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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO. IBERÊ MORENO ROSÁRIO E BARROS. UMA NARRATIVA MIDIATIZADA DO COTIDIANO: As charges de Política Internacional de Angeli (2001-2012). MESTRADO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL. SÃO PAULO 2015.

(2) UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. IBERÊ MORENO ROSÁRIO E BARROS. UMA NARRATIVA MIDIATIZADA DO COTIDIANO: As charges de Política Internacional de Angeli (2001-2012). Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Curso de Mestrado, da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. José Salvador Faro. São Paulo - SP, 2015.

(3) A dissertação de mestrado sob o título “ Uma narrativa midiatizada do cotidiano: as charges de política internacional de Angeli (2001-2012)”, elaborada por Iberê Moreno Rosário e Barros foi apresentada e aprovada em 04 de Maio de 2015, perante banca examinadora composta por José Salvador Faro (Presidente/UMESP), Marli dos Santos (Titular/UMESP) e Gilberto Maringoni de Oliveira (Titular/UFABC).. __________________________________________ Prof. Dr. José Salvador Faro Orientador e Presidente da Banca Examinadora. __________________________________________ Profa. Dra. Marli dos Santos Coordenadora do Programa de Pós-Graduação. Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social Área de Concentração: Processos Comunicacionais Linha de Pesquisa: Comunicação Midiática nas Interações Sociais.

(4) A toda minha família e em memória ao meu tio Beto..

(5) “Eu acho que, em se tratando de político, num adianta— e de políticos da estirpe desses que a gente vê por aí — num adianta a gente ficar fazendo só a piada. Piada pela piada. Eu acho que você tem que ir com a estaca no peito do cara”. Angeli em entrevista à Teté Ribeiro 06 de Maio de 2012.

(6) AGRADECIMENTOS Agradeço à Universidade Metodista, enquanto instituição, que ofereceu o apoio e o espaço no qual pude realizar meus estudos e aprofundar meus debates. É essencial, nesse contexto, agradecer ao Programa de Pós Graduação em Comunicação Social, em especial à Kátia, que me auxiliou a todo o momento em tudo que era preciso para superar a temida burocracia. Ao excelente corpo docente da UMESP. Na realização das disciplinas das professoras Cecília Peruzzo, Maria Leila e Magali Cunha, pude desenvolver minhas capacidades e ampliar o meu conhecimento no campo da Comunicação. A contribuição foi, e é, inestimável. Ao professor José Salvador Faro. Desde o momento que nos conhecemos, ainda em 2012, sempre acreditou na minha capacidade e me instigou, muito, a produzir a presente pesquisa. Esteve sempre presente e prestativo, se mostrando mais do que apenas um orientador, mas um dileto e querido mestre neste percurso sinuoso da academia. À banca de qualificação. Suas contribuições representaram um ponto de virada importante na pesquisa e me deram um rumo claro e contundente. Aos professores Gilberto Maringoni e Marli dos Santos fica registrada a minha gratidão pelas palavras no momento exato. Assim como estendo à banca de defesa a mesma reverência. Ao Grupo de Pesquisa Narrativas Midiatizadas da Cultura. Ambiente produtivo e instigador não apenas para pensar as questões acadêmicas, mas para também compreender o que é o nosso objeto e aquilo que nos circunda. Sem dúvida minha vontade de alçar novos voos também é influenciada por esses tão estimados colegas Aos meus colegas de turma na pós-graduação. Debatedores e companheiros importantes para a formulação e concretização da minha pesquisa. Compartilhamos mais do que os conhecimentos. Estivemos juntos e nos apoiamos em momentos de dificuldade e dúvida, assim como para celebrar as conquistas individuais. São diversos os nomes que poderia citar, mas para deixar apenas duas, que representam assim diversos outros, Tereza Mazziero e Paula Cabral, que desde a prova de seleção me acompanharam nestes dois anos. Os agradecimentos não se encerram apenas nos corredores da academia. Merecem minha gratidão, também, os amigos de escola, que por tantos anos estão ao meu lado. Continuam a ser parceiros nas empreitadas da vida. À Marianna Parro e ao Raphael Faria, em especial, por terem sido interlocutores, mesmo que sem saber, durante todo esse processo..

(7) Aos membros da Confraria da Paulicéia Desvairada: Bruno, Guilherme, Leonardo, Maurizio, Marcel e Renato. Mesmo que brincando com a minha proposta de me tornar um bimestrando, sempre me deram força e apoio para cumprir essa meta. Me sustentaram e me desafiaram a terminar o que me propus. Saravá! Aos Quadrinheiros: Adriano, Felipe, Jedi e Mauricio. Contribuindo com palavras, com textos, com discussões e sem dúvida com muitas piadas dos meus “desconhecimentos”. O que temos criado dessa união de poderes ainda frutificará muitos e muitos outros estudos. Que continuem sendo um incentivo e exemplo não apenas para mim, mas para tantos outros interessados em quadrinhos. À Capela da Serra. Espaço no qual pude congregar ecumenicamente e compartilhar de uma fé plural e crítica. Aos meus familiares. Que acreditaram e apoiaram. Que deram força e desejaram ao máximo que enfrentasse a empreitada de fazer dois mestrados ao mesmo tempo. Em especial ao meu Tio Beto, que infelizmente não pode ver o trabalho concluído, mas que tanto desejou que isso se concretizasse. Á Ingrid. Quem descubro a cada dia mais companheira. Dando paz nos meus momentos de preocupação. Acalentando com palavras doces quando era necessário e animando com palavras firmes quando foi preciso. Com abraço único e o sorriso estonteante tornou a empreitada dupla muito mais leve. Ao meu irmão, Uirá. Que de fato sempre foi e sempre será totalmente um irmão. Tirando do sério para descontrair, mas também estando ao lado quando precisei. Da sua maneira descontraída, me mostra sempre que o humor tem que estar no dia a dia, e não apenas nos desenhos que estudo. Especialmente aos meus pais, Mary e Laan. Uma mãe que não só lia um livro qualquer, mas sim quadrinhos para dormir, seja Ziraldo ou Quino. Um pai que além de tudo sempre será meu desenhista favorito, mesmo que seja só em rabiscos de canto de papel. Uma dupla mais do que dinâmica que apoiou e incentivou essa empreitada dupla..

(8) SUMÁRIO. Introdução ...................................................................................................................................... 10 Capítulo I - Acordes Teóricos ...................................................................................................... 15 1.1. Poder, Cultura e Hegemonia ......................................................................................... 16. 1.2. Narrativa Cotidiana do Absurdo ................................................................................... 21. 1.3. Mito no lixo .................................................................................................................... 32. 1.4. Mediações e Midiatização ............................................................................................. 37. Capítulo II - Revirando o Lixo da História.................................................................................. 43 2.1. Apontamentos históricos sobre Angeli e o Humor Paulistano.................................... 43. 2.2. Processando o Lixo ........................................................................................................ 47. 2.3. Ano a ano: Cresce o depósito ........................................................................................ 50. 2.4. Balanço do lixo .............................................................................................................. 84. Conclusão ...................................................................................................................................... 85 Bibliografia .................................................................................................................................... 92.

(9) Resumo Esta pesquisa se insere nas discussões sobre comunicação midiática nas interações sociais. Traz como tema a charge enquanto narrativa midiatizada do cotidiano, a partir de um estudo de natureza bibliográfica e de um exercício de aplicação no qual foram estudadas as charges de Angeli reunidas na coletânea O lixo da história, publicada pela editora Companhia das Letras. Dentre os autores e teorias trabalhadas destacam-se: a conceituação de narrativa, proposta por Luiz Gonzaga Motta; a ideia da midiatização da sociedade, a partir da discussão de José Luiz Braga; a teoria de mediações culturais de Jesús Martin-Barbero; os estudos de cotidiano de Michel de Certeau; e o entendimento de cultura, fundamentado nos Estudos Culturais. A partir das leituras e análise realizadas, a pesquisa trouxe a tona as percepções de que a charge é uma narrativa do absurdo e narrativa absurda de um momento histórico, de maneira a inseri-la enquanto monumento historiográfico do cotidiano. Assim como é feito com as narrativas jornalísticas, a charge demanda uma visão crítica, observando não apenas a sua forma, mas sim o seu contexto. Palavras-chave: Charge; Narrativa; Midiatização; Cotidiano; Humor.

(10) Abstract This research is part of the discussion about midiatic communication in social interactions. Has as a theme, the cartoon as a midiatic narrative of the everyday. From a literature analysis and the an practical exercise, in which we studied the collection O lixo da história, published by Companhia das Letras. Among the authors and theories used, we highlight: the narrative concept, of Luiz Gonzaga Motta; the midiatization idea from José Luiz Braga studies; the cultural mediation theory from Jesús Martin-Barbero; the everyday studies of Michel de Certeau; and the understanding of culture, based upon Cultural Studies. The readings and analysis showed us the perspectives that the cartoon is an absurd narrative and a narrative of the absurd of a historic moment, in a way that it becomes a historiographic monument of the everyday. Like its done with tha journalistic narrative, the cartoon demands a critic vision, looking for more than its shape, but all the surroundings. Keywords: Cartoon; Narrative; Midiatic; Everyday; Humor.

(11) 10. INTRODUÇÃO. O presente trabalho se insere em uma parcela da discussão que vem ocorrendo no Grupo de Pesquisa “Narrativas Midiatizadas da Cultura”. Foi gestado a partir da leitura do texto do professor José Salvador Faro “À Flor da Pele: narrativas híbridas, cotidiano e comunicação”, publicado originalmente na revista InTexto, de Dezembro de 2011. Nossa reflexão encontra-se particularmente vinculada ao referido artigo, no qual são apresentadas algumas relações entre a narrativa, o cotidiano e a midiatização, em especial nas mensagens jornalísticas. Iniciamos a partir de uma pergunta direta e simples, que vai se desdobrando em um efeito cascata: O que é a charge? Uma produção gráfica dentro do jornal que utiliza da linguagem da nona arte para transmitir um discurso crítico, conversando com a notícias e demais textos do jornal. Adota como estrutura primária um desenho, geralmente caricato, e um texto de título ou fala dos personagens representados. Tendo esse panorama em mente, a presente pesquisa se depara com a necessidade de enquadramento teórico para a charge, entendendo ela como um discurso complexo dentro dos discursos jornalísticos. Não por uma hierarquização, mas por um entendimento de que ela pode ser observada de maneira simplista ou excludente. É preciso uma lente que amplifica determinadas questões e torna também mais contextualizada a charge..

(12) 11. O problema de pesquisa, portanto, é encontrar um enquadramento teórico para as charges. Observar as nuances a partir das teorias e pensamentos da comunicação, de maneir a a encontrar as metodologias e um posicionamento epistemológico adequado à sua demanda e influência política. Tomemos então algumas ponderações, desde já, acerca de algumas suposições prévias, construídas a partir da leitura da proposição de Faro. De certa maneira elas são nossas hipóteses de trabalho, problematizadas nesta dissertação. A charge é uma narrativa, uma vez que ilustra e, justamente, narra um fato a partir de uma representação gráfica e verbal. Mesmo que usando de superlativos, de metáforas e de recursos fictícios, apresenta e critica uma situação. Pode narrar um momento específico, como uma pose de um político em uma foto, como pode narrar sobre uma cotidianidade, como o crescente conservadorismo na sociedade. A charge é histórica, uma vez que se relaciona com um fato histórico, mesmo que ela esteja permeada pelas mediações com as quais seus autores e seus leitores se relacionam com ela e através dela e pela midiatização da sociedade, ela tem um fundo factual. A deturpação do fato, que poderia ser uma propriedade negativa, acaba se tornando positiva, pois mostra uma leitura real que foi feita naquele momento sobre aquele fato. Diferente de um registro descritivo ou laudatório, temos um registro emocional e afetivo daquela passagem do tempo. A charge é cotidiana, justamente por se fundamentar no que está ocorrendo naquele período. Diferente de outras produções que usa a mesma linguagem artística, a preocupação com o seu contexto é direta e escancarada na sua produção. Não há uma charge que não exija do leitor o conhecimento do seu entorno e do seu contexto, de maneira, inclusive, que uma charge alocada em outro espaço e tempo, não surtirá o mesmo efeito. A midiatização da charge, portanto, se dá também próprias mediações, culturais da comunicação e comunicacionais da cultura, no processo criativo e de produção do chargista. Fora, é natural, esses mesmos processos ocorrendo na e pela sociedade. Logo ela é intrínseca a sua existência, uma vez que isolada, vista como apenas uma representação gráfica, não há um discurso da realidade, mas apenas artístico. Um dos problemas que se gera ao redor dessa construção conceitual, é a relação do fático e do fictício. Uma vez que a charge tem em si a dualidade da realidade e das metáforas e superlativações, em sua base de produção e criação, não se pode excluir uma das partes do que está ali colocado. Essa somatória de ponderações conceituais – ou hipóteses de trabalho – gera dois principais resultados, concomitantes mas não iguais. Podem surgir narrativas do absurdo, nas quais o chargista ressalta o absurdo da sociedade. Assim como podem ser construídas.

(13) 12. narrativas absurdas, na qual o cotidiano é tornado absurdo através de um exercício humorísticos. O absurdo, na charge, é uma chave própria e central da sua estruturação. O autor sempre se preocupa em gerar o humor, ou seja, a alteração do status quo do indivíduo, criando uma reação, seja ela positiva ou negativa, frente à informação. Entender essa catarse é importante, e mesmo que não seja tangível mensurá-la, é importante identificar os seus causadores mais emblemáticos. Neste ponto nos deparamos, então, com as justificativas desta investigação científica. Estudar a charge dentro dessa lógica é levar em conta que a charge não traz um discurso estéril da realidade. Joga com recursos do fictício para construir a sua leitura desse contexto no qual está envolvido e se insere, conversa tanto com os outros textos do jornal, quanto com as redondezas sociais e marcas do seu tempo. Envolve o mitológico, o arquetípico, o cultural, e o cotidiano, de maneira intensa, gerando discursos humorísticos, lúdicos, surreais entre outros, para expressar o seu entendimento do tempo. Desta maneira entendemos que devemos tomar o contexto como ponto de partida, e não apenas o texto, como muitas vezes é feito. É verdade que estudos de semiótica e seus correlatos são importantes para a compreensão do ser humano e dos seus discursos. Mas nesta pesquisa buscamos nos afastar dessas proposições sintático-semânticas, para observar de maneira pragmática a charge. Não excluímos a observação e análise de texto, desenhos, traços, objetos, etc., mas essas questões só fazem sentido quando dentro do contexto no qual é publicado. Essa posição epistemológica se relaciona, inclusive, com o percurso pessoal e acadêmico trilhado até então pelo pesquisador desta dissertação. Poderíamos levantar, em um primeiro momento, as questões afetivas, e a ligação com os quadrinhos desde a infância, incluindo as charges e tiras de jornal. Soma-se a isso o fato de ser integrante do blog Quadrinheiros, que produz conteúdo sobre História em Quadrinhos, a nona arte, com uma proposição histórica, sociológica e filosófica. Há, portanto, um afastamento de outros críticos e jornalistas que discutem o tema de um ponto de vista semiótico. Vale, também, levar em conta a produção do trabalho de conclusão de curso de graduação, em Relações Internacionais, no qual analisamos as tiras do Recruta Zero, intitulado Beetle Bailey, Kennan e Nitze: os reflexos da Política Externa Americana nos Quadrinhos. Naquele momento nos propusemos a compreender as influências e variações da Política Externa dos EUA no período da Guerra Fria, a partir de um documento histórico mais difuso. Observamos nas tiras do Recruta Zero o modo como o autor tratou o tema da guerra e.

(14) 13. a recepção que a tira teve, tanto das instituições oficiais quanto da publicação em diferentes jornais. Como termômetro do entendimento e das reações de um grupo, observamos como o autor das tiras, Mort Walker, tratou o tema na sua produção, sendo favorável à presença americana na Guerra da Coreia em um primeiro momento e contrário em um segundo momento. A constatação dessa mudança mostra como um grupo da população, que envolve o próprio artista, recebe as proposições ideológicas e reage a elas. Com o mesmo intuito seguimos para produções como a presente pesquisa. Também levamos em consideração a contribuição para o Grupo de Pesquisa que integramos. Além da contribuição à toda a academia, mesmo sabendo que uma dissertação não é o único marco de um processo de debate acadêmico, mas sim parte integrante de todas as proposições e pensamentos. Buscamos aqui encontrar as ideias que estavam espalhadas, tanto em nossos pensamentos como em diversos textos, e aglutiná-las de maneira lógica. Como resultado final, o que se buscou produzir nesta pesquisa, foi justamente fazer uma revisão bibliográfica de alguns autores da comunicação e demais campos das ciências humanas, que pudessem nos orientar na construção de um enquadramento teórico próprio para o estudo das charges. Buscamos pensadores e pesquisadores de diversas áreas, como antropologia, história, linguística e filosofia. Mas são autores do campo da Comunicação, como Motta, Martín-Barbero, Faro, Braga e outros que nos indicam os principais percursos a serem trilhados. É a partir desse arcabouço referencial que construímos uma lente de observação das charges. Buscamos assim entender de maneira mais complexa, observando contexto, discurso e relações ao redor como parte da própria produção. Entendemos, então, a charge como narrativa, dentro de um processo midiatizado, como parte do cotidiano; ou seja, como narrativa midiatizada do cotidiano. À pesquisa bibliográfica somou-se um segundo movimento metodológico de natureza empírica, que se deu em um exercício de aplicação. Empreendemos o exame de uma coletânea de charges de um dos principais autores do cenário jornalístico brasileiro, o cartunista Angeli, reunida em um volume publicado pela editora Companhia das Letras sob o título O Lixo da História. A presente pesquisa, se divide em 3 capítulos. No primeiro apresentamos as bases da discussão teórica e epistemológica da pesquisa. Observando alguns autores e proposições, debatemos e comparamos, aproximando e contrapondo, para criar os fundamentos para um enquadramento teórico que abarcasse as demandas de uma análise macro das charges..

(15) 14. Na primeira parte do segundo capítulo levantamos alguns fatos importantes sobre a vida de Angeli, autor da coletânea que analisamos em nosso exercício de aplicação. Somada a essa breve biografia, apontamos algumas questões sobre o humor paulistano, ao qual o chargista estudado é filiado, que carrega características próprias de temáticas, de traços e de estilo discursivo. Na segunda e terceira partes do segundo capítulo, analisamos parte da coletânea O lixo da história. Observamos com atenção 24 charges das 227 selecionadas por Angeli, sendo duas de cada ano. Antes de adentrar na análise de cada ano apresentamos um breve levantamento dos principais tópicos do cenário político internacional daquele ano, trazendo o contexto mais próximo à charge. 1 Na conclusão nos propomos a realizar um ensaio comparando, contextualizando e confrontando a charge dentro da sociedade e enquanto objeto de pesquisa. Retomamos assim os principais tópicos dos acordes teóricos tendo em vista o exercício realizado e as potencialidades dessa mesma metodologia, aplicada a outros autores e charges. Esperamos que a presente dissertação possa instigar novas pesquisas e debates. Mais do que encerrar discussões, esperamos abrir novas possibilidades de interpretação e construção, tanto de análise das charges como de outros objetos e temas. Sabemos que o esforço se localiza dentro de um ambiente acadêmico favorável, e foi o que tornou possível estes resultados apresentados.. 1. As charges foram escolhidas a partir da sua relevância enquanto fato histórico ou a sua relação com as demais charges da coletânea, de maneira a gerar uma correlação interna..

(16) 15. CAPÍTULO I - ACORDES TEÓRICOS. Esperamos com este capítulo compor “acordes teóricos” – no sentido da composição musical que busca nexos entre tonalidades diversas – para a compreensão da discussão do tema escolhido. Fazendo uma analogia, podemos compreender cada conceito e autor como um som próprio, com sua tonalidade e frequência individuais. Pretendemos apresentar tais conceitos de maneira que ao “ouvirmos” todos eles juntos, “escutemos” um acorde ao mesmo tempo polifônico e harmonioso. Assim como um acorde musical, os autores aqui presentes compõem, enquanto conjunto e sem alterar suas individualidades, um som novo e próprio, a partir do qual será “tocada” a reflexão, trabalhada a partir dos principais conceitos apresentados pelos autores estudados. Apresentamos aqui uma alegoria que complementa a analogia acima. Tom Jobim disse que não se faz um samba com uma nota só. Contar com todas as notas, se não acabamos com nenhuma. Se sairmos usando todas as notas, pode ser que acabemos falando muito sem dizer nada. Tendo então a base em uma só nota, a narrativa midiatizada do cotidiano, esperamos compor esse acorde e suas variações. Por isso, apesar de poucas notas, sabemos que elas são suficientes para nossa argumentação. O que nos chamou a atenção no texto “À Flor da Pele” foi a possibilidade de que poderíamos criar uma maneira de compreender as relações entre comunicação e cultura, em especial na análise das charges presentes na mídia. Percorrendo o mesmo caminho do professor Faro, mas tendo novas inquietações, esta pesquisa se propõe a compreender como se.

(17) 16. dão as relações da charge com os três conceitos — narrativa, midiatização e cotidiano — e aplicar essa tríade conceitual em um caso específico. O objeto escolhido para o exercício de aplicação dessas reflexões teóricas foi a coletânea de charges intitulada “O lixo da história”, de Angeli, que compreende os trabalhos por ele publicados entre 2001 e 2012, sobre a política internacional. Poderemos assim observar como se dá a relação da charge com o jornal, tanto em suas consonâncias como dissonâncias. Também, verificar de que modo um determinado gênero de narrativa midiatizada se coloca como narrativa histórica. O problema central desta pesquisa se encontra, tendo em vista essa inquietação sobre a hegemonia, na imbricação da construção ideológica e da produção cultural. Pode uma charge representar, ou se opor, à proposição ideológica dominante? Ela de fato representa um discurso claro e determinado, que pode ser adotado, oposto ou respondido por um grupo ou apenas um indivíduo?. 1.1 Poder, Cultura e Hegemonia A compreensão do papel hegemônico, ou contra-hegemônico, da produção cultural é crucial para o entendimento de que toda obra tem uma inspiração política teórica. Michael Burawoy indica que nenhuma construção é idônea de pressupostos e construções prévias: “Sem teoria, nós somos cegos, não conseguimos ver o mundo.” (2010, p.8). É, portanto, neste nicho que enxergamos que a produção das charges carrega em si um discurso políticoideológico. Sem dúvida toda obra reflete o habitus gerado em um campo, principalmente do campo político e do campo cultural. Por isso uma produção não é tão livre de seu contexto, mas também não é, necessariamente, refém do seu espaço. Ela pode justamente nascer como uma resistência e uma oposição ao discurso predominante, trazido através de uma condição do poder simbólico. Conceitos aqui referenciados a partir de Pierre Bourdieu, conforme discorreremos mais à frente. Antes de prosseguirmos vale destacar que entendemos que a aproximação entre Bourdieu e Gramsci, feita por Michael Burawoy, tem uma contribuição muito interessante para nossa análise. Podermos ler que, apesar de muitas divergências, ambos os autores trazem uma compreensão macro sobre o papel do intelectual. Isso nos possibilitou a incursão na questão de as charges representarem esse discurso de uma classe, ou não..

(18) 17. Retomando então o primeiro tópico, o conceito de hegemonia tem destaque, dentro das discussões de Gramsci. É um dos pontos mais importantes da sua obra, uma vez que responde um questionamento que Marx, ao desenvolver as teorias acerca das estruturas, acaba não se aprofundando. Ao tratar as interações das superestruturas, o pensador italiano, acaba criando assim o âmbito sob o qual se constroem os embates da formulação cultural. A hegemonia, portanto, é algo a ser almejado para a condução das massas. E é parte de um projeto político de toda organização, partidária ou não. Logo, as classes também representam esse mesmo papel. Entendemos aqui que cada grupo social, não se divide apenas pela estratificação econômica, mas também pela sua identificação no que se refere à sua função de trabalho. Por isso podemos indicar que os jornalistas compõem um grupo com relativa coesão, ou seja, uma classe. Importante ressaltar que, apesar de entendermos a idéia de hegemonia a partir de uma leitura gramsciniana, portanto de raízes marxistas, o termo classe aqui utilizado não é pensado na acepção proposta por Marx. A forma conceitual à qual nos referenciamos é a de que os jornalistas, por exercerem um conjunto de funções próximas, criam uma classe de trabalho. Tal conformação acaba por gerar, também, sindicatos específicos e regulamentação exclusiva. As leituras e interpretações relativas à questão da hegemonia que entendemos como relevantes ao nosso trabalho são oriundas de mudanças intensas que ocorreram na academia. Tanto a virada linguística, representada na hermenêutica e na pragmática, como os Estudos Culturais influenciam diretamente a compreensão epistemológica aqui adotada. Levantamos, então, algumas breves ponderações para delimitar nossas escolhas metodológicas. As quebras de paradigmas metodológicos que ocorreram em diversos campos nos anos 1960-70 são cruciais para essa nova compreensão, que abre portas para essa construção com a narrativa. Na comunicação, do ponto que observamos, o impacto se dá tanto no campo das teorias, com o surgimento e consolidação das proposições de mediações, como no modo como outras áreas observam a sua produção. Ao mesmo tempo que o historiador passa a questionar mais o que está escrito no jornal, ele passa a entender a notícia como um objeto mais complexo, ou seja, com diferentes pontos a serem observados. Essa guinada só foi possível em razão de questionamentos, oriundos principalmente da Escola de Birmingham. Foram pensadores como Raymond Williams, do campo da Literatura, Richard Hoggart, do campo da Sociologia, e E.P. Thompson, no campo da história, que acabaram contribuindo para um surgimento de uma crítica marxista ao marxismo. Entendendo que havia questões não respondidas nos textos de Karl Marx e que as vertentes mais fortes —.

(19) 18. Stalinista, Maoísta e Trostkista — não respondiam plenamente a sociedade, esses acadêmicos optaram por uma leitura fundamentada nos escritos de Antonio Gramsci. O pensador italiano se fundamenta em uma proposição que até então não era profundamente discutida, a Cultura. Para Gramsci as construções culturais extrapolam os níveis estruturais definidos por Marx, de maneira a permear e interagir de maneira orgânica com a sociedade. Daí surgem as proposições de intelectualidade orgânica e de hegemonia, principais conceitos das suas obras. São chaves de leitura que dentro desse contexto de questionamento dos movimentos de esquerda ganham uma importância imensa por abrirem a ciência, principalmente as ciências humanas, para este tópico de maneira irrestrita. A discussão sobre cultura dos pesquisadores dessa linha de pensamento passa por algumas rupturas em relação ao entendimento clássico. Ao invés de tratar o conceito enquanto algo específico do mundo erudito, os autores se voltam para uma compreensão de que a construção da cultura tem a ver com o comum. Enxergam a cultura como um conjunto de práticas, vivências, histórias e relações que permeiam todas as ações dos seres humanos. Como alguns fazem o paralelo, é como o cultivo de uma plantação, que vai sendo reconstruída e mantida. A cultura, então, passa a ser vista também como práticas do cotidiano. Os espaços do trabalho e as relações do trabalhador com o seu modo de vida. É esse um dos exercícios desse aporte culturalista, feito por E.P. Thompson, na sua obra A formação da classe operária inglesa, em 1963. Ele acaba por questionar, assim, o fazer história da vertente marxista, passando a observar os costumes e relações dos operários, não mais dos estadistas ou de uma massa nacional. Alguns anos antes, em 1958, Williams já havia conceituado a idéia de cultura ordinária. No texto Culture is ordinary, ao repassar as paisagens de uma viagem de ônibus da cidade para o interior, ele vai indicando tudo que é cultura. Sejam as fazendas, as estações de trem, o cinema, o mosteiro ou a biblioteca, todos os locais ali relatados representam a cultura. Isso nos mostra tanto o que carrega a história, como se liga com o cotidiano, quanto o que gera a nossa projeção futura e possibilidade de mudança social. Esse mesmo movimento, do erudito elitista para um popular compartilhado, acontece com o espaço das charges. O chargista depende de um arcabouço teórico próprio e elevado, tendo que conhecer além as técnicas artísticas, de pensadores e pensamentos filosófico. Mas ao invés de restringir seu trabalho a esses grupos, ele faz o papel de transformar e traduzir o discurso, tornando acessível e palatável a discussão dos temas da atualidade. Assim como Williams sai de uma catedral elitista e se locomove para o campo mais simples, o cartunista lê.

(20) 19. e interpreta a notícia, processando-a nos seus conhecimentos e experiências, para depois compartilhar de maneira lúdica e/ou humorística. É interessante notar que a maior parte desses pensadores estava também envolvida diretamente com os movimentos sociais e com a atuação direta. Para eles não bastava refletir sobre a questão, pois também era necessário atuar de maneira orgânica. O que levou a tomarem uma maior consciência de outros grupos de oprimidos, além das classes trabalhadoras. Em especial, temos o caso de Stuart Hall, que pensando as cotidianidades de diferentes grupos de migrantes pôde estudar as relações e interações de opressão e domínio. Essa mesma abertura levou a estudos de gênero e de grupos étnicos, entre outros. A abertura da compreensão de que a cultura abrange mais do que o conhecimento erudito, mas abarca também as práticas cotidianas, é importante para os estudos da Comunicação. Todo o movimento culturalista permite o surgimento de teorias mais complexas acerca das mídias. Assim como a compreensão do cotidiano traz um novo modo de ver também para a produção não acadêmica da comunicação. No caso particular desta pesquisa, é possível problematizar essas transições da cultura erudita ara a popular com as relações entre o texto formal da narrativa jornalística e a informalidade das charges. É válido lembrar que no mesmo período do desenvolvimento dos Estudos Culturais na Inglaterra, década de 1960, um grupo de pesquisadores da linguagem e da literatura da Universidade de Konstanz, na Alemanha refletia sobre uma “estética da recepção”. Esses estudos acabaram influenciando a comunicação trazendo os referenciais de que o receptor não é um personagem tão passivo, pois é no seu campo de ação que acontece a produção de sentidos das mensagens. Parecendo distante das discussões de narrativa e midiatização, a guinada culturalista é importante para compreender a própria idéia e entendimento do que é a narrativa e do que vemos ao seu redor. Os estudos de literatura e de línguas ganharam um novo escopo e caminho a partir da visão Gramsciniana, o que permitiu aos pesquisadores enxergar para o além-texto. É só com essa possibilidade que podemos ler a charge nesta tríade de maneira coerente. Retomando o debate fundamentado na proposição de Burawoy, a distinção é se há, de fato, uma hegemonia dentro do grupo ou não. Mas não cabe a esta pesquisa especular, no âmbito filosófico, sobre esse ponto. O que nos interessa é perceber se a produção editorial tem um discurso coeso que é refletido, ou contraposto, também na charge. Ou ainda, se o chargista, por ter maior liberdade de pauta e de produção, na verdade emite uma opinião mais afinada com essa classe do que os textos que são produzidos regularmente pelos jornalistas,.

(21) 20. uma vez que sofrem sob o poder simbólico dos donos do veículo, transfigurado na possibilidade de demissão. O poder simbólico, conceito este que fundamenta toda a discussão de Bourdieu, guarda semelhança em muitos momentos com a idéia de hegemonia de Gramsci, porém se distancia dela na sua organização prática. Enquanto o pensador italiano compreende que são ações conscientes e intencionais que induzem a compreensão do mundo por parte dos dominados, a partir da construção dos dominadores, o autor francês vê esse poder como: ... uma forma transformada, quer dizer, transfigurada e legitimada das outras formas de poder: só se pode passar para além da alternativa dos modelos energéticos que descrevem as relações sociais como relações de força e dos modelos cibernéticos que fazem delas relações de comunicação, na condição de se descreverem as leis de transformação que regem a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram objectivamente e transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia. (1989, p. 15). Esse senso de classe pode ser entendido de maneira mais clara se nos apropriarmos de algumas discussões de Bourdieu, principalmente os conceitos de habitus, campos e poder simbólico. Sendo este primeiro definido, pela leitura de Burawoy, como “... a capacida de adquirida de inovar, de jogar o jogo, de perceber o sentido desse jogo — uma criatividade definida por disposições acumuladas e internalizadas a partir das estruturas sociais prévias.” (2010, p. 52). Buscando as definições, apresentadas pelo próprio Bourdieu, encontramos então que o habitus “é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital (de um sujeito transcendental na tradição idealista) o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural.” (1989, p.61). Depreendemos, portanto, que esse conceito indica um arcabouço cultural e histórico próprio de cada indivíduo, mas também construído na sua coletividade. Essa idéia abarca consigo também o conceito do “fundo arcaico”, que indicaremos a partir da leitura de Ester Sá Marques logo à frente, a qual joga com a dualidade do mítico e do lógico. Essa complementaridade é que constrói a nossa interpretação de realidade e as nossas ambições. Ela indica como compreendemos as dinâmicas sociais e orienta nossas posições. Cabe nos questionarmos como esse processo se identifica com a teoria dos campos que, como mostra também Burawoy, “é focada nas relações sociais que precedem os indivíduos, na ação estratégica desses atores procurando maximizar seus lucros (materialsimbólico)” (2010, p.34). Bourdieu, a partir de uma leitura weberiana relacional das transferências econômicas, propõe que “Em vez de ser a transferência que está na origem da.

(22) 21. construção do objeto [...], é a construção do objeto que exige a transferência e a fundamenta.” (1989, p.68). Ou seja, o campo se conforma a partir das relações que indivíduos travam pela dominação simbólica de um determinado produto, podendo ser desde objetos físicos até conceitos e arte, e seu processo produtivo. Existe, portanto, alinhamentos e oposições dentro de um mesmo espaço, porém respeitando sempre as estruturas vigentes de cada campo, coordenadas pelo poder simbólico de cada ator nesse jogo, que lida com essas regras a partir do seu habitus.. 1.2 Narrativa Cotidiana do Absurdo Como se pode ver, de acordo com a discussão teórica acima, o objeto da pesquisa, mais do que exclusivamente a coletânea, são as charges enquanto narrativa midiatizada do cotidiano e seu reflexo como um discurso consoante ou dissonante com o campo no qual elas se inserem, o jornalismo. Isso engloba o processo de ressignificação da notícia, a partir das mediações culturais e da midiatização da sociedade. Esse jogo de significações foi apresentado no texto de Faro, através da idéia de que temos processos lógicos e míticos que permeiam nosso cotidiano. Como escreve o autor: O dia-a-dia, portanto, povoa a nossa relação com o mundo e interfere fortemente na leitura que fazemos de tudo quanto cerca a existência. É nesse espaço imediato em que se confina o cotidiano que a história da cultura demonstra a presença dos processos lógicos e míticos com os quais as informações que preenchem o universo comunicacional tornam-se sensíveis à observação e à compreensão (FARO, 2011, p.106). O exercício ao qual nos propusemos é o de uma abertura de ambiente de debate e relação entre as charges e o seu potencial informativo-reflexivo. Compreender essa representação polifônica e polissêmica é uma maneira de traçar os rastros do cotidiano, no qual participamos e praticamos nossa sociabilidade. A manifestação artística neste caso é por onde passa a informação, criando uma nova imagem do fato, mais alegórica e menos lógica. Os processos míticos do cotidiano são o eixo sob o qual acontecem as mediações culturais para a construção das charges, seja em seu processo de criação ou nas apropriações existentes nos processos de recepção. Elas só podem existir e fazer sentido uma vez que mexem com nossos arquétipos. Enquanto as charges jogam com o absurdo e o surreal dentro das representações construídas, a notícia se encontra nos processos lógicos do cotidiano..

(23) 22. Justamente por cada uma delas estar em um dos dois eixos, que elas se encontram de maneira complementar, mas não no mesmo patamar. Para Faro os processos míticos “... se estruturam sobre aquilo que a mesma Agnes Heller aponta como a dimensão ‘humano genérica’ da existência, um jogo que remete a paradoxos situados no território dos arquétipos” (2011). Essa dimensão “humano genérica” de Heller é justamente o âmbito do ordinário, convencional e comum a todo indivíduo. Podemos compreendê-la como o nosso “fundo arcaico”, que é composto por criações que superam a nossa própria compreensão racional. Por isso devemos nos remeter à mitologia para entender esse lado da charge como narrativa. O fundo arcaico supracitado é explicado por Ester de Sá Marques como um intangível da existência humana, que se “concretiza” nos arquétipos: (...) a cultura remete sempre a um princípio constitutivo originário que tem a ver com a própria existência arquetípica do homem, manifestando-se através da consciência coletiva como uma estrutura psíquica quase universal, inata ou herdada, carregada de um grande poder energético e que se revela no fundo arcaico, ou seja, num conjunto de estratos subterrâneos, resultado de um imaginário mítico primitivo e fundador, constante na história humana, independentemente de qualquer circunstância temporal ou espacial. É este fundo arcaico que garante, no imaginário cotidiano, uma produção de sentidos simbólicos que se deslocam, conforme as circunstâncias e interações da vida social, formando uma memória longa e ritualística. (MARQUES, S.D.). Novas roupagens são criadas, porém, a essência sempre se mantém. O fundo arcaico contém em si um saber fazer criativo, que se reinventa e se renova, assim como o habitus. São essas mais diferentes alterações e modulações que permitem que ele permaneça. Sem esse dado da condição humana não podemos nos identificar e nem compreender nossa sociabilidade. O fundo arcaico seria então o responsável pela nossa conexão enquanto grupo e enquanto campo jornalístico. É ele o fator básico da (...) interiorização e enraizamento dos indivíduos na sociedade, através da adesão a um sistema de padrões e de valores, como de campo específico de atuação por onde os fenômenos culturais são objetivados pelos grupos sociais como manifestações de suas experiências comunitárias. (MARQUES, S.D.). Esses processos míticos são, portanto, parte de um âmbito da cultura que extrapola a construção de uma única sociedade. São padrões e valores que se encontram no nosso inconsciente, a nossa construção primitiva. Marques nos deixa atentos a essa localização do fundo arcaico que, para nossa argumentação, é a fonte da onde são retirados os referenciais dos processos, através dos quais interpretamos também a realidade. O lógico e o mítico se tornam parte de uma só visão de mundo..

(24) 23. Luiz Gonzaga Motta apresenta um entendimento de narrativa que contempla muito apropriadamente essas dualidades, mostrando como a narrativa percorre a história tanto nela mesma como no seu fazer: [...] as narrativas são uma prática humana universal, constituidoras de nossas experiências mais profundas e transcendentes, assim como nossas experiências mais felizes ou amargas: elas nos representam, são metáforas de nossas vidas, refletem nossa relação com o real e o irreal, estabelecem as fronteiras entre o bem e o mal, o certo e o errado, instituem nossas sociedades, constituem nossas nações, nosso mundo. Somos seres narrativos, como já disse antes, somos atores, personagens, narradores e ouvintes de nossas próprias narrativas. (MOTTA, 2013, p.61). A construção da lógica e do mito passa por nossos discursos e pela organização de nossas narrativas. Afinal, como afirma Motta, “somos seres narrativos”. Quando essas construções se dão no contexto da mídia, a realidade se confunde com a ficção. Não há um demérito nessa fusão, mas há sim uma interpretação o que altera a idoneidade do que é dito. Não há portanto uma narrativa totalmente pura da realidade. Faro também apresenta essa relação dupla e indissociável, do lógico e do mítico, em seu artigo. Mostra que o processo mítico só pode ser efetivado quando é complementado e paralelo à um processo lógico. É nesse âmbito que se dá a compreensão da notícia, assim como a charge. Apresenta o professor: [...] são na verdade dois campos simultâneos do sensível que atuam com igual impacto na configuração dos modos intermitentes de mediação da cultura, de tal forma que é possível afirmar que sem eles – hipótese desprovida de qualquer sentido, usada aqui apenas como artifício de argumentação – a informação fica inteiramente esvaziada de seu significado. (FARO, 2011). A notícia jornalística está no espaço lógico do cotidiano, assim como o fato, por isso são precisos e objetivos. Esses processos são definidos por Faro como “... aqueles que se conformam na sua imediaticidade; esgotam a sua presença e a sua força na resposta que oferecem a problemas que demandam soluções ou respostas pragmáticas”. Pode-se compreender que neste caso não há um processamento do que é apresentado, de maneira complexa, mas uma leitura mais positivista e imediata. Isso está bem presente na formação do jornalista e na sua ideia de idoneidade e objetividade, ou seja, na construção do seu habitus e nas regras do seu campo. Já a charge está no espaço mítico do cotidiano, ou seja, se relaciona com uma construção das identificações e dos arquétipos. Este segundo espaço, portanto, depende diretamente do primeiro, mas também só pode se concretizar se houver um indivíduo realizando um processo poético-estético, no sentido de desconstrução e reconstrução da realidade. Essa condição individual está presente tanto no autor como no receptor da.

(25) 24. produção. Mas nos dois casos a individualidade se articula com a coletividade, pois se concretiza em um lugar social e um tempo histórico. O plano simbólico da notícia tem seu papel, e existe para suprir os sentidos inacabados. São as mediações culturais na sua existência mais fundamental. Elas realizam um processo inconsciente de construção, uma poética da própria realidade ali relatada e ao redor do receptor que então vivencia uma experiência estética. Aqui, nos apoiando na ideia de Motta, compreendemos que as notícias “... são um sistema simbólico singular porque nela se misturam realidades e fantasias, nelas se confundem o real e o imaginário (...) Realidade e fantasia se confundem nas notícias (...) onde logos e mythos convivem contraditoriamente.” (2002) Vale registrar que neste trabalho compreendemos a poética e a estética a partir das acepções apresentadas por Laan Mendes de Barros, principalmente no artigo “Das poéticas da mídia às estéticas da recepção” (2002). A partir de uma preocupação de posicionamento do pesquisador perante seu objeto de estudos, Barros questiona a estrutura atual na qual a produção acadêmica e os cursos se focam no modelo do Paradigma de Laswell, de maneira que “a comunicação é pensada como ‘transmissão’”. Assim como o autor, nossa preocupação também se desloca para a compreensão – que se dá para além do entendimento – por parte do receptor e o seu papel nesses processos, e observamos que o próprio cartunista também realiza essa etapa. Interessa-nos o contexto cultural no qual o receptor se insere e se apropria da charge e da notícia, o âmbito no qual há o sentido lógico e mítico. Nosso deslocamento de ponto de observação do objeto vai abranger as mediações socioculturais, que inclusive serão trabalhadas mais a frente. Cabe aqui indicar o que é a na relação entre poética e estética, desdobradas a partir da hermenêutica de Paul Ricoeur, que tomamos o receptor como um interlocutor dos processos midiáticos. Usando um trecho de Barros: Mais do que os sentidos produzidos no ato de concepção da mensagem e nela contidos, próprios do exercício da poética (poieses), deve interessar ao empreendimento hermenêutico os sentidos recriados no processo de recepção, que na apropriação da mensagem vivencia uma experiência estética. O estudo desse processo de apropriação da mensagem e de projeção simbólica que se dá no campo da fruição tem na expressão “estética da recepção” uma adequada denominação, mesmo que ela soe um tanto redundante, como um “pleonasmo”. Por outro lado, se compreendermos a recepção como o lugar no qual são produzidos novos sentidos, em um exercício de re-criação, pode-se então falar de “poética da recepção”. Mais do que uma expressão paradoxal, ela pode ser tomada desde uma perspectiva dialética, na qual os sentidos da produção se cruzam com os da fruição. (BARROS, 2009)..

(26) 25. Enquanto a poética se refere ao fazer, ao criar ou recriar, a estética se refere ao perceber, ao compreender. Porém, de acordo com as discussões apresentadas, no espaço da comunicação esses dois processos se misturam e se entrelaçam. Principalmente nas charges, essa concomitância é reforçada. O cartunista faz a “estética” da notícia e a transforma em uma nova “poética”, que por sua vez sofre o mesmo processo a partir do receptor, que volta a produzir sentidos em relação à charge. E a produção de sentidos se dá a partir de regularidades e rupturas que caracterizam o espaço do cotidiano, embora no campo do jornalismo é a novidade que interessa e se transforma em notícia. A noticiabilidade de um fato é encontrada justamente no espaço onde o cotidiano é rompido, ou seja, deixa de ser coerente e condizente com o esperado. É o que se chama de fato noticioso. Discorre Faro que Nessa linha de análise, tudo se passa como se a existência se desenvolvesse nas margens de um main frame intermitentemente acossado pela ciclotimia e desvios do dia. A vida cotidiana, nesse sentido, está longe de ser traduzida em calma rotina – como supõe o senso comum – mas em ambivalência sistemática e tensionada no interior da qual a comunicação consuma um outro papel: o de ser eventualmente o agente principal de manutenção da irregularidade como um dos elementos de vínculo entre o que ela (a comunicação) faz e a expectativa que a audiência tem de que ela (a comunicação) faça isso mesmo. (FARO, 2011). As charges podem ser entendidas como um simbolismo transposto dessa irregularidade, ao tornar superlativa a representação. Seja mostrando um presidente que se refere a um míssil como um brinquedo inofensivo, ou estereotipando um árabe como terrorista, ou ainda ironizando a paranoia de uma população que torna o medo do outro motivação para uma guerra. Angeli, no caso a ser trabalhado mais a frente, de maneira muito sensível e humorística, joga com essas representações e construções. São interpretações da notícia no plano do mythos, não por serem mitológicas, necessariamente, mas por trabalharem fora da lógica da racionalidade, adentrando um campo simbólico próprio de um contexto sócio-histórico. Por isso podemos, neste caso, considerá-las como algo do cotidiano, mesmo elas não trabalhando com o fato diretamente, mas sim com uma interpretação livre ou releitura do fato. É até curioso que a maior presença da charge ocorra justamente na mídia impressa tradicional. Tal ocorrência só faz reforçar a relação de complementaridade e contradição, logos e mythos em um mesmo espaço. Um espaço coletivo, público. Assim como indica Agnes Heller na dimensão humano genérica, essas proposições só fazem sentido se trabalhadas não exclusivamente no nível individual, mas sim no coletivo..

(27) 26. Por isso, o que torna a charge uma narrativa é o fato dela, por essência, contar uma história ou descrever um universo. O professor Faro ao conectar a narrativa ao cotidiano, escreve: As narrativas, se é verdade que justificam sua existência pela propriedade de recriação da realidade através das histórias que contam sobre ela, guardam vínculos com essa diversidade complexa de manifestações da vida cotidiana. (FARO, 2011). Mesmo que seja de uma maneira cômica ou ainda fantasiosa, a charge não deixa de lado a narração de um acontecimento, muitas vezes encontrado no próprio jornal. Ela pode, portanto, criar um reforço ou um senso de ridículo do que foi dito na notícia. O cartunista Nani, no documentário “Malditos Cartunistas” de Daniel Garcia e Daniel Paiva afirma: A charge, na minha opinião, é uma terceira ou quarta leitura do jornal. Por que você lê a manchete, você lê a notícia, você lê o editorialista, ou então um articulista que fala daquele assunto, e depois você lê a charge com o mesmo assunto. A charge é a notícia mais verdadeira ali, né? As vezes é o contrário de tudo que se diz ali antes. (NANI, 2012). A narrativa tem por característica o fato de contar algo, em uma perspectiva do compartilhamento. E como já indica Walter Benjamin, no texto “O narrador”, o narrar é “a faculdade de intercambiar experiências”. Sejam elas trazidas pela tradição, enraizadas num contador que é sedentário e conhece muito claramente o seu contexto e suas interlocuções. Sejam elas trazidas por quem viveu novos fatos e assim pode mostrar ao ouvinte coisas a ele inalcançáveis, mas com conhecimento real daquilo. Entendemos narrativa, portanto, de maneira mais ampla do que se ela é apenas real, humorística, ficcional ou factual. A preocupação com narrativa na presente pesquisa extrapola a sua dimensão formal. Interessa-nos observar a narrativa dentro da sua localização nos processos e suas relações com os fatos. Então, partimos de um pressuposto mais simples, da narrativa como contar sobre algo, narrar um fato ou sequencia de fatos. Uma narrativa pode, portanto, ser sobre uma história, sobre uma cena, sobre um contexto político e tantas outras possibilidades. Nela, texto e contexto se articulam. Mais do que entender a narrativa dentro de complexidades macro, enquanto os diferentes gêneros e métodos de análise, o que nos importa é entender como se dá a narrativa. Não se perde a cientificidade ou mesmo a precisão ao observarmos mais essas questões do que as imbricações teóricas, mas nos focamos no que de fato pode contribuir para a compreensão prismática da charge. De tal feita, a narrativa da charge reconta os fragmentos da história, mas utilizando-se do humor para tal. Faz isso mostrando um fato de maneira irônica ou ressaltando o absurdo do fato em si, tanto na imagem como no texto. Vemos então que a sensibilidade da charge é na.

(28) 27. capacidade que o autor teve em observar aquele fragmento e narrá-lo de maneira que nos traga um impacto. A chave da narrativa da charge mistura o fático, de onde vem a informação que a localiza, com o fictício, presente na interpretação que o chargista faz daquele momento. Não é a charge em si quem narra toda a história. Mas ela reforça as sensações e as interpretações do momento histórico. A conexão entre a charge e a história se dá na efemeridade do momento. Mas isso, curiosamente, não anula a sua perenidade. O ponto é que, ao mesmo tempo que ela narra, de maneira deturpada, um fato, ela retira esse fato da sua normalidade. Rompe assim as estruturas do cotidiano, propondo uma narrativa que não poderia ser vista como possível. Para a análise de uma narrativa pode-se optar por um percurso semântico ou sintático, excluindo os demais fatores na narração. Entretanto, tal escolha acabaria por afastar um dos pontos de maior importância da tríade —narrativa, midiatização e cotidiano—, que só se concretiza nos contextos, tanto de criação como de leitura. Não há um ponto único no qual se fecha o processo, podendo apresentar uma imagem estática o suficiente para ser denominada a síntese de todo o embate dialético. É principalmente no processo de leitura da charge que se completa a narrativa, uma vez que o leitor tem que rememorar os fatos para que ela então conte sobre algo. Por isso é necessário compreender o contexto no qual ela se insere, e não apenas o “texto” que ela traz. Isso também implica que a narrativa se encontra nos espaços de interpretação, e não diretamente no que é apresentado. A história é contada tanto na transposição entre o fato e a charge, quanto entre a charge e o leitor. Ou seja, a narrativa se dá nos momentos de intensificação dos processos de midiatização da sociedade contemporânea. A charge é muito mais prismática do que aparenta, uma vez que são inúmeras as facetas de observação. Isso também é causado pela inserção dela na sociedade, em ambas as “pontas”, tanto pelas mediações culturais da comunicação, que ocorreram no autor da notícia que o chargista leu para se inspirar, e na própria produção criativa do desenhista, como as mediações comunicacionais da cultura, que ocorrem no modo como são publicadas e lida as notícias e charges. Não nos deteremos neste ponto, pois as discussões acerca das mediações e da midiatização se encontram mais à frente. O que queremos mostrar com o apontamento desse outro eixo da tríade, é que a complexidade da análise demanda ferramentas que sejam sensíveis também a outros pontos do objeto e não apenas ao que está impresso. E isso é ainda aumentado quando levamos em consideração a tradição da charge no humor, a ruptura do cotidiano. Conforme apontamos na introdução, o humor é a alteração, geralmente para o absurdo, que nos causa o incômodo. Isso.

(29) 28. pode acionar o riso ou a repulsa, mas sem dúvida gera a reflexão crítica, seja por se opor ou se confortar com os impulsos que temos na reação. A charge é, portanto, uma narrativa do absurdo. Ela traz à tona uma ruptura, mesmo que ela não seja inicialmente aparente. Mostra ao leitor, através do desenho e das palavras, as impressões e sensações que o cotidiano nos traz, questionando-o. A charge é narrativa, justamente, por romper com a narrativa esperada. Assim como questiona Motta, colocamos em dúvida quais os limites entre o que é fático ou fictício nesse espaço. Da mesma maneira não há uma interferência na sua validade ou mesmo em observá-la, mas sim uma amplificação nos aspectos e contradições a serem observados. De tal maneira, escolhemos um caminho mais alinhado com a narratologia. Sem nos atermos longamente nas minucias dessa linha, apresentamos aqui as interações e os posicionamentos da charge enquanto um ato complexo de produção, reprodução e assimilação de discurso. Se esse é o único caminho correto a ser trilhado, deixamos ao debate acadêmico de longa duração que o diga. Sabemos que não será possível questionar e argumentar tão fortemente contra as demais escolhas metodológicas e epistemológicas, e nem é essa a nossa intenção nesta dissertação. Esperamos que a visão aqui trabalhada, na verdade, sirva de ponto de debate, provocando convergências e/ou divergências, assim como faz a própria charge. Compreender a charge como narrativa, para o presente trabalho, significa responder não apenas à uma construção teórica, mas debater acerca da legitimidade da própria charge como rastro da história. Retomamos, então, a pergunta que nos induz em diversos momentos da reflexão: É possível contar a história a partir da coletânea “O Lixo da História”? Se assumirmos que ela narra algo, o que já afirmamos e reforçamos anteriormente, ela então pode ser base para a própria historiografia. Porém, pode-se questionar a sua validade historiográfica, tanto do ponto de vista metodológico como de campo da ciência. Para compreender, então, como as charges se imbricam, na prática, nessa discussão teórica, usaremos a “análise crítica da narrativa” apresentada por Luiz Gonzaga Motta no livro homônimo, de 2013. Proposta com a qual ele já vinha trabalhando desde 2002, como por exemplo no artigo Para uma antropologia da notícia. No livro Análise crítica da narrativa, o autor localiza o debate e as implicações ao dizer que: A comunicação narrativa, ato de fala semiótico no qual o sentido se coconstrói, é sempre uma relação concretamente situada. Sujeitos, grupos e instituições narram ou interpretam desde lugares históricos, posições de poder onde um é narrador e o outro destinatário, posições per se implicam já uma correlação de forças. Isso não quer dizer que haja necessariamente uma situação de desigualdade ou uma precípua dominação política ou discursiva. Cada situação de comunicação implica uma correlação social e comunicativa própria, local, específica, empírica, que precisa ser levada em conta pelo analista e seu método. (2013, p.19).

(30) 29. Logo, a narrativa e a compreensão da narração, são importantes para que possamos visualizar não apenas o que é contado, mas também todo o entorno que dá sentido ao que é narrado. Por isso a grande aproximação desses estudos com os Estudos Culturais, os quais enxergam com um maior número de matizes tanto as construções sociais como a própria identidade do indivíduo. Desta maneira, podemos inferir que não se pode sustentar que qualquer narrativa é isenta de intencionalidade. A narrativa é o recurso de contar sobre algo, mas isso não determina a linguagem ou as expectativas de quem narra. Conforme defende Motta no trecho a pouco citado, a produção de sentidos presentes nas narrativas se “coconstrói”, ou se reconstrói nas relações entre os sujeitos nela envolvidos. Sujeitos que participam de grupos sociais e instituições e que interpretam a narrativa a “desde lugares históricos” e de “posições de poder”. Tal valorização do contexto histórico e das relações de poder ecoam posições básicas dos Estudos Culturais, corrente teórica bem presente nas formulações de Motta e em nossas reflexões. Assim como Thompson valoriza os oprimidos como fundamento para se observar a história e Williams se baseia num conceito mais amplo de cultura, não se limitando à sua dimensão erudita, de forma a relacioná-la com seu tempo-espaço social, entendemos que a narrativa, uma estrutura social, também sofre essas influências. Os atores envolvidos em todas as etapas são importantes e fazem a diferença, assim como os modos e intenções deles. Até mesmo uma fala dita científica é refém destes posicionamentos. Assim como propõem Motta, entendemos que observar o que é dito, não apenas no seu texto mas também na sua produção e recepção, pode nos ajudar a compreendermos a nós mesmos e as nossas visões de mundo. Contamos sobre o nosso tempo também revestidos do que somos, assim como o que contamos irá revestir as próximas gerações. É preciso analisar as narrativas porque cada um de nós (e nossas sociedade inteira) está recoberto por mantos sobrepostos de narrativas que refletem e condicionam nossas crenças e valores, nossa história e costumes, nossas leis e cultura. É preciso estuda-las, porque conta-las e reconta-las dá sentido à vida humana. (MOTTA, 2013, p.62). Há na charge, portanto, a identificação com a história, e assim como em um mito, nós nos identificamos. Passamos a interagir como indivíduos e como um coletivo. Conforme Michel de Certeau, as construções culturais se cercam de complexos entre o individual e a coletividade. Para compreender tais conexões, devemos retornar ao nível mais primordial, às relações sociais mais fundamentais. Observar como um indivíduo e seu grupo se relacionam e, a partir disso, criar os termos e categorias analíticas. Logo, devemos buscar as reincidências.

Referências

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