A PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE SUBSISTÊNCIA NO ESTADO DO CEARÁ E OS ANOS DE OCORRÊNCIA DE EL NIÑO E LA NIÑA
José M. Brabo Alves1, José Nilson B. Campos2, Everaldo B. Souza1e Carlos A . Repelli3
1 - Departamento de Meteorologia - FUNCEME - Fortaleza – CE, Av. Bezerra de Menezes, 1900, São Gerardo, Fortaleza – CE. email: brabo@funceme.br
2 - Universidade Federal do Ceará - Centro de Tecnologia - Departamento de Hidráulica e Ambiental 3 – Lamont-Doherty Earth Observatory of the Columbia University. Palisades, NY 10964 (USA).
RESUMO
Este artigo apresenta uma análise quantitativa da agricultura de subsistência (milho e feijão) no estado do Ceará, dando ênfase às suas características de produtividade e produção em anos de ocorrência de episódios El Niño (aquecimento das águas na Bacia do Oceano Pacífico Tropical) e La Niña, (resfriamento das águas na Bacia do Oceano Pacífico Tropical). Os resultados mostraram que tais variáveis são mais afetadas quando da ocorrência de El Niño associados ao padrão de Dipolo Positivo de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) no Oceano Atlântico Tropical (anomalias positivas de TSM no setor norte da Bacia,e negativas no seu setor sul). Nestes anos, tanto a produtividade como a produção de milho e feijão apresentaram índices entre 30% a 50% abaixo da média. Os anos de La Niña são os mais favoráveis àagricultura de subsistência ao longo do estado do Ceará e, em média, neste anos, o estado tem um aumento na produção agrícola em torno de 15% a 20% acima da média.
ABSTRACT
This work presents an anlysis of the corn and bean yield and production for Ceara State with emphasis for ENSO and Atlantic Dipole years. The results show that those variables are most afected during years of ocurrency of El Niño associted with the presence of the Positive Dipole of Sea Surface Temperature (SST) over Basin Tropical Atlantic Ocean.In these years when the corn and bean yield presented values between 30% the 50% below of average. However, La Niña years are more favorable to the subsitence agriculture pratices over Ceará State. In average, during in these years the State produced aproximatelly 15% to 20% percent above the average.
1 – INTRODUÇÃO
Uma das atividades mais vulneráveis a períodos de secas é a agricultura. Os impactos destes desastres naturais, não poupam nem países onde existe um alto grau de tecnologia a serviço da economia agrícola. O impacto da mais recente seca sobre os Estados Unidos da América (1988), por exemplo, gerou um prejuízo em torno de US$ 40 bilhões de dólares na sua economia (KOGAN, 1997). No Brasil, os dados são conflitantes e nem sempre disponíveis, mas é bem provável que as perdas econômicas e suas consequências sociais sejam bem consideráveis quando da ocorrência destes desastres naturais. Na Região Semi-Árida Nordestina (SAN), A produtividade agrícola, em grande parte de susbsistência, é afetada por diversos fatores entre os quais citamos: amaneira rudimentar de cultivo associada àfalta de tecnologia adequada, a expansão das áreas de cultivo para regiões sem aptidão agrícola (relacionada principalmente a fatores edáficos). Além disso, contribui também a não seleção de sementes de culturas que poderiam expressar um melhor rendimento. Entretanto, o principal fator de anos com produtividade agrícola baixa ao longo da Região, ainda parece ser a falta d’água devido àgrande variabilidade pluviométrica interanual ao longo da mesma. Neste contexto, um fenômeno quase-cíclico que afeta a distribuição de chuvas no SAN é o El Niño-Oscilação Sul. O El Niño é o principal e mais estudado fenômeno de acoplamento atmosférico e oceânico com desencadeamento na área tropical do globo, e com influências significativas na variabilidade climática em várias áreas ao redor do globo (CHEN, 1981; RASMUSSON & CARPENTER, 1983; ROPELEWISK & HALPERT 1986, ALVES & REPELLI, 1993).
No aspecto mais simplificado deste acoplamento pode-se definir o El Niño, conceitualmente, como um aquecimento das águas superficiais do setor centro-leste do Oceano Pacífico, predominantemente, na sua faixa equatorial. Nesta bacia, climatologicamente, as águas são mais aquecidas no seu setor centro-oeste (região da Indonésia e setores norte/nordeste da Austrália), e mais frias no seu setor centro-leste, em particular na costa oeste da América do Sul. Quando ocorre o El Niño, há uma inversão nesta situação, ou seja as TSMs ficam acima da média no setor centro-leste, e em torno e até abaixo no setor centro-oeste desta bacia. Nestes anos de El Niño, as anomalias das condições climatológicas sobre os trópicos deslocam-se de oeste para leste, afetando o setor norte do Nordeste e Amazônia Oriental. Em grande parte dos casos que ocorreram El Niño, foram observados invernos fracos (chuvas abaixo da média) sobre essas regiões (por exemplo, nos anos de 1957, 1958, 1970, 1982, 1983, 1993). Por outro lado, quando ocorrem as La Niña, estas características oceânicas e atmosféricas sobre a Bacia do Oceano Pacífico Tropical e trópicos são contrárias.
Para Região Nordeste do Brasil, como citado anteriormente, observacionalmente sabe-se que vários episódios de seca na região estão relacionados ao longo dos tempos com anos de El Niño. Entretanto, a resposta intra-regional ao longo da mesma é diferenciada e depende basicamente da influência dos diferentes sistemas atmosféricos que causam chuvas nas suas diversas regiões (ALVES & REPELLI, 1993). ALVES ET ALI. (1997) mostraram que para 3 tipos de La Niña consideradas (forte, moderada e fraca) observadas na Bacia do Oceano Pacífico Tropical, a distribuição de chuvas sazonais (fevereiro a maio) e intrasazonais no setor norte do Nordeste é em torno ou acima da média climatológica (aproximadamente 850 mm para este período). Este estudo teve como objetivo investigar a relação da distribuição de chuvas no Estado do Ceará quando da ocorrência de episódios de El Niño e La Niña e anos considerados normais e a produção agrícola de subsistência (milho+feijão) no referido Estado.
2 - DADOS E METODOLOGIA
Para os dados de produção agrícola foram utilizados os totais anuais de milho e feijão (toneladas), área plantada (hectares) para o estado do Ceará para o período compreendido entre 1947-1990. Estes dados foram coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e compilados pelo Instituto de Planejamento do Estado do Ceará (IPLANCE). Além disso, foram utilizados dados de precipitação diária de 168 postos ao longo do estado do Ceará com dados compreendidos entre 1950 a 1989. Os dados de precipitação estão disponíveis no Banco de Dados da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME).
Os anos de El Niño e La Niña utilizados como anos de base para os referidos cálculos foram classificados segundo QUINN & NEAL (1992) e ALVES ET ALI., 1997, e os de Dipolo Postivo de TSM no Atlântico Tropical foram definidos em SOUZA (1997). Estes anos podem ser vistos na (Tabela 1) de ALVES (1998). Os anos chamados “normais” sãotodos aqueles que não se encontram encaixados em nenhuma classificação mencionada anteriormente dentro do período de estudo.
Para se inferir a relação entre a agricultura de subsistência e os episódios de El Niño e La Niña, foram calculados desvios normalizados pelas suas respectivas médias de produção (T) e produtividade (rendimento em Kg/Ha para os dados observados de feijão, milho e milho+feijão. Estes cálculos foram executados definindo-se alguns critérios. a) para anos de El Niño e de Dipolo Positivo (anomalias positivas de Temperatura da superfície do Mar (TSM) no setor norte do Atlântico Tropical e negativas no setor sul desta Bacia). b) Anos de El Niño sem Dipolo Positivo na Bacia do Atlântico Tropical e c) Anos de La Niña. Os anos de Dipolo Positivo (caracterizam-se pela presença de águas mais quentes (frias), que a normal, nos setores norte (sul) da Bacia do Oceano Atlântico Tropical. Para os anos sem Dipolo Positivo estas características são contrárias. Ambos aos anos foram definidos em SOUZA (1997).
Para se calcular as produtividades das duas culturas (milho + feijão), os respectivos totais de produção agrícola foram somados anualmente e divididos pelas respectivas áreasde plantio. Em seguida, estes valores de produtividade foram normalizados pela média para o período da série usada. O mesmo procedimento de cálculo foi utilizado para as duas culturas, separadamente.. A produção para milho+feijão é uma média aritmética para os valores de produção duas culturas.
3 - RESULTADOS E CONCLUSÃO
A variabilidade da área plantada, produção e produtividade (rendimento) das culturas de feijão, milho, e feijão+milho (1947 a 1990) apresentou neste período algumas características interessantes (Figuras não mostradas). A área plantada sofreu uma grande expansão, entretanto esta característica não se refletiu nos níveis de produção e produtividade. Pôde-se observar também que a partir da década de 1970 houve um aparente declínio no cultivo destas culturas (sendo mais observado na produtividade). Conjectura-se que a expansão dessa área de cultivo esteja relacionada com uma maior demanda social, gerada pelo aumento populacional das comunidades interioranas do Estado; que têm na agricultura de subsistência, sua maior fonte de alimentação durante o ano. Observou-se, também, que tais variáveis apresentam sensível diminuição em magnitude em grande parte dos anos de ocorrência dos episódios de El Niño definidos na Tabela 1. Por exemplo, citam-se os anos de El Niño (1951, 1958, 1970, 1983 e 1987). Relacionado àvariabilidade interanual do desvio percentual da produção e rendimento (produtividade) para o período de estudo, duas características distintas foram observadas . Para o rendimento, houve um predomínio de desvios positivos até meados de 1950 e negativos a partir de 1970, enquanto para produção há uma aparente ciclicidade com desvios negativos nos primeiros 15 anos (1947 a 1960), positivos a partir de 1960 a 1980 e negativos após os anos oitenta.
A Fig. 1 sumariza as análises executadas neste estudo. A mesma apresenta as anomalias (desvio percentual em relação a média para o período de estudo) das variáveis rendimento (produtividade) e produção para a composição de anos mostrados na Tabela 1. As características são semelhantes em ambas as Fig. (4a e 4b). Tanto a produção como a produtividade de milho e feijão no estado do Ceará são fortemente afetadas por anos de ocorrência de episódios El Niño, em particular quando este está acompanhado de um Dipolo de TSM positivo nas águas do Atlântico Tropical (anomalias positivas de TSM no Atlântico tropical Norte e negativas no Atlântico Tropical Sul, característica física não favorável às chuvas mais regulares no setor norte do Nordeste no período de fevereiro a maio).
Nos Anos de El Niño sem o Dipolo Positivo de anomalias de TSM, anos em que as chuvas não são tão deficientes ao longo do Estado, algumas áreas do mesmo apresentam desvios positivos de precipitação dentro do quadrimestre fevereiro a maio (ALVES ET ALI., 1997), tanto a produção com a produtividade de ambas as culturas apresentaram-se em torno ou acima da média.
Figura 1 - Desvios percentuais de rendimento (R) e Produção (PR) para a composição de anos de La Niña, de El Niño, de El Niño com Dipolo Positivo de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) no Atlântico Tropical e anos normais. 4a) redimento e 4b) produção. Os valores médios de rendimento e produção de ambas as culturas são: feijão+milho (F+M) = 517,79 Kg/ha e 163539,00 T, feijão (F) = 381,54 Kg/ha e 109951,00 T e milho (M) = 630,94 Kg/ha e 217128,00 T.
Nos anos de La Niña e “normais”, tanto a produtividade e produção apresentaram valores acima da média oscilando entre 10% a 20%. Neste anos, em geral, as características físicas de TSM no Atlântico Tropical (Figura 1c), são favoráveis à ocorrência de chuvas mais freqüentes [anomalias de
TSM positivas (negativas) no setor abaixo (acima) da linha do equador, influenciando diretamente no posicionamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) em latitude sobre ou mais próximas ao setor norte do Nordeste]. Nos anos de El Niño estas características são contrárias, favorecendo o predomínio do posicionamento da ZCIT acima do equador, que de certa forma, limita a ocorrência de chuvas mais intensas e freqüentes ao longo do Estado do Ceará, neste período de fevereiro, a maio afetando substancialmente o cultivo agrícola de subsistência no Estado.
Uma análise comparativa entre a ocorrência de chuva ao longo do Estado (chuva superior a 0,0 mm), disponível para ser aproveitada pelas culturas de subsistência nas várias regiões do mesmo, foi executada para a composição de anos da Tabela I. Para os anos de El Niño, associado ou não com Dipolo Positivo de TSM no Atlântico Tropical, observou-se que o percentual de postos sem chuva (pr=0,0 mm), ao longo do Estado, é superior a 60% em todos os primeiros 150 dias do ano, aumentando para uma predominância de valores acima de 80% a partir de, aproximadamente, o centésimo dia (a partir de meados de abril); característica que, de certa maneira, deve afetar substancialmente a produção agrícola destas culturas, pois nesta fase há uma grande necessidade hídrica das mesmas para atingirem o estágio de maturação para colheita. Para os anos considerados “normais” e de La Niña, a distribuição média deste percentual de postos sem chuva diária ao longo do Estado (pr=0,0mm) cai consideravelmente, atingindo valores abaixo de 50% em grande parte da estação chuvosa. Isto indica que nestes anos, em média, as chuvas são melhor distribuídas ao longo do Estado, característica que favorece um melhor cultivo agrícola.
Os números referentes à produção e produtividade de subsistência mostrados nas análises, em geral, não refletem as condições sociais de abandono por que passam as comunidades rurais nos anos de estiagem ou chuvas deficientes no Sertão Cearense. Parece pouco uma perda de safra da ordem de 20% a 30%, entretanto se tivéssemos dados mais pontuais dessas perdas na agricultura do médio e pequeno agricultor ao longo do Estado (chamado de meeiro - que têm nesta prática agrícola a sua principal fonte de alimentação), poderíamos mensurar a importância da mesma para estas populações. Soma-se a isso, o problema social gerado pela falta de alimentação, em função da frustrada safra, e do alto custo financeiro que o governo tem para socorrer tais populações. Por exemplo, em 1987 ano em que o cultivo de ambas as culturas foi fortemente afetado pela falta de chuvas, o Governo Estadual alistou cerca de 232.000 pessoas em frentes de serviço de emergência (MAGALHÃES ET. AL, 1991), tendo que disponibilizar em torno de 5 milhões de dólares . Por tais razões, as autoridades competentes devem procurar alternativas para mesclar, ou mudar a cultura da prática agrícola de subsistência no Estado.
4 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ALVES J. M. B; SOUZA, E. B.; REPELLI, C. A.; VITORINO, M. I. e FERREIRA, N. S. 1997. Episódios de La Niña no Pacífico Equatorial e a Distribuição Sazonal e Intrasazonal das Chuvas no Setor Norte do Nordeste. In Press. Revista Brasileira de Meteorologia. 1997.
ALVES, J. M. B; SOUZA, E. B.; REPELLI, XAVIER, T. M. S. A relação entre os fenômenos EL Niño e La Niña e a distribuição interanual e intrasazonal da precipitação no Estado do Ceará. Publicação Interna. Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME). Fortaleza - CE. 1997.
ALVES, J. M. B; SOUZA, E. B.; REPELLI. Uma análise preliminar da umidade no solo disponível no Estado do Ceará em função da variabilidade pluviométrica interanual. Submetido para publicação neste evento. 1988.
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SOUZA, E.B. Um estudo observacional sobre o Padrão de Dipólo de anomalias de TSM no Oceano Atlântico Tropical. Dissertação de Mestrado em Meteorologia. INPE, São José dos Campos -SP, 1997. _____________, and ________________. The relationship between eastern equatorial pacific sea surface temperatures and rainfall over India and Sri Lanka. Mon. Wea. Rev., Boston -MA, 111, 517-528. 1983.
ROPELEWSKI C. F. and HALPERT, M. S. North American Precipitaion and temperature patterns associated with the El Niño/Southern Oscillation (ENSO). Mon.Wea.Rev., Boston - MA, 114,2352-2362. 1986.
