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GT 46 - Entre arte e política: articulações contemporâneas em pesquisas antropológicas

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GT 46 - Entre arte e política: articulações contemporâneas em pesquisas antropológicas

Um novo mundo é possível nas tramas da Moda?

Luana Nascimento1

1 Mestra em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia (PPGA-UFBA).

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Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar as possíveis articulações entre moda e política ao compreender este fenômeno estético enquanto instância produtora de posicionamentos políticos. Atualmente, alguns grupos têm utilizado a Moda como meio de manifestações em prol da representatividade étnico-racial, da igualdade de gênero e, sobretudo, por um mundo mais sustentável do ponto de vista social e ambiental. Esse cenário foi identificado ao longo da pesquisa etnográfica realizada no Mestrado em Antropologia da UFBA que tem como tema “Antropologia e Moda: reflexões sobre a rede de criadores e criadoras de Salvador”. O chamado “circuito da moda sustentável”, que intersecciona diversas manifestações políticas, tem conectado pessoas através de um movimento/evento global contemporâneo denominado por Fashion Revolution. Neste, profissionais dos cinco continentes se articulam para transformar as formas hegemônicas de pensar, produzir, consumir e descartar peças de vestuário ao redor do mundo. Nessa perspectiva, espera-se desta comunicação uma contribuição epistemológica acerca das possíveis soluções de redução dos impactos socioambientais negativos nas cidades através da Moda visto que a crise ecológica que enfrentamos no chamado Antropoceno é real e diz respeito a vida de todos e todas. Ademais, espera-se também um diálogo referente aos possíveis caminhos teórico-metodológicos com a finalidade de prosseguir com esta pesquisa que transbordou para além da dissertação.

Introdução

O presente artigo é fruto de alguns desdobramentos da pesquisa realizada no mestrado em Antropologia, mais especificamente acerca das dimensões políticas de criadores e criadoras de peças de vestuário. Assim, partindo de um contexto urbano específico onde a pesquisa foi realizada, o objetivo aqui proposto é expandir as ideias dialogadas na dissertação para a construção de um saber sobre as transformações do fenômeno moda a partir das potencialidades críticas e criativas de profissionais contemporâneos sob um viés antropológico.

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É válido, antes de prosseguir, localizar o/a leitor/leitora no contexto de onde partiu o trabalho. A pesquisa começou através da análise situacional (AGIER, 2011) da Feira da Cidade2 e desdobrou-se numa perspectiva relacional

“sobre situações sociais, sobre a participação das pessoas nestas e sobre a maneira como uma vida social complexa pode ser construída a partir delas” (HANNERZ, 2015, p. 20). Assim sendo, a ideia inicial do projeto de pesquisa foi mapear a rede de designers de moda da cidade de Salvador a partir da Feira, mas foi ao seguir os trajetos (MAGNANI, 2002) dos/das expositores/expositoras das manufaturas criativas em seus itinerários urbanos de trabalho, que compreendi a diversidade de categorias laborais para enquadrar pessoas que criam e comercializam peças de vestuário – designers, ourives, artistas, estilistas, artesãs – o que resolvi com a denominação de criadores e criadoras.

Ficou evidente também a diversidade de estilos de vida dos/das mesmos/mesmas, o que refletiu numa gama de processos criativos, produtivos e de posicionamentos políticos vinculados às suas marcas conformando uma rede (AGIER, 2011) composta pelo que denominei por circuitos (MAGNANI, 2002) da moda independente. Dentre os circuitos mapeados; o circuito afroempreendedor, da alfaiataria, de cooperativas têxteis, das marcas comerciais, das estilistas consagradas, da moda masculina artesanal, ao final da pesquisa decidi me aprofundar no circuito da moda sustentável pois este se contrapõe à própria lógica da Indústria da Moda ao propor: bem-estar social, comércio justo, salários justos, igualdade de gênero e racial, responsabilidade empresarial e sustentabilidade social e ambiental.

Paradoxalmente, os criadores e criadoras deste circuito reivindicam por um movimento de desaceleração da produção e do consumo de Moda, propondo uma reconfiguração nos modos de pensar, criar, confeccionar, comercializar e descartar produtos de vestuário de forma consciente e sustentável para as pessoas envolvidas nas cadeias produtivas e para o ambiente.

O circuito da moda sustentável de Salvador começou a ser traçado na pesquisa ao seguir uma das expositoras da Feira da Cidade nas redes sociais.

2 Feira urbana itinerante que surgiu em Salvador no ano de 2014, onde são comercializados

num mesmo espaço produtos de moda, arte, artesanato, gastronomia e também se realizam performances, shows e oficinas. Site do evento: https://www.afeiradacidade.com.br/.

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Assim, em uma de suas postagens me deparei com um anúncio que divulgava uma roda de conversa com a seguinte chamada: “Liquidação é sinônimo de justiça? O tal ‘preço justo’ de que tantos falam é justo para quem? Quem está pagando a conta para que a gente possa levar aquela blusinha a R$ 19,90?"

Foi a primeira vez em que ouvi falar do Fashion Revolution. A conversa ocorreu num encontro no Lalá Multiespaço, espaço cultural de Salvador, com o intuito de cooptar voluntários/voluntárias para participar da produção do evento na cidade. Até então, para mim parecia um contrassenso que pessoas ligadas a moda se reunissem com o objetivo de convencer outras pessoas a comprarem menos, diante disso não hesitei em me voluntariar para compreender como se davam tais questões na prática.

O fashion Revolution

No ano de 2013, as designers de moda Carry Somers e Orsola de Castro criaram o movimento Fashion Revolution após o desabamento de um prédio, o Rana Plaza, localizado nas proximidades da cidade de Dhaka (Bangladesh), onde funcionavam diversas confecções de costura de marcas internacionais tais como Primark, H&M, Mango e Benneton. O desastre ocorreu devido às péssimas condições estruturais e físicas do edifício, matando milhares de trabalhadores e trabalhadoras que sobreviviam em precárias condições laborais, análogas à escravidão, para sustentar os estrondosos lucros de grandes empresas que confeccionavam peças de roupas para serem comercializadas à preços baixos em suas lojas espalhadas em diversas cidades do mundo.

Atualmente, o Fashion Revolution se caracteriza como movimento e evento composto por pessoas de diversos países; estudantes, professores/professoras, designers, pesquisadores/pesquisadoras, produtores/produtoras, empresários/empresárias e criadores/criadoras de moda, que passaram a se mobilizar e se afiliar ao movimento com o objetivo de questionar o que está por trás das cadeias produtivas da Indústria da Moda em todos os processos, desde o/a produtor/produtora que cultiva e produz matéria-prima, passando por quem pensa a criação, executa a confecção, vende as

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peças de vestuário e quem as consome, com a finalidade de construir um futuro mais ético e sustentável.

Enquanto evento, o Fashion Revolution Week acontece todos os meses de abril, mês em que houve o desastre, em diversas cidades do mundo durante uma semana através de desfiles, rodas de conversas, oficinas, bazares de trocas de roupas, dentre outras atividades, reunindo profissionais e interessados/interessadas na temática. Uma das principais ações globais é questionar virtualmente às marcas #quemfezminhasroupas?3. A ideia desta ação

é provocar uma reflexão acerca dos “fios condutores” dos vestuários que conectam as pessoas através das roupas. No site oficial do movimento4 é

possível localizá-lo em países da Ásia, África, América Central e Caribe, Europa, América do Norte, Oceania e América do Sul. No Brasil, o Fashion Revolution já existe há cinco anos e vem a cada ano ganhando força e adeptos/adeptas.

Os principais pilares do movimento são: proteção ambiental, trabalho justo e decente, igualdade de gênero e racial. A moda possui uma grande parcela de responsabilidade sobre o impacto socioambiental produzindo emissões significativas de dióxido de carbono, consumindo milhões de barris de petróleo para fabricar fibras têxteis que levam centenas de anos para se decomporem nos aterros sanitários, é responsável por uma parcela significativa da produção global de pesticidas, além de ser a terceira Indústria que mais consome água.

Apesar disso, tem crescido o número de pessoas e coletivos que propõem posturas de responsabilidade empresarial através da sustentabilidade social e ambiental diante da crise ecológica que vivenciamos na nova era intitulada por alguns/algumas cientistas por antropoceno. A categoria analítica “antropoceno” refere-se a uma nova época geológica que substitui o “holoceno”, sendo resultante do modelo de superdesenvolvimento (VIVEIROS DE CASTRO e DANOWSKI, 2017) economicamente inconsequente do ponto de vista da produção, consumo e descarte de bens de consumo. Um momento planetário de

3 O símbolo #, denominado hashtag, é utilizado nas redes sociais para evidenciar, em poucas

palavras, uma mensagem a ser passada.

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necessárias mudanças de modelos de pensamentos e ações para que possamos garantir um futuro possível e digno para a humanidade.

Assim, as ações em prol da sustentabilidade social e ambiental ressaltam uma crise ecológica real. Como nos aponta Viveiros de Castro (2011, p.4): “o planeta, da estratosfera ao mais profundo subsolo, está saturado do humano, de seus signos-sintomas como de seus produtos-dejetos”. O autor destaca que precisamos aprender a “decrescer para não morrer”, o que para as pessoas engajadas no Fashion Revolution diz respeito à desaceleração das produções de roupas pela Indústria Têxtil.

A autora Daniela Calanca (2008) em sua obra “História Social da Moda” já havia sinalizado esta problemática, que embora esteja em voga atualmente, segundo ela é fruto do período da Revolução Industrial. Momento em que as transformações nos modos de produzir bens e serviços tornaram-se a “verdadeira alavanca da riqueza europeia” (CALANCA, 2008, p. 131), seguindo assim com a exploração de mão-de-obra nos países asiáticos. De acordo com a autora, a partir deste período “se desenvolvem as grandes lojas de departamento e as redes de lojas com todas as ‘estratégias’ para atrair os consumidores, das confecções estandardizadas aos descontos, das exposições à publicidade” (CALANCA, 2008, p. 137). Ao refletir sobre as consequências do processo de mecanização da vida após o fenômeno da Revolução Industrial, Calanca aponta que as condições de vida nas fábricas se tornaram cada vez mais duras e difíceis, “não somente para os homens, mas também e principalmente para as mulheres e crianças” (CALANCA, 2008, p. 136).

O que não sabíamos era onde essa larga e rápida produção de vestuário iria chegar. A situação tornou-se tão alarmante e catastrófica do ponto de vista social e ambiental, que um grupo dentro do próprio universo da Moda passou a se manifestar contra as consequências negativas da Indústria para diversas vidas e para o planeta.

Dessa forma, uma das pautas de transformação proposta pelas/pelos profissionais envolvidas/envolvidos com a moda sustentável diz respeito a uma substituição dos modelos de negócios. Superando os que são baseados numa economia linear de produção que resultam em produtos com qualidades

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inferiores, preços baixos e pouca durabilidade gerando altos índices de vendas e muito mais descartes de resíduos. Para um tipo de economia circular em que os ciclos de produção visam restaurar e recuperar os produtos através de estratégias de reuso, reparo, remanufatura ou reciclagem, evitando o consumo de recursos finitos e visando eliminar ao máximo os resíduos do sistema produtivo.

Mantendo, assim, os produtos e materiais em ciclos de uso, a partir da confecção de roupas com maior qualidade e durabilidade, pelas possibilidades de restaurações das mesmas, através das vendas para brechós, aluguel de roupas, trocas e compartilhamentos. Assim, uma série de novas práticas de compra, uso e descarte são operadas dentro deste sistema circular.

Dessa forma, o movimento Fashion Revolution, ao se contrapor à lógica capitalista de crescimento econômico exponencial e de lucro abusivo, propõe iniciativas que se inserem no contexto do chamado slow fashion. Segundo Neder (2016), diferentemente das fast fashions, o slow fashion tem princípios marcados pelo conceito de tempo pausado e valores sociais que prezam pelo consumo consciente e o convívio humano. É um tipo de produção que demanda pesquisas sobre processos criativos e produtivos, a escolha de materiais sustentáveis e formas de diversificar o uso de um mesmo objeto para atender a diferentes situações. Tem como premissa criar vestimentas com significado emocional, evitando tendências passageiras, contribuindo para a longevidade das roupas, a preservação do meio ambiente e o bem-estar social (NEDER, 2016).

Sustentabilidade, raça e gênero

Ao tratar e propor uma revolução na Moda, o movimento global Fashion Revolution, ao longo dos anos, vem incluindo novas pautas em seus questionamentos políticos. No ano de 2019 ficou evidente uma tomada de forças em relação aos recortes de raça e gênero em suas mobilizações.

Recentemente, num dos textos escritos e veiculados na Internet pelo Fashion Revolution Brasil houve o seguinte questionamento: “Onde estão os negros e negras na moda? ”. Numa análise crítica, POERNER (2019), uma das

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integrantes da sede nacional do movimento, ressaltou que a invisibilidade das marcas afro-referenciadas no Brasil não representa escassez de projetos e profissionais, mas sim a presença de um racismo estrutural que ainda insiste em emergir no seio da Moda.

Vide o evento de comemoração dos cinquenta anos da até então diretora de estilo da Vogue que aconteceu em Salvador em março de 2019. Donata Meirelles, uma senhora branca, posou sentada numa cadeira que remetia simbolicamente a um “trono de sinhá” trajando um luxuoso vestido rosa. A seu redor, de pé, estavam mulheres negras trajadas de baianas e prontas para servi-la. A imagem aludiu a uma herança colonial outrora retratada: “senhora da família Costa Carvalho na liteira com dois escravos” (Sec XIX). O ocorrido gerou muitos debates, sobretudo no âmbito da Moda e como que a mesma ainda reproduz e retroalimenta o racismo estrutural, além de contribuir para um sistema de exclusão de negros e negras dos seus protagonismos diversos.

No contexto da pesquisa realizada em Salvador, foi identificado uma correlação maior e prévia entre a moda sustentável e o mercado afroempreendedor, sobretudo através das aproximações das pautas que evolvem o Fashion Revolution Week e o Afro Fashion Day, evento lançado no ano de 2015, pelo Jornal Correio, e que acontece desde então todos os anos, nos meses de novembro.

A inauguração do Afro Fashion Day na cidade de Salvador ocorreu no dia da consciência negra, 20 de novembro de 2015. O evento teve a presença de 2,5 mil pessoas na Praça da Cruz Caída, segundo dados do Jornal Correio. Desfilaram 45 modelos negros e negras para marcas locais de roupas e acessórios, tais como Jeferson Ribeiro, Dresscoração, Meninos Rei, Carol Barreto, Crioula, N Black, Goya Lopes, Negrif, Ori Turbantes, dentre outras. Ocorreram também oficinas de maquiagem para pele negra e de amarrações de turbantes, uma feira com as peças de roupas e acessórios desfilados que estavam à venda e uma parte gastronômica. Em entrevista ao Jornal Correio, a secretária-executiva da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI), Adile Reis, disse: “É uma oportunidade importante para os negros, principalmente as mulheres, entenderem que elas podem ocupar todos os espaços sociais”.

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Esses criadores e criadoras têm se destacado no mercado de Moda da cidade, sobretudo através das redes sociais, das mídias locais, feiras itinerantes como a Feira da Cidade, montando lojas próprias e participando também das lojas colaborativas5. O evento mencionado é um marco na cidade, que reúne

criadores/criadoras, empresários/empresárias, pesquisadores/pesquisadoras, modelos, blogueiras/blogueiros, jornalistas, fotógrafos/fotógrafas e consumidores/consumidoras negros e negras que buscam por representatividade, fortalecimento e expansão do afroempreendedorismo.

Os/as criadores/criadoras levantam a bandeira não somente da representatividade negra na Moda, mas colocam também a necessidade de união, da construção de uma rede de fortalecimento dentro do mercado para que possam se reconhecer, se olhar, se inspirar e ocupar os diversos lugares da cidade. Demandas semelhantes que apareceram no circuito da moda sustentável local, o que me conduziu a conclusão de que as motivações que impulsionam estas pessoas a trabalharem neste ramo profissional não são apenas ligadas a um retorno financeiro, mas possuem relação também com o incentivo de suas questões pessoais e coletivas voltadas para as transformações dos modelos hegemônicos de vida e de fazer Moda.

Dessa forma, pensar, fazer, criar, executar, sentir e imiscuir-se aos objetos de vestuário são os principais motivos de existência da categoria laboral tratada na pesquisa. Com intencionalidades e demandas diferentes, as/os criadoras/criadores possuem um vínculo constante com os objetos que produzem. Não somente com os objetos em si, mas com todos os fluxos simbólicos e materiais (INGOLD, 2015) que permeiam a existência dos mesmos, vinculando-os às suas causas e questões políticas que permeiam a tríade sustentabilidade, raça e gênero.

Dessa maneira, a moda pode ser compreendida enquanto uma forma de expressão, um discurso, uma linguagem relacionada a comportamentos. Sendo ampliada neste sentido para além da ideia de consumo de roupas e acessórios,

5 Modelo de negócio que disponibiliza um espaço físico, geralmente separado por boxes, araras

ou prateleiras, para a comercialização do trabalho de artesãos e pequenos empreendedores. É cobrado um valor de aluguel pelo espaço individual disponibilizado ao empreendedor, havendo lojas que também cobram algumas taxas por fora do aluguel, como o imposto ICMS, taxas sobre vendas e/ou sobre o uso de cartão de crédito.

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para uma conexão relacionada à gostos, habitus, estilos de vida e formas de pensar e agir. Assim, a temática “moda” concordando com Aderaldo (2009) foi tratada na dissertação de modo heterogêneo através de uma abordagem pluralista que possibilitou a realização de análises acerca da vida social bem como das relações desdobradas através deste fenômeno sociocultural. Afinal, as roupas e acessórios importam de formas distintas para as pessoas em tempos e locais diversos: conforme Rochedo (2014), têm circulação social, mediam relações e despertam narrativas, sendo então atravessadas por fluxos sociais, econômicos, políticos, históricos e subjetivos, logo pode-se dizer que são culturais.

Seguindo nesta linha de raciocínio, com relação às questões de gênero foi identificado um forte posicionamento do circuito sustentável em relação à exploração de mão-de-obra nas fábricas têxteis atingirem quase que majoritariamente as mulheres. De acordo com dados da organização Fashion Revolution6 “aproximadamente 75 milhões de pessoas trabalham para fazer

nossas roupas e 80% são mulheres entre as idades de 18 e 35 anos”. A maioria vivendo em condições insalubres, sujeitas à exploração, abuso verbal e físico e com baixa remuneração. Inclusive no desastre ocorrido em Bangladesh, no desabamento do prédio Rana Plaza, a maior parte das vítimas foram mulheres jovens.

No relatório “Índice de Transparência da Moda no Brasil”7 de 2018,

realizado pelas equipes do Fashion Revolution Brasil e global, parte dos resultados voltaram-se para uma análise de como que os varejistas estão lidando com as questões ligadas à gênero (discriminação e violência) nas cadeias de fornecimento, e quais apoiam a igualdade de gênero em suas empresas. Além disso, buscou-se investigar se havia distribuição e diferenças salariais sob a perspectiva racial nas empresas, e como que as mesmas publicavam ações para promover igualdade racial internamente, bem como em relação a regularização de trabalhadores/trabalhadoras imigrantes em suas cadeias de fornecimento.

Das vinte marcas pesquisadas no relatório “Índice de Transparência na Moda”, apenas 15% possuíam projetos de capacitação focados na igualdade de

6 https://www.fashionrevolution.org/

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gênero. Apenas 10% promoviam orientações no Código de Conduta do Fornecedor sobre questões de assédio sexual, formas de violência relacionada a gênero, tratamento ou demissão de trabalhadoras grávidas; licença maternidade e diferença de salários entre gêneros. Entre as vinte marcas analisadas, 25% (5) possuíam publicações de compromisso em relação a pagamento de salários justos, mas somente uma delas relatou seu progresso para cumprir tal meta. Porém, nenhuma das marcas divulgaram uma política de pagamento a seus fornecedores em dia.

O “Índice de Transparência na Moda” propôs ainda uma investigação acerca de como que as vinte marcas selecionadas lidavam com seus resíduos têxteis, com a reciclagem e com a economia circular. Como resultado desta pesquisa; 20% divulgaram programas de coleta de roupas ou reciclagem em suas lojas para os/as consumidores/consumidoras; 40% das marcas divulgam sobre o que acontece com os resíduos têxteis e quais seus destinos e 35% das marcas divulgam investimentos em recursos e tecnologias circulares.

Percebe-se ainda que menos da metade das marcas investigadas estão adotando posturas significativas do ponto de vista social e ambiental. O papel do Fashion Revolution, neste sentido, é o de influenciar as empresas para que transformem seus moldes de produção e descarte gerando impacto social positivo e respeito à natureza.

Para além disso, as pessoas engajadas no movimento também colocam que os/as consumidores/consumidoras podem ser grandes agentes externos de transformação nas condutas internas das empresas. Primeiramente ao comprarem menos diante dessas posturas insustentáveis, mas também reutilizando peças de roupas, comprando em brechós, promovendo bazares de trocas, compondo assim uma rede de consumo consciente que se importa e questiona quem faz as peças de vestuário que são comercializadas e sob quais condições trabalhistas.

Ao longo da pesquisa realizada no mestrado foram mapeadas algumas marcas que possuem projetos sustentáveis, dentre elas: “Roupa Livre”, “Moda Limpa” e “Reroupa”. A “Roupa Livre” foi lançada por uma equipe de colaboradores/colaboradoras e funciona na mesma lógica dos aplicativos de paquera, porém o objetivo é dar “match” (combinação, encontro) com peças de

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roupas de pessoas que não as querem mais. Para a empreendedora sustentável que idealizou esse app as pessoas devem usar bem o que tem, aprender técnicas de consertos das peças ou trocá-las, e somente comprar roupas novas em último caso, e apenas o que for essencial. Esta é a sua mensagem para um futuro melhor na Moda: desacelerar o ritmo de produção de peças novas visto que a Indústria da Moda é a segunda mais poluente do planeta e uma das que mais explora trabalhadores e trabalhadoras.

Para a criadora da empresa “Moda Limpa” chegamos a um ponto em que existem pessoas que têm um cômodo na casa somente para guardar as peças de vestuário. Sua proposta de solução para repensar as relações de consumo de peças de roupas é a organização de “armários-capsula”, através de estratégias para reduzir a quantidade de peças no guarda-roupa. O objetivo da empresa é promover cursos, encontros, eventos e bazares de trocas de peças usadas com o intuito de diminuir o acúmulo de roupas “paradas” nos armários.

A marca “Reroupa” confecciona roupas novas num ateliê na cidade de São Paulo a partir do reaproveitamento de resíduos têxteis com o objetivo de estender o ciclo de vida dessas peças ao transformá-las através de processos criativos. Esse tipo de produção é denominado pelo circuito sustentável como upcycling8, e a marca em questão produz essas peças através de oficinas auxiliadas pelo Instituto Alinha9 em parceria com costureiras de comunidades da

cidade.

Essas três marcas estiveram presentes no Fashion Revolution Salvador e contribuíram para as reflexões junto com as marcas locais em que os/as criadores/criadoras de moda se propuseram a ser mais responsáveis pelas formas de trabalho vinculadas a toda cadeia produtiva de seus produtos, e a repensar os meios de buscar o lucro sem envolver nenhum tipo de exploração humana nem ambiental. Sendo este um dos desafios do circuito - “Como vender sem incentivar o consumismo”?

Outro desafio mapeado foi em relação à consciência por parte das/dos interlocutoras/interlocutores de que todo esse debate é recortado para um público que é composto por um tipo de consumidor com maior poder aquisitivo,

8 Técnica de reaproveitamento de materiais para a criação de novas peças.

9 Negócio social voltado para a melhoria das condições de trabalho e de vida de costureiros e

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o que fica evidenciado até pelo próprio nome do evento: Fashion Revolution Week. No mínimo, o público é escolarizado e entende inglês. Como os/as criadores/criadoras do circuito utilizam matérias-primas que possuem um alto valor, se propõem a pagar valores justos aos trabalhadores/trabalhadoras envolvidos/envolvidas na mão-de-obra de suas confecções, o valor final do produto acaba sendo alto. Assim, o segundo desafio do circuito é: “como produzir produtos com valores acessíveis? ”

As questões, dúvidas e contradições mapeadas no circuito sustentável ao final do Mestrado foram muitas, e foram justamente estas lacunas, bem como o envolvimento pessoal na causa, que me conduziram a seguir adiante buscando compreender como que este movimento global reverbera no contexto nacional, e mais especificamente na cidade de São Paulo, sede do Fashion Revolution Brasil.

Considerações finais

A rede mapeada na dissertação não correspondeu a todos/todas os/as criadores/criadoras de moda de Salvador, afinal são muitas as pessoas que se dedicam a viver a partir de criações de vestuário. A noção de rede foi tecida, assim, por fluxos que se intercruzaram através do que chamei por circuitos da Moda independente partindo de uma análise situacional da Feira da Cidade.

Diante desta perspectiva, dialoguei com a noção de Hannerz (2015, p. 187), segundo a qual “a ideia de redes na antropologia significa abstrair de algum sistema mais amplo, para objetivos analíticos, conjuntos de relacionamentos mais ou menos elaborados”. Segundo Agier (2011, p.80), nas redes “circula um conjunto de ideias, valores e normas que permitem o seu funcionamento”. De acordo com sua hipótese, existe uma relação substancial entre o tipo de laço social, a função e o conteúdo moral das redes. Sendo estes os aspectos que busquei compreender ao longo da pesquisa.

Para isso, a perspectiva de perto e de dentro proposta por Magnani (2002) foi fundamental para o encontro com as particularidades nas cidades, sobretudo através de suas categorias analíticas como a de “circuito”, uma

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categoria empreendida pelo autor enquanto “a configuração espacial, não contígua, produzida pelos trajetos de atores sociais no exercício de alguma de suas práticas, em dado período de tempo” (MAGNANI, 2014, p. 9). De acordo com o autor através desta categoria é possível “ligar pontos descontínuos e distantes no tecido urbano, sem perder, contudo, a perspectiva de totalidades dotadas de coerência”. (MAGNANI, 2014, p.2-3). Dessa forma, foram os trajetos feitos pelos/pelas interlocutores/interlocutoras da pesquisa que deram as pistas para a construção dos circuitos e do saber sobre Moda na cidade.

A partir deste trabalho realizado foi possível compreender a moda contemporânea como uma forma de expressão de ideias, conceitos, sentimentos, questionamentos, comportamentos e, sobretudo, enquanto forma de posicionamentos políticos. Essa correlação ficou evidenciada ao me deparar com interlocutores/interlocutoras em campo que têm trabalhado, através da moda, questões sobre identidade, padrões de beleza, sustentabilidade, representatividade étnica e de gênero.

Como havia comentado no começo do texto, vivemos uma nova era geológica, o “antropoceno”, anunciada por Viveiros de Castro e Danowski (2017) por uma “ausência de futuro”, caso sigamos praticando os mesmos modelos insustentáveis e desenfreados de produção e descarte de bens de consumo. O alerta ecoou na moda, que como nos aponta Benjamin (1985, p. 15) “tem um faro para o atual”. O chamado “despertar” que tanto escutei, e venho escutando na realização do trabalho de campo, diz respeito a uma ressignificação de posturas que inclui não somente responsabilidade ambiental, mas também social. Assim, as pautas envolvendo questões de gênero e raça também foram incluídas na agenda do Fashion Revolution.

Conclui-se então que as transformações socioculturais nos modelos de produção, consumo e descarte de peças de vestuário são urgentes para que possamos ter um futuro possível no planeta. Para isso, é preciso haver um trabalho de conscientização por parte dos/das criadores/criadoras para a supressão das explorações de mão-de-obra em suas confecções e a consolidação de negócios pautados na economia circular (redução, reutilização,

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recuperação e reciclagem de materiais). Bem como uma reeducação nos modelos de consumo e descarte de peças de vestuário.

A presente reflexão que surgiu ao longo do Mestrado foi ampliada para um novo projeto de pesquisa para o doutorado (em construção), voltado para a compreensão do circuito da moda sustentável na cidade de São Paulo através de uma investigação etnográfica com as marcas locais. A finalidade do artigo foi apresentar brevemente as principais reflexões realizadas ao longo da dissertação e abrir diálogos e conexões para um maior estreitamento com as teorias antropológicas contemporâneas.

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