e do Decreto nº 15.783, de 08 de novembro de 1922 – Regulamento Geral de Contabilidade Pública. (ROSILHO, 2013, p.38)

O Código de Contabilidade da União disciplinava, mais precisamente em cinco artigos, normas gerais de um processo administrativo que antecedia o contrato e o empenho da despesa. Porém, já naquela época, podemos observar diversos termos que são utilizados até hoje nos processos de compras atuais.

O artigo 49 do Código inaugura a regulação das compras no Brasil utilizando a expressão concorrência pública e logo na primeira alínea dispõe um valor mínimo para esse processo de concorrência, a exemplo do que temos hoje na Lei nº 8.666/93.

Além disso, também se notam alguns institutos que foram mantidos nas legislações vigentes, tomando como exemplo: a publicação do edital da concorrência em Diário Oficial, verificação da idoneidade dos concorrentes, ou seja, o que vem a ser a etapa de habilitação e também já estava presente na legislação da época uma espécie de “ata de registros de preço”.

1.1.2 A Reforma Administrativa de 1967

A Reforma Administrativa de 1967 ofereceu um padrão de organização para a administração pública brasileira. A nova roupagem da Administração trouxe ideias gerenciais já utilizadas na iniciativa privada, criando normas e padrões nas diversas áreas, como por exemplo, nas compras governamentais.

Uma das mais importantes mudanças que a Reforma Administrativa de 1967 trouxe foi a ideia de descentralização da Administração, dividindo a Administração em direta e indireta.

Este modelo administrativo daria a Administração Pública brasileira uma nova imagem, marcando toda a cultura administrativa e influenciando a estruturação científica do Direito Administrativo brasileiro até a sua incorporação pela Constituição Federal de 1988. (PESSOA, 2015).

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O problema das licitações havia mergulhado numa confusão de normas burocráticas sob as mais variadas origens e inspirações. A legislação que ainda era derivada do Código de Contabilidade da União foi caminhando gradativamente para a área de influência da legislação do Tribunal de Contas (DIAS, 1969, p. 201).

Pela primeira vez o executivo federal impôs às unidades federativas menores um conteúdo mínimo a ser observado em todo o território nacional. Esse foi o marco inicial para uma uniformização da disciplina jurídica das contratações públicas, nos moldes da legislação atual.

A reforma administrativa federal de 1967 ficou a cargo do Decreto-Lei nº 200/67, que posteriormente foi estendido às Administrações dos Estados e Municípios, por meio da Lei nº 5.456/68. Sendo aquele o dispositivo legal responsável por traçar limites gerais de diversas atividades da Administração Pública, estando presentes também, normas sobre contratações públicas.

O Decreto-Lei nº 200/67 determinou que a administração direta e as autarquias de todos os entes da federação teriam o dever de licitar previamente à contratação de compras, obras e serviços, bem como trouxe nove hipóteses em que fica afastado o dever de licitar, sem fazer, porém, qualquer distinção entre dispensa e inexigibilidade de licitação (ROSILHO, 2013, p. 40).

Dentre os artigos destinados a tratar sobre licitações para compras, obras, serviços e alienações, merecem destaque os seguintes pontos: a) definição de situação de emergência em casos de contratação direta; b) ficam estabelecidos critérios objetivos para habilitação da empresa proponente; c) subdivisão em concorrência, tomada de preços e convite; d) surgimento das garantias contratuais.

No que diz respeito às sanções contratuais o Decreto-Lei apresentou significativas inovações, expandindo o rol de penalidades administrativas, como penalidades de multa, suspensão do direito de licitar e declaração de inidoneidade (ROSILHO, 2013, p. 44).

1.1.3 O Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos

O Decreto-Lei nº 2.300, de 21.11.86, atualizado em 1987, pelos Decretos-Lei nº 2.348 e 2.360, instituiu, pela primeira vez, o Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos, reunindo normas gerais e especiais relacionadas à matéria.

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A nova fase de licitações no Brasil é contemporânea à chamada democratização do Brasil. Durante os anos 1964 e 1985 o Brasil esteve sob o comando do autoritário regime militar. O fim desse regime ditatorial teve reflexos em diversos campos da sociedade, inclusive, nos diplomas legais concernentes às compras governamentais.

A principal característica desse novo ordenamento das licitações públicas é o protagonismo do Direito nos processos licitatórios, ou seja, pela primeira vez o tema de licitações e contratos administrativos ganhou um dispositivo legal próprio, com cerca de noventa artigos dedicados a regular as compras governamentais.

Dentre os principais pontos e inovações trazidos pelo referido Decreto destaque-se a inédita utilização dos princípios como norteadores do processo administrativo de licitação, como preceitua o artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.300/86.1

Comprando o Decreto-Lei nº 2.300/86 e a atual lei de licitações percebe-se que foram acrescidos ao ordenamento atual os princípios da legalidade, isonomia, seleção da proposta mais vantajosa e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, este que será objeto de estudo mais adiante.

Outra relevante novidade presente no Decreto-Lei nº 2.300/86 refere-se à extensão do dever de licitar, inserindo também as sociedades de economia mista, as empresas públicas, fundações e demais entidades da administração direta e indireta, até que essas providenciassem seus regimentos internos de compras e alienações, seguindo os princípios gerais da licitação (ROSILHO, 2013, p. 52).

O novo ordenamento foi pensado e criado pela Consultoria-Geral da República, órgão auxiliar da Advocacia-Geral da União. Um dos principais consultores da elaboração do Decreto-Lei nº 2.300/86 foi o eminente doutrinador Hely Lopes Meirelles (1984), que referente às contratações da administração indireta afirmava “enquanto não suprida à omissão da lei e não existindo norma da própria entidade, a licitação permanece como uma exceção nas contratações das paraestatais”.

Em linhas gerais percebe-se uma grande semelhança na estrutura do Decreto-Lei nº 2.300/86 com a atual legislação, as modalidades de licitação, por exemplo, contidas no diploma daquela época são exatamente as mesmas

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Art. 3º A licitação destina-se a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos.

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constantes na Lei nº 8.666/03, bem como, a utilização de cada uma de acordo com os limites do valor estimado da contratação.

É importante trazer à baila a discussão referente aos critérios utilizados para eleger a proposta mais vantajosa, e consequentemente, a discussão acerca do que o legislador da época pensava acerca da finalidade das compras públicas.

Em sentido oposto ao que preconizava o Decreto-Lei nº 200/67 e também o arcaico Regulamento Geral de Contabilidade Pública da União, o novo ordenamento não tinha como base única e exclusivamente o critério de menor preço, conforme Saulo Ramos afirma na exposição de motivos do Decreto-Lei nº 2.300/86: (ROSILHO, 2013, p. 59).

O projeto considera, para efeito de adjudicação do objeto da licitação, proposta mais vantajosa àquela que, independentemente do seu valor, apresente-se, por motivos relevantes e justificados, mais adequada, favorável e conveniente ao interesse do serviço público, observadas, dentre outras, as condições de qualidade, rendimento, pagamento do preço e prazo. Note-se que o projeto não prestigia, necessariamente, o menor preço. Este não qualifica, por si, como melhor ou mais vantajosa qualquer das propostas oferecidas.

Verifica-se, desse modo, uma importante e radical mudança no conceito do que seria a proposta mais vantajosa para a Administração, não levando em conta apenas o valor do objeto ou serviço a ser adjudicado, mas também a qualidade técnica, rendimento e prazos.

1.1.4 A Constitucionalização das Licitações

A Constituição Federal de 1988 elevou as licitações públicas ao patamar de norma constitucional, incluído no inciso XXI do artigo 372, que trata princípios e normas gerais da Administração Pública (MELO FILHO, 2013, p.2).

2 Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da

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Nota-se que o tema das compras públicas está presente pela primeira vez no texto constitucional, essa constitucionalização do procedimento de escolha buscou solucionar o problema decorrente das inúmeras leis esparsas sobre a matéria. O constituinte preparava o território para o que viria a ser a Lei nº 8.666/93.

Ainda, o constituinte dispôs no artigo 22 da Carta Magna que compete privativamente à União legislar sobre “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle”.

Indispensável apontar o contexto histórico em que foi pensada a Constituição Federal de 1988. Tinha-se, à época, uma enorme preocupação no que diz respeito aos controles dos atos administrativos, considerando que o país tinha recém-saído do rigoroso regime militar. Nesse sentido, (MELO FILHO, 2013, p.3) explica que “Havia uma preocupação com a transparência da contratação pública no período de redemocratização, que exigia uma legislação mais detalhada e, especialmente, que estabelecesse normas gerais válidas em todo país”.

Portanto, a inclusão do artigo 22 no texto constitucional e a definição da União como portadora exclusiva dessa competência de legislar sobre normas gerais de licitações e contratos é reflexo da necessidade que se tinha á época de atribuir um caráter de Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, com abrangência nacional.

É importante destacar também o tratamento dado às empresas públicas e as sociedades de economia mista que explorem atividade econômica, pacificando o entendimento de que essas poderão ser regidas por um estatuto próprio, que atenda suas necessidades e peculiaridades de cada situação, porém, de acordo com os princípios norteadores da Administração Pública. (MELO FILHO, 2013, p.11)

Conclui-se, afinal, que a Constituição de 1988 foi motivada por um contexto histórico que pedia da Administração Pública uma normatização transparente e detalhada para os processos de compra como um todo. Do mesmo modo gerou uma enorme expectativa do que ainda estava por vir na legislação

proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômicas indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

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infraconstitucional, ou seja, era notória a necessidade de um novo diploma legal para abarcar o espírito da recém-criada Constituição Federal (ROSILHO, 2013, 72). O dispositivo constitucional demandava a edição de norma regulamentadora, o que originou a Lei Federal nº 8.666/93.

1.1.5 A Lei Federal nº 8.666/93

A atual Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos está em vigor desde 21 de junho de 1993 e por mais que não inaugure uma nova fase de licitações, é importante que seja objeto de uma análise mais aprofundada tendo em vista que ela é atualmente a legislação responsável por ditar normas gerais de licitações públicas de todos os entes federados (ROSILHO, 2013, 73).

A Lei nº 8.666/93 é decorrente de um cenário nacional tomado por notícias de escândalos envolvendo governantes, culminando inclusive no impeachment do então Presidente da República, Fernando Collor de Melo. Muitos desses escândalos implicavam nos mecanismos de contratações públicas, muito utilizados para desvio de dinheiro público (ROSILHO, 2013, 76) motivo pelo qual resultou numa lei extremamente preocupada em criar ferramentas que coibissem esses abusos com o erário público.

A Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em recente entrevista concedida ao site “Fórum Conhecimento Jurídico” (Março, 2017), afirma que a Lei nº 8.666/93

“foi elaborada com excesso de formalismo e teve como grande objetivo de moralizar os processos de licitações públicas e de tentar acabar com a corrupção”.

Na mesma vertente o Professor Carlos Ari Sundfeld (2014) reconhece que “a Lei nº 8.666/93 burocratizou muito e não teve efeito nenhum sobre os corruptos”. O reflexo dessa burocratização dos processos de compras governamentais são inúmeros dispositivos que “engessaram” as licitações públicas no Brasil.

Nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.666/93 identificamos a intenção do legislador em abranger ainda mais o dever de licitar, vinculando tanto a Administração direta como indireta.3

3 Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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Essa abrangência até hoje é alvo de diversas críticas por parte da doutrina, principalmente no que diz respeito a essa pretensão impositiva de abranger não apenas a União, mas também os Estados, Distrito Federal e Municípios, criando esse caráter de norma geral (MELLO, 2015, p. 543). A Lei nº 8.666/93 acabou invadindo a esfera dos Estados e dos Municípios, impondo comportamentos detalhados, não levando em conta as peculiaridades de cada um.

Sobre o tema, Justen Filho (2014, p. 22) indica que os seguintes itens estão inseridos no conceito de norma geral: a) requisitos mínimos necessários e indispensáveis à validade da contratação administrativa, b) hipóteses de obrigatoriedade ou não de licitação, c) requisitos de participação de licitação, d) modalidade de licitação, e) tipo de licitação e f) regime jurídico da contratação administrativa.

Outro ponto importante trazido pela Lei nº 8.666/93 ao procedimento de contratação é a nova organização dos critérios de habilitação. Os critérios de habilitação foram divididos em: i) habilitação jurídica, ii) qualificação técnica, iii) qualificação econômico-financeira, iv) regularidade fiscal e trabalhista e ainda v) cumprimento no disposto no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal. Percebe-se, portanto, que houve uma preocupação em garantir que haveria o adimplemento do contrato por parte do particular.

Uma importante mudança em relação ao Decreto-Lei nº 2.300/86 foi a fórmula de execução das obras e serviços. A legislação anterior vedava qualquer tipo de parcelamento, abrindo exceção apenas na hipótese de insuficiência de recursos ou se comprovado motivo de ordem técnica (ROSILHO, 2013, p.115).

Já a Lei nº 8.666/93 dispõe sobre o tema de maneira oposta, indicando que as obras devem ser programadas na sua totalidade, porém, determinou que elas fossem divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, desde que não alterem a modalidade de licitação (ROSILHO, 2013, p. 116).

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Art. 2º As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.

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cento e vinte seis artigos, compondo-se a maioria deles dedicados em regular a atuação tanto do agente publico como do particular.

As regras constantes na Lei. nº 8.666/93 foram resultado de uma evolução histórica que não deve ser desconsiderada. O diploma confirmou regras e princípios derivados das normas que o antecederam, amoldados ao sistema da Constituição de 1988 e tendo em vista necessidades derivadas de fatos históricos envolvendo dinheiro público, ocorridos no início da década de 1990 (JUSTEN FILHO, 2014, p.18).

A disciplina normativa das licitações e contratos administrativos não é composta apenas pela Lei nº 8.666/93. Uma importante modalidade de licitação foi inaugurada com a Lei nº 10.520/2002, derivada da Medida Provisória nº 2.182/2011 e institui no sistema brasileiro o pregão e o pregão eletrônico. O pregão tem sido utilizado massivamente pelas repartições administrativas e consequentemente vem deixando cada vez mais obsoletas as modalidades previstas na Lei nº 8.666/93 (JUSTEN FILHO, 2014, p. 19).

Além do pregão, recentemente foi criado o Regimento Diferenciado de Contratações Públicas – RDC. Inicialmente o RDC fora criado para contratação de serviços para a Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo de Futebol (2014) e a Olimpíada e Paraolimpíada do Rio de Janeiro (2016), porém, hoje é aplicado em diversas contratações e instituições, como por exemplo, na Universidade Federal de Santa Catarina.

O objetivo almejado pelos legisladores ao passar dos anos foi sendo modificado de acordo com a realidade da época. Inicialmente a finalidade desses processos licitatórios tiverem como norte inibir o direcionamento dessa demanda a determinados particulares. Neste próximo capítulo será discutido o novo paradigma das compras governamentais. Nos últimos anos o legislador buscou utilizar do vultuoso poder de compra governamental para atingir objetivos que vão além de apenas suprimir a necessidade da Administração.

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2. A LICITAÇÃO COMO FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL

As licitações públicas – conforme analisado no capítulo anterior – nem sempre tiveram seus diplomas normativos voltados para mesma finalidade. Inicialmente o objetivo era apenas regulamentar a forma com que os agentes estatais efetuavam as compras necessárias para o bom funcionamento dos órgãos públicos. Já num segundo momento os legisladores vislumbraram a necessidade de criar mecanismos que pudessem coibir as reiteradas fraudes nos processos licitatórios.

Atualmente, além do fato de nossa legislação buscar cada vez mais inibir o mau uso do dinheiro público, é notória também a preocupação em utilizar os processos licitatórios como forma de proporcionar políticas públicas de interesse coletivo. Neste capitulo essas contratações serão analisadas através da perspectiva do poder de compra do Estado brasileiro e como essa visão influenciou e ainda influencia no próprio conceito de finalidade das licitações.

2.1 A PARTICIPAÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA

2.1.1 Do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito

As participações do estado na atividade de cunho econômico, bem como sua intervenção nas relações entre particulares tornaram-se um dos assuntos dos mais controvertidos e discutidos na atualidade. Motivo de inúmeras reflexões acadêmicas e políticas, essa discussão tem polarizado os que acreditam que o Estado deve intervir o mínimo possível na economia – uns ainda acreditam que não deve intervir em momento algum – com aqueles que veem o Estado como peça chave para uma economia saudável e mais justa socialmente.

Nas teorias econômicas formuladas ao longo da história o Estado assumiu diferentes funções na atividade econômica. De acordo com os acontecimentos e circunstâncias cada teoria tinha um papel diferente para a ação do Estado. Já atuou de forma ativa, como o grande responsável por proporcionar crescimento econômico, como também já foi mero expectador da atividade econômica, onde as livres forças de mercado deveriam atuar livremente, tendo o Estado um papel passivo na economia (ANTUNES, 2014, p.15)

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As discussões acerca da correlação entre o Estado e o mercado são marcadas por duas ideias opostas sobre essa ocorrência, quais sejam o liberalismo e o intervencionismo. Dessas duas ideias surgiram, respectivamente, o Estado Liberal e o Estado Social. O Estado Liberal teve como princípio a intervenção mínima na esfera econômica, ao passo que o segundo entendia que a atuação do Estado é imprescindível para que sejam assegurados os direitos sociais. (CENCI; BEDIN; FISCHER, 2011)

Entre os séculos XVIII e XIX o Estado Liberal visava, primordialmente, assegurar a plena liberdade de mercado, isto é, garantir que o mercado se autorregulasse. O Estado, nessa época, buscava assegurar os interesses da burguesia, como por exemplo, proteger a propriedade privada, liberdade contratual e livre iniciativa (CENCI; BEDIN; FISCHER, 2011).

Com o surgimento do então chamado Walfare State o Estado deixou de ser apenas um observador das relações sociais e econômicas. Nesse momento o Estado assume a responsabilidade pelo desenvolvimento, tornando-se verdadeiramente empreendedor, assumindo a responsabilidade de reduzir as desigualdades sociais e econômicas. (CENCI; BEDIN; FISCHER, 2011)

A presença de regras econômicas nas Constituições dos Estados de Direito variou durante o século XX. Essa variação foi ocasionada essencialmente pelo modo como se relacionavam Economia, Estado e Direito. O papel econômico do Estado Moderno passou por diversas transformações principalmente após a Primeira Guerra Mundial, momento em que o Estado agiu de forma mais ampla na Economia. (CENCI; BEDIN; FISCHER, 2011)

O Estado Democrático de Direito é o sistema político constitucional vigente no Brasil, consagrado pela Constituição Federal de 1988, tendo como fundamento ou princípios fundantes: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

O Estado pode agir economicamente de forma direta e indireta. A atuação direta se daria quando houver ameaça a segurança nacional ou ao interesse coletivo (HASSEN, 2017), dessa forma o Estado atua através da criação de empresas estatais, por exemplo. A intervenção indireta, por sua vez, ocorre quando o Estado age na vida econômica por intermédio de normas jurídicas, regulando a atividade econômica mediante exercício de suas funções de fiscalização, incentivo e planejamento.

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O texto constitucional de 1988 autorizou o Estado a intervir no domínio econômico, seja direta ou indiretamente, sempre com fiel observância aos princípios constitucionais da ordem econômica. Este trabalho busca analisar a atuação indireta do Estado na economia, ou seja, a sua atuação como comprador de bens de capital através de suas empresas e órgãos públicos.

Tomando como base os ensinamentos de Eros Roberto Grau (2012, p. 48) a Constituição Federal de 1988 define um modelo econômico de bem-estar. Este modelo, desenhado desde o disposto nos seus arts. 1º e 3º, até o enunciado no seu artigo 170, não pode ser ignorado pelo Poder Executivo.

No desempenho do seu novo papel, o Estado, ao atuar como agente de implementação de políticas públicas, enriquece suas funções de integração, de modernização e de legitimação capitalista (GRAU, 2012, p.43). Em outras palavras o Estado atual deve fornecer condições para atuação da iniciativa privada, visando sempre o bem-estar econômico e social.

Por mais que a atuação do Estado não tenha o mesmo protagonismo da década de 40 – quando do surgimento do Walfare State – ainda exerce um papel essencial no cotidiano das pessoas. Devendo atuar de forma positiva, fomentando políticas públicas que visam o desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais e regionais.

2.1.2 Desenvolvimento e Planejamento Econômico

A ideia de desenvolvimento propagada por Schumpeter, já em 1911, trata o termo como um processo de mudanças endógenas da vida econômica, que alteram o estado de equilíbrio previamente existente (BERCOVICI, 2011, p. 667). Nas lições de Bercovici (2011, p. 668) desenvolvimento é um processo que resulta em mudanças e transformações de ordem econômica, política e, principalmente, humana e social.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ainda que seja democrática e social (ou programática) inova em termos de modelo, passando a ser dirigente (BERCOVICI, 2011, p. 208). Com efeito, há nela um plano de desenvolvimento, um projeto de transformação do país para superar o subdesenvolvimento.

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O desenvolvimento liga-se diretamente ao planejamento, isso porque o objeto do plano deverá sempre ser o desenvolvimento econômico e social, devendo ser uma nova modalidade de atuação administrativa, superando as tradicionais atividades. Não há, consequentemente, desenvolvimento sem planejamento. (MARQUES NETO; QUEIROZ, 2011, p. 702)

Quando o Estado assume a responsabilidade pelo desenvolvimento nacional é necessário que o faça de forma pragmática. Utilizando do planejamento como principal instrumento do desenvolvimento, buscando sempre a concretização do bem-estar social. (BERCOVICI, 2011, p. 671)

Os mecanismos de intervenção não devem se dar de forma aleatória, mas de forma planejada e sob certo padrão de racionalidade. Razão pela qual o artigo 174 da Constituição Federal é incisivo ao determinar que “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

Como bem explica Eros Grau (2012, p. 338) o planejamento qualifica a intervenção do Estado sobre e no domínio econômico, na medida em que esta, quando consequente ao prévio exercício dele, tende a ser mais racional. O planejamento é a forma de ação racional caracterizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenadamente dispostos. (GRAU, 2012, p. 339)

Importante ressaltar que, independentemente do tamanho da atuação ou intervenção estatal, o planejamento é fundamental para todas as economias, sejam elas de quaisquer orientações, pois é ultrapassado na abordagem econômica pressupor um equilíbrio natural do mercado (NOHARA; CASTILHO, 2011, 1.235). Mesmo a mínima intervenção estatal deve ser planejada e coordenada de acordo com os objetivos a curto, médio e longo prazo.

É o planejamento que confere consistência racional à atuação do Estado (previsão de comportamentos, formulação de objetivos, disposição de meios), instrumentalizando o desenvolvimento de políticas públicas, no horizonte do longo prazo, voltadas à condução da sociedade a um determinado destino. (GRAU, 2012, p. 339)

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Além do fato de diversas normas jurídicas terem como pano de fundo consequências econômicas – como é o caso da Lei nº 8.666/93 – o termo planejamento decorre dessa aliança entre Economia e Direito. Tanto juristas como economistas entendem que deve ser dada abertura em ambas as ciências para o estudo do planejamento, porque só assim poderá se tornar um instrumento útil ao novo perfil de atuação estatal. (MARQUES NETO; QUEIROZ, 2011, p. 682)

As atuais atribuições do Estado na econômica e na sociedade passam por um poder-dever de inserir políticas públicas positivas visando um desenvolvimento nacional, seja ele econômico, social ou sustentável. O desenvolvimento nacional passa obrigatoriamente por um planejamento em nível de Estado, utilizando de seu impacto direto e indireto na Economia para buscar interesses sociais.

Um dos principais pontos que devem estar contidos no planejamento do Estado é a forma como ele deve relacionar-se com o mercado. Em outras palavras, como ele deve comprar. As compras e contratações públicas impactam diretamente na atividade econômica devido ao movimento significativo do volume de recursos. Para uma análise do resultado desse planejamento também deve ser realizada a aferição de resultado das políticas públicas inserida nos processos licitatórios.

Além de prover bens e serviços necessários às atividades estatais, as compras governamentais são instrumento de realização de políticas públicas e desenvolvimento nacional. No próximo tópico será analisado o poder de compra da do Estado, analisando o impacto das compras na economia brasileira.

Por outro lado, é importante que a Administração ao propor qualquer alteração legislativa nas normas referentes às compras também utilize do planejamento como mecanismo indispensável. É necessário que sejam analisados os impactos reais dessas políticas no desenvolvimento nacional sustentável.

2.2 O PODER DE COMPRA DO ESTADO BRASILEIRO

Inicialmente é importante definir o conceito de poder de compra, sendo esse o poder do consumidor, seja ele empresa privada, órgão público, cooperativa ou pessoa física, que ao adquirir bens e serviços define suas exigências e necessidades, tornando-se um indutor da qualidade, da produtividade, e de

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inovação tecnológica, gerando emprego, ocupação e renda, e contribuindo para a competitividade e desenvolvimento do país. (Arantes, 2005)

A expressão “uso do poder de compra” tem em si uma ideia de capacidade de influência, que se apresenta como um “poder” a partir do momento em que a disponibilidade de recursos de uma determinada instituição lhe confere a possibilidade de induzir comportamentos no resto da sociedade, buscando quase sempre a obtenção de resultados indiretos e, consequentemente, uma maior eficiência de suas ações, à semelhança dos conceitos de poder e influência já colocados anteriormente.

Nessa esteira, há vista do grande volume de compras governamentais, o Estado se torna um importante agente econômico capaz de incentivar comportamentos de seus fornecedores e demais interessados em contratar. O poder de compra do Estado quando bem utilizado cria uma espécie de “círculo virtuoso” que se traduz no fortalecimento de empreendimentos e geração de renda.

Nas palavras de Alex Turíbio Dantas (1997):

O uso do poder de compras público está intimamente ligado ao próprio papel do Estado na economia e na sociedade em geral. Portanto, na medida em que as funções do Estado e as formas de intervenção se modificam, dado as mudanças no ambiente tecnológico, econômico e regulatório, tanto no nível nacional, como no internacional, os objetivos e os modos de implementação do poder de compras do governo também sofrem alterações.

Para se ter uma ideia do tamanho do impacto das compras governamentais na economia, estima-se que o consumo de bens e serviços esteja em torno de 8% a 25% do produto interno bruto (PIB) de um país. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o governo brasileiro (União, Estados e Municípios) despende anualmente mais de 600 bilhões de reais com a aquisição de bens e contratações de serviços (cerca de 15% do PIB).

Em consulta ao Painel de Compras do Governo Federal foi possível traduzir em números esse poder de compra. Apenas no ano de 2014 a União movimentou R$ 74.334.154.637,30. Importante destacar que não entram nessa conta os gastos das empresas públicas, sociedades de economia mistas, fundações, autarquias e demais entes da administração direta e indireta dos estados e municípios. Os

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números referem-se apenas aos gastos da Administração Pública direta nas três esferas de poder, portanto.

A título de ilustração cabe também trazer aqui a soma dos valores gastos em licitação pela Universidade Federal de Santa Catarina, dentre todas as modalidades licitatórias. Apenas no ano passado foram adjudicados R$ 109.837.715,50 em materiais de consumo, serviços, projetos e obras. O Centro de Ciências Jurídicas demandou cerca de 1% dessa quantia, ou seja, R$ 1.098.377,15.

Independente das variações no decorrer desses anos, que são influenciadas por diversos fatores políticos e econômicos, é fácil vislumbrar o montante de recursos públicos destinados anualmente para diversos ramos da iniciativa privada. Sendo positivo ou não a realidade é que o ramo das licitações no Brasil virou um “negócio”. Diversas empresas nacionais, dos mais variados tamanhos, têm sua renda oriunda integralmente dos cofres públicos.

Assim sendo, analisando a realidade brasileira, pode-se afirmar que as compras públicas têm participação importante na indução do processo de desenvolvimento econômico. Deve-se ressaltar que, para tanto, no que se refere a compras públicas (e por consequência, no que se refere às licitações), deve-se buscar não mais apenas o menor preço, mas necessita-se aplicar esforços para que seja adotada a lógica do melhor preço. (SILVESTROW, 2015, p. 42)

Por mais que a participação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, tal como as contratações sustentáveis, serão objeto de análise posterior neste trabalho, é importante elencar aqui alguns dados extraídos do Painel de Compras do Governo Federal. Para fazer essa análise será tomado como base o ano de 2016, onde foi gasto cerca de R$ 51 bilhões em compras públicas.

As contratações com itens sustentáveis representaram irrisórios 0,85% do total das compras. Por mais que essa porcentagem ainda seja muito baixa, o referido montante já pode ser considerado um avanço se tomarmos como base ao no de 2014 onde as compras sustentáveis representaram 0,70% do total das contratações.

Os dados mostram ainda uma efetiva participação de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte em processos licitatórios. Tomando como base o ano de 2016, 49,95% dos processos de licitação da União contaram com a participação

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de ME e EPP, sendo homologados 54,97% desses processos em favor das que se enquadram nessa categoria.

No portal de compras da Universidade Federal de Santa Catarina não foram encontrados os processos de licitações em que saíram vencedoras Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, tal como, também não foi encontrado o número de contratações consideradas sustentáveis.

Considerando a finalidade primária das compras públicas – garantir ao governo o suprimento de bens ou a prestação de serviços necessários ao seu funcionamento – o uso estratégico da demanda governamental pode aperfeiçoar o desempenho do governo nas ações sob sua responsabilidade e garantir mais rapidez na consecução de determinados projetos, com melhoria da qualidade do serviço público. (SQUEFF, 2014)

Quando o poder de compra do Estado é utilizado como uma ferramenta de desenvolvimento ou estimulo à produção de determinados bens ou serviços, ou ainda a bens produzidos por empresas de determinado porte ou grupo social, a sociedade e o governo estão manifestando a sua anuência em, eventualmente, pagar algum sobre-preço em favor do desenvolvimento social do país.

Ao estudar o poder de compra do Estado é inevitável se debruçar sobre o tema das licitações – objeto substancial desse estudo – a julgar por ser este o mecanismo principal pelo qual aquele se concretizará. É preciso fazer uma reflexão jurídica sobre o tema, analisando principalmente qual é a sua atual finalidade e quais sãos as consequências das contratações atualmente, bem como, o impacto dessas políticas públicas na realidade brasileira. Esta discussão será ponto de exame nos próximos tópicos.

2.3 O NOVO PARADIGMA DAS LICITAÇÕES

Como observado no capítulo anterior, o tema de licitações públicas foi alvo de diversas mudanças legislativas ao longo do tempo. Inicialmente tínhamos a licitação como um mero procedimento embutido nas legislações concernentes à contabilidade da União, com finalidade principal de criar um sistema de compras regulando minimamente a conduta dos agentes.

Com o advento do Decreto 2.300/1986 a preocupação central era justamente ter uma norma rígida que assegurasse os princípios da isonomia,

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legalidade, moralidade e impessoalidade, buscando rigidez na conduta da Administração. Já a Lei nº 8.666/93 atualmente traz diversos mecanismos que buscam cumprir as finalidades de promoção do desenvolvimento nacional, buscar o principio da isonomia e buscar a proposta mais vantajosa.

2.3.1 A nova finalidade das contratações públicas

A licitação é um instituto que busca permitir que a administração pública obtenha a melhor contratação possível, possibilitando que todos que atendam aos requisitos legais possam participar do certame em igualdade de condições. A Constituição da República prevê no artigo 37, XXI os conceitos básicos acerca do instituto, inclusive o princípio da obrigatoriedade da licitação.4

O referido dispositivo é base fundamental para qualquer legislação infraconstitucional que venha a tratar sobre o tema. A Lei nº 8.666/93 logo no seu artigo 2º prevê que “as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei”.

No que diz respeito mais precisamente sobre a finalidade das licitações públicas, é oportuno trazer à baila o importante ensinamento de Justen Filho (2014, p. 67):

O art. 3º sintetiza o conteúdo da lei, no âmbito da licitação. Os dispositivos restantes, acerca da licitação, desdobram os princípios do art. 3º, que funciona como norteador do trabalho hermenêutico e de aplicação da lei de licitações. Nenhuma solução, em caso algum, será sustentável quando colidente com o art. 3º. Havendo dúvida sobre o caminho a adotar ou a opção a preferir, o intérprete deverá recorrer a esse dispositivo. Dentre diversas soluções possíveis, deverão ser rejeitadas as incompatíveis como os princípios do art.3º. Se existir mais de uma solução compatível com

4 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XXI - Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, a qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

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ditos princípios, deverá prevalecer aquela que esteja mais de acordo com eles ou que os concretize de modo mais intenso e amplo. Essa diretriz deve nortear a atividade tanto do administrador quanto do próprio Poder Judiciário

Nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello (2015, p. 538) a licitação nos dias de hoje visa a um triplo objetivo: proporcionar às entidades governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso, assegurar aos administrados a oportunidade de participarem dos processos de compra dos entes estatais e concorrer para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

Traçando esses objetivos claros, a licitação visa atender a três exigências públicas: proteção aos interesses públicos e ao erário – ao se procurar a oferta mais satisfatória; respeito aos princípios da isonomia e impessoalidade – pela abertura de disputa do certame; e, finalmente, obediência aos clamores de probidade administrativa. (MELLO, 2015, p. 538)

No ordenamento jurídico atual as finalidades do processo licitatório estão expressamente enunciadas no artigo 3º da Lei nº 8.666/935. A redação original previa apenas duas finalidades da licitação, quais sejam: (i) garantir a observância do princípio constitucional da isonomia; e (ii) selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração.

2.3.2 O princípio constitucional da isonomia

Conforme exposto na Constituição Federal a Administração deverá atuar sempre pautada pelos princípios constitucionais6. Os processos licitatórios por sua vez também deverão atuar de acordo com os princípios inerentes à atuação

5 Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

6

Nas palavras de José Sérgio da Silva Cristóvam (2016, p. 89) os princípios constitucionais são normas que sustentam todo o ordenamento jurídico, tendo por função principal conferir racionalidade sistêmica e integralidade ao ordenamento constitucional. Podem ser expressos mediante enunciados normativos ou figurar implicitamente no texto constitucional.

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estatal. Neste trabalho vamos analisar as licitações com fulcro no princípio da isonomia nas contratações.

Desta maneira, todos os dispositivos da Lei de Licitações devem ser interpretados sob a égide de tal princípio, o qual não busca proibir completamente qualquer diferenciação entre os candidatos, pois esta, inclusive, é consequência da seleção da proposta mais vantajosa. Seu principal objetivo é inibir qualquer diferenciação que não esteja previamente definida pela Administração Pública.

No mesmo sentido, Justen Filho (2014, p. 498) disciplina:

Há equívoco em supor que a isonomia veda que a Administração Pública adote tratamento discriminatório entre os particulares que pretendem contratar com ela. Quando a Administração escolhe alguém para contratar, está efetivando uma diferenciação entre os interessados. Não se admite, porém, a discriminação arbitrária, produto de preferências pessoais e subjetivas do ocupante do cargo público. A licitação consiste em um instrumento jurídico para afastar a arbitrariedade na seleção do contratante.

A isonomia é desdobramento do princípio da igualdade presente da Constituição Federal de 1988, no âmbito licitatório. O dispositivo veda aos agentes públicos inserir ou retirar dos Editais de licitação condições que retirem ou diminuam o caráter competitivo ou estabeleçam diferenças em razão da naturalidade, da sede ou domicilio dos licitantes (MEDAUAR, 2004, p. 216).

A questão da isonomia nas licitações públicas começa a gerar mais polêmica a partir do surgimento de legislações que buscaram inserir nas normas referente às compras públicas alguns dispositivos que, ao tentar utilizar as licitações com o objetivo de fomentar o desenvolvimento nacional sustentável, acabam por beneficiar algumas empresas no bojo do processo licitatório.

A Lei nº 2.349/2010 ao inserir o desenvolvimento nacional sustentável como finalidade da licitação faz com que o critério do menor preço não seja o único a ser considerado pela Administração, sendo acompanhado também por uma análise de vantajosidade sob a égide do desenvolvimento nacional (JUSTEN FILHO, 2014, p. 498).

Logo essa nova legislação abre espaço para adjudicar o objeto da licitação para uma proposta que tenha o valor mais elevado, desde que se evidencie, por

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critérios objetivos e prévios, ser ela a mais adequada para promover o desenvolvimento nacional sustentável (JUSTEN FILHO, 2014, p. 498).

É diligente demonstrar que essa prática não significa possibilitar que a Administração faça discriminações que não estejam fundadas em critérios previstos em Lei ou mesmo que afrontam princípio da proporcionalidade. É imprescindível a existência de regras claras e objetivas que viabilizem a demonstração da proposta que atende aos ditames do desenvolvimento nacional sustentável (JUSTEN FILHO, 2014, p.498).

Há, portanto, suposta mitigação – do ponto de vista formal – do princípio da isonomia. Permite-se que determinado proponente seja tratado diferente dos demais. Sobre o tema é importante colacionar aqui o entendimento de (JUSTEN FILHO, 2014, p. 505):

Trata-se de uma preferência de cunho impessoal, relacionada aos objetivos fundamentais da Nação. Apesar disso, admitem-se diferenciações entre propostas que, sob certo aspecto, podem apresentar-se como semelhantes. O tratamento preferencial para as propostas mais aptas a promover o desenvolvimento nacional sustentável não infringe a isonomia.

Outra legislação que alterou os critérios de seleção de proposta nos processos licitatórios foi a Lei Complementar 123/2006 que, em síntese, concedeu alguns benefícios para empresas enquadradas como Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, tais como participar dos certames ainda que não esteja com sua situação fiscal regularizada e, caso seja vencedora, será concedido um prazo de (cinco) dias úteis para sua regularização.

Já na hipótese de haver empate de propostas, no quesito menor preço, a microempresa tem a vantagem de tomar conhecimento do menor valor ofertado pela concorrente, podendo, caso queira, fazer uma proposta financeiramente menor e mais vantajosa para o Poder Público, o que lhe garantirá o contrato.

Tais hipóteses, de plano, já importam num tratamento diferenciado para essas empresas, resultando em grande discussão por parte da doutrina acerca de uma suposta infração ao princípio da isonomia nas contratações públicas. Sobre o assunto, Di Pietro (2008, 337) defende que as exceções mencionadas não entram

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em conflito com o princípio da isonomia, uma vez que o artigo 5º da Constituição somente assegura igualdade entre brasileiros e estrangeiros em matéria de direitos fundamentais.

Além disso, no caso das microempresas e empresas de pequeno porte, o tratamento diferenciado resulta da própria situação desigual dessas empresas em relação a outras que não têm a mesma natureza; por outras palavras, o instituto versa sobre tratar os desiguais de acordo com suas desigualdades.

No caso concreto, é a própria Constituição Federal, em seu artigo 1707, que impõe, como princípio da ordem econômica, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Conclui-se, portanto, que as diversas modificações legislativas que buscavam, através das contratações, um tratamento diferenciado para determinado licitante, têm repercussão direta num dos princípios mais importantes das licitações.

2.3.3 A promoção do desenvolvimento nacional sustentável

Buscar um conceito definitivo de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável é tarefa difícil. São inúmeros os autores que se debruçaram sobre o tema, principalmente nos últimos anos onde esse assunto foi pauta em diversos ambientes acadêmicos de todo o mundo.

Juarez Freitas (2012, p. 31), ao analisar o assunto, entende que a sustentabilidade não deve ser entendida apenas como um conceito vazio, ou mera

7 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

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ferramenta de propaganda ou falsa reputação a ser utilizado e não aplicado. Muito além de mero interesse econômico, de mercado e crescimento, as grandes questões ambientais devem ser entendidas como naturais, sociais e econômicas simultaneamente.

Ainda sobre o assunto o autor estabelece que o novo paradigma de sustentabilidade ressalta a importância da consideração do caráter multidimensional indissolúvel do termo. Devendo ser considerada as dimensões social, ambiental e econômica, mas também deve ser incluída a dimensão jurídico-política, uma vez que se trata de princípio constitucional gerador de novas obrigações, tal como, a sua dimensão ética (FREITAS, 2012, p. 24).

A sustentabilidade ganhou bastante relevância no ordenamento jurídico brasileiro. Tal fato pode ser percebido, dentre outros aspectos, pela legislação de licitações e contratações públicas. A Lei nº 12.349 alterou a Lei nº 8.666/93 e inseriu, ao lado dos dois objetivos já citados, de um terceiro: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável (NOHARA, CASTILHO, 2011, p. 1233). O advento dessa nova finalidade das contratações serve como pano de fundo para diversas políticas públicas que estão presentes em nosso ordenamento.

A relevância do tema pode ser visualizada na exposição de motivos da Medida Provisória nº 495/10, posteriormente convertida na Lei nº 12.349/2010:

A modificação do caput do artigo 3º visa agregar às finalidades das licitações públicas o desenvolvimento econômico nacional. Com efeito, a medida consigna em lei a relevância do poder de compra governamental como instrumento de promoção do mercado interno, considerando-se o potencial de demanda de bens e serviços domésticos do setor público, o correlato efeito multiplicador sobre o nível de atividade, a geração de emprego e renda e, por conseguinte, o desenvolvimento do país. É importante notar que a proposição fundamenta-se nos seguintes dispositivos da Constituição Federal de 1988: (i) inciso II do artigo 3º, que inclui o desenvolvimento nacional como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; (ii) incisos I e VIII do artigo 170, atinentes às organização da ordem econômica nacional, que deve observar, entre outros princípios, a soberania nacional e a busca do pleno emprego; (iii) artigo 174, que dispõe sobre as funções a serem exercidas pelo Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica; e (iv) artigo 219, que trata de incentivos ao mercado interno, de forma a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem estar da população e a autonomia tecnológica do país.

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