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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO ANA CAROLINA FARIAS GOUVÊA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

ANA CAROLINA FARIAS GOUVÊA

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL: UMA ANÁLISE DAS NOTÍCIAS VEICULADAS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, NO

PERÍODO DA ASSINATURA DA PORTARIA Nº 1.129/2017

CUIABÁ 2018

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ANA CAROLINA FARIAS GOUVÊA

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL: UMA ANÁLISE DAS NOTÍCIAS VEICULADAS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, NO PERÍODO DA

ASSINATURA DA PORTARIA Nº 1.129/2017

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso.

Orientadora: Profª. Ms. Marluce de Oliveira Machado Scaloppe

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em ________ pela banca composta pelos seguintes membros:

Profª. Ms. Marluce de Oliveira Machado Scaloppe

Profª. Dra. Mariângela Sólla López

Prof. Ms. José da Costa Marques Filho

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Agradecimentos

Agradeço a minha mãe, Ivanize Modesto de Farias, responsável pela minha formação como pessoa, pelo amor incondicional, encorajamento, pelas orações e pelo incentivo em todas as etapas de minha vida. Sem minha mãe eu jamais teria conseguido chegar até aqui. Essa vitória também é dela. Continuaremos cuidando uma da outra.

À memória de minha amada avó, exemplo de bondade e sabedoria.

Ao meu pai, pelo apoio constante, essencial para que eu conseguisse realizar o sonho da graduação.

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Resumo

O presente trabalho procura mostrar os preceitos e características do trabalho escravo contemporâneo e como essa temática de extrema importância humanitária é retratada no jornal de maior circulação do Brasil, a Folha de São Paulo. Elucidando o histórico do trabalho escravo desde o primórdio de sua existência no país, relataremos as mudanças na forma de utilização dessa mão de obra, de que maneira ela se apresenta nos dias atuais. O posicionamento do jornal ao publicar matérias e reportagens dessa natureza é analisado neste trabalho a fim de constatarmos se o conceito de imparcialidade jornalística foi realmente aplicado e encontra-se inserido no contexto apresentado nas publicações responsáveis por abordar a temática estudada.

Palavras-chave: Trabalho Escravo Contemporâneo. Folha de São Paulo. Imparcialidade.

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Lista de Figuras

Figura 1 - Recorte de matéria do jornal Folha de São Paulo ...46 Figura 2 - Recorte de reportagem do jornal Folha de São Paulo ...47 Figura 3 - Recorte de matéria do jornal Folha de São Paulo ...48

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Sumário

Introdução ... 7

Trabalho escravo: conceito e trajetória histórica ... 10

1.1 Trabalho Escravo Contemporâneo e Suas Especificações... 10

Lista Suja ... 17

Portaria nº 1.129/2017 ... 18

1.2 Trabalho Escravo no Brasil e suas especificações ... 18

Trabalho escravo e sua retratação midiática ... 21

2.1 O papel do jornal na história ... 29

2.2 O Jornal Folha de São Paulo ... 30

Folha Hoje ... 33

A Folha De São Paulo e a cobertura do trabalho escravo no Brasil ... 34

3.1 Descrição ... 36

3.2 Análise ... 38

Análise do conteúdo publicado no jornal Folha de São Paulo ... 40

Resultados obtidos pela análise ... 45

Considerações Finais ... 50

Referências ... 52

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Introdução

Na monografia por nós construída, analisaremos notícias sobre trabalho escravo contemporâneo publicadas no jornal impresso Folha de São Paulo; com o objetivo de identificar, por meio de análise do conteúdo, de que forma essas notícias são veiculadas e quais os seus objetivos para com o leitor, recordando-nos o conceito de imparcialidade defendido pela mídia, padrão norte-americano que se consolidou no Brasil a partir da década de 50, característica essa que será por nós posta em questionamento.

Neste sentido, o jornalismo impresso faz parte do universo de nossa fonte documental. As amostras foram retiradas das publicações que foram recortadas nas edições do dia 9 ao dia 23 de outubro do ano de 2017, período relacionado à assinatura da Portaria 1.129 pelo então Presidente do Brasil, Michel Temer e publicada no Diário Oficial da União no dia 16 de outubro de 2017, que modificou as especificações sobre o enquadramento das situações de trabalho escravo no Brasil.

Ao percorrermos este caminho, exporemos também o histórico de publicações sobre a escravidão retratada nas páginas dos jornais brasileiros desde o tempo em que essa prática era aceitável e legal, o período da assinatura da Lei Áurea e seus impactos nas páginas dos periódicos, o início das publicações sobre o trabalho escravo da forma como conhecemos atualmente e os conceitos que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo, publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

No decorrer da análise dos fatos e das matérias e demais conteúdos disponibilizados pelo jornal acima citado, esperamos atingir nossos objetivos e corroborar com diversas outras pesquisas de casos sobre análise das mídias impressas brasileiras, que foram objetos de estudo para a elaboração deste projeto de conclusão de curso.

O objetivo do trabalho monográfico de analisar as notícias a respeito do trabalho escravo contemporâneo veiculadas no jornal Folha de São Paulo pode encontrar justificativa no fato de que, além da temática da escravidão e a desumanidade de sua natureza serem abordadas pela impressa no Brasil desde 1880, podendo ser usado como exemplo as publicações do jornal A Gazeta de Notícias, periódico que circulava na cidade do Rio de Janeiro na época pré-abolicionista; destaca-se o fato de que diversas outras pesquisas partem e encontram material de estudo nos periódicos, de onde surgem o princípio de análise de conteúdo para a elaboração e publicação de artigos e teses.

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O trabalho escravo contemporâneo voltou a ser tema recorrente de discussões após a aprovação da Portaria número 1.129/2017, assinada pelo então Presidente Michel Temer e publicada no Diário Oficial da União no dia 16 de outubro de 2017. A medida, que altera o conceito de trabalho escravo contemporâneo e sua fiscalização, se tornou pauta importante e recorrente nas publicações diárias do jornal anteriormente mencionado. Sendo o tema um assunto de interesse público, é necessário estudar o conteúdo publicado e disponibilizado por meio dos periódicos como forma de analisar a informação e como ela é transmitida à sociedade. A mídia, como bem entendemos, é munida do conceito de imparcialidade. Este trabalho colocará em questionamento essa característica, pois entendemos que o papel do jornal é auxiliar na formação de opinião dos leitores, fazendo assim ser uma tarefa árdua, quase que utópica, a publicação de conteúdo de uma forma com que o leitor não seja inclinado a pensar de acordo com as informações selecionadas e disponibilizadas pelos jornais, segundo eles, de forma imparcial. A divulgação de matérias a respeito do trabalho análogo a escravidão no Brasil, que começou a ser debatido entre os anos 70 e 80, mas ganhou real notoriedade a partir dos anos 90, é entendida também como uma forma de reconhecermos tal prática a fim de que, com a instrução dada à sociedade sobre suas características, tenhamos a possibilidade de inibi-la.

No primeiro capítulo de nosso trabalho, denominado Trabalho escravo: conceito e trajetória histórica, trouxemos os caminhos do trabalho escravo contemporâneo e suas características e o trabalho escravo como conhecemos através dos relatos históricos, no início de sua implementação no Brasil.

Utilizamos fontes que auxiliaram na caraterização do tema e suas especificações: JARDIM (2017); MOURA (2015) e NINA (2010); mas recorremos principalmente ao documento mais conhecido internacionalmente, a Declaração dos Direitos Humanos e também à documentos e convenções do Ministério Público do Trabalho.

Já no segundo capítulo, Trabalho escravo e sua retratação midiática, elucidamos a forma como o este tema fora tratado pela mídia no decorrer dos anos, o papel do jornal ao abordar essas questões e a trajetória do jornal Folha de São Paulo, objeto analisado nesta monografia.

Utilizamos MOURA (2015); MACHADO (1993); e MATTELART (2008). Os estudos de CAPELATO (1981) também foram fundamentais para conhecer a trajetória histórica do jornal Folha de São Paulo.

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No terceiro capítulo, A Folha de São Paulo e a cobertura do trabalho escravo no Brasil, descrevemos as edições publicadas do dia 9 ao dia 23 de outubro de 2017, analisamos seu conteúdo baseado na metodologia escolhida para tal e apresentamos nossas considerações finais.

Diversas obras foram pesquisadas, lidas e mencionadas neste trabalho, para que possamos, por meio delas, discernir as características do trabalho análogo à escravo, entender a importância de sua discussão e analisar de que forma um assunto de tamanha importância é abordado na mídia impressa.

A escolha do jornal Folha de São Paulo se deu por ser o jornal de maior tiragem no país. Ou seja, o jornal com mais intervenção na vida social dos brasileiros.

Escolhemos a análise de conteúdo pois é o método que melhor responde as razões porque um jornal não pode ser visto como mero veículo de informação “transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos (LUCCA, 2005).

Na pesquisa seguimos BARDIN (1978), que defende o estabelecimento de unidades de registro. O tema foi a unidade utilizada neste trabalho.

Assim, através da verificação de expressões como trabalho análogo à escravidão, servidão por dívida, direitos humanos, condições degradantes de trabalho e trabalho forçado, usadas pelo jornal, contatamos se a Folha de São Paulo foi ou não imparcial.

Adicionamos também a este trabalho, um caderno de imagens cedidas pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso. As fotos, tiradas por fiscais do trabalho e servidores da Procuradoria Geral do Trabalho da 23ª Região, retratam trabalhadores em situação análoga à escravidão que foram encontrados durante operações de resgate em fazendas de Mato Grosso.

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Trabalho escravo: conceito e trajetória histórica

1.1 Trabalho Escravo Contemporâneo e Suas Especificações

Em âmbito internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 estabelece que:

Artigo 3º - “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

Artigo 4º - “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”. Artigo 5º - “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” (UNICEF, Declaração Universal dos Direitos Humanos).

Ainda, foi por meio da assinatura dos seguintes instrumentos internacionais que o Brasil se comprometeu a combater o trabalho em condição análoga à de escravo:

1. Convenção n.º 29 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório (1930) da OIT: ratificada pelo Brasil em 1957, estabelece que os países signatários se comprometem a abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo possível;

2. Convenção n.º 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado (1957) da OIT: ratificada pelo Brasil em 1965. Os países signatários se comprometem a adequar sua legislação nacional às circunstâncias da prática de trabalho forçado neles presentes, de modo que seja tipificada de acordo com as particularidades econômicas, sociais e culturais do contexto em que se insere. Ademais, a Convenção estipula que a legislação deve prever sanções realmente eficazes;

3. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas de 1966: ratificado pelo Brasil em 1992, proíbe, no seu artigo 8º, todas as formas de escravidão;

4. - Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas de 1966: ratificado pelo Brasil em 1992, garante, no seu artigo 7º, o direito de todos a condições de trabalho equitativas e satisfatórias;

5. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969: ratificada pelo Brasil em 1992, no qual os signatários firmaram um compromisso de repressão à servidão e à escravidão em todas as suas formas;

6. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano ou Declaração de Estocolmo de 1972, cujo 1º princípio estabelece que: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe

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permita levar uma vida digna de gozar do bem-estar” (MPT, Convenção Sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório).

As normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho e sua legalidade estão previstas e resguardadas através da Consolidação das Leis do Trabalho e pela Constituição brasileira, aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte em 22 de setembro de 1998 e promulgada em 5 de outubro do mesmo ano. Apesar desse fato, as leis do trabalho são comumente e lamentavelmente ignoradas e desrespeitadas todos os dias.

Por sua vez, a legislação brasileira tutela de forma objetiva a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos, a igualdade de pessoas, os valores sociais do trabalho e a proibição da tortura e de tratamento desumano ou degradante. O repúdio ao trabalho em condição análoga à de escravo, decorre de vários preceitos da Constituição Federal, como se vê:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...)

II – prevalência dos direitos humanos;

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...)

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)

III – função social da propriedade; (...)

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: (...)

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (Constituição da República Federativa do Brasil; dos princípios fundamentais)

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Diversas são as denominações dadas ao fenômeno da exploração ilícita e precária do trabalho, ora chamado de trabalho forçado, trabalho escravo, exploração do trabalho, semiescravidão, trabalho degradante entre outras, que são utilizadas indistintamente para tratar da mesma realidade.

O trabalho escravo é um debate contemporâneo. A dificuldade de quem se propõe analisar o trabalho escravo contemporâneo é exatamente entender as diversas e variadas denominações e conceitos utilizados. Há importantes diferenças de entendimentos no que se refere a sua denominação e compreensão. Por conta dessa variedade de entendimentos, vemos dificuldade de projetar-se uma base teórica para compreender a escravidão contemporânea.

Apesar das diversas denominações, qualquer trabalho que não reúna as mínimas condições necessárias para garantir os direitos básicos do trabalhador, ou seja, que priva sua liberdade, atinja a sua dignidade, sujeite-o a condições degradantes, inclusive em relação ao meio ambiente de trabalho, deve ser considerado trabalho em condição análoga à de escravo.

A degradação mencionada vai desde o constrangimento físico ou moral do trabalhador, seja na deturpação das formas de contratação e do consentimento do trabalhador ao celebrar o vínculo, seja na impossibilidade desse trabalhador extinguir o vínculo conforme sua vontade no momento e pelas razões que entender apropriadas, até as péssimas condições de trabalho e de remuneração, tais como: alojamentos sem condições de habitação, falta de instalações sanitárias e de água potável, falta de fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual e de boas condições de saúde, higiene e segurança no trabalho, jornadas exaustivas, remuneração irregular, promoção do endividamento pela venda de mercadorias aos trabalhadores. Os elementos podem vir juntos ou isoladamente.

Assim, ao contrário do estereótipo que surge no imaginário da maioria das pessoas, no qual o trabalho escravo é ilustrado pelo trabalhador acorrentado, morando na senzala, açoitado e ameaçado constantemente, o trabalho em condição análoga à de escravo não se caracteriza apenas pela restrição da liberdade de ir e vir, pelo trabalho forçado ou pelo endividamento ilegal, mas também pelas más condições de trabalho impostas ao trabalhador. Ou seja, mostra-se incompleto o raciocínio segundo o qual o trabalho análogo ao de escravo seria apenas o trabalho forçado, haja vista que a melhor conceituação, adotada pela doutrina moderna e pela própria legislação, atenta não só para a supressão da liberdade individual do trabalhador, mas também para a garantia da dignidade deste.

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Segundo dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, uma iniciativa do SMARTLAB1 de Trabalho Decente do MPT e da OIT, 43.428 trabalhadores já foram resgatados em situações análogas à escravidão no Brasil. Os dados apresentados pelo Observatório foram recolhidos a partir de 2003, ano de lançamento do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Mato Grosso é o líder do ranking com maior prevalência de resgates. Um total 1348 trabalhadores até o momento foram resgatados na cidade mato-grossense de Confresa, a aproximadamente 1000 quilômetros da capital, Cuiabá.

Em todos os espaços institucionais e não-institucionais – doutrina especializada, jurisprudência, sociedade, academia, meios de comunicação etc. – no qual o escravismo assume relevância, há enfrentamentos de ordem teórica que acarretam consequências práticas. Este não é um significante meramente teórico. Todo o conjunto de atuação preventivo e repressivo acerca do trabalho escravo contemporâneo, naquilo que se refere a sua ineficácia/ineficiência, pode ser iniciado a partir da falta de um entendimento maior à sua compreensão. Os casos práticos de trabalho escravo contemporâneo, tanto no meio rural quanto no urbano, possuem marcas características sempre muito aproximadas. De um modo geral, são encontradas formas semelhantes de arregimentação da mão de-obra, de execução do trabalho e da relação estabelecida para com o trabalhador. É claro que há momentos em que a sujeição do trabalhador se apresenta de modo mais intenso e contundente; e outros em que há algo de dificuldade em classificar como um caso de trabalho escravo contemporâneo. Não obstante, é possível estabelecer, a partir de dados empíricos, alguns contornos sem os quais não se estabelece (JARDIM, 2017, p. 15).

Houveram, durante os anos, no Brasil, diversos tipos e maneiras de escravização, uma vez que a escravidão existiu como uma instituição fundamental. Por esse motivo, é extremamente importante e necessário resgatar a história da escravidão para adequarmos o conceito com os tempos atuais.

A variação dos elementos que definem a escravidão no decorrer dos anos, costumam ser próprios de cada região e época em que ela aconteceu.

O que antes definia de maneira concreta o escravismo em determinada época deixa de ser uma característica absoluta ou simplesmente muda com a inclusão do trabalho escravo em outro panorama histórico.

1 As definições bem como os dados de resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão podem ser encontradas no portal do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e SmartLab: www.observatorioescravo.mpt.mp.br

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O trabalho escravo, assim entendido como uma relação social de produção econômica forçada, sempre esteve presente na história das relações das sociedades, em maior ou menor intensidade.

Para determinar se uma sociedade era escravagista depende antes da verificação da influência do trabalho escravo na produção de bens e valores do que apenas pela existência de pessoas em situação análoga à escravidão.

Uma singularidade que está presente nos vários momentos de escravismos históricos é a presença da violência como elemento para o início do processo de escravização, tanto no momento em que o trabalhador se torna escravo como na manutenção dessa situação e na renovação das práticas de trabalho escravo.

O trabalho escravo contemporâneo não poderá ser definido, segundo a OIT, pelas seguintes características:

a) qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude de leis do serviço militar obrigatório com referência a trabalhos de natureza puramente militar;

b) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas comuns de cidadãos de um país soberano,

c) qualquer trabalho ou serviço exigido de uma pessoa em decorrência de condenação judiciária, contanto que o mesmo trabalho ou serviço seja executado sob fiscalização e o controle de uma autoridade pública e que a pessoa não seja contratada por particulares, por empresas ou associações, ou posta a sua disposição;

d) qualquer trabalho ou serviço exigido em situações de emergência, ou seja, em caso de guerra ou de calamidade ou de ameaça de calamidade como incêndio, inundação, fome, tremor de terra, doenças epidêmicas ou epizoóticas, invasões de animais, insetos ou de pragas vegetais, e em qualquer circunstância, em geral, que ponha em risco a vida ou o bem-estar de toda ou parte da população;

e) pequenos serviços comunitários que, por serem executados por membros da comunidade, no seu interesse direto, podem ser, por isso, considerados como obrigações cívicas comuns de seus membros, desde que esses membros ou seus representantes diretos tenham o direito de ser consultados com referência a necessidade desses serviços (Organização Internacional do Trabalho, ONU).

A situação análoga à escravidão tem, sem sombra de dúvidas, ligação direta com a época escravagista do Brasil do período colonial até pouco antes do final do Império. Apesar da prática contemporânea não ser exatamente igual à desse tempo, resquícios de singularidades do ato de escravizar e manter o trabalhador nessas condições ainda são muito presentes na atualidade.

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O trabalho escravo, que pensávamos ter sido abolido no dia 13 de maio do ano de 1888, através da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel e da forte campanha do movimento abolicionista, representado entre outras figuras por Joaquim Nabuco; continua muito presente nos dias atuais. Muito embora o trabalho escravo contemporâneo tenha outras características, não deixou de ser uma infração às leis brasileiras e, acima disso, uma atrocidade que acreditávamos ter ficado em outrora.

Um instrumento necessário para a fiscalização e autuação de casos de trabalho escravo contemporâneo é através da atuação do Ministério Público do Trabalho. Além das diligências e resgates feitos pelo MPT, outras formas de conscientização e projetos são elaborados para a tentativa de erradicação do trabalho análogo ao de escravidão contemporânea. Como forma de punição, o órgão adota medidas que buscam não apenas reparar os danos causados à sociedade pela prática da escravidão, mas também inibe outros empregadores, como as aplicações de condenações por danos morais coletivos.

A história dos trabalhadores que vivem em condições análogas à escravidão são, em sua maioria muito semelhantes. Com dificuldades em manter a família com as roças de subsistências em razão da implantação de grandes empresas agropecuárias a partir dos anos 60, muitas famílias foram expulsas das terras onde mantinham o cultivo de plantações e animais e gradativamente, se deslocaram para periferias dos centros urbanos onde são submetidos a subempregos e sofrem dificuldades para iniciar no mercado de trabalho. A falta de escolaridade e de experiência profissional são as principais causas dessa precarização da mão de obra.

As principais formas de labor desenvolvidas pelos trabalhadores que foram encontrados em regimes de trabalho escravo estão ligadas à área rural, tanto de colheita em plantações em grandes fazendas, como é o caso de batata, cebola, milho, entre outras, quanto da limpeza do pasto para fazendas de gado. Há também o caso da plantação de eucalipto que, é transformado em papel, celulose ou carvão.

Uma questão interessante ligada ao trabalho tem relações com a noção de coletividade. O trabalho reconhecido por essas personagens é, geralmente, praticado por toda uma comunidade, e até mesmo desenvolvido por uma família inteira. Por isso, a ideia de trabalho está ligada ao coletivo. O trabalho individual é menos valorizado por eles, ou melhor, não é totalmente reconhecido como “trabalho”.

Também percebemos a relação, por parte de alguns entrevistados, como no relato acima, entre trabalho e religiosidade. Essa ideia de que o “trabalho

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enobrece o homem” ou de que “é coisa de Deus”, e que está muito presente nos discursos religiosos, é recorrente nas falas dos entrevistados. Nas respostas sobre as noções de trabalho, os entrevistados não explicaram necessariamente a concepção deles, mas qualificaram alguns tipos de trabalho. Dentre as qualificações apresentadas, apareceu uma classificação de “trabalho bom” e “trabalho ruim”, incluindo nesta última a condição de trabalho escravo como “pior trabalho”. Em geral, os trabalhadores não relacionam o trabalho na roça como um “trabalho ruim”. O esforço físico ou a falta de infraestrutura nas localidades da zona rural não são os principais fatores que o caracterizam. Por outro lado, está mais relacionado à questão do respeito e da dignidade (MOURA, 2015, p. 128).

As condições precárias de alojamento, má alimentação e péssimas condições de higiene, além do uso de violência física praticada por “seguranças” da propriedade são apontadas como características do trabalho escravo. Em meio a todas as características que confirmam a autenticidade da prática de trabalho escravo, a humilhação e submissão ainda são os principais fatores, ou os mais fortes apontados pelos trabalhadores quando se trata do reconhecimento da situação.

Geralmente, quando os trabalhadores em situação análoga à de escravos são questionados, não se identificam completamente com essa denominação. A visão de escravos “de antigamente” está completamente arraigada no imaginário desses trabalhadores, afastando então a possibilidade de estarem, de fato, vivenciando essa experiência. A relação de escravidão com correntes, algemas, punições físicas e senzalas utilizados durante a escravidão colonial, também demonstra uma forma de distinção por parte dos trabalhadores entre a escravidão antiga e a atual. Mas, é importante pontuar que as principais algemas da escravidão moderna é a chamada dívida por servidão. A dívida é uma das principais características do que atualmente se denomina trabalho escravo contemporâneo no Brasil, e é contraída pelo trabalhador com o empregador, transformando a permanência do mesmo na situação de trabalho e estendendo então a exploração.

De modo geral, os trabalhadores apontam a necessidade econômica como a causa pela qual acabam se tornando escravos contemporâneos. A vulnerabilidade dos trabalhadores se dá por falta de oportunidades dignas de trabalho, capacitação e outros fatores, o que os tornam alvos fáceis para se tornarem mãos-de-obra a serem exploradas.

Ainda assim, é muito comum, na atualidade, encontrar trabalhadores em regimes de trabalho escravo que foram para essa condição sabendo que poderiam não receber salário ou ainda serem explorados. Portanto, a ideia de que eles são enganados pelos empregadores e aliciadores sobre uma “boa oferta de trabalho” ainda pode acontecer em algumas localidades, com alguns trabalhadores, embora, em geral, eles já tenham informações sobre as condições e

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continuam voltando para a prática de atividades que escravizam por falta de outras opções e de outras oportunidades de trabalho digno.

Na realidade, a maioria dos casos de envolvimento dessas personagens na relação com esse tipo de trabalho se dá, além do trabalho digno, pela falta de conhecimento da lei. Um exemplo disso são as funções ocupadas pelos aliciadores de trabalho escravo. O envolvimento dessas pessoas se dá, muitas vezes, pela falta de noção do que estão fazendo, levando outros trabalhadores para as condições exploradoras de trabalho. É comum encontrarmos relatos de trabalhadores que já levaram familiares e amigos para a condição acima citada. Esses trabalhadores recrutam pessoas acreditando que estão ajudando, não imaginando que podem prejudicá-los.

A humilhação e o medo são fatores latentes que formam a submissão do trabalhador. A violência também é fator importante usado como forma de manter os trabalhadores a esses regimes.

Apesar de todos os abusos sofridos pelos trabalhadores, os fatores acima mencionados os impedem de denunciar as situações vivenciadas. O medo de represálias e a constante intimidação se tornam motivos para que os submetidos a tal situações, se mantenham nelas.

Lista Suja

Dentre as mais relevantes políticas públicas de combate à escravidão contemporânea, devem ser mencionadas: a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, com a finalidade coordenar a atuação fiscal móvel e potencializar o combate ao trabalho escravo; o pagamento do benefício do seguro-desemprego ao trabalhador resgatado; a celebração do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo; a criação da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo; e a promulgação da Emenda nº 81 ao texto constitucional, passando a prever a expropriação de imóveis onde for localizada a exploração do trabalho escravo.

No entanto, a mais importante política adotada pelo Estado brasileiro no sentido de combater a escravidão talvez tenha sido a implementação, em novembro de 2003, por meio da Portaria nº 1.234 do Ministério do Trabalho, de um cadastro nacional onde constam os nomes dos empregadores vinculados à prática do trabalho escravo, a chamada Lista Suja.

O nome da pessoa, seja ela física ou jurídica, será mantido no cadastro pelo período de dois anos, ficando a exclusão condicionada à regularização das condições de trabalho.

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Portaria nº 1.129/2017

A Portaria de número 1.129/2017, assinada no dia 16 de outubro do ano de 2017, divulgada no Diário Oficial da União, dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho.

Segundo a norma, para que a jornada excessiva ou a condição degradante sejam caracterizadas, é preciso haver a restrição de liberdade do trabalhador, o que contraria o artigo 149 do Código Penal, que determina que qualquer um dos quatro elementos é suficiente para caracterizar a prática de trabalho escravo.

Além disso, a Portaria diz que a divulgação da Lista Suja será feita somente por determinação expressa do ministro do Trabalho, o que antes era feito pela área técnica do ministério, ferindo assim a Lei de Acesso à Informação, fragilizando um importante instrumento de transparência dos atos governamentais que contribui significativamente para o combate ao crime.

1.2 Trabalho Escravo no Brasil e suas especificações

A abolição oficial da escravidão não significou sua redenção. Embora a Lei Áurea tenha eliminado formalmente a possibilidade jurídica de se exercer sobre o homem o direito de propriedade, ela deixou de implementar reformas sociais, principalmente fundiárias, que viabilizassem a reconstrução do País e, assim, a erradicação do problema.

Na verdade, o Brasil continuou sendo um país escravocrata, pois em suas terras permanece existindo a chamada escravidão contemporânea.

A perpetuação das condições miseráveis dos escravos recém “libertos” já delineava, desde aquela época, o perfil da escravidão contemporânea. A fragilidade das leis que regulavam as relações de trabalho, pautadas sob a fantasiosa égide da “liberdade de contratar”, impunha aos ex-escravos vulneráveis a submissão às mesmas condições de exploração, quiçá piores, do escravismo colonial. O conteúdo do contrato de trabalho sem espaço para negociações, impunha sórdidas condições, aceitas em razão da pobreza, do desemprego, da desqualificação, da fome e de outras mazelas que afligiam o trabalhador. O

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salário, insuficiente para prover suas necessidades básicas, fomentava, em grande medida, o aumento do número de casos de escravidão por dívida.

É fato que as prerrogativas das leis de trabalho começaram a ser analisadas ao observarem e analisarem mais claramente, à época, as senzalas localizadas nas fazendas do Brasil.

O paradoxo entre a exploração da mão de obra escrava e o avanço da economia agrária, que atendia o comercio exterior, era conflituosa; uma vez que os negociantes estrangeiros, principalmente a influência da pressão exercida pela Corte da Inglaterra; reclamavam sua extinção.

Assim como a figura do trabalhador foi, por muito tempo, marcada pelo duplo estigma da escravidão e do imigrante estrangeiro, também a questão social permaneceu e permanece marcada pelo estigma das questões importadas, exógenas, por uma oposição a uma sociedade que se imagina a si própria harmônica e sem conflitos (MOTA, Carlos Guilherme; CAPELATO, Maria Helena; 1981, p 289).

Com a assinatura da Lei Áurea, pelas mãos da então princesa do Brasil, Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon-Duas Sicílias e Bragança, conhecida como “A Redentora”; no dia 13 de maio de 1888, a escravidão foi legalmente abolida. A partir dessa data, ficara terminantemente proibida a posse e domínio de um homem sobre o outro e, por isso, todo e qualquer trabalho prestado por qualquer pessoa, independentemente de sua raça, deveria ser remunerado.

Embora legalmente livres, os proprietários de grandes fazendas continuaram a explorar os escravos libertos, mantendo-os em suas propriedades, trabalhando sem qualquer tipo de remuneração. Fato observado ainda nos dias atuais, com a prática da escravidão da forma como conhecemos hoje.

A escravidão é caracterizada pela sociedade em que vivemos como uma atrocidade, um desvio comportamental humano, uma prática irracional, vil e bárbara. Infelizmente, todas essas características que fazem parte da concepção humana sobre o assunto em questão, não impede que tantas outras pessoas pratiquem e passem por situações de escravidão no século em que vivemos. A submissão de pessoas a essas características de exploração atravessou os séculos e, ainda hoje, se faz presente no cotidiano e cenário atual.

Comete anacronismo quem se refere à escravidão como algo de outros tempos, ela é atual. Quando ela se tornou uma forma econômica antiquada, ressurgiu repaginada e se desenvolveu nos países de civilização capitalista.

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Os que viviam em países e tempos em que a escravidão constituía um instrumento geral ou indispensável da produção, ainda que negassem a ela fundamento natural, admitiam a sua necessidade econômica, com base jurídica no direito civil. Condenável por todos, o certo é que a escravidão atravessou os séculos e permanece nos dias de hoje (NINA, 2010. p.18).

Com respaldo em pesquisas acadêmicas devidamente embasadas em fatos históricos e, como podemos analisar na pesquisa feita em nosso trabalho de conclusão do curso, em notícias diversas publicadas em jornais e veiculadas em diversos outros veículos de informações respeitados e conceituados em circulação na atualidade; é seguro afirmar que, mesmo além da capacidade de entendimento humano e contrariando todas as leis de proteção dos trabalhadores brasileiros, a abolição da escravidão não passou de assinatura de um documento, feita à época por conveniência e que continua sendo maculada e severamente desrespeitada mesmo séculos depois.

Em 1966, foi assinada no Brasil a Convenção nº 105 da OIT, onde fora assumido o compromisso de abolir a prática de trabalho forçado em todo o território nacional. Em 1995, com o compromisso reforçado, garantiu-se os esforços necessários para a erradicação do trabalho escravo no país.

Esperava-se que a erradicação do trabalho escravo não estivesse tão distante da realidade, afinal, em 2018, ano em que se completam 130 anos da abolição oficial da escravatura no país, é perceptível o fato de que nada mudou.

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Trabalho escravo e sua retratação midiática

Buscamos representatividade e reconhecimento de nós mesmos em tudo que nos rodeia, mas, desejamos, acima de tudo, nos enxergar em uma plataforma que tenha um vasto alcance e projete nossa imagem de modo que nos sintamos, de fato, objeto de recognição e parte evidente de uma sociedade. Um dos meios de projeção de nós mesmos que atende aos quesitos anteriores é, sem dúvida, a mídia. Podemos, inclusive, sermos mais precisos. A mídia é uma grande vitrine e ao mesmo tempo o espelho que reflete a imagem de uma sociedade, de seus costumes e das características individuais que acabam por ser também características de muitos outros.

A mídia pode também tentar reproduzir situações, normas e a vivência do homem na sociedade. Ela nada mais faz que receber a projeção do meio social e retransmiti-lo para a própria sociedade, tal como um reflexo.

Neste contexto, percebemos as representações midiáticas constituídas por vários outros discursos institucionais e organizadas por uma racionalidade normativa, característica da própria mídia. Não excluímos, num primeiro momento, que as representações dos sujeitos também possam influenciar a mídia ou ainda se distanciar dela em alguns momentos, embora tenhamos o entendimento de que há discursos dominantes que possam suprimi-las, apaga-las ou, ainda, ressignificá-las (MOURA, 2015, p. 2).

Afim de se representar e representar também o meio social onde está inserida, a mídia responde a vários incentivos e estímulos externos, tais como a cultura onde está inserida, a religião, os costumes e as normas. Com base nestas informações, Moura (2016) apresenta em seu estudo uma análise do trabalhador mantido em condições análogas à escravidão à cerca da temática representada no âmbito midiático.

Durante o século XIX a humanidade vivenciou mudanças importantes como a Revolução Industrial, o surgimento de novas teorias políticas e avanços tecnológicos. O socialismo científico de Karl Marx e a publicação do livro A Origem das Espécies, de Charles Darwin, são bons exemplos do avanço que resultou na revolução da ciência e política. Essas conquistas alcançadas durante o século XIX nos campos acima citados refletiram na imprensa de uma maneira impactante. Naquele momento a liberdade e a democracia eram definidas e idealizadas como a melhor forma de se conviver em sociedade, as transformações sociais e o incentivo ao consumo fizeram com que a imprensa se tornasse, aos olhos da sociedade elitista, um negócio lucrativo.

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Diretamente ligado ao crescimento do capitalismo e das indústrias estava o avanço tecnológico dos meios de comunicação. As prensas se tornaram mais modernas e permitiram reproduções em maior escala. Os periódicos tornaram-se então uma forma de informar e pontuar as mazelas sociais. O progresso caminhava ao lado da imprensa, que evoluiu de tal maneira a ser comparada com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, através da criação do quarto poder, que seria uma imprensa poderosa capaz de influenciar a população em todos os aspectos.

Nabuco (1884) define o abolicionismo como movimento político, social e ideológico fundamentado na libertação em massa de escravos através do trabalho livre, assalariado e digno, de forma a dar a possibilidade de emancipação à raça negra escravizada. Ele retrata a escravidão como um período degradante para o Brasil, cujos efeitos negativos só poderiam ser superados ao longo de vários anos. Joaquim Nabuco e José do Patrocínio foram nomes importantes na imprensa abolicionista e fundadores da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Os jornais de José do Patrocínio não publicavam anúncios de venda e fuga de escravos. Em suas páginas, era costumeiro encontrar materiais elaborados com ideias e informações de cunho pró-abolicionista: “resumos de conferências, datas e locais de eventos destinados à obtenção de fundos para campanha abolicionista, alforrias e violências cometidas contra os escravos” (Machado, 1993: 18-19).

De acordo com Sodré (1998), por volta de 1870 com a publicação do manifesto A República surgem as primeiras matérias de cunho abolicionista e republicano no País, um dado ressaltado por Sodré é que de 1870 a 1872 surgiram no Brasil mais de 20 jornais republicanos. Essas mudanças na sociedade e na imprensa brasileira coincidem com um momento de mudanças no modo de produzir Jornalismo e na imprensa, Sodré afirma que todas as reformas que o país passava naquela época “refletiam-se na imprensa, naturalmente, e esta ampliava sua influência, ganhava nova fisionomia, progredia tecnicamente, generalizava seus efeitos”. A tentativa dos jornais da época era a de vencer a “estagnação imperial”. No entanto Sodré (1998), afirma que apesar de muito periódicos terem surgido naquela época foram poucos os que de fato sobreviveram porque a imprensa brasileira se caracterizava por ser ainda pouco noticiosa e muito ligada à literatura e a divulgação de folhetins. Nesse momento histórico, os jornalistas advinham da elite intelectual brasileira e nutriam profunda admiração pela França e consequentemente pelos ideais de liberdade e do uso da razão presentes na história francesa historicamente através do Iluminismo e da Revolução Francesa (ARTIAGA; MARINHO; DIAS, 2005, p. 4)

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Para os intelectuais da época, a defesa da liberdade na sociedade e política era o caminho para o progresso da sociedade. Já a monarquia defendia a mão-de-obra escrava, o que impedia o avanço da imprensa no país. Com isso, os jornalistas brasileiros da época se tornaram oposição ao império e ao regime escravocrata, exercendo o título de quarto poder, nutrindo a esperança de assim fazer do Brasil uma nação civilizada e moderna como eles idealizavam.

No ano de 1884, Américo de Campos e José Maria Lisboa criaram o jornal Diário Popular. O periódico se caracterizava por publicar pequenos anúncios para pequenos negócios e expressava os ideais abolicionistas que, durante a segunda metade do século XIX, juntamente com várias outras publicações, se tornaram veículo de oposição à política, conseguindo importantes vitórias baseadas em seus ideais.

Em 14 de Maio de 1888, o Diário Popular fez uma edição especial comemorando a aprovação da Lei Áurea. O conteúdo foi elaborado pelo redator responsável, Américo De Campos. Durante toda a edição datada de 14 de maio de 1888, o Diário Popular deixa clara sua posição abolicionista e de oposição ao governo imperial brasileiro.

O pensamento da imprensa ao dirigir os jornais da época, começou então a difundir a ideia de que o negro liberto continuava em posição de inferioridade. Devido à falta de oportunidades, muitos negros acabavam voltando para as fazendas nas quais exerciam anteriormente trabalho escravo em péssimas condições. Quando não retornavam às antigas fazendas, muitos deles não encontravam empregos nas cidades e se entregavam aos vícios, rebaixando sua condição de ser humano. O fato é que o cativeiro foi extinto depois da Lei Áurea, no entanto, as sequelas da escravidão continuam presentes nas desigualdades sociais presentes até os dias atuais no cotidiano do povo brasileiro.

Apesar do empenho da mídia pró-abolicionista e seu reconhecimento como parte importante na conquista da assinatura da Lei Aurea, a cultura enraizada da enganada ideia de inferioridade do povo negro acabou por deixá-los, ainda que libertos aos olhos da justiça; cativos pela cultura que jamais os deixaram em pé de igualdade com a sociedade branca brasileira.

O ano de 1870 foi marcado por ser o ponto de início de uma mudança na produção jornalística. O processo de transformação da pequena imprensa para empresa consolidou a produção jornalística, transformando-a em produção em grande escala. As despretensiosas folhas diárias, que não tinham nenhuma intenção de atingir o grande público, começam a

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serem substituídas. No lugar delas, surge a estrutura de um jornal-empresa. As folhas passam a ter um novo modelo comercial, um formato padrão, e as pautas são variadas com o intuito de atrair novos leitores.

A Gazeta de Notícias, periódico fundado em 1875 pelo médico Ferreira de Araújo, foi referência no período de reformulação. Suas características eram o preço acessivo, a venda avulsa e os textos de fácil leitura, aspecto esse que foi pensado justamente para atingir uma maior quantidade de leitores, que, na época, desejava um jornal mais moderno e de leitura fluida. Foi aí que surgiram então as manchetes, colunas de variedades, folhetins, caricaturas, folhetins ilustrações e vinhetas. Esse padrão diferenciava A Gazeta de Notícias dos outros jornais de grande nome já consolidados, como o Jornal do Comércio.

Por se tratar, como classifica Marialva Barbosa, de “um jornal barato, popular, fácil de fazer” (2010, p.27), a Gazeta chegava a ambiente como cortiços ou estalagens e era, como aponta editorial do A Notícia, leitura garantida em bondes e barcas, popularidade inédita em uma “capital de hábitos tão conservadores”. Tornou-se a mais alta tiragem do período do Império, alcançando seis mil tiragens nas primeiras edições, em uma média de doze mil no primeiro ano, até o ápice de 40 mil exemplares diários em 1895. A aceitação popular levou a Gazeta a atrair a colaboração dos literatos da época, como Olavo Bilac, Arthur Azevedo e Raul Pompeia. O próprio Machado de Assis escreveu “Bons dias e boas noites” para esse jornal. Embora nem todas as colunas fossem fixas, as crônicas e folhetins faziam com que a Gazeta fosse considerada um jornal que prezava pela difusão da literatura em meios populares. Em contrapartida, consolidava-se uma cooperação entre a alta cultura e a produção jornalística, que elevou seu status e fez com que a profissão de jornalista fosse mais bem recebida pelas elites. (CARIN; AFFONSO, 2013, p.3)

A Gazeta de Notícias era um periódico politicamente independente, por essa razão, suas publicações eram feitas com uma maior liberdade, deixando claro o posicionamento de seus redatores. O dono do jornal, por exemplo, era abertamente favorável à proclamação da República e ao movimento abolicionista, o que tornou a Gazeta de Notícias um dos jornais responsáveis pela primeira veiculação em grande escala de conteúdos antiescravagista.

O compromisso da Gazeta de Notícias em se posicionar a favor da abolição não transparecia somente nos editoriais publicados. A empresa deixava explicito seu posicionamento político e ideológico também nas matérias sobre acontecimento cotidiano. Devemos nos lembrar da utópica imprensa imparcial, razão pela qual os jornais expressavam opiniões à época. Conforme citado por Carin e Affonso (2013, p. 6), um exemplo desse fato é a publicação de uma matéria da edição 342, de 10 de dezembro de 1881, intitulada “Crime

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mysterioso”. Nela, o jornalista, não identificado, denuncia os maus tratos sofridos por uma escrava chamada Mônica, tão intensos que a fizeram ser internada em um hospital, enquanto a polícia averiguava o responsável pela agressão. Na notícia, o jornal elogia o empenho da polícia na apuração dos fatos e investigação do crime, mostrando então o devido valor da vida da “infeliz escrava”, termo por eles citado ao decorrer do texto. O tratamento dado a Mônica pelo periódico induzia o leitor a não tratar o fato como caso isolado, mas sim analisar o contexto político-social que o levou a acontecer.

Dessa forma, o jornal apresenta o interesse tanto da polícia, como do público que acompanhou o acontecimento - “De todos os peitos irrompe um coro de maldição ao auctor do crime e á barbara instituição que quasi o auctorisa.” -, apelando à emoção para que o leitor relacione esse crime ao quadro geral da escravidão no Brasil, em detrimento de encará-lo como fato isolado. Isso se dá, por exemplo, ao dizer que “Monica [...] vai pagar com a vida a falta que commetteu nascendo escrava”. Ainda assim, os redatores não abarcam a contradição presente no fato de o mesmo Estado que permite a exploração do trabalho escravo, também dê margem para que seus próprios funcionários públicos – os policiais – se encarreguem da justiça de uma escrava violentada (CARIN; AFFONSO, 2013, p. 7)

No decorrer da análise dos fatos e das matérias e demais conteúdos disponibilizados pela Gazeta de Notícias, nota-se porque o periódico foi o mais vendido de seu tempo. Não apenas pelas ideias liberais que defendia, extremamente diferente dos outros jornais daquele dado período histórico, mas também pela forma com que expunha seu posicionamento pró-abolição da escravatura, de uma maneira tão clara e incisiva. Cada publicação abordando o tema da escravidão e seus absurdos, independentemente das características visuais optadas para a elaboração do conteúdo, evidencia a defesa bem definida das ideologias dos redatores, sobretudo na resposta a oposição política feita contra a sua linha editorial. Por mais que o jornal tivesse espaços específicos para expor com mais clareza a sua opinião, procurava, em todas as suas editorias, persuadir e influenciar o pensar dos leitores para as questões escravagistas.

Com o crescimento de suas tiragens, é perceptível que a Gazeta reconhecia seu papel como uma das forças motoras do processo abolicionista ao conversar com políticos e intelectuais do Rio de Janeiro de outrora, seja por meio de elogios ou críticas, e também cedendo espaço para publicar a contestação de alguém que tenha sido mencionado e que se sentiu, de alguma forma, atacado por essa menção. Conseguimos identificar como é latente a característica independente do jornal A Gazeta de Notícias por meio de seu conteúdo,

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fazendo-se desnecessário que o periódico se apresente como tal. Por fim, é interessante observar o diferencial entre a Gazeta de Notícias e a maior parte dos jornais atuais, pautados pelo ideal inexistente de objetividade e imparcialidade, já que é impossível que um periódico não manifeste qualquer opinião que seja, ou que não induza o leitor a alguma conclusão. É muito claro que por trás da escrita de qualquer matéria de qualquer jornal, há um posicionamento político e ideológico. A Gazeta de Notícias foi, muito possivelmente, o jornal que tenha trazido em suas páginas a forma mais honesta de se construir notícia.

O trabalho escravo contemporâneo, apesar de refletir uma situação semelhante, é diferente da escravidão vivida no tempo colonial brasileiro. Ainda que não existam, de fato, grilhões no sentido mais literal da palavra prendendo trabalhadores em situações de escravidão por servidão, podemos caracterizar e apontar esta contemporaneidade no labor em condições degradantes e a prestação de serviços em troca de alimentação, abrigo e com finalidade de pagar dívidas, sendo esta última citada uma característica relevante para a identificação do trabalho escravo, já que o trabalhador torna-se “refém” do débito, fazendo então com que o mesmo seja obrigado a permanecer preso no local onde labora a fim de quitar a dívida que supostamente contraiu, diferente da escravidão já abolida, onde os trabalhadores eram necessariamente mantidos por seus intitulados donos contra a vontade e trabalhavam de forma forçada.

O trabalho análogo à escravidão no Brasil começou a ser debatido no telejornalismo entre os anos 70 e 80, mas ganhou real notoriedade a partir dos anos 90. O responsável pelo maior interesse da mídia sobre o assunto na época foi o pronunciamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que reconheceu publicamente que ainda havia trabalho escravo no Brasil e, a partir desse momento, as notícias sobre trabalho análogo ao escravo que antes eram divulgadas com certa timidez e esporadicamente começaram a ganhar força e serem transmitidas com mais regularidade. O processo de divulgação de notícias se fortaleceu ainda mais durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, no ano de 2003, quando é lançado o primeiro Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. A partir deste momento, o tema passa a fazer parte das políticas públicas do governo, gerando um interesse ainda maior dos meios de transmissão de notícias.

Diversos trabalhadores que foram submetidos ao trabalho escravo contemporâneo, durante os anos subsequentes, foram entrevistados pela grande mídia brasileira. Em sua maioria vivendo em zona rural, eles foram capturados pelas câmeras da imprensa, mostraram as condições precárias onde viviam e pelo que eram submetidos. Segundo eles, as reportagens feitas realmente conseguiram capturar a realidade em que eles se encontravam. Mais do que

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dar visibilidade, o material divulgado dava também um respaldo, uma sensação de veracidade para o acontecimento.

Comemora-se, no dia 10 de dezembro de 2018, 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Olvidemo-nos disso para, de fato lembrarmos o quão longe a luta pelos direitos humanos em geral e em particular na comunicação está longe de acabar. Os tempos são outros e diversas transformações precisam ser feitas para que se adequem no presente momento em que vivemos, como a criação e ampliação de direitos.

A comunicação moderna é inteiramente baseada em questões de direitos abstratos e, por muitas vezes, irreais, uma vez que a dita igualdade é constantemente confrontada pelas diferenças socioeconômicas, culturais e diretamente ligada a detenção de poder:

Este velho mito está na raiz da legitimidade jurídica da conquista das Américas. É o argumento desenvolvido pelo teólogo espanhol Francisco de Vitoria, o precursor do direito público internacional, o que justifica a ocupação das terras indígenas como direitos naturais que são os jus communicationis e o jus commercii. A liberdade de circular, de vir e ir por toda a superfície do planeta, de pregar, de disseminar idéias (evangelizar, entre outras) e de comércio é uma herança comum da humanidade. É essa imagem abstrata que permite que a posição escolástica passe a idéia de que um intercâmbio realizado em condições tão escandalosamente desiguais seja um intercâmbio natural, equilibrado e recíproco. Em última análise: dois pesos, duas medidas. Bugigangas em troca de ouro e pedras preciosas. A partir daí surge uma longa história de mal-entendidos. (MATTELART, 2009, p. 3)

Ao longo dos anos a definição, a interpretação e aplicação prática do direito de comunicar seus pensamentos e opiniões sempre foram motivos de discussões infindáveis. A realidade das relações de classe, de gênero, de raça ou de etnia criou uma maneira garantir o consenso, que acabou por tornar legítimas as vontades, interesses e visão de mundo de uma classe em particular como sendo as únicas possíveis. O mito da liberdade de expressão consistiu em uma tentativa de parar de uma vez por todas a definição do direito humano, como se a liberdade de imprensa e de expressão não fossem influenciadas pela evolução dos questionamentos da sociedade sobre o funcionamento da democracia e do desenvolvimento de tecnologias para a produção e divulgação de informações. Cada avanço na velocidade das tecnologias de expressão cria diversas desigualdades nos meios técnicos da comunicação. Em decorrência disso, foram constituídos os “monopólios do conhecimento”, que podem ser definidos como o instrumento para a dominação política. Assim, foi traçado uma espécie de espaço no qual é possível discutir o conteúdo da liberdade de expressão. Essa distorção é o

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que, na década de 1950, o geógrafo e historiador de economia canadense Harold Innis2 chamou de “bias of communication” ou “tendências da comunicação”. Innis criou uma regra constituída pelas diferentes formas de comunicação que eram feitas pelos impérios.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, afirma em seu artigo 19: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

Desde o início, o direito à comunicação é apresentado como um ideal, mas é notório o fato de que não há possibilidade de um direito à comunicação sem políticas públicas e de cultura, pois estas vertentes estão interligadas. A influência de todos esses fatores ou a falta deles impedem de termos realmente a liberdade de informação que esteja diretamente relacionada com os direitos humanos.

O questionamento sobre a relação dos produtores de informação e de conhecimento com a sociedade leva, necessariamente, ao resgate de novas abordagens para a democratização da Comunicação no contexto dos desafios que um verdadeiro compartilhamento de conhecimento representa para a democracia. É nesse sentido que é possível afirmar que as lutas pela apropriação coletiva das “questões midiáticas” ocuparam lugares privilegiados de observação. Pode-se dimensionar que caminhos ainda nos restam a percorrer para que seja possível o estabelecimento efetivo de uma sociedade do conhecimento, que não aquela prometida nas duas últimas décadas pela miragem tecno-determinista da conectividade generalizada. O que nos ensina a luta pela democratização da Comunicação é que não pode haver uma sociedade do conhecimento diversificado sem um questionamento das relações entre saber e poder, e, portanto, do status a ser ocupado por todos os produtores de conhecimento. O maior desafio consiste em conceber novas alianças, um novo contrato social entre essas categorias intelectuais e os novos atores sócio-políticos. (Mattelart, 2009, p. 16)

Apenas as ciências que divergem do pensamento da elite e das prepotências acadêmicas e que evitam serem influenciadas pelo populismo podem servir como um caminho oposto ao de uma sociedade global da informação conduzida pelos detentores de poderes e seus pensamentos e imposições. Esse mito somente renova a prática que sempre foi aplicada, de levar as informações e os conhecimentos a partir dos que sabem para aqueles que, como eles acreditam, não sabem nada.

2 O trabalho de Harold Innis a respeito das aldeias globais também é um referencial para os estudos de transmissão de conteúdos partido de um grupo específico e homogeneização de culturas decorrente desse fator.

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Esse questionamento é necessário para que possamos construir uma democracia com mais consciência social na criação de um modo de comunicar e transmitir informações de uma maneira mais justa e equilibrada.

2.1 O papel do jornal na história

A Pesquisa Brasileira de Mídia, encomendada pela Secretaria de Comunicação da Presidência ao Ibope, apontou que os jornais impressos estão na liderança de confiança dos brasileiros como meio de comunicação. O percentual dos entrevistados que disseram que confiam sempre ou muitas vezes nas notícias publicadas em jornais é de 59%. Rádio e televisão têm 57% e 54%, respectivamente. Os dados, divulgados no mês de agosto do ano de 2016, foram colhidos através de entrevistas feitas com aproximadamente 15.050 pessoas em todo o Brasil.

O primeiro jornal publicado no Brasil, denominado a Gazeta, começou a circular em 10 de setembro de 1808, no Rio de Janeiro. Embora a imprensa já tivesse nascido oficialmente no Brasil em 13 de maio, com a criação da Imprensa Régia, seu início foi marcado pela primeira edição do periódico.

Duzentos anos após a Gazeta do Rio de Janeiro ter seu primeiro exemplar reproduzido no papel, o jornal continua sendo principal fonte de informação para quem busca a verdade dos acontecimentos experienciados pela sociedade em que pertencemos.

Inicialmente, mais precisamente no ano de 1808 os jornais eram a principal e, mais audaciosamente dizendo, única forma de obtenção de notícias provenientes de um crivo de pesquisa de veracidade e verificação de fatos. Os jornalistas, responsáveis por escrever notícias longas e maçantes em um periódico que se assemelhava muito com um pequeno livro; eram figuras ilustres e respeitáveis em uma época na qual somente as informações provenientes desses impressos eram realmente fatos concretos. De acordo com a percepção dos leitores, se estava publicado no jornal, com certeza era informação verdadeira e confiável, fato que pode ser explicado pelo livro “A História da Imprensa no Brasil”, de autoria de Nelson Werneck Sodré.

No dia 7 de setembro do ano de 1922, o rádio fez sua primeira transmissão. Trazida pelo pai da radiodifusão, Roquette Pinto, as ondas sonoras pouco a pouco começaram a emitir notícias. Inicialmente elas eram lidas pelos locutores que apenas transmitiam os dizeres publicados, já há muitos anos, nas grandes folhas de impressão preta e branca dos periódicos

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de grande circulação nacional. Exatos 28 anos e onze dias depois da primeira transmissão radiofônica, também no mês de setembro, a televisão chega, um tanto quanto tímida, para sua estreia como um novo meio de comunicação no Brasil. Depois dela, em 1988, é a vez da internet. Apesar da expansão dos meios de comunicação e fontes de informações que surgiram ao longo de todos esses anos, ainda hoje, em 2018, o pioneiro nesta função, o jornal impresso, é eleito o mais confiável.

Foram muitos os impressos brasileiros, alguns deles sobreviveram a remodelações e, podemos afirmar que, se tornaram independentes de seus criadores, como exemplo do jornal Última Hora:

Com outros donos, a UH sobreviveu a seu criador. A partir de 1971 passaria de mão em mão, de picareta a picareta, até findar-se de vez em 1991, quando, acumulando uma dívida de 450 milhões de cruzeiros, teve a falência decretada (MEDEIROS, A Rotativa Parou!, 2009).

Apesar da história de sucesso e falência dos diversos periódicos existentes, a rotatividade não alterou a percepção da sociedade em tê-lo como um veículo de pesquisa, uma vez que diversos outros trabalhos acadêmicos e teses foram escritas a partir da análise desse meio de comunicação. Uma prova concreta dessa informação é a confiança nos periódicos depositada até os dias atuais.

2.2 O Jornal Folha de São Paulo

A empresa “Folha” foi fundada no ano de 1921, pelos então sócios: Olival Costa, Pedro Cunha, Léo Vaz, Mariano Costa e Artêmio Figueiredo. À época, Olival e Pedro Cunha dividiam a liderança desse primeiro grupo, responsável pela direção.

Olívio Olavo de Olival Costa participou não só da criação da Folha da Noite (1921), como da Folha da Manhã (1925), chegando em 1930 a dirigir sozinho os dois jornais. Esteve na direção da empresa, que fundou, até 1931, um ano antes de sua morte, ocorrida a 13 de dezembro de 1932, aos 65 anos de idade.

A vida de Olival Costa, um autodidata, ilustra com nitidez o sentido inicial da empresa que ajudara a montar. Sua personalidade marcante bem como a concepção de jornalismo, de política e de cultura definiram o perfil do novo periódico, nesse fim da primeira república. (MOTA; CAPELATO, 1981, p13).

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No ano de 1925, Costa e Cunha se tornaram os únicos sócios da empresa e, no mês de junho de 1925, decidiram fundar mais um periódico. Folha da Noite e Folha da Tarde já circulavam pelas ruas da cidade de São Paulo quando foi dado o início das distribuições do periódico denominado Folha da Manhã.

Olival Costa tinha um conceito muito bem definido e claro de como deveria ser um jornal. Em sua concepção, ele deveria, acima de tudo, ser informativo.

Um jornal não é uma poliantéia. Quem quer literatura busca-a nos livros. A função do jornal é informar. Mas informar não é apenas noticiar: é, a um tempo, selecionar e orientar. No esforço de selecionar se acha subentendida a obrigação de criticar (PATI, Francisco, apud MOTA; CAPELATO, 1981, p15).

No ano de 1930, o caráter da “Folha”, definido desde sua fundação, sofrera consideráveis alterações. Os princípios por ele defendidos deram lugar a outros. Definidamente reformista, a empresa passou a assumir uma posição contrária ao movimento, tornando-se a favor das causas das oligarquias paulistanas. A ação fez parte da chamada “Revolução dos 30”.

São Paulo foi a grande preocupação jornalística de Olival Costa. Doía-lhe ver o descaminho por onde se arrastavam os nossos costumes políticos. Suas simpatias se voltaram sempre, nas horas de inquietação e tumulto, para o lado dos que nos prometiam melhores dias, mas em chegado a campanha da “Aliança Liberal” tendo à frente, em Minas Gerais, o sr. Antônio Carlos e o sr. Getúlio Vargas no Rio Grande do Sul, teve, a bem dizer, uma visão profética dos fatos. No fundo daquele namoro da “Aliança liberal” com a opinião pública paulista, viu claro a hostilidade de um grupo de políticos de outros Estados contra a posição, a importância e o prestígio de São Paulo na República.

Ficou, então, ao lado de São Paulo, contra a aliança de mineiros, paraibanos e gaúchos (PATI, Francisco, apud MOTA; CAPELATO, 1981, p. 20).

Ao analisarmos, é bastante perceptível que, nesse período inicial, a “Folha” buscou ser a ligação entre o “povo”, na concepção de Olival, e o governo. As edições dos periódicos focavam em temas urbanos e de agrado dos populares.

É possível afirmar por subsequência que as publicações feitas nos periódicos pertencentes à empresa “Folha”, nessa época, expunham com nitidez o posicionamento e o perfil do jornal de São Paulo, uma vez que nele se aglutinavam os temas de maior interesse ao povo.

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