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O direito fundamental à duração razoável do processo judicial

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UIVERSIDADE DO SUL DE SATA CATARIA BREO AGIOLETTI LICIO

O DIREITO FUDAMETAL À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO JUDICIAL

Tubarão 2009

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BREO AGIOLETTI LICIO

O DIREITO FUDAMETAL À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO JUDICIAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Narbal Antônio de Mendonça Fileti, MSc.

Tubarão 2009

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BREO AGIOLETTI LICIO

O DIREITO FUDAMETAL À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO JUDICIAL

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão, 22 de junho de 2009.

______________________________________________________ Prof. Narbal Antônio de Mendonça Fileti, MSc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Profa. Sandra Luiza Nunes Angelo de Mendonça Fileti, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Lester Marcantonio Camargo, MSc.

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Este trabalho é dedicado aos meus pais, à Ana Lúcia, ao Eduardo e à Anne.

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AGRADECIMETOS

Aos meus pais, pelo incentivo aos estudos que me deram por toda a vida. Ao meu irmão, pela amizade e companheirismo.

Ao Professor Narbal, pela inestimável ajuda na escolha do tema, seleção da bibliografia e apontamentos.

Aos professores do Curso de Direito da Unisul, pela dedicação e amizade. Aos meus amigos, pelo apoio.

À minha esposa e aos meus filhos, pela paciência que tiveram que ter, pelas noites e finais de semana em que estive ausente.

(6)

“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade.” (Rui Barbosa).

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RESUMO

O legislador inseriu pela Emenda Constitucional nº 45/2004, intitulada como Reforma do Judiciário, na Constituição da República Federativa, em seu artigo 5º, o inciso LXXVIII, que assim dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A norma foi criada com o fito de desafogar os processos nos tribunais e, assim, satisfazer as expectativas da sociedade em ter seus conflitos tutelados pelo Estado em um tempo razoável, não apenas com o direito de ação, mas com a efetiva resposta processual. Essa mudança era necessária para proteger o indivíduo de uma lesão ou ameaça de lesão. Entretanto, outros princípios fundamentais também devem ser observados na relação processual, como o contraditório, a ampla defesa, a razoabilidade e a proporcionalidade para que não se comprometa a segurança jurídica. Há de se observar que a simples positivação de uma garantia fundamental não cria, efetivamente, a certeza da aplicação do dispositivo legal, sendo imprescindível que o legislador crie formas de controlar sua eficácia legal e controlar a sua aplicação fática. Assim sendo, faz-se necessário um estudo mais aprofundado para aclarar quais mecanismos devem ser ajustados para dar celeridade ao processo. Sabe-se que a demora da resposta do Estado na sua função constitucional de tutelar os conflitos é extremamente danosa e prejudicial para as garantias individuais e a manutenção do Estado Democrático de Direito, sendo a sociedade quem mais perde pela falta de garantia jurídica. A preocupação com a duração razoável do processo não é somente do legislador, pelo contrário; é uma preocupação de todo Estado de Direito, pois a delonga nas demandas judiciais atrasa o desenvolvimento econômico e traz desequilíbrio e desarmonia social, dentre outras mazelas. O relevo que o tema tem perante a sociedade é que torna imprescindível o estudo, inclusive no direito comparado, das medidas que estão sendo concretamente aplicadas para dar ao processo um prazo razoável de duração.

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ABSTRACT

The legislator inserted by the Constitutional Emendation 45/2004, intitled as Reform of the Judiciary, in the Constitution of the Federative Republic, in its article 5th, LXXVIII, that disposes that: “to all, in the judicial and administrative scope, the reasonable duration of the process and the ways that guarantee the celeridade of its transaction are assured". The norm was created in order to disencumber the processes in the courts and, thus, to satisfy the expectations of the society in having its conflicts tutored by the State in its reasonable time, not only with the right of action, but with the effective procedural reply. This change was necessary to protect the individual of an injury or threat of injury. However, other basic principles also must be observed in the procedural relation, as the contradictory, the legal defense, the reasonability and the proportionality, so that if it doesn’t compromise the legal security. It has of if observing that the simple positivation of a basic guarantee does not create, effectively, the certainty of the application of the legal device, being essential that the legislator creates forms to control its legal effectiveness and to control its factly application. In such case, a deepened study becomes more necessary to make clear which mechanisms must be adjusted to give quickness to the process. Its known that the delay of the State’s reply in its constitutional function of tutor the conflicts is extremely damaging and harmful for the individual guarantees and the maintenance of the Democratic State of Right, being who more loses for the lack of legal guarantee is the society. The concern with the reasonable duration of the process is not only of the legislator; on the contraty, it’s a concern of all State of Law, because the procrastination in the judicial demands delays the economic development and brings disequilibrium and social disharmony, in the midst of others wounds.

The relief that the subject has in front of the society is that it becomes essential the study, also in the comparative law, of the measures that are being concretely applied to give to the process a reasonable term of duration.

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SUMÁRIO

1 ITRODUÇÃO ... 10

2 DIREITOS FUDAMETAIS ... 12

2.1 BREVES INCURSÕES NA TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .... 12

2.1.1 Conceitos de direitos fundamentais ... 12

2.1.2 Histórico dos direitos fundamentais ... 16

2.1.3 Dimensões dos direitos fundamentais ... 20

2.1.3.1 Direitos fundamentais de primeira dimensão ... 20

2.1.3.2 Direitos fundamentais de segunda dimensão... 21

2.1.3.3 Direitos fundamentais de terceira dimensão... 22

2.1.3.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão... 24

2.1.4 As perspectivas objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais ... 25

3 DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO VERSUS PROCESSO... 27

3.1 AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO: CONCEITOS BÁSICOS ... 27

3.2 NOÇÕES SOBRE PRINCÍPIOS PROCESSUAIS... 30

3.2.1 Princípio do devido processo legal ... 30

3.3 DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO VERSUS EFETIVIDADE PROCESSUAL. 32 3.4 DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO OU PROCESSO COM PRAZO FIXO? ... 35

3.4.1 O modelo da Corte Européia de Direitos Humanos... 38

3.4.1.1 Critérios para avaliar o tempo decorrido: dies a quo do prazo e seu encerramento... 39

3.4.1.2 Critérios objetivos para aferir a razoabilidade do processo... 40

3.4.1.2.1 Complexidade da causa... 41

3.4.1.2.2 Conduta dos litigantes ... 42

3.4.1.2.3 A atuação das autoridades judiciais ... 42

3.4.1.2.4 Critérios facultativos ... 43

4 DIREITO FUDAMETAL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO... 45

4.1 APONTAMENTOS HISTÓRICOS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO ... 45

4.2 O DIREITO FUNDAMENTAL AO PROCESSO JUSTO... 47

4.3 A IMPORTÂNCIA DOS INSTRUMENTOS E MECANISMOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM... 52

4.4 DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO: UMA PREOCUPAÇÃO MUNDIAL ... 55

(10)

4.4.2 A Convenção Européia dos Direitos do Homem ... 57 4.4.3 A Convenção Americana dos Direitos do Homem: o Pacto de São José da Costa Rica ... 58 4.4.4 O modelo italiano: a Legge Pinto ... 59 4.5 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ... 63 5 COSIDERAÇÕES FIAIS... 66 REFERÊCIAS ... 69

(11)

1 ITRODUÇÃO

O processo é o instrumento de entrada do cidadão no Judiciário. É com ele que o cidadão dá conhecimento ao Estado-Juiz da pretensão que precisa ser tutelada. Sem o processo, o indivíduo não pode valer-se do princípio constitucionalmente garantido do direito à ação.

Infelizmente, dada a pouca eficiência do Poder Judiciário e, apesar da importância que o processo tem na vida do cidadão, a prestação jurisdicional nem sempre é entregue a tempo. Não raras vezes, a demora do Estado é tão grande que o bem tutelado já se perdeu, ou a ação já perdeu seu objetivo, não sendo mais necessária uma resposta do Judiciário.

O Estado, pressionado a dar efetividade às tutelas jurisdicionais, implementa reformas a fim de garantir o acesso ao Judiciário. Dentre suas preocupações encontram-se a ampliação do direito ao acesso das garantias processuais e dos mecanismos que tornem eficazes, ao indivíduo, a cessação da violação do direito.

Destarte, o presente trabalho tem como objetivo a investigação científica do Princípio da Duração Razoável do Processo, que foi inserido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, intitulada como Reforma do Judiciário na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no inciso LXXVIII do artigo 5º, e que tem por escopo a razoável duração do processo ao jurisdicionado.

Em seu objetivo institucional, a presente pesquisa cumpre o papel de um trabalho de conclusão de Curso para obtenção do Título de Bacharel em Direito pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.

O objetivo geral deste trabalho é analisar a evolução dos direitos humanos e suas garantias, não de forma aleatória, mas focado na demonstração da fundamentalidade da razoável duração do processo como conceito constitucional.

Serão examinadas a entrega da tutela jurisdicional efetiva desses direitos e sua atual inserção no rol dos direitos fundamentais na Constituição brasileira, bem como seu impacto e sua viabilidade de aplicação no processo civil.

Dada a amplitude e complexidade inerentes ao tema abordado, utilizar-se-á o método indutivo, com pesquisa bibliográfica1 por meio de abordagem teórica em livros e

1

(12)

legislações sobre o tema proposto, cujos dados serão analisados qualitativamente. Assim sendo, explicitando a pesquisa realizada, estruturou-se a monografia em três capítulos.

No primeiro capítulo serão abordadas a teoria geral dos direitos fundamentais e seus conceitos, seu histórico e suas dimensões. Passa-se, após, a fazer referência doutrinária sobre os direitos fundamentais, classificando-os em dimensões.

Posteriormente, no segundo capítulo, será verificada a questão da duração razoável do processo sob a ótica do processo civil, primeiramente fazendo a distinção entre ação, processo e procedimento, passando, a seguir, a estudar as noções dos princípios processuais, a análise da duração do processo em face da efetividade processual e as formas de fixação de prazo processual.

Por fim, o terceiro capítulo abordará o direito fundamental à razoável duração do processo, objeto deste trabalho.

Realizados os passos descritos, as considerações finais apresentarão os pontos conclusivos destacados, com o propósito de incentivar o prosseguimento dos estudos sobre a matéria em questão.

Para o desenvolvimento desta pesquisa, foram levantadas as seguintes hipóteses: a) o direito à razoável duração do processo é um direito fundamental, mesmo antes da Emenda Constitucional nº 45/2004;

b) o direito à razoável duração do processo não é um subprincípio do due process off law; e,

c) mesmo sendo um princípio constitucionalmente garantido, a razoável duração do processo não tem efetividade dentro do ordenamento pátrio.

(13)

2 DIREITOS FUDAMETAIS

O presente capítulo pretende estudar, de forma ampla, as definições dos “direitos fundamentais”, sua historicidade, seu alcance. Adotar-se-á esta terminologia por se acreditar estar inserto, nesta categoria, o princípio da duração razoável do processo.

2.1 BREVES INCURSÕES NA TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1.1 Conceitos de direitos fundamentais

Muitas têm sido as expressões utilizadas na doutrina para denominar uma mesma realidade; no caso, à referente aos direitos fundamentais do Homem. Com o mesmo sentido são empregadas as expressões: direitos naturais, direitos do homem, direitos humanos, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos fundamentais do homem, e outras.1

A Constituição Federal brasileira também não é uníssona, utilizando em seu texto, no que tange aos direitos fundamentais: direitos humanos (artigo 4º, inciso II), direitos e garantias fundamentais (epígrafe do Título II e artigo 5º, §1º), direitos e liberdades constitucionais (artigo 5º, inciso LXXI) e direitos e garantias individuais (artigo 60, §4º, inciso IV).2

Como muitas dessas expressões apresentam significados não coincidentes, merecem uma abordagem mais técnica quanto à sua conceituação.3

Sobre o tema, cabe citar a lição de José Afonso da Silva:

Direitos 'aturais: dizem-se por entender-se que se tratava de direitos inerentes a natureza do homem; direitos inatos que cabem ao homem só pelo fato de ser homem. Não se aceita mais com tanta facilidade a tese de que tais direitos sejam naturais, provenientes da razão humana ou da natureza das coisas. São direitos positivos, que encontram seu fundamento e conteúdo nas relações sociais materiais em cada momento histórico [...]. Direitos Humanos: é a expressão preferida nos

1

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 446.

2

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.34.

3

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documentos internacionais. Contra ela, assim, como contra a terminologia direitos do homem, objeta-se que não há direito que não seja humano ou do homem, afirmando-se que só o ser humano pode ser titular de direitos. Talvez já não mais assim, porque, aos poucos, vai se formando um direito especial de proteção dos animais.

Direitos Individuais: dizem-se os direitos do indivíduo isolado. Ressumbra individualismo que fundamentou o aparecimento das declarações do século XVIII. É terminologia que a doutrina tende a desprezar cada vez mais. Contudo, ainda é empregada para denotar um grupo de direitos fundamentais, correspondente ao que se tem denominado direitos civis ou liberdades civis. É usada na Constituição para exprimir o conjunto dos direitos fundamentais concernentes à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança e à propriedade [...] (grifos do original).4

Direitos humanos é a conjunção de direitos naturais, que correspondem ao Homem pelo fato de ser membro da sociedade.5 É a expressão preferida nos documentos internacionais, por tratar das posições jurídicas reconhecedoras do ser humano como tal, independentemente de sua vinculação à determinada ordem constitucional, com aspiração à validade universal, para todos os povos e tempos, o que revela, com isso, um evidente caráter supranacional (internacional).6 Entretanto, há de se ter cuidado com o contexto, pois não é pela farta utilização do termo em cartas internacionais que este pode ser interpretado como reflexo de um conceito unânime.7

Para o Jusnaturalismo,8 os Estados são fundados nos direitos humanos, sendo esses direitos originários e não alienáveis. Não cabe aos Estados outorgá-los, mas tão-somente fortalecê-lo. São, portanto, os direitos humanos anteriores ao Direito positivo. Esta concepção é diametralmente oposta ao positivismo, que diz que os direitos naturais não passam de regras morais, filosóficas ou ideológicas, servindo no máximo como inspiração ao Direito e como tal só tem valor quando incorporado e este. 9

Na conceituação dos direitos humanos, a teoria realista10 estabeleceu uma via intermediária entre o Jusnaturalismo e o positivismo ao considerar este último não o final de um processo, mas uma condição para que se desenvolvam as técnicas de proteção aos direitos

4

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 176.

5

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 447.

6

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 36.

7

LUÑO, Antonio E. Perez. Los derechos fundamentales. 8 ed. Madrid; Editorial Tecnos, 2005, p. 41.

8

Jusnaturalismo: “Teoria do direito natural configurada nos sécs. XVII e XVIII [...], cujos defensores formam um grande contingente de autores dedicados às ciências políticas [...]”. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 593.

9

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 444-445.

10

Teoria Realista: Diz que o a processo de positivação não possui um caráter declaratório de direitos anteriores, ou constitutivo, mas entendem que este processo pressupõe um elemento diverso, que deve ser considerado para efetivo desfrute desses direitos (fundamentais). (tradução livre do autor da monografia). LUÑO, Antonio E. Perez. Los derechos fundamentales. p. 58.

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fundamentais e condição para sua salvaguarda e proteção.11

São direitos positivados, que encontram sua fundamentação em determinado período histórico.12

Sobre o binômio direitos humanos x direitos fundamentais ao direito positivo, escreveu José Joaquim Gomes Canotilho:

[...] pressupõe uma separação talhante entre status negativus e status activus, entre direito individual e direito político, vendo bem as coisas, a distinção em refêrencia é uma seqüela da teoria da separação entre sociedade e Estado, pois o binômio homem-cidadão assenta no pressuposto de que a sociedade civil, separada da sociedade política e hostil a qualquer intervenção estadual, é por essência, a política.13

No dizer de André Ramos Tavares, “a expressão direitos fundamentais em muito se aproxima da noção de direitos naturais, no sentido de que a natureza humana seria portadora de certo número de direitos fundamentais”.14

Os direitos fundamentais constituem os pilares do tripé do Estado de Direito, ao lado do enunciado da legalidade e do princípio da separação de poderes. Nesse sentido, e de acordo com José Afonso da Silva, os direitos fundamentais “são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”.15 Não há direitos fundamentais em Estado totalitário ou, pelo menos, em totalitarismo integral.16

Segundo Alexandre de Moraes, é importante ressaltar que:

[...] os direitos humanos fundamentais relacionam-se diretamente com a garantia de não-ingerência do Estado na esfera individual e a consagração da dignidade da pessoa humana, tendo um universal reconhecimento por parte da maioria dos Estados, seja em nível constitucional, infraconstitucional, seja em nível de direito consuetudinário ou mesmo por tratados e convenções internacionais.17

Cumpre citar a lição de Jorge Miranda, que diz: “Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas activas (sic) das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição”. Compete dispor que os direitos fundamentais não são tão-somente aqueles atribuídos pelo legislador constituinte,

11

LUÑO, Antonio E. Perez. Los derechos fundamentales. p. 59-61.

12

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 176.

13

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 382.

14

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 453.

15

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 178.

16

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Tomo IV. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 7.

17

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts, 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2006, p. 23.

(16)

mas também os direitos resultantes da concepção de Constituição dominante, da ideia de Direito e do sentimento jurídico coletivo.18

No mesmo sentido, Ingo Wolfgang Sarlet define direitos fundamentais como aqueles que:

[...] constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito.19

Ainda no mesmo sentido, pontifica Paulo Bonavides, citando Carl Schmitt, que os direitos fundamentais caracterizam-se por dois critérios formais:

Pelo primeiro, podem ser designados por direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional.

Pelo segundo, tão formal quanto o primeiro, os direitos fundamentais são aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são imitáveis (unabänderliche) ou pelo menos de mudança dificultada (eschwert), a saber direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição.20

Sobre a necessidade da positivação dos direitos fundamentais, cumpre citar a lição de José Joaquim Gomes Canotilho:

A ideia de fundamentalidade material insinua que o conteúdo dos direitos fundamentais é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade. Prima facie, a fundamentalidade material poderá parecer desnecessária perante a constitucionalização e a fundamentalidade formal a ela associada. Mas não é assim. Por um lado, a fundamentalização pode não estar associada à constituição escrita e à ideia de fundamentalidade formal como demonstra a tradição inglesa da Common-Law Liberties. Por outro lado, só a ideia de fundamentalidade material pode fornecer suporte para: 1) a abertura da constituição a outros direitos, também fundamentais, mas não constitucionalizados, isto é, direitos materialmente mas não formalmente fundamentais; 2) a aplicação a esses direitos só materialmente constitucionais de alguns aspectos do regime jurídico inerente à fundamentalidade formal; 3) a abertura a novos direitos fundamentais.21

No presente trabalho, adotar-se-á a mesma solução proposta por Narbal Antônio Mendonça Fileti, que assim leciona: “como toda essa diversidade de expressões demanda a seleção de um termo adequado, procedendo-se à análise de alguns daqueles comumente utilizados, este trabalho limitar-se-á às expressões direitos naturais (no sentido de direitos do homem), direitos humanos e direitos fundamentais”.22

18

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. p. 7-10.

19

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 38.

20

SCHMITT apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 561.

21

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 379-380.

22

FILETI, Narbal Antônio Mendonça. A fundamentalidade dos direitos sociais e o princípio da proibição de retrocesso social. Florianópolis: Conceito Editorial. 2009, p. 30.

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Entretanto, dar-se-á maior destaque ao termo direitos fundamentais, porque este, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, designa, no direito positivo, prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias.23

2.1.2 Histórico dos direitos fundamentais

A respeito da difícil tarefa de estabelecer um marco histórico preciso, cabe citar José Afonso da Silva:

O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem, em enunciados explícitos nas declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se esgotarem suas possibilidades, já que cada passo na etapa da evolução da Humanidade importa na conquista de novos direitos. Mais que conquista, o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira entre proprietários e não proprietários.24

Sobre o tema, Ingo Wolfgang Sarlet pontifica: “[...] a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem”.25

Ainda no mundo antigo, por meio da religião e da filosofia, surgiram algumas ideias-chave que, posteriormente, vieram a influenciar diretamente o pensamento jusnaturalista.26 Essas ideias tinham em comum a necessidade de limitação do poder do Estado, evitando abusos de poder e consagrando princípios básicos da igualdade e legalidade. Assim, a concepção de Direito fundamental é anterior à ideia do constitucionalismo, que tão-somente demonstrou a necessidade de positivar os direitos humanos.27

A origem dos direitos fundamentais remonta o Egito antigo, onde já se previam alguns mecanismos de proteção individual. Tem-se o código de Hammurabi (1690 a.C.) como o primeiro a consagrar direitos como a vida, a propriedade, a honra e a dignidade, colocando a supremacia das leis acima dos governantes. Contudo, foi o Direito romano que, na Lei das

23

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 178.

24

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 149.

25

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 43.

26

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 45.

27

(18)

Doze Tábuas, estabeleceu mecanismos complexos para tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais.28

No dizer de José Joaquim Gomes Canotilho:

As concepções cristãs medievais, especialmente o direito natural tomista, ao distinguir entre lex divina, lex natura e lex positiva, abriram caminho para necessidade de submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, fundadas na própria natureza do homem.29

Somente no período compreendido entre os séculos VII e II a.C. é que o homem passa a ser considerado em sua igualdade essencial, como um ser dotado de liberdade e razão. É nessa época que alguns dos maiores pensadores desenvolveram suas ideias: Zaratustra na Pérsia, Buda na Índia, Confúcio na China, Pitágoras na Grécia e Dêutero-Isaías em Israel.30

Conforme ensina Ingo Wolfgang Sarlet,

a partir do século XVI, mas principalmente nos séculos XVII e XVIII, a doutrina jusnaturalista, de modo especial por meio das teorias contratualistas, chega a seu ponto culminante de desenvolvimento. Paralelamente ocorre um processo de laicização do direito natural [...].31

Por fim, foi o Jusnaturalismo do século XVIII que serviu de base para o constitucionalismo e o reconhecimento de direitos e liberdades dos indivíduos.32

Na Inglaterra da Idade Média surgiram os mais importantes antecedentes históricos das declarações dos direitos individuais:33 diversas cartas e estatutos assecuratórios de direitos fundamentais34, tal como a Magna Charta Libertatum, outorgada por João Sem Terra, em 15 de junho de 1215,35 que, longe de ser uma carta das liberdades nacionais, é, sobretudo, uma carta feudal, feita para proteger os privilégios de barões e os direitos dos homens livres, pois os homens livres, nesse tempo, eram tão poucos que se podia contá-los.36 É reconhecida como marco inicial dos direitos fundamentais, dada a sua importância para a evolução no âmbito da afirmação dos direitos.37

Sobre a importância histórica da Magna Carta, cabe citar a lição de Antonio Enrique Perez Luño: “De todos os documentos medievais, sem dúvida, o que alcançou maior significado para a posteridade foi a Magna Carta, contrato escrito entre o rei João Sem Terra e

28

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p. 6-7.

29

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 380.

30

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 439.

31

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 46.

32

LAFER, Celso apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 48.

33

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p. 7.

34

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 151.

35

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p. 7.

36

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 152.

37

(19)

os bispos e barões da Inglaterra do ano de 1215”.38

Mesmo com o pequeno alcance da Magna Carta, ela tornou-se um símbolo da liberdade.39

Conforme ensina José Afonso da Silva, outras cartas que tiveram grande relevo na Inglaterra antiga são:

A Petição de Direitos (Petition of Rights, 1628), é um documento dirigido ao monarca em que os membros do Parlamento de então, pediram o reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os súditos de sua majestade. A petição constituiu um meio de transação entre o Parlamento e o rei, que este cedeu porquanto já detinha o poder financeiro, de sorte que o monarca não poderia gastar dinheiro sem autorização parlamentar. Então, precisando de dinheiro, assentiu no pedido, [...]. Na verdade, a petição pede a observância de direitos e liberdades já reconhecidos na própria Magna Carta, [...].

O Habeas Corpus Act reforçou as reivindicações de liberdade, traduzindo-se, desde logo e com as alterações posteriores, na mais sólida garantia de liberdade individual, e tirando aos déspotas uma das suas armas mais preciosas, suprimindo prisões arbitrárias.

O documento mais importante é a Declaração de Direitos (Bill of Rigths, 1688) que decorreu da revolução de 1688, pela qual se firmara a supremacia do Parlamento, impondo a abdicação do rei Jaime II e designando novos monarcas, Guilherme III e Maria II, cujos poderes reais limitavam com a declaração de direitos a eles submetida e por eles aceita. Daí surge, para a Inglaterra, a monarquia constitucional, submetida a soberania popular (supera a realeza de direito divino), que teve em Locke seu principal teórico e que serviu de inspiração ideológica para a formação das democracias liberais da Europa e América nos séculos XVIII e XIX. O Act of Settlement (Ato de Sucessão no Trono), votado pelo Parlamento em 1707, completa o conjunto de limitações ao poder monárquico nesse período. [grifos do autor].40

Sobre as declarações dos direitos humanos na Europa da Idade Média, Ingo Wolfgang Sarlet afirma que:

[...] há que se descartar o caráter de autênticos direitos fundamentais desses “direitos” e privilégios reconhecidos na época medieval, uma vez que outorgados pela autoridade real num contexto social e econômico marcado pela desigualdade, cuidando-se mais, propriamente, de direitos de cunho estamental, atribuídos a certas castas nas quais se estratificava a sociedade medieval, alijando grande parcela de população de seu gozo.41

As declarações de direitos no sentido moderno, entretanto, só apareceram no século XVIII com as revoluções americana e francesa, as quais condicionaram a formação de

38

LUÑO, Antonio E. Perez. Los derechos fundamentales. p. 34: In verbis: “De todos los documentos medievales, sin duda, el que há alcazado mayor significación em la posteridad há sido la Carta Magna, contrato suscrito entre el rey Juan Sin Tierra y los obispos y barones de Inglaterra em el año 1215”. (tradução livre do autor da monografia)

39

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 152.

40

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 152-153.

41

(20)

regras consuetudinárias de mais ampla proteção dos direitos humanos fundamentais. Estas são fortemente inspiradas na filosofia42 de Rousseau43, Locke44 e Montesquieu.45-46

Com relação à Declaração dos Direitos do Homem, escreveu Paulo Bonavides:

A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem óbices ao significado de universidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana. A universidade se manifestou pela primeira vez, qual descoberta do racionalismo francês da Revolução, por ensejo da célebre Declaração dos Direitos do Homem de 1789.47

A Declaração Francesa, de 1789, marca a transição das declarações de direitos inglesas do século XVII para os direitos fundamentais constitucionais, sendo esta o marco de nascimento dos direitos fundamentais. A contribuição francesa foi decisiva para o processo de constitucionalização e reconhecimento de direitos e liberdades fundamentais nas Constituições do século XIX. 48

Modernamente, como fruto da preocupação com os direitos fundamentais, pode-se citar, na Carta das Nações Unidas, a redação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esta declaração é composta por trinta artigos, nos quais se reconhece a dignidade da pessoa humana como base da liberdade, da justiça e da paz.49 Tal carta de valores e princípios foi aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas mediante a Resolução nº 217 (III).50

Nela estão assentes três das quatro dimensões dos direitos fundamentais, estudadas a seguir.

42

Iluminismo: corrente filosófica que antecedeu a revolução francesa de 1789. Dentre outras

características, se destaca a defesa dos direitos naturais. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de história da filosofia. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr. 2004, p. 170.

43

Jean-Jacques Rousseau: Filósofo francês que viveu entre 1712 e 1778. É considerado a cabeça da Revolução Francesa. Dentre suas obras destaca-se o “Contrato Social” na qual diz que o homem deve abrir mão de seus interesses privados em vista do bem comum. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de história da filosofia. p. 177 e ss.

44

John Locke: Filósofo inglês que viveu entre 1632 e 1704. Sistematizou o empirismo inglês (não existem verdades eternas). É considerado o fundador do liberalismo inglês (o Estado deve respeitar os direitos naturais dos indivíduos). MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de história da filosofia. p. 163 e ss.

45

Charles Louis de Secondat - Barão de Montesquieu: Filósofo francês que viveu entre 1689 e 1755. Sua principal obra é “Do Espírito das Leis”, que desenvolveu a sua teoria política da divisão de

poderes. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de história da filosofia. p. 176-177.

46

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 151-157.

47

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 562.

48

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 51-53.

49

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 162-163.

50

(21)

2.1.3 Dimensões dos direitos fundamentais

A fim de diferenciar as várias fases evolutivas dos direitos fundamentais, a doutrina nacional, alterna-se utilizando os termos gerações ou dimensões. Cabe aqui encontrar um termo que se torne mais adequado ao propósito deste trabalho.

Para André Ramos Tavares, o uso do termo gerações não tem sido bem aceito por dar uma falsa impressão de que uma geração substituía a outra, preferindo, assim, usar o termo dimensões.51Ingo Wolfgang Sarlet opta, também, pela expressão dimensões, tendo em vista que os direitos fundamentais apresentam um caráter cumulativo e não de alternância, como a expressão gerações.52

De outro lado, José Joaquim Gomes Canotilho utiliza a expressão gerações, apesar de que “preferem hoje os autores falar de três dimensões de direitos do homem.53

Neste estudo optar-se-á pela utilização da expressão dimensão, por parecer a que melhor expressa o conceito.

Em que pese o número de dimensões existentes, a doutrina também não é assente, apresentando desde três até seis dimensões. Estudar-se-á nesse trabalho até a quarta dimensão dos direitos fundamentais, sendo apenas essas necessárias ao desenvolvimento do trabalho.

2.1.3.1 Direitos fundamentais de primeira dimensão

São considerados direitos de primeira dimensão aqueles provenientes do pensamento liberal-burguês54

do século XVIII.55

Foi a primeira categoria de direitos fundamentais surgida, e que engloba, atualmente, os chamados direitos individuais e direitos políticos.56 Surgiram institucionalmente a partir da Magna Carta.57

51

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 454.

52

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 54.

53

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 386-387.

54

Pensamento liberal-burguês: Dispõe que a finalidade precípua do Estado consiste na realização da liberdade do indivíduo. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 56.

55

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 55-56.

56

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 456.

57

(22)

No primeiro grupo, encontram-se a proteção contra a prisão arbitrária, a inviolabilidade do domicílio, a liberdade e o segredo de correspondência.58Por se tratarem de direitos do indivíduo frente ao Estado, possuem cunho negativo, uma vez que dirigidos à abstenção por parte do poder público.59

São direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.60

Ainda pertencem à primeira dimensão liberdades de ordem econômica, como a liberdade de iniciativa, a liberdade de atividade econômica, a liberdade de eleição da profissão, a livre disposição sobre a propriedade, etc.

São os direitos da liberdade os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que, em grande parte, correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.61 As liberdades políticas referem-se à livre associação, à formação de partidos, ao direito a voto.62 São também chamadas liberdade de expressão coletiva, tendo forte ligação com a democracia.63-64

2.1.3.2 Direitos fundamentais de segunda dimensão

O impacto da industrialização e os graves problemas econômicos no século XIX geraram movimentos reivindicatórios, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social. Tais movimentos reivindicatórios fizeram surgir os direitos fundamentais de segunda dimensão, que são direitos de dimensão positiva, que impelem a intervenção do Estado a propiciar um direito de bem-estar social.65 Pertencem, portanto, a categoria dos direitos econômicos.66

Nesse ponto cabe citar a lição de Paulo Bonavides:

Os direitos da segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos

58

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 46.

59

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 56.

60

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 564.

61

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 563.

62

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 456.

63

Democracia: Forma de governo onde os livres governam. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 593.

64

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 56.

65

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 56-57.

66

(23)

coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo as distintas formas de estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula.67

Os direitos fundamentais de segunda dimensão caracterizam-se por outorgarem aos indivíduos direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, trabalho,68 salário-mínimo, limite de horas trabalhadas, repouso remunerado e acesso a todos os níveis de ensino.69

Nas palavras de José Luiz Quadros de Magalhães:

Os direitos sociais são essenciais para os direitos políticos, pois será através da educação que se chegará à participação consistente da população, o que implica também necessariamente no direito individual à livre formação da consciência e a liberdade de expressão e informação. Os direitos econômicos, da mesma forma colaboram para o desenvolvimento e efetivação de participação popular através da democracia econômica.70

Em análise mais detida, o que essa categoria de direitos visa é a realização do princípio da igualdade, pois de nada vale assegurar as liberdades clássicas sem que o indivíduo disponha das condições necessárias para a sua fruição. Por isso, afirma-se que esta categoria de direitos propicia o exercício de todos os direitos e liberdades.71

A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais que os direitos de cunho prestacional, inobstante o status positivo possa ser considerado como o marco distintivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais. Não se confundem com os direitos de terceira dimensão, por se reportarem ao individuo e não à coletividade.72

2.1.3.3 Direitos fundamentais de terceira dimensão

Sobre a análise evolutiva da terceira dimensão dos direitos fundamentais, escreve Paulo Bonavides:

A consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento deu lugar em seguida a que se buscasse

67

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 564.

68

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 57.

69

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 457.

70

QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz apud TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 457.

71

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 457.

72

(24)

uma outra dimensão dos direitos fundamentais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade, conforme assinala Karel Vasak73, e provida de uma latitude de sentido que não parece compreender unicamente a proteção específica de direitos individuais ou coletivos. [...]

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. [...].74

Os direitos fundamentais de terceira dimensão são, também, denominados direitos de fraternidade ou de solidariedade, pois trazem não a figura do homem como titular, mas destinam-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação). Nesse grupo, entram os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito à comunicação.75Caracterizam-se pela sua titularidade coletiva ou difusa. Assim, demandam do cidadão uma participação mais intensa para sua efetivação.76

O surgimento dos direitos fundamentais de terceira dimensão fez brotar novas formas de conflito no que tange à sua proteção jurídica. Essa é a explicação de Adalgiza Paula Oliveira Mauro:

A ampliação dos direitos fundamentais com o reconhecimento de novos direitos faz surgir também no panorama jurídico, novas formas de conflito, especialmente as decorrentes dos direitos de segunda e terceira geração, que trazem à baila questões relativas a relações de emprego, habitação, educação, transporte, consumo, meio ambiente, entre outros, aumentando sobremaneira o número de demandas levadas à apreciação do Poder Judiciário.77

No mesmo sentido escreve Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior: “O processo de tradição normativo-positivista instrumentaliza a despolitização dos conflitos a serviço da manutenção das relações sociais estabelecidas [...], não se presta à abordagem do conflito coletivo, eminentemente político, reivindicatório de mudanças sociais”.78

73

Karel Vasak: Diretor da divisão de Direitos do Homem e da Paz da UNESCO.

74

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 569.

75

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 58.

76

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 457.

77

MAURO, Adalgiza Paula Oliveira apud EBLING, Cláudia Marlise da Silva Alberton. O princípio da razoável duração do processo sob o enfoque dajurisdição, do tempo e do processo. Jus avigandi, Teresina, ano 10, n. 1031, 28 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8304>. Acesso em: 05 abr. 2009.

78

CINTRA JUNIOR, Dyrceu Aguiar Dias apud TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 458.

(25)

2.1.3.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão

Ingo Wolfgang Sarlet refere-se à tendência de reconhecer a existência de uma quarta dimensão de direitos fundamentais. No entanto, essa dimensão ainda aguarda a consagração do direito internacional e das ordens constitucionais internas.79

Sobre os direitos fundamentas de quarta dimensão cumpre citar a doutrina de Paulo Bonavides, que assim pontifica:

São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.

A democracia positivada enquanto direito da quarta geração há de ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças aos avanços da tecnologia de comunicação e legitimamente sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema.80

Para Ingo Wolfgang Sarlet, não é clara a existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, à medida que “todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais, gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade, tendo na sua base, o princípio maior da dignidade da pessoa humana”.81

Essa posição é repelida por Paulo Bonavides, ao afirmar que:

Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem - sem, todavia, removê-la - a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos da primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentos em sua dimensão principal objetiva e axiologia, podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida eficácia normativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico.82

Assim, depreende-se a ideia de que os direitos da segunda a quarta dimensões não se interpretam, concretizam-se. Os direitos de quarta dimensão são o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos e, somente com eles, será legitima e possível a globalização política.83

79

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 60.

80

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 571.

81

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 60.

82

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 572.

83

(26)

2.1.4 As perspectivas objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais

A fim de evitar equívocos com as várias dimensões dos direitos fundamentais (primeira, segunda, terceira, etc.) adotar-se-ão neste trabalho, as terminologias propostas por Ingo Wolfgang Sarlet, quais sejam: “perspectiva objetiva” e “perspectiva subjetiva” dos direitos fundamentais, em que pese o uso mais comum da expressão “dimensões”.84

Os direitos fundamentais revelam duas perspectivas: podem ser considerados como subjetivos aqueles que se referem ao indivíduo e, como direitos objetivos fundamentais, aqueles que se referem à comunidade.85

Os direitos objetivos não se limitam aos direitos de cunho individual, ou direitos de defesa do indivíduo contra atos do poder público. Além disso, fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos.86 Possuem cunho normativo.87 Passaram a se apresentar na ordem constitucional como fins diretivos de ação positiva dos poderes públicos, e não apenas garantias negativas dos interesses individuais. Ao Estado não basta respeitar os direitos inerentes ao seu povo, deve evitar que quaisquer outros indivíduos, mesmo alheios ao próprio Estado, o façam.88

A função objetiva caracteriza-se pela normatização dos direitos fundamentais subjetivos, e, também, por impor deveres ao Poder Público, de modo a realizar tais direitos. Neste ponto, cabe citar a lição de Ingo Wolfgang Sarlet, que afirma que “os direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra o Estado corresponde sua condição (como direito objetivo) de normas de competência negativa”,89 e complementa dizendo que:

[...] cuida-se de uma troca de perspectiva, no sentido de que aquilo que os direitos fundamentais concedem ao indivíduo em termos de autonomia, decisória e de ação eles objetivamente retiram do Estado. Aqui estamos diante de uma função objetiva reflexa de todo o direito fundamental subjetivo [...].90

Pode-se dizer, assim, que a função objetiva dos direitos fundamentais possui extrema importância, pois permite o desenvolvimento de novos conteúdos, além de cuidar da efetivação dos direitos fundamentais.91

84

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 166 (nota de rodapé nº 387).

85

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 165.

86

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 167.

87

MARTINS NETO, João dos Passos. Direitos Fundamentais: Conceito, Função e Tipos. São Paulo: RT, 2003, p. 18.

88

LUÑO, Antonio E. Perez. Los derechos fundamentales. p. 20-21.

89

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 169.

90

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 170.

91

(27)

De outro lado, os direitos subjetivos são atribuídos por normas de direito privado, são os direitos das pessoas, constitucionalmente garantidos.92

Para Robert Alexy, os direitos fundamentais subjetivos formam um tripé de posições fundamentais, a saber: a) direito a qualquer coisa (direito a ações negativas e positivas do Estado e/ou particulares, insertos aqui o direito à defesa a prestações); b) liberdades (no sentido de negação de exigências e proibições); c) poderes (competências ou autorizações).93

Por perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais entende-se que são direitos subjetivos públicos do cidadão. Nesse sentido, eles podem ser exigidos pelo indivíduo contra o particular ou o próprio Estado, inclusive na esfera judicial, para sua satisfação.94 Diferente não é a concepção de Antonio Enrique Perez Luño, ao afirmar que os direitos fundamentais atuam como garantia da liberdade individual. São direitos dos indivíduos em sentido estrito, garantindo-lhes uma existência digna, fazendo parte de um ordenamento jurídico objetivo com o Estado de Direito Social.95

Conforme ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho, acolhendo a doutrina de Robert Alexy, “os direitos fundamentais são, em primeira linha, direitos individuais, do que resulta a constatação de que, em se encontrando constitucionalmente protegidos como direitos individuais, esta proteção, dar-se-á sob forma de direito subjetivo”.96

Importante notar que, apesar da perspectiva subjetiva (individual) dos direitos fundamentais, não se afasta à sua aplicabilidade tais direitos a grupos ou entes coletivos.97

Feita a análise dos direitos fundamentais, estudar-se-á, no próximo capítulo, o princípio da duração razoável do processo sob a ótica do processo.

92

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. p. 57.

93

ALEXY, Robert apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 178.

94

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 179.

95

LUÑO, Antonio E. Perez. Los derechos fundamentales. p. 25.

96

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 536.

97

(28)

3 DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO VERSUS PROCESSO

Este capítulo ocupar-se-á em estudar o processo, buscando os conceitos processuais necessários para situar o leitor, além de fazer uma análise acerca do tempo processual.

3.1 AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO: CONCEITOS BÁSICOS

Ação é o poder de pedir ao Estado a realização prática do direito, por meio da função jurisdicional.1 É uma faculdade (portanto, direito subjetivo) de obter a tutela dos direitos ou interesses, ameaçados ou lesados. Tem natureza pública, por isso é de função exclusiva do Estado, e deriva desta função pública o dever do Estado de prestar a devida tutela jurisdicional a todos os cidadãos que buscam o Estado-juiz.2

Por se tratar de um direito subjetivo, a ação não se vincula ao direito material, pois não há certeza de quem venha a manejar a ação, ganhe a causa. Mesmo não comprovado o direito material, o autor exerceu o seu direito de ação.3

Constitui uma contrapartida do cidadão diante da proibição da autotutela pelo Estado, que assumiu o dever de prestar a adequada tutela jurisdicional. Confere o direito à invocação do poder do Estado, para que este realize a ação de direito material que ele mesmo proibiu, utilizando-se dos instrumentos processuais que devem estar adequadamente preordenados para atender tal direito.4

Ainda, conforme ensina Luiz Guilherme Marinoni, o direito de ação possui uma dimensão social, o que obriga a uma diferenciação de procedimentos em atenção às diferentes posições sociais. Nessa perspectiva, assume relevo a questão das custas e a busca da

1

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 7. ed. 3. tir. São Paulo: Atlas, 2004, p. 70.

2

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, 1 v. p. 58.

3

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 59.

4

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 67.

(29)

informalidade e da celeridade do processo. Tais características é que devem informar a especialização dos procedimentos em vista da realidade social.5

Processo, em sua etimologia, significa marcha avante, caminhada. É derivada do latim procedere (que significa seguir adiante) e por isso, por muito tempo, foi confundido com procedimento.6

É o método de se compor a lide em juízo, por uma relação jurídica vinculativa ao direito público. Não se desenvolve de uma só forma, mas, sim, conforme as particularidades da pretensão do autor e da defesa do réu.7

Neste ponto é oportuno citar a lição de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:

Processo é conceito que transcende o direito processual. Sendo instrumento para o legítimo exercício do poder, ele está presente em todas as atividades estatais (processo administrativo, legislativo e judicial) e mesmo não-estatais (processos disciplinares dos partidos políticos ou associações, processos das sociedades mercantis para aumento de capital, etc.).8

No mesmo sentido ensina José de Albuquerque Rocha, que assim dispõe: “a palavra processo comumente aparece vinculada com a atividade exclusiva da área judicial. Como noção jurídica, pode e deve ser estendida ao âmbito das outras funções do Estado, a administrativa e a legislativa”.9

O processo apresenta algumas características básicas, a saber: a) complexidade: é impossível o processo desenvolver-se em apenas um ato, devendo existir, portanto, mais de um ato; b) dimensão temporal: o processo deve se desenvolver no tempo; c) interdependência: os atos são relacionados entre si e, portanto, interdependentes; d) progressividade: os atos avançam em busca de um resultado final.10

Leciona Nagib Slaibi Filho sobre a função constitucional no processo:

A Constituição quer que o processo de decisão estatal atenda, em qualquer Poder ou nível da Administração, aos princípios tendentes a inibir o hermetismo do Estado a que estamos acostumados: iniciativa legislativa popular (arts. 14 II, 29 XI, 61 § 2º); publicidade (arts. 5º, incisos XXXIII e XXXIV, 37, 93 IX); fundamentação razoável (arts. 37 caput - "moralidade"; 93 IX; 85 V e 37 § 4º; 5º, inciso LIV "devido processo legal"); legalidade (art. 5º, inciso II e 37) mesmo porque "constituem

5

MARINONI, Luiz Guilherme. ovas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 127.

6

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 285.

7

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 49 e ss.

8

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. p. 286.

9

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 200.

10

(30)

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil [...] construir uma sociedade livre, justa e solidária [...] erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais [...] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º).11

Assim, o processo é meio, não só para chegar ao fim próximo; é o julgamento, como ao fim remoto, que é a segurança constitucional dos direitos e da execução das leis. O processo de hoje deve guardar os valores individuais e coletivos que a ordem constitucional preceitua.12

Por fim, cabe citar Cândido Rangel Dinamarco, que em poucas linhas define a verdadeira função do processo: “o processo não é um fim em si mesmo, mas a ponte para a realização do direito material. Só será, enfim, válido, somente e na medida em que propiciar seu alcance sem maiores constrangimentos, na busca daquilo que deve ser o fim do direito: a pacificação social”.13

Procedimento é o conjunto de normas que orientam as condutas a serem respeitadas no desenvolvimento do processo, pelo autor, réu, juiz e demais partes que venham, de alguma forma, compor a lide.14

Segundo Humberto Theodoro Júnior, os procedimentos possuem duas características importantes:

a) Do ponto de vista objetivo, a multiplicidade de atos que necessariamente o compõem, todos coordenados numa verdadeira dependência recíproca, de modo que um provoca o outro e o subseqüente é legitimado pelo anterior, todos enfim explicados em conjunto com um só objetivo final, que vem a ser a perseguição do provimento jurisdicional capaz de solucionar o conflito jurídico (lide) existente entre as partes.

b) Do ponto de vista subjetivo, o procedimento se apresenta como obra de cooperação necessária entre seus protagonistas: só se estabelece por iniciativa de parte, só se desenvolve em contraditório com a contraparte, e, pois, o provimento jurisdicional que impõem às partes a composição definitiva da controvérsia, em nome da autoridade estatal, só se legitima se respeitar fielmente a demanda e o contraditório, como situações inafastáveis desde a formação até a exaustão do processo.15

Assim, nessa esteira, pode-se concluir que procedimento nada mais é que o conjunto de instrumentos necessários para o andamento e concretização do processo.16

11

SLAIBI FILHO, Nagib. Direito fundamental à razoável duração do processo. Jus avigandi, Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3348>. Acesso em: 20 ago. 2008.

12

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p.30-34.

13

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. p. 87.

14

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 198.

15

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 51.

16

(31)

3.2 NOÇÕES SOBRE PRINCÍPIOS PROCESSUAIS

O ordenamento jurídico brasileiro traz, insculpido na Constituição Federal, os princípios processuais. Dentre os tratados pela doutrina, cumpre citar os princípios do devido processo legal, da isonomia, do contraditório e ampla defesa, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, da publicidade dos atos processuais, da motivação das decisões e de proibição da prova ilícita.

Nesta parte do trabalho, entretanto, importa o estudo pormenorizado do princípio do devido processo legal, demonstrando, assim, a sua importância dentro do ordenamento jurídico.

3.2.1 Princípio do devido processo legal

Tem-se que o devido processo legal (due process of law)17 tem sua origem em 15 de junho de 1215, na Inglaterra, quando o Rei João Sem Terra viu-se obrigado a assinar a declaração de direitos que ficou conhecida como Magna Carta das Liberdades (Great Charter of Liberties).18

O princípio foi recepcionado e evoluiu nas colônias inglesas da América do Norte sendo, após, consagrado na Constituição dos Estados Unidos. Em 12 de junho de 1776, na Declaração de Direitos da Virgínia, novamente as ideias do devido processo e a duração razoável do processo apresentam-se associadas.19

O princípio do devido processo legal encontra-se expressamente consagrado na Constituição Federal, insculpido no artigo 5º, inciso LIV, com a seguinte redação:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

17

Há de se fazer uma distinção entre o due process of law (devido processo legal), que é considerado a fonte dos princípios do processo (contraditório, ampla defesa, etc.), da doutrina americana do substantive due process (devido processo substantivo), que preconiza caber ao Poder Judiciário analisar em última instância as questões atinentes ao significado da Constituição. PEREIRA, Sebastião Tavares. Devido processo substantivo. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 74-110.

18

NICOLITT, André Luiz. A duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006, p. 8-9.

19

(32)

[...]

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”20

O devido processo legal é a matriz comum da maioria dos direitos processuais. Trata-se de uma cláusula aberta, que foi sendo aperfeiçoada com o tempo pelo direito consuetudinário. O devido processo é aquele que observa os direitos processuais das partes.21 É uma garantia do cidadão, constitucionalmente prevista em benefício de todos, assegurando tanto o exercício do direito de acesso ao Poder Judiciário como o desenvolvimento processual, de acordo com normas previamente estabelecidas.22

Mas não basta garantir somente o acesso ao judiciário; é preciso que se respeitem os direitos fundamentais para efetiva prestação da tutela jurisdicional.23

O princípio é aplicável a tudo o que disser respeito à vida, ao patrimônio e à liberdade, inclusive no processo legislativo.24 O due process of law concretiza-se para a parte a partir do momento em que ela tenha acesso ao Judiciário e possa se defender amplamente.25

Ao tratar o tema, José de Albuquerque Rocha presta a seguinte lição:

De nada valeria ter acesso aos órgãos da jurisdição se não temos o direito à abertura de um processo com as garantias constitucionais, já que este é a única forma através da qual os órgãos jurisdicionais atuam. A existência de formalismos ou limitações irrazoáveis que dificultem o acesso ao processo vulnera o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Por essa razão, devem ser eliminados. 26

Por devido processo legal, na esfera do processo, entende-se a garantia dada à parte processual para fruir plenamente dos meios jurídicos existentes.27 É intrínseco ao princípio a paridade de condições entre o Estado persecutor e a plenitude de defesa. “Esta plenitude, significa o direito à defesa técnica, ao juiz natural, aos recursos legais e constitucionais, à decisão final imutável, à revisão criminal e ao duplo grau de jurisdição”.28

20

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.

21

ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. Brasília: Brasília Jurídica. 2006, p. 81-82.

22

PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 6. ed. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2005, p. 145.

23

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 46.

24

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2007, 1 v. p. 27.

25

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 226.

26

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 165-166.

27

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 677.

28

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2006, p. 225.

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