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Juventudes e trabalho : o discurso dos jovens sobre educação profissional no ensino médio

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Academic year: 2021

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Gislaine Angeli

JUVENTUDES E TRABALHO: O DISCURSO DOS JOVENS SOBRE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO ENSINO MÉDIO

Porto Alegre 2019

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Gislaine Angeli

JUVENTUDES E TRABALHO: O DISCURSO DOS JOVENS SOBRE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO ENSINO MÉDIO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Jorge Alberto Rosa Ribeiro

Linha de Pesquisa: Trabalho, Movimentos Sociais e Educação.

Porto Alegre 2019

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Gislaine Angeli

JUVENTUDES E TRABALHO: O DISCURSO DOS JOVENS SOBRE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO ENSINO MÉDIO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovada em 12 dez. 2019

___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Jorge Alberto Rosa Ribeiro – Orientador.

___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Leandro Rogério Pinheiro – UFRGS

___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Ingrid Wink – UFRB

___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Gabriel Grabowski – FEEVALE

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Dedico esta dissertação aos meus pais João e Adi e às minhas irmãs Carilaine e Grasielly. São as pessoas em quem mais confio no mundo e onde encontro abrigo nos momentos de incertezas. Obrigada por serem quem são.

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Agradecimentos

Quero iniciar os meus agradecimentos à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ao seu Programa de Pós-Graduação em Educação, que me acolheu ao longo do meu percurso na pós-graduação. Só tenho a agradecer aos professores e colegas dessa instituição que engrandecem a pesquisa do nosso país num ambiente de troca de saberes mostrando a grandeza dessa faculdade em agregar diferentes conhecimentos em prol do desenvolvimento da educação. Fiquei admirada com as diferentes pesquisas e, dentro desse ambiente de troca, consegui ver muito além do que imaginava ser possível desenvolver e criar em uma pesquisa acadêmica, indo além do mero protocolo de uma produção escrita formal.

Um agradecimento mais que especial ao meu querido orientador Prof. Dr. Jorge Alberto Rosa Ribeiro, que desde o nosso primeiro encontro, lá em 2017, mostrou-se uma pessoa muito carinhosa e atenciosa. Todo o auxílio dado entre as disciplinas metodológicas e orientações nesse tempo de estudo foi primordial para o desenvolvimento desta pesquisa.

Também agradeço aos jovens que participaram deste estudo por meio dos grupos focais. Tenho um carinho imenso por eles como sua professora de história. A ideia e o desenvolvimento desta pesquisa jamais seriam possíveis sem o seu auxílio. Além deles, lembro aqui todos os jovens com os quais já tive o imenso prazer de trabalhar desde 2009, quando era estagiária em um projeto social e, hoje, como professora de história. Sou uma pessoa realizada com o meu trabalho e tenho muito orgulho da minha escolha profissional, e isso também agradeço a eles.

E, por fim, gostaria de agradecer a todas as pessoas que me apoiaram ao longo desses dois anos: equipe diretiva da escola onde trabalho, os colegas professores, amigos e familiares. Somo seres sociáveis e precisamos uns dos outros para que nossas conquistas sejam possíveis. A todos vocês, meus sinceros agradecimentos.

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Somos humanos ou máquinas? Animais ou máquinas? Somos humanos ou máquinas? Não me enferruja a chuvaiaiá Francisco, El Hombre

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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo analisar a partir dos discursos dos jovens estudantes de ensino médio, cuja escola contempla a educação profissional nessa etapa de ensino, os seus entendimentos sobre as metodologias e os discursos elaborados pela instituição de aprendizagem profissional em relação ao seu presente e futuro. A instituição escolar utilizada neste estudo apresenta algumas características que vão ao encontro das mudanças previstas pela reforma do ensino médio (atual BNCC), a saber: turno integral, maior carga horária para os componentes de português e matemática e, também, a integração da educação profissional como um itinerário de formação. É uma escola que conversa com os interesses do empresariado na formação do jovem trabalhador, que utiliza dados de programas como Todos pela Educação e PISA para justificar sua estrutura e ações junto aos adolescentes. Nessa instituição, estudam os jovens participantes deste estudo, quase todos filhos de trabalhadores da indústria do município de Gravataí e região, em sua maioria provenientes de escolas públicas. Eles não necessariamente desejam ingressar em uma carreira nas áreas de foco de formação da escola, criando alguns conflitos nas relações escolares. Na busca de entender o que esses jovens pensam sobre a sua formação e sobre as mudanças em percurso para o ensino nacional, esta pesquisa utiliza da análise de discurso e de grupos focais. Para a análise de discursos, tal técnica de pesquisa, é a melhor forma de perceber os posicionamentos da juventude, respeitando a sua identidade como sujeito histórico e entendendo que, como sujeitos de um tempo, estão implicados em posições ideológicas e sociais presentes nas relações cotidianas e na assimilação dessas, percebendo o discurso como uma representação dos sentidos. A partir dos grupos focais analisados, pôde-se confirmar a hipótese elaborada sobre a formação profissional: limitar-se à condição de formação do jovem trabalhador para moldagem e postura na inserção do mercado de trabalho sem relação com as suas vivências atuais ou futuras, limitando a visão do trabalho ao comportamento numa lógica econômica. Em síntese, pode-se afirmar que as reflexões teóricas apresentadas ao longo desta pesquisa vão ao encontro das falas dos jovens e representam um contraponto às mudanças que estão sendo desenhadas para o ensino médio.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze, through the discourses of young high school students, whose school contemplates professional education in this stage of education, their understandings about the methodologies and insights elaborated by the professional learning institution in relation to their present and future. By analyzing the organizational structure of the school used in this study, it is possible to identify some characteristics that meet the changes expected by the secondary education reform (current BNCC), namely: full-time program, more hours assigned for Portuguese and Mathematics and the integration of professional education as a training journey. The school, whose interests are aligned with the business community in the formation of young workers, uses data from programs such as Todos pela Educação and PISA to justify its structure and actions with adolescents. The young people heard in this research are students from this institution, almost all of them children of industry workers from the city of Gravataí and region, mostly from public schools. They do not necessarily want to start a career in the focus areas provided by the school, creating some conflicts in the school relations. In order to understand what these young people think about their education and the ongoing changes to the national education, this research uses the discourse analysis and focus groups. For discourse analysis, this methodology is the best way of perceiving the teenagers’ thoughts, respecting their identity as historical subject and understanding that, as subjects of a particular time, they are implicated in ideological and social positions present in their day-to-day relationships and their assimilation, perceiving the discourse as a representation of the senses. From the analyzed focus groups, it was possible to confirm the hypothesis elaborated about the professional education: that it is limited to the condition of education of the young worker with the goal of molding their behavior for entering the labor market, without relation to their current or future personal experiences, and limiting their work view to a purely economic logic. In summary, it can be stated that the theoretical reflections presented throughout this study meet the young students discourse and oppose the changes designed to the secondary education.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 1 - Roteiro de discussão. ... 58 Tabela 2 - Roteiro com os significados elaborados pelos jovens. ... 76

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BNCC – Base Nacional Comum Curricular

CNE - Conselho Nacional de Educação CNI – Conselho Nacional da Indústria

CONAE - Conferência Nacional de Educação DCNs – Diretrizes Curriculares Nacionais EPI - Equipamento de Proteção Individual FACED – Faculdade de Educação

FAPA - Faculdades Porto-alegrense FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

FURG – Universidade Federal do Rio Grande

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação

MP – Medida Provisória

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico PEC - Proposta de Emenda Constitucional

PIB – Produto Interno Bruto

PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua PNE - Plano Nacional de Educação

RS – Rio Grande do Sul

UBES – União Nacional dos Estudantes UFPR – Universidade Federal do Paraná UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: SOMOS HUMANOS OU MÁQUINAS? ... 12

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA ... 20

1.2 OBJETIVO GERAL ... 20

1.2.1 Objetivos Específicos ... 20

1.2.2 Reflexões Iniciais: ... 21

2 O JOVEM BRASILEIRO ... 23

2.1 O JOVEM BRASILEIRO NA SUA PLURALIDADE ... 26

2.2 O JOVEM BRASILEIRO, O TRABALHO E AS FINALIDADES DA ESCOLA ... 31

3 AS REFORMAS INSTITUCIONAIS ... 37

3.1 A REFORMA DO ENSINO MÉDIO ... 39

3.2 ORGANIZAÇÃO ESCOLAR: PARA QUEM SERVE ESSA FORMAÇÃO DAS JUVENTUDES? ... 42

3.3 OS SECUNDARISTAS E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO ... 49

4 COM A PALAVRA, OS JOVENS ... 54

5 O JOVEM NO BRASIL É LEVADO A SÉRIO? ... 80

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 86

REFERÊNCIAS ... 89

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: SOMOS HUMANOS OU MÁQUINAS?

Sempre acreditei que existe relação entre as escolhas que fazemos na vida e o meio em que nascemos e convivemos. O nosso olhar sobre o outro sempre vem acompanhado da nossa construção histórica, pois a nossa identidade está intimamente atrelada à nossa memória. Muitas das minhas vivências e experiências, acadêmicas e profissionais, vão ao encontro da linha de pesquisa “Trabalho, Movimentos Sociais e Educação”, com foco na formação profissional de jovens, principalmente os de baixa renda.

Nasci em Gravataí, em um bairro de classe média baixa. Meu pai e minha mãe foram um dos primeiros moradores de nossa rua e sempre trabalharam para conquistar as suas coisas. Quando minhas irmãs e eu nascemos, minha mãe optou por cuidar de nós em casa, sem condições de nos manter em alguma creche. Sempre estudamos em escolas públicas e convivemos com crianças em situações sociais bem heterogêneas, com problemas como pobreza extrema, violência doméstica, gravidez precoce e drogas. Ainda hoje tomo conhecimento de colegas do tempo de escola que estão na prostituição ou presos por tráfico. Naquela época, por ser criança e por não ter consciência da nossa condição, não via a dimensão dos problemas sociais enfrentados pelos colegas de escola e também sofria alguns preconceitos e limitações devido à condição social, fato que pude visualizar melhor já adulta.

No ensino fundamental, tive um professor que abriu meus horizontes para as ciências humanas. Ele era professor de História, e suas aulas eram muito teatrais e envolventes. Ele apresentou o mundo de Zezão, o operário brasileiro, e explicou como eram feitas as dívidas dos países com o FMI com um simples empréstimo de galinhas entre vizinhos. A forma como ele despertava o nosso gosto pelo conhecimento é algo que ainda hoje levo comigo. Tenho convicção de que muitas das minhas escolhas partem do período em que estive nessa escola, convivendo com esses colegas e a sua grande diversidade de problemas sociais, além das maravilhosas aulas de História.

As minhas aulas no ensino médio foram diferentes daquelas do ensino fundamental. Troquei uma escola municipal por uma estadual e parecia que aquele mundo que me havia sido apresentado na infância, dos problemas sociais e políticos, não havia passado por conhecimento dos meus novos colegas, que se mostravam distantes e desinteressados dos assuntos das ciências humanas.

Nessa época, as dúvidas sobre que profissão seguir começam a tomar forma. A minha condição social fazia com que meus pais, da forma como foram ensinados, direcionassem seus conselhos para outros caminhos distantes dos que me interessavam.

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Foram mencionadas várias sugestões que incluíam cursos técnicos ou profissionalizantes para um suporte econômico e depois, finalmente, pensar em algo mais contemplativo. Como dizia meu pai: “Tu é muito revolucionária para a tua condição financeira”. Meus interesses eram entendidos como utópicos, pois a necessidade econômica deveria vir em primeiro lugar. Sabia que queria mostrar e desvendar a construção das formas e dos preconceitos da sociedade e, a partir disso, dar conta da nossa importância como seres humanos que vivem em sociedade e que nela têm um papel histórico de transformação. Contrariando as expectativas dos meus pais, escolhi o caminho que me envolvesse com o desenvolvimento crítico da sociedade: ser professora de História.

Ao longo da faculdade, entre cadeiras educacionais e específicas de História, entre monografias, artigos e resenhas, o foco no social e nos excluídos da sociedade sempre foi de meu interesse. Entrar em sala de aula ou em projetos sociais era uma necessidade para comprovar toda aquela teoria que a cada dia me deixava mais envolvida com a educação.

Em 2008, consegui meu primeiro estágio1 na área de Educação e História, no Memorial do Rio Grande do Sul e, em 2009, comecei outro estágio2, que fez toda a diferença na minha formação e vivência na relação entre educação e trabalho. Foi no Sistema S, para trabalhar como auxiliar pedagógico na disciplina de Atividades Culturais do programa Novos Horizontes. Esse programa tinha como foco a profissionalização e sociabilização de jovens em condições de vulnerabilidade social ligados ao Jovem Aprendiz3.

Fui efetivada em 2011 como funcionária dessa mesma instituição no cargo de auxiliar de biblioteca. Naquela época, distanciei-me da sala de aula, porém uma das minhas responsabilidades nessa função era organizar os projetos “Centro Cultural” e “Educação Continuada”, ambos com objetivo de incentivar a leitura para o trabalhador da indústria e da comunidade. Entre as atividades de educação continuada, houve apresentações em diferentes canteiros de obras. Por mais gratificante que seja o trabalho de ir a esses locais para dar incentivo à cultura e ao lazer, não pude deixar de notar a precariedade das condições expostas aos trabalhadores, que não tinham nem condições de fazer a própria higiene devido aos pequenos espaços destinados para isso em contraste ao grande número de funcionários.

1

Estágio supervisionado desenvolvido no período de vínculo ao ensino superior em licenciatura plena em História na FAPA com a Secretaria da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul.

2 Estágio supervisionado desenvolvido no período de vínculo ao ensino superior em licenciatura plena em

História na FAPA com o Sistema S.

3

O programa jovem aprendiz foi criado pelo governo federal a partir da Lei nº 10.097/00 com o objetivo de que as empresas do país desenvolvessem programas de aprendizagem promovendo a capacitação profissional de adolescentes e jovens no Brasil.

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Ao longo do tempo e considerando a experiência adquirida até então, cada vez mais a educação se mostrava como o caminho no qual eu conseguiria realização profissional e pessoal. Desse modo, em 2012, ingressei em minha primeira pós-graduação na FACED/UFRGS em Ensino da Geografia e da História: saberes contemporâneos.

Em 2013, surgiu a oportunidade de novamente trabalhar com o programa Novos Horizontes como monitora de projetos educacionais, assumindo o cargo de educadora no projeto, e voltei à sala de aula. Muito aprendi com os jovens, já formada e com mais experiência. Muito me inquietava a forma como esse aprendizado para a formação profissional era feita, como um mal necessário que poderia mudar suas vidas, uma salvação. Apesar de serem da mesma federação, as instituições envolvidas no projeto têm linhas de pensamento e de método de aprendizagem diferentes. Dentro das concepções de ensino que me foram ensinadas, a forma como a escola de formação profissional tratava os alunos me angustiava. Muitos diziam que era disso que os jovens precisavam: pulso firme e um ofício, indo totalmente contra o que eu acreditava como educadora.

Outra coisa que me inquietava era a precária educação básica desses alunos, em sua grande maioria alunos do ensino médio público da cidade de Porto Alegre. As deficiências em leitura, escrita e raciocínio lógico eram gritantes e, muitas vezes, dificultavam a sua formação profissional. Convivi com esses jovens ao longo de três anos. Apesar de sua condição social, da sua precária formação básica e dessa visão pessimista da sociedade que os visava como problema social, via que muitos desses alunos tinham sonhos, limitados à salvação do curso profissional, sem outra perspectiva de mudança. Tenho muito carinho por esses jovens e sempre penso no rumo que suas vidas tomaram e se consegui ajudá-los de alguma forma em sua caminhada.

No ano de 2016, o programa Novos Horizontes foi encerrado, e fui selecionada para a vaga de professora de História em uma das escolas de ensino médio da instituição, onde atuo até hoje. A escola é de turno integral, com o currículo básico do ensino médio atrelado à educação profissional nos dois últimos anos da etapa. A escola trabalha com foco em competências e habilidades, e os alunos realizam atividades de projetos visando à formação acadêmica e de pesquisa. A organização da escola se assemelha às mudanças propostas pela reforma do ensino médio através da reformulação da Base Nacional Comum Curricular, feita pelo governo interino de Michel Temer e continuado no governo Bolsonaro.

Na vivência com os alunos nessa realidade muito semelhante com a que será projetada para o ensino nacional, nasce a ideia desta pesquisa. Com um olhar direcionado ao jovem estudante do ensino médio e à sua vivência em uma escola integrada à educação profissional,

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a ideia é buscar nas expectativas de vida, presentes e futuras desses jovens, seus entendimentos sobre a função e as aprendizagens realizadas dos cursos com foco em educação profissional, como eles direcionam para o mundo do trabalho e qual a sua avaliação quanto às mudanças pensadas pelo governo federal para o ensino médio.

O foco de estudo desta dissertação são jovens estudantes do ensino médio e a sua vivência em uma escola integrada à educação profissional, muito próxima aos moldes propostos nas mudanças realizadas a partir da reforma do ensino médio indicada em medida provisória pelo governo federal. Esses jovens têm entre 15 e 17 anos, são alunos frequentes da escola escolhida para a pesquisa e são, em sua grande maioria, moradores da cidade de Gravataí/RS. Em sua configuração, a escola realiza essa etapa da educação básica em conjunto à educação profissional com o curso básico de Elétrica de Manutenção com foco em automação, realizado em uma escola de formação profissional. A instituição em questão não autorizou a divulgação do seu nome na pesquisa e é apresentada ao longo do texto pelos nomes “escola do Sistema S”, para a formação básica, e “escola de educação profissional”, para a instituição de educação profissional na qual os alunos realizam a educação básica profissional.

Explorando as finalidades do ensino médio e da educação profissional, cabe ressaltar que no Brasil essa modalidade de ensino sempre esteve relacionada a uma visão dual de formação para a população. Nosso país foi construído através da diferença entre a formação da elite e a formação para a população em geral, estando esta abarcada pela visão da educação profissional focada na preparação de um ofício específico. Há uma grande discussão em torno das finalidades da formação profissional e o seu potencial papel emancipador frente às demandas do público que busca nessa modalidade melhorias nos seus padrões de vida, algo que exige políticas públicas efetivas dada a complexidade da tarefa de distanciar a visão produtivista da etapa para uma função social de formação integral dos jovens.

Nessa perspectiva, tem-se a criação através da Lei nº 11.892/2008 dos Institutos Federais de Educação - IFS a fim de dar conta da formação integrada profissional com o ensino médio, fazendo frente a outras instituições privadas do país que apresentam outro caráter de formação (COSTA; COUTINHO, 2018). Apesar de as mudanças pensadas pelos IFS para a integração e melhoria da qualidade do ensino médio atrelado ao ensino profissional serem positivas, essa experiência não está sendo utilizada pelo governo federal nas mudanças em percurso para o ensino médio, mantendo essa visão dual da escola e da finalidade da educação profissional apenas para o mero exercer de um ofício.

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As instituições analisadas têm uma visão contrária à visão emancipatória do ensino integral fomentada pelos IFS. Elas surgem na década de 1940 no Brasil em dois momentos: a escola de educação profissional é criada em 1942, durante o Estado Novo sob regime de Getúlio Vargas, e a escola do Sistema S, em 1946, com o país sob comando de Eurico Gaspar Dutra. Numa sociedade predominantemente agrária e hierárquica que ainda vivia com fortes resquícios da escravidão, que recentemente havia sido abolida, temos a formação desses dois órgãos com características bem específicas dentro de um contexto em que o Estado geralmente era o responsável pelas demandas de organização e controle dos trabalhadores. E, diferente disso, as entidades são criadas pelo Estado com financiamento do aparato industrial e mantidas por associações industriais, ou seja, por lideranças industriais influenciadas por ideias estrangeiras com foco em estratégias de reorganização do trabalhado e da própria vida cotidiana do trabalhador, a fim de aumentar a eficiência e a produção utilizando princípios científicos. Recusando os métodos adquiridos na prática e na tradição com foco na formação especializada, essas entidades têm a tarefa de organizar novas estruturas com programas e doutrinas adequados à visão de uma parcela dos empresários (WEINSTEIN, 2000).

A criação das entidades tinha como propósito a racionalização, como já explanado anteriormente. Porém, num primeiro momento, elas se colocam a suprir situações de “emergência”, vistas como primordiais naquele momento no país. No caso da escola de educação profissional, a urgência devia-se à falta crescente de operários especializados, causada pelo aumento da produção industrial e pela redução de imigração no período da Segunda Guerra Mundial. No caso da escola do Sistema S, foi a mobilização do operariado no pós-guerra, causada, em parte, pelo problema de acesso a itens básicos de sobrevivência. Portanto, a primeira tarefa das duas organizações seria fazer frente a esses problemas e, posteriormente, implementar os programas que demonstrassem melhor as orientações ideológicas e programáticas de seus fundadores (WEINSTEIN, 2000).

A principal missão da escola de educação profissional, na sua configuração, era formar jovens aprendizes para o trabalho na indústria (caso que ocorre até hoje na entidade). A formação de jovens operários oferecida dividia-se em duas categorias:

Os estudantes dos CAOs trabalhavam meio período na indústria e estudavam meio período no [escola de educação profissional]. O curso, aberto a alunos de catorze a dezoito anos com pelo menos quatro anos de escolaridade, em geral tinha três anos de duração e proporcionava uma formação que o [escola de educação profissional] considerava especializada. Os efêmeros CTMs, em contrapartida, não visavam à formação de operários especializados, oferecendo apenas formação “cultural e técnica em geral”. (WEINSTEIN, 2000, p. 139).

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Além da formação em especializações em algumas áreas primordiais como metal, madeira e eletricidade, a entidade tinha uma elevada preocupação com a adequada socialização dos aprendizes. Por isso, desde os primeiros tempos, os idealizadores da escola de educação profissional acreditavam que era primordial para a entidade oferecer mais do que meras habilidades técnicas. A ideia e o diferencial seriam a formação de operários que, além das competências manuais para a execução do trabalho, teriam presentes em seus cursos valores morais, o que destoava de outras entidades de formação. Conforme Weinstein (2000, p. 144), “a equipe do [escola de educação profissional] não apenas considerava que os alunos tinham uma educação formal deficiente e baixo padrão de vida, mas também conclui que eles tinham padrões morais deficientes, maus hábitos de trabalho e pouca ‘cultura’”. Nesse sentido, a formação dos aprendizes precisava não apenas ser técnica, mas também se aproximar da imagem que a escola de educação profissional tinha do bom operário, com intervenções nas questões físicas, psicológicas e nas relações com a família.

A instituição da escola do sistema S, fundada alguns anos depois, por outro lado, tinha foco em outro desafio no contexto da época, o movimento operário e a sua crescente mobilização. Os primórdios da Guerra Fria e o ressurgimento do partido comunista, além de greves e manifestações por parte dos operários diante dos problemas de escassez sofridos pela população, representavam uma ameaça à paz social e influenciaram a fundação e as primeiras ações do sistema enquanto entidade.

Ao contrário da escola de educação profissional, que tentava manter uma neutralidade e foco na formação do novo operário, a instituição do Sistema S pretendia, ao desenvolver seu trabalho mediante as demandas necessárias no combate às carências, que fosse divulgada uma doutrina social de ordem no país no período pós-guerra. Como proferido no discurso de inauguração do Sistema S/São Paulo: “O [escola do sistema S], sem dúvida, corresponderá a esse objetivo. Será um instrumento por excelência de vulgarização da cultura, de popularização dos valores culturais nos meios proletários” (WEINSTEIN, 2000, p. 162), isso dentro de um pensamento de criar uma cultura verdadeiramente nacional combatendo a falta de moral e cultura percebidas na classe operária.

A instituição costumava afirmar que seus serviços contribuíram, de forma indireta, para o aumento dos salários dos operários, pelo fato de aumentar seu acesso a serviços básicos. Os postos do sistema contavam com rede de abastecimento de alimentos, cozinhas com alimentação a baixo custo, consultórios médicos, cursos de alfabetização, entre outros serviços a fim de diminuir as carências do operariado. Além disso, contava com dezenas de assistentes sociais que tinham como objetivo fazer a divulgação dos benefícios da entidade

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para indústrias e seus trabalhadores e, sempre que possível, transmitir a doutrina de paz social dentro das empresas (WEINSTEIN, 2000).

A criação dessas entidades oportunizou às lideranças industriais a propriedade de estabelecer programas e atividades visando à racionalização do ambiente industrial, tanto dentro quanto fora da fábrica. Porém, a adesão aos órgãos não foi realizada e incorporada pelos donos das indústrias de forma coesa. Até hoje visualizamos que, ao longo dos anos, a formação e manutenção das entidades ainda sofrem com altos e baixos, sempre precisando autoafirmar sua importância para o desenvolvimento do operariado industrial do país.

Conforme dados da Confederação Nacional da Indústria - CNI no jornal Estadão, “A Receita Federal repassou no ano passado R$ 16,4 bilhões às 11 entidades do Sistema S. [...] Neste ano, entre janeiro e setembro, o Fisco recolheu R$ 12,8 bilhões e repassou ao Sistema S” (TOMAZELLI, 2017). A entidade ainda hoje é representada pelos empresários com dinheiro de arrecadação das empresas dos diferentes segmentos e está envolvida na formulação e implementação das políticas públicas, principalmente no segmento de formação profissional.

A entidade questiona esse repasse como imposto, já que muitos representantes do governo questionam as verbas e as ações do Sistema S nas políticas públicas. Segundo a CNI, a Constituição “deixa claro que esses recursos são privados, o que foi confirmado em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)”. “Ao contrário dos impostos, os valores da contribuição compulsória são recolhidos apenas de determinadas categorias profissionais e empresas, e não de todo o público, e têm de ser destinados a propósitos específicos” (TOMAZELLI, 2017). Porém, o que se observa é que além da participação na implementação no ciclo de políticas públicas nacionais legitimando o sistema paraestatal, esse sistema ainda exerce influência nas agendas com pesquisas e pressões do empresariado na tomada de decisões governamentais.

A influência do Sistema S é tamanha nas formulações de políticas públicas que, em audiência pública, a instituição questionou a legislação e apontou que “a baixa adesão de jovens a essa possibilidade profissional está relacionada a três grandes fatores: distanciamento entre oferta e demanda, limitações de faixa etária impostas pela lei e perda da essência da aprendizagem como programa educacional” (SENAI, 2017). Essa afirmação ignora o fato de que as regiões Norte e Nordeste não têm o atendimento necessário em comparação com as regiões mais desenvolvidas do país – Sul e Sudeste –, indicando muito mais a manutenção e o aumento dos atendimentos do sistema nas regiões de seu interesse do que na implementação em novas áreas, em regiões menos ricas do país.

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Ainda com suas diferenças nos focos de atuação, as entidades demonstram um papel doutrinador da classe operária, moldando o operário com princípios morais necessários, conforme lideranças da indústria, na sua formação técnica. Dentro desse contexto do Sistema S é que estão os jovens entrevistados para este estudo. Com o objetivo de ser um referencial na formação inovadora para o mundo do trabalho no segmento industrial no Estado do Rio Grande do Sul, com a proposta de uma articulação entre o ensino médio e a educação profissional, a escola do Sistema S Gravataí foi fundada em 2017 e é uma das escolas da rede que é mantida pela Federação das Indústrias.

Com a justificativa da baixa qualidade da educação pública no Brasil, a escola se propõe a ser um diferencial na formação dos jovens, principalmente para os alunos dos cursos técnicos, tecnológicos e das engenharias. Segundo a instituição, essas áreas são importantes para a inovação e a produtividade na indústria, e a baixa qualidade do ensino público afeta diretamente a economia brasileira com falta de inovação e competitividade. Esse fato dialoga com o processo de desindustrialização vivido pelo país nos últimos 50 anos, e a falta de desenvolvimento tecnológico faz com que o ramo industrial represente apenas 12,6% do PIB brasileiro (NOBREGA, 2019). Segundo a entidade, o setor privado necessita de uma resposta rápida para o crescimento econômico, assim justificando a criação das escolas.

Pela organização da escola, é possível relacioná-la com as mudanças previstas na reforma do ensino médio (atual BNCC) no que concerne ao aumento gradual das horas nessa etapa de educação e à divisão entre o que se tornará conhecimento obrigatório e o que será diversificado, abrangendo a educação profissional como um itinerário de formação. Além disso, trabalha com as justificativas dos índices de evasão e da preparação do jovem para o mundo do trabalho como primordial para a etapa, com foco na formação de profissionais para o ramo industrial e para a competitividade do setor na economia global.

Nessa instituição estão os jovens deste estudo, quase todos filhos de trabalhadores das indústrias do município de Gravataí e região. Vários são provenientes de escolas públicas e não necessariamente desejam ingressar em uma carreira nas áreas de foco de formação da escola, criando alguns conflitos nas relações escolares. É uma escola que conversa com os interesses do empresariado na formação do jovem trabalhador, utilizando dados de programas como Todos pela Educação e dados do PISA para justificar sua estrutura e ações junto aos adolescentes. Mas o que pensa esse jovem sobre as mudanças em percurso? Como ele compreende essa escola que prepara para o mundo do trabalho? Como entende as metodologias de trabalho da educação profissional na sua formação como sujeito? A partir da análise de discurso, por meio de grupos focais, pretende-se, com este estudo, analisar o

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entendimento das juventudes em relação às metodologias e aos discursos da educação profissional com o seu presente e futuro e como essa educação se relaciona com as demandas atuais do empresariado brasileiro.

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

O problema de pesquisa desta dissertação é: como os jovens entendem o desenvolvimento da educação profissional integrada ao ensino médio na preparação para o mundo do trabalho com as mudanças estabelecidas a partir da reforma do ensino médio?

1.2 OBJETIVO GERAL

O objetivo geral desta pesquisa é analisar, a partir do discurso dos jovens estudantes da escola do Sistema S, cuja formação do ensino médio contempla a educação profissional oferecida pela escola de educação profissional do Sistema S, os seus entendimentos diante das metodologias e dos discursos elaborados pela instituição de aprendizagem profissional em relação ao seu presente e futuro.

1.2.1 Objetivos Específicos

A partir da definição do objetivo geral da pesquisa, serão contemplados os seguintes objetivos específicos:

 identificar as expectativas desses jovens sobre o seu futuro em relação ao mundo do trabalho;

 compreender como as expectativas de futuro desses jovens são exploradas pela instituição de educação profissional;

 entender como as metodologias utilizadas pela instituição de educação profissional contemplam a condição juvenil dos jovens que participam da instituição;

 identificar o posicionamento da instituição de educação profissional diante das demandas do mundo do trabalho e da formação do jovem trabalhador;

 refletir sobre o posicionamento dos jovens referente às mudanças propostas pelo governo com a reforma do ensino médio em relação às suas vivências em uma escola com formação integrada à educação profissional.

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1.2.2 Reflexões Iniciais:

Na prática, os jovens em formação profissional são orientados sob uma perspectiva de controle e moldagem social visando à inserção no mercado de trabalho, pontos que por uma necessidade econômica das demandas juvenis são encarados como orgânicos na preparação destes ao futuro. E, apesar de inserida na formulação da BNCC como um itinerário de formação, as metodologias utilizadas na educação profissional ainda parecem distantes das realidades juvenis sem a efetiva preocupação sobre a formação integral do jovem. Elas se mostram ineficientes como espaço atento e sensível às singularidades, desejos e expectativas dos jovens, focando em uma lógica de produtivismo e de estímulo à formação de sujeitos econômicos, ignorando o presente e as diferentes perspectivas de futuro de tal público.

A seguir, apresento a estrutura da dissertação, a partir da qual busco responder ao problema de pesquisa e aos objetivos propostos.

No segundo capítulo, como embasamento teórico que irá auxiliar na análise desta pesquisa, apresenta-se a tese de Marcus Goulart (2018), doutor em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que cria uma rede documental sobre os estudos de juventude no Brasil a partir dos anos 1950. A ideia do estudo é identificar e explorar o foco das análises dos estudos acadêmicos sobre juventude e como ele vai se alterando ao longo do tempo até chegar na perspectiva de uma escola para e com o jovem.

Além dessa breve apresentação sobre as construções da juventude ao longo das décadas, serão apresentados os teóricos que auxiliaram na construção das perguntas e nas análises dos grupos focais na perspectiva da juventude e a sua formação para o mercado de trabalho, entre eles estão Minayo (2011), Dayrell (2007), Frigotto (2011; 2015; 2016), Falcão e Carrano (2011). Esses autores exploram em seus estudos a ideia das diversas juventudes existentes na realidade brasileira, pelas suas condições culturais e econômicas, que frequentam o ambiente escolar, mais intensamente a partir da massificação escolar nos anos 1990. Também questionam como escola e educadores percebem e trabalham no cotidiano escolar essas diferenças, principalmente para a formação ao mundo do trabalho, mostrando que, muitas vezes, pela própria condição financeira, muitos jovens já vivenciam no ensino médio o trabalho na sua vida, geralmente em condições precárias e sem perspectivas de avanço. Em relação à formação técnica, os autores exploram as dificuldades de inserção desses jovens que, mesmo com a formação necessária, veem o seu futuro interditado por questões da economia global e são considerados culpados por algo que foge ao seu controle.

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No terceiro capítulo, serão contextualizadas as mudanças estruturais que estão ocorrendo no Brasil a partir das reformas institucionais propostas pelo governo federal – reforma do ensino médio, reforma trabalhista e reforma da previdência – e como essas mudanças se relacionam com as demandas das políticas neoliberais e sofrem influência significativa do setor privado, promovendo um sucateamento do Estado e uma alteração das políticas públicas, aumentando ainda mais as desigualdades existentes no nosso país. Para finalizar, apresento o posicionamento da juventude em relação à reforma do ensino médio através da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES, analisando notícias e posicionamentos apresentados pelo grupo em encontro nacional.

Após a apresentação de todo o aporte teórico e do contexto a ser problematizado, no próximo capítulo será explicada a metodologia realizada para o estudo, a fim de responder ao problema de pesquisa. Para isso, optou-se por um estudo qualitativo por meio da análise de discurso. Como base teórica e metodológica, foi utilizada a autora Mary Spink (2000), que reflete em sua obra sobre como a produção de sentidos é uma prática social construída por meio da linguagem em uso, mostrando que as pessoas produzem sentidos e se posicionam por meio das relações sociais cotidianas, sendo elas múltiplas e marcadas pela história. A responsabilidade do pesquisador que utiliza as práticas discursivas como produção de sentido é analisar os diferentes discursos elaborados por meio das suas escolhas teóricas, experiências e crenças, interpretando-as e dando sentido a elas.

Então, por meio de grupos focais com jovens estudantes do ensino médio, realizados em uma escola do Sistema S onde esses estudantes têm no cotidiano da escola uma proximidade com as mudanças previstas pela reforma do ensino médio, percebe-se que as hipóteses elaboradas alinham-se com as falas dos jovens estudantes da escola, levantando o questionamento de quais são os benefícios das mudanças propostas para os alunos das escolas públicas brasileiras que já vivenciam no cotidiano escolar problemas de estrutura e falta de professores aumentando as desigualdades já existentes na sociedade brasileira interditando ainda mais o futuro da juventude.

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2 O JOVEM BRASILEIRO

O estudo das ciências humanas sobre juventude no Brasil começa a ganhar força a partir da década de 1920 e se desenvolve com foco no jovem como problema social. Distancia-se da ideia moralista do termo e, conforme Goulart: “busca-se pensar o jovem naquilo que ele é, prescrevem-se políticas públicas voltadas a ele, indica-se qual seria a melhor forma de educá-lo, sendo, então, o jovem cada vez mais produzido como um objeto de saber” (2018, p. 40). Sendo assim, muito mais do que entender a experiência juvenil, os estudos sobre o tema refletem o entendimento da sociedade brasileira e seus diferentes contextos ao longo das décadas, considerando que não é possível pensar a problematização do jovem sem o contexto analisado, que mudou constantemente ao longo dos últimos 100 anos.

Nessa perspectiva, Marcos Goulart (2018) inspira-se em Foucault para a produção de uma rede documental sobre juventude no Brasil. O autor analisou textos acadêmicos e institucionais dos últimos 50 anos explorando-os a partir das ideias da sociologia da juventude, que tem como foco a condição social do jovem e as construções estabelecidas nos diferentes contextos até chegar à visão atual da escola para e com o jovem.

Utilizando o pós-estruturalismo para a sua produção, o autor leva em consideração o que Foucault chama em sua obra de “história do pensamento”, por meio do qual se indaga como foram produzidos ditos sobre os jovens a partir de práticas sociais específicas, pensando na linguagem muito além do ato de fala e, sim, na forma como encaramos o mundo tendo relação com aquilo que vivemos. Sendo assim, os discursos também estabelecem relações de poder, pois, nos documentos analisados, há também uma orientação política e institucional sobre os problemas e as soluções para a juventude brasileira.

Para a construção de sua análise, o autor utilizou determinados textos e, a partir de um conjunto de proposições, frases e palavras que se apresentaram com certa regularidade, tendo em vista o objeto explorado, criou uma rede documental, o que o autor nomeou como um “rizoma” – sendo este uma estrutura epistemológica para a organização da produção realizada ao longo do tempo analisado. A escolha da rede documental para a análise do autor permite fazer as conexões entre os textos e os discursos estabelecidos sobre a juventude, mostrando a complexidade e as relações estabelecidas entre os diferentes seguimentos que tratam do tema.

Na construção de sua rede, Goulart mostra que nos anos 1970 temos duas vertentes para o tema. Na época, a produção discursiva sobre o jovem não estava relacionada à escola, mas, sim, à sua condição política e social. A primeira vertente era muito focada na juventude de classe média universitária atuante e com grande peso político dentro do contexto de regime

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militar, e a segunda, focada na psicologia, na ideia do jovem como um desajustado social, aquele que se contrapõe moralmente à ordem, sendo necessário guiar essa juventude desorientada para o futuro almejado pelos seus pais e educadores. O jovem trabalhador, a grande maioria da juventude brasileira, começa a ser inserido nas produções ao final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando a formação profissional se torna necessária para o desenvolvimento econômico do país. Assim, o foco eram os grupos marginalizados nos grandes centros urbanos, sendo a educação vista como uma forma de resolver os problemas de delinquência juvenil oriundos das transformações ocorridas com a industrialização do país.

A formação profissional dos jovens, configurada na organização da LDB a partir da Lei Federal nº 5.692/1971, coloca um sentido na escola para as classes mais baixas quando deposita na formação secundária uma possibilidade de elevação social a partir da obtenção de um diploma necessário para o crescimento no mercado de trabalho.

E, a partir dos anos 1990, com a massificação escolar e com o intenso interesse do capital financeiro na formação da juventude, os discursos sobre o ser jovem e a escolarização básica ganham vitalidade nas pesquisas nacionais. Além das instituições clássicas formadoras (família e escola), o jovem passa a ganhar forma nos estudos culturais com foco na condição juvenil. Essa retomando muito das construções realizadas nos anos 1970, porém agora não limitada apenas a jovens de classe média. O jovem nas suas particularidades e nas suas diferenças sociais e de classe, a exemplo da inserção dos jovens trabalhadores nas escolas, é considerado nas análises acadêmicas, o que se reflete nas políticas públicas para a juventude no final do governo Fernando Henrique Cardoso e mais intensamente no governo Lula (GOULART, 2018).

Mesmo com as mudanças realizadas a partir da inserção de grande parcela da juventude na educação básica, os discursos sobre a juventude no intuito de pensar em uma formação para e com o jovem ganham força nos anos 2000, muito relacionada às políticas públicas desenvolvidas e na participação dos jovens nessas discussões, que vão além da formação básica, pois envolvem outros aspectos sociais na formação desses como sujeitos de direitos como a cultura, a saúde, o trabalho, etc. As discussões e ações sobre a juventude brasileira nas duas últimas décadas ganharam força no âmbito de pensar as diferentes formas de se viver a condição juvenil, servindo para diferentes discursos e frentes, conforme Goulart (2018, p. 93):

Talvez se possa afirmar que nunca se pretendeu ouvir tanto os jovens como nessas últimas décadas. Claro, cada escuta tinha um objetivo específico e um viés político distinto. Enfim, toda essa problematização da juventude pode ser vista como condição para muito do que se pensou sobre o ensino médio na década de 2010, quando essa etapa de ensino e toda a discussão que suscitou buscaram se conciliar

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com a experiência juvenil. Por trás disso, não há apenas uma disputa em torno de qual escola se quer oferecer aos jovens, mas sobre a própria condição do jovem no contexto da escola.

A tese de Marcus Goulart (2018) traz uma contribuição para o entendimento sobre os discursos proferidos sobre a juventude brasileira em seus diferentes contextos, pois apresenta o quanto esses discursos legitimam as mudanças realizadas ao longo das décadas quando se pensa a juventude brasileira e a sua formação.

Também se percebe nesse momento a preocupação do setor econômico na formação da juventude, presente nas novas teorias de educação com foco em competências e aprendizagens socioemocionais que seriam necessárias para o exercício do trabalho e para as mudanças que são impostas pela sociedade tecnológica. Como nunca antes, percebem-se ações do setor privado na educação a fim de moldar a aprendizagem para as novas necessidades mundiais servindo a educação como um grande propulsor nos investimentos e na competitividade do país no mercado internacional.

Até 2016, antes do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, as ações do governo relacionavam-se com as produções acadêmicas, quando propunham mudanças significativas para o ensino médio brasileiro, pensando numa escola para e com o jovem. Porém, e essa é umas das indagações do autor ao final do seu estudo, as mudanças propostas pelo ex-governo interino de Michel Temer vão na contramão dos discursos até então elaborados pela academia e pelo Estado e marca o que muitos autores vão dizer ser um retrocesso no pensamento sobre juventude e educação.

O que mais chama atenção no cenário atual, com base nas mudanças significativas para a educação básica e nas reflexões e análises realizadas neste estudo, para o ensino médio a partir do que está sendo divulgado pelo governo atual como “o Novo Ensino Médio”, as justificativas teóricas para as mudanças em vigor relacionam-se muito com a ideia de que as informações e o conhecimento necessários para a juventude estão disponibilizados pela tecnologia e fica sob responsabilidade da escola o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, essas muito necessárias para a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Essas reflexões serão mais bem elaboradas no capítulo 3, que aborda as mudanças realizadas para essa etapa de ensino. O que fica evidente é que a rede documental elaborada por Marcus Goulart em sua tese de doutorado auxilia no entendimento dos discursos que legitimam as ações pensadas pelos governos, sendo necessário ter um olhar atento sobre as mudanças.

Para entendimento e aprofundamento teórico com os autores escolhidos que irão nortear as entrevistas e a análise dos dados neste estudo, serão exploradas a seguir as

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diferentes realidades da juventude brasileira atual que frequenta o ensino médio, as interferências do capital financeiro em sua formação e as consequências dessa interferência para a educação básica.

2.1 O JOVEM BRASILEIRO NA SUA PLURALIDADE

Em seu texto A condição juvenil do século XXI, Minayo (2011) analisa a realidade dos jovens brasileiros na faixa dos 15 aos 19 anos em relação à sua vivência no processo educacional, condições de vida, trabalho, sexualidade, cidadania e violência.

A autora se apoia na tese de Savage na afirmativa de que a cultura jovem se transformou na base que sustenta o capitalismo atualmente, que viu sua transformação ao longo do tempo, e, hoje, permeia tanto a infância quanto a fase adulta no mundo ocidental. Segunda a autora, a juventude constitui a etapa da vida sobre a qual existe maior expectativa social, não sendo apenas uma passagem natural no ciclo da vida, mas de construção social. Historicamente, esse período está sendo cada vez mais ampliado, e há uma tendência universal de se caracterizar como jovem a população que compõe a larga faixa etária que vai dos 15 aos 30 anos.

E explorando especificamente o conceito de condição juvenil, a autora coloca que existem muitas definições: desde a que acentua semelhanças entre os jovens, mesmo com as diferentes realidades que permeiam os espaços e as diferentes condições socioeconômicas que possam existir nos sujeitos de um mesmo tempo histórico, uma segunda que enfatiza as desigualdades de classe, de gênero e de cor, e outra, que ressalta as características e os padrões culturais (MINAYO, 2011).

Para a autora, as relações estabelecidas entre as crianças na família, assim como em outros espaços institucionais, são um poderoso instrumento de reprodução da estrutura socioeconômica e das diferenças de gênero e étnicas. Essa reprodução das estruturas enfatiza as diferenças já existentes entre os jovens em contextos no que concerne a classes, países, regiões e estágios de desenvolvimento, gêneros e etnias, o que leva a um aumento das desigualdades. Para a autora, a condição juvenil tem uma relação experimental com valores e instituições sociais que inclui aceitação e absorção da cultura vigente, mas, também, com tensões entre as gerações com revoltas quando não ocorre uma troca amigável ou crise dos valores predominantes da sociedade. “Os jovens sabem que herdarão o mundo, sabem o que está errado e são impacientes em relação àquilo de que discordam” (MINAYO, 2011, p. 24).

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Além do conceito de condição juvenil, a autora explora o conceito de moratória. Minayo (2011, p. 24) afirma que moratória é o “longo período em que se transformou o tempo de juventude estendido pelo menos até os 30 anos”, sendo associado à maior complexidade e ressignificação desse tempo no ciclo da vida. A nova condição juvenil, nos limites da moratória social, está vinculada ao processo de globalização capitalista que conversa com as mudanças existentes vistas através das mudanças econômicas e das relações produtivas criando novos hábitos e relações na contemporaneidade relacionadas à flexibilização, informalidade nas relações de trabalho, nas reduções de empregos e salários e, como consequência, nas trocas nos espaços e tempos.

É preciso ressaltar que a expressão “moratória social” tem significados diferentes segundo classes e estratos sociais: há a que atinge os jovens ricos e uma parte da classe média, para os quais existe uma ampliação do tempo em que permanecem na casa na sua preparação para empregos mais competitivos no mercado de trabalho globalizado; e há a realidade dos jovens das classes populares, que muito cedo tentam entrar no mercado de trabalho e buscam constituir família. Segundo a autora: “Nesse contexto, a ampliação da faixa etária jovem não significa distribuição igualitária de crédito social para uma sociedade competitiva. A condenação ao subemprego é um dos resultados dessa equação, e o empobrecimento da experiência de escolarização costuma ser outro” (MINAYO, 2011, p. 25).

No Brasil, os jovens ocupam, em muitos sentidos, o centro das discussões. Na análise da autora, eles têm consciência de que o mercado de trabalho nunca será o mesmo da estabilidade e do emprego fixo como na época de seus avós, quando uma carreira de sucesso tinha esses como objetivos maiores. Os problemas gerados pelo agravamento das crises econômicas, da reestruturação produtiva e do desemprego permeiam as suas vidas como é explorado por outros autores nesta dissertação, interditando o seu futuro (FRIGOTTO, 2011).

Explorado ainda pela autora em seu texto, ela coloca que a juventude no Brasil é o grupo mais prejudicada nas novas relações de trabalho, com o desemprego e dificuldade de inserção no mercado de trabalho e que questões de gênero e formação influenciam na remuneração desses jovens. Além disso, a autora explora a desigualdade de oportunidades vividas pelos jovens em formação e afirma:

Consideramos o fenômeno das desigualdades marcantes da vida social brasileira, que afeta principalmente a população jovem e se expressa na economia, na educação, na cultura e na cidadania, um tipo de violência estrutural (Minayo, 1994). Ela advém de configurações histórico-econômicas e culturais que se reproduzem por muitos meios, tornando vulneráveis suas condições de crescimento e desenvolvimento. Por ter um caráter de perenidade e se apresentar sem a intervenção imediata dos indivíduos, essa forma de violência aparece naturalizada, mas foi

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construída nas gerações passadas e retrata a distribuição do poder e da riqueza. (MINAYO, 2011, p. 29)

No que concerne à sexualidade, a autora explora uma naturalização entre jovens e famílias nas relações. Essas muito mais permissivas para classe média do que para as camadas populares, que demonstram um caráter mais conservador. Além disso, o machismo ainda interfere nas relações evidentes nas questões de iniciação sexual, gravidez e aborto, encarados de forma diferente pelos pares.

Sobre a participação política, a autora expõe que, conforme pesquisa, há uma tendência de afirmar uma despolitização da juventude colocando essa como apática aos processos democráticos. A autora discorda das pesquisas analisadas lembrando que precisamos reconhecer a variedade de mecanismos e espaços existentes nos tempos atuais para a mobilização juvenil, antes muito restrita à luta política por parte das instituições (MINAYO, 2011).

Ao fim da sua análise, traz a questão sobre violência como uma das grandes preocupações dos jovens brasileiros. Explora que os mesmos são vítimas de violência nos espaços familiares e sociais (não só física, mas, também, psicológica) e, ao mesmo tempo, segundo dados de segurança pública, é uma parcela significativa da população que comete violência em atos de infração.

As particularidades nas análises realizadas por Minayo (2011) vão ao encontro de suas afirmações de que as desigualdades existentes nas condições juvenis também permeiam os grupos e as particularidades da juventude brasileira no que concerne a questões de inserção no mercado de trabalho, educação, sexualidade e violência. A pesquisa mostra as interferências nas construções sócio-históricas do país além da interferência do mercado global na constituição da juventude brasileira.

Na perspectiva sobre os sentidos da formação para a juventude e a sua relação com a escola, Dayrell (2007), em seus estudos, analisa os debates sobre o fracasso escolar em que professores, pais e alunos culpam-se mutuamente numa visão bastante pessimista sobre a formação escolar. Para o autor, as questões sobre as novas relações da escola e dos jovens passam por mudanças que estão ocorrendo na sociedade ocidental, que afetam diretamente as instituições e os novos processos de sociabilização das novas gerações, nos seus tempos e espaços. Dentro desse contexto, verifica-se uma nova condição juvenil que se constrói na relação entre como a sociedade confere significado a este momento da vida e como essa condição é vivida pelas diferenças sociais existentes – classe, gênero, etnia, entre outras.

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Além disso, o autor coloca que a crise do ensino médio brasileiro também está atrelada ao processo de massificação da escola, a partir dos anos 1990. Antes restrito às camadas altas e médias, o ensino médio passa a receber um contingente de alunos cada vez mais heterogêneo. Concomitante a isso, vemos uma transição dessas classes para o ensino particular, atribuindo à educação pública a condição de “escola para pobre” (DAYRELL, 2007).

A condição juvenil existente está atrelada às construções culturais das juventudes e à sociabilização presente nos diferentes espaços e tempos. Além de sua condição social, os jovens têm interesses, amam, têm preferências e se utilizam de diferentes meios para expressar suas necessidades, como a música e o próprio corpo, sendo estas formas de constituição de sua identidade. Assim, o mundo da cultura aparece como um lugar privilegiado de práticas e representações no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil individual e/ou coletiva. São mediadores e/ou produtores culturais, interagindo e criando, entre grupos de interesses, expressões simbólicas da sua condição.

As culturas juvenis não são hegemônicas, pois sofrem interferência dos grupos com os quais os jovens se relacionam, do contexto interno e externo nos quais estão inseridos e dos objetivos estabelecidos nas relações entre seus pares. No caso brasileiro, para grande parcela dos jovens, a condição juvenil só é vivenciada porque estes trabalham, dando condições para o mínimo de recursos. Sendo assim, o trabalho também é importante na construção juvenil e influencia o percurso escolar (DAYRELL, 2007).

A sociabilização acontece em diferentes espaços de troca que podem ser de lazer, escola ou trabalho, de modo que os jovens passam a ressignificá-los transformando-os em lugar, produzindo territorialidades. Os amigos são parte fundamental na condição juvenil sendo um referencial na trajetória da juventude. Além disso, a reversibilidade é uma marca da atual juventude, podendo ocasionar trocas de grupos, afetividade e trabalho. Devido a essa reversibilidade, Dayrell (2007) designa essa juventude como “ioiô”.

O tempo é vivenciado de maneiras diferentes, dependendo do espaço em que se realiza. A dicotomia dos espaços, variando entre os institucionais com regras e controle e os de lazer onde os jovens usufruem do presente desprendendo-se das amarras institucionais, aparece nas trajetórias da juventude contemporânea sobre o seu futuro, evidenciando as dificuldades atuais de definir modelos de transição vividos pelos jovens brasileiros para a vida adulta.

A construção da condição juvenil atual expressa mutações profundas no processo de sociabilização, e isso reflete nas instituições tradicionalmente responsáveis pela socialização

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das juventudes, como a família e a escola. Há uma ampliação dos universos sociais de referência que transitam entre família, escola, mídia e grupos sociais de trocas, colocando um desafio para as instituições na sua contribuição com a formação desse jovem.

Observando os desafios atuais da escola, ela ainda mantém o monopólio da cultura acadêmica, mas perde o monopólio cultural para a circulação social das informações e cultura de massas (DAYRELL, 2007). Apesar de sua massificação, como já exposto, ela ainda não se redefiniu internamente a ponto de criar diálogos com esses sujeitos e a sua realidade. Sempre com foco no que o jovem será ou na crítica ao hedonismo juvenil, a escola não reconhece o jovem no aluno, muito menos compreende a sua diversidade.

Institucionalmente, a escola é ordenada por um conjunto de normas e regras que buscam unificar e delimitar a ação dos sujeitos. Entretanto, no seu cotidiano, ela vive uma trama complexa estabelecida nas relações entre os sujeitos envolvidos (professores, funcionários, pais, entre outros), dando como característica o constante processo de construção. Na escola ainda predomina uma determinada concepção do aluno gestada na sociedade moderna. Ao entrar nas instituições, os jovens abandonam sua condição para se tornarem alunos, numa clara separação entre sociedade e escola. Espera-se que sejam disciplinados, obedientes, pontuais e que se envolvam em seus estudos, não considerando sua condição juvenil. Cabe ao jovem submeter-se ou ser excluído desse sistema (DAYRELL, 2007).

Nas últimas décadas, assiste-se à transformação dessa visão moderna significando a não submissão a modelos prévios, mas, ao contrário, a construção de sua experiência atribuindo sentido na sua formação. Diante disso, verifica-se uma ambiguidade na construção do sujeito na condição do ser jovem e do ser aluno, isso tudo perpassado pelas relações estabelecidas entre diferentes grupos existentes na sala de aula e nos processos de ensino-aprendizagem estabelecidos que geram sentido para a formação. A escola hoje contribui em partes na construção e na vivência da condição juvenil, visto a existência de outros espaços de interação.

Para finalizar, o autor propõe um questionamento levando à reflexão se ainda é válida uma proposta educativa de massas, homogeneizante, com tempos e espaços rígidos, numa lógica disciplinadora. Lógica em que a formação moral predomina sobre a formação ética, em um contexto dinâmico, marcado pela flexibilidade e fluidez, em que os jovens não querem ser tratados como iguais, mas reconhecidos nas suas especificidades, num momento privilegiado de construção de suas identidades, de projetos de vida, de experimentação e aprendizagem da autonomia.

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Relacionando as afirmações de Dayrell sobre a flexibilização dos tempos atuais e as mudanças propostas por meio da reforma do ensino médio, percebe-se que, muitas vezes, as criações teóricas são utilizadas de forma distorcida e descontextualizada para legitimar as mudanças pensadas para a educação nacional em andamento. O jovem vive a realidade escolar de diferentes formas, como explorado por Dayrell, muito em função da diversidade juvenil existente. Nessa perspectiva, em vez de criar mecanismos uniformes de formação, o que ainda se observa nas metodologias de competências e habilidades, a escola e as instituições de aprendizagens devem estar preparadas para receber essas diferenças e auxiliar os jovens na construção da sua identidade e formação, não na perspectiva de um futuro próximo ou criando a ilusão de que as escolhas de itinerários de formação estão respeitando as suas individualidades, mas levando em consideração a atualidade desse jovem, sem negligenciar as suas experiências e necessidades. Uma dessas demandas é a própria necessidade de trabalho que uma grande parcela da juventude brasileira experiência e que é o foco deste estudo.

2.2 O JOVEM BRASILEIRO, O TRABALHO E AS FINALIDADES DA ESCOLA

Para analisar as mudanças impostas pelo sistema e como elas se refletem no espaço escolar e na formação dos jovens brasileiros, alguns autores foram escolhidos a fim de oportunizar um melhor entendimento sobre a juventude e a formação para o trabalho. Entre eles, Nadia Falcão e Paulo Carrano (2011), que em seu texto sobre trabalho e juventude apontam que os currículos escolares se esvaziam de sentido para muitos jovens brasileiros ao conceberem o mundo do trabalho apenas como uma promessa e desconsiderarem que, para muitos deles, essa já é uma realidade. Há uma grande insatisfação no ambiente escolar, entre os jovens, por enxergarem a escola de forma exageradamente teórica e sem relação com o seu presente e sua condição juvenil. Já os professores não conseguem estabelecer relações entre essa juventude com as ferramentas pedagógicas oferecidas na sua formação aguçando as tensões existentes.

As respostas centradas na preparação para um futuro melhor parecem não ser suficientes, dadas as características da sociedade brasileira com acentuadas diferenças sociais. A experiência escolar, segundo os autores, potencialmente eleva as chances de inserção profissional e a melhoria da condição de vida, mas é preciso reconhecer que, para os jovens, o aumento da cobertura foi acompanhado por uma perda da qualidade da educação escolar, tornando mais obscura a experiência presente e a projeção de futuro.

Referências

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