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A assimilação de ritos (neo)pentecostais como meio de sobrevivência no mercado religioso

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Academic year: 2021

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A assimilação de ritos (neo)pentecostais como meio de sobrevivência

no mercado religioso

David de Mello Junior1

Introdução

É possível encontrar numa rua brasileira diversas igrejas evangélicas e, em muitos casos funcionando até com paredes conjugadas. Dificilmente um comerciante instalaria uma padaria ao lado de outra compartilhando a mesma parede, mas as igrejas sim. Se você estiver acompanhado por um passageiro que busca assunto enquanto o sinal não abre, e ambos observarem que na esquina da esquerda há duas padarias e à direita duas igrejas, possivelmente o assunto não será a instalação das padarias, mas sim das igrejas. Percebemos que há uma tendência popular em se questionar o surgimento das igrejas e o que elas fazem para se manter.

Muitos sociólogos vêem acertadamente a religião como mercado (PIERUCCI, 2013). Há uma tensão para se adentrar, e uma preocupação para se manter diante de um mundo de alternativas. Quem fideliza um estabelecimento comercial tem suas razões; da mesma forma o indivíduo que escolhe uma igreja, tem sua justificativa pautada nas mesmas: procura e satisfação.

Em contato com pessoas deste meio, observamos que há um discurso defensivo tanto por parte dos fiéis como de pastores e líderes. Os fiéis, tendem a justificar sua motivação com jargões como: “Tenho um compromisso com Deus aqui”. Pastores e líderes normalmente se justificam: “A visão que recebi de Deus é neste lugar / a partir deste lugar”. Tornou-se motivo para motejo as placas grafadas com a declaração “Sede mundial” em pequenos prédios alugados.

Nas respostas apresentadas acima por fiéis e líderes, notamos primeiramente o conceito de relação com o sagrado a partir de um objeto (GAARDER, 2000, p. 18). Pode ser uma pedra erigida numa mata, ou um templo no centro de uma metrópole. À semelhança das antigas civilizações e da cultura tribal, o ethos religioso evangélico é em

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muito evidenciado pelo deslocamento geográfico. As experiências de hierofania2 ouvidas nas pregações, como dos patriarcas que receberam a visita do próprio Deus em casa (Gênesis 18), ou dos apóstolos que se tornaram testemunhas da ressurreição devido à presença de Cristo enquanto estavam reclusos (João 20:19), parecem ser desnecessárias para o tipo de relação com o sagrado sustentada hoje.

A outra consideração que fazemos é sobre a justificativa apresentada pelo líder religioso que se fixa num endereço competitivo. A legitimação da função sacerdotal é normalmente justificada num apelo deliberadamente elevado: aquela pessoa é detentora de uma função sagrada, designada por Deus, e incontestável. A presença dos líderes religiosos evangélicos brasileiros transmite aos fiéis a ideia de “Na alternativa entre eu e você, eu fui escolhido sobre você”. E, quanto à disputa geográfica entre igrejas a mesma impressão subjaz: “Dentre as muitas portas, inclusive a tua, a minha se manterá!”.

Podemos discorrer sobre diversos fatores que motivam fiéis e líderes: sociais, econômicos, classes, convencimento, carisma, etc. Mas neste artigo observaremos pelo elemento atrativo e fidelizante aparente na mídia: os ritos.

Os ritos: O que são? Quais são?

Desde há muito tempo os ritos fazem parte da história das culturas. Em todas há ritos para as mais diversas fazes da experiência humana. O rito é uma forma do homem manifestar uma possibilidade de controle sobre a natureza (FRAZER, 1982, p. 34). No rito existe uma concepção de causa e efeito. E este é respondido na intensidade que é provocado. Numa concepção da antropologia histórica, o rito é uma atividade anterior à fala, ou seja: a experiência era vivida antes de pensarem a seu respeito (TERRIN, 2004).

Seguindo tais contribuições podemos interpretar a cultura religiosa evangélica da modernidade como manifestação natural do homem em sua crise com a impotência. Em face às vicissitudes recorre-se à mística ofertada para que haja resposta imediata no plano material. Parafraseando a modernidade: o rito é um dispositivo sagrado que quando acionado devidamente, ou frequentemente, uma resposta é concedida.

Ainda, seguindo uma das definições de rito, como sendo uma experiência vivida à parte do pensar a respeito, sua presença é auto-legitimadora. Em muitos casos torna-se

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desnecessária a pergunta do “Por quê fazer?”. A experiência dos ritos dispensa muitos discursos. Seria isto uma justificativa para o testemunho de vantagem pessoal levar mais tempo que a pregação bíblica? Na continuidade da exaltação à prática de ritos, haverá lugar para o exame doutrinário?

Que diferença há entre pentecostal e neopentecostal?

Discorrer o que vem a ser o neopentecostalismo3 não é um trabalho definitivo. Estamos analisando a dinâmica da religiosidade num contexto que inspira constantes alterações. Todavia, primeiramente é necessário tomarmos por base o surgimento do pentecostalismo na virada do século XIX para o XX nos Estados Unidos, e como chegou ao Brasil.

Segundo a síntese do professor Dr. Leonildo Silveira Campos (Mackenzie), Charles F. Parham (1873-1929) foi o primeiro pregador “a fazer a ligação entre experiências extáticas, com manifestações de transes e glossolalias (o falar em “línguas desconhecidas”), e a teoria do 'batismo com o Espírito Santo' […] Essa experiência mística foi identificada por eles como idêntica à que tiveram os apóstolos de Jesus no período da Festa de Pentecostes” (PEREIRA, 2012, p. 153). Parham juntamente com seus adeptos passou a viajar pelos Estados Unidos disseminando sua compreensão da Bíblia, e fazendo discípulos numa classe em Houston, no Texas. Dentre seus ouvintes estava William Seymour, um negro filho de escravos libertos, que por causa do racismo de Parham assistia as aulas do corredor (Idem, p. 154). Seymour é o nome associado ao “Avivamento da Rua Azuza”, considerada a Jerusalém do movimento pentecostal.

Parham teve a popularidade afetada por sua conduta imoral, e seu discípulo William Durham (1873-1912) se estabeleceu com uma missão pentecostal em Chicago em 1907 com a North Avenue Mission, de onde saíram Louis Francescon, fundador da “Congregação Cristã do Brasil”, e Daniel Berg e Gunnar Vingren, que iniciaram a propagação das “Assembléias de Deus” no Brasil (Ibidem, p. 159).

No entanto, o pentecostalismo no Brasil em contato com a cultura aqui vigente, deu origem a um outro pentecostalismo (BITUN, 2011, p. 51). A espiritualidade romanizada, a desigualdade social, e o estigma de um mundo em ruínas, serviram como combustível

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que projetou as “agências de cura divina” (Idem, p. 53).

Mais especificamente na segunda metade da década de 1970, o Brasil tornou-se a calçada onde as pentecostais “Assembléias de Deus”, “Igreja do Evangelho Quadrangular”, “O Brasil para Cristo”, e “Deus é amor”, receberam vizinhas de calçada, alternativas para os fiéis transeuntes: as neopentecostais, “Igreja Universal do Reino de Deus”, e a “Igreja Internacional da Graça de Deus”, nos anos 1990 a “Igreja Renascer em Cristo” (PASSOS; USARSKI, São Paulo, p. 542), e na virada do século XIX para o XX, a “Bola de Neve Church”.

O professor Vagner Gonçalves da Silva (FFLCH-USP), em seu artigo Concepções

religiosas afro-brasileiras e neopentecostais: Uma análise simbólica, apresenta uma

importante definição do que vem a ser o neopentecostalismo:

Pelo acréscimo do prefixo latino “neo”, pretendeu-se expressar algumas ênfases que as igrejas identificadas nessa fase assumiram em relação ao campo do qual, em geral, faziam parte: abandono (ou abrandamento) do ascetismo, valorização do pragmatismo, utilização de gestão empresarial na condução dos templos, ênfase na teologia da prosperidade, utilização da mídia para o trabalho de proselitismo em massa e de propaganda religiosa (por isso chamadas de “igrejas eletrônicas”) e centralidade da teologia da batalha espiritual contra as outras denominações religiosas, sobretudo as afro-brasileiras e o espiritismo (PEREIRA, 2012, p. 220).

O surgimento de tais denominações não faz do prefixo “neo” um novo no sentido de melhoramento, mas de um fenômeno religioso como consequência de realidades culturais, ambições da liderança e da insatisfação dos fiéis em sua peregrinação. No entanto, tanto para o primeiro como para o segundo seguimento, como disse Paulo Barrera Rivera (UMESP): “No lugar de produzir novos textos sagrados, acontece uma perda de importância da Bíblia” (PEREIRA, 2012, p. 134).

A importância do rito no neopentecostalismo

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haja interrupção na espiritualidade de estímulos e respostas.

Silva compara a agenda de uma igreja neopentecostal como espelho do que há na cultura afro-brasileira:

Os dias iniciais ou terminais da semana são consagrados ao domínio do fogo, elemento transformador. Assim, segunda e sexta-feira são dias consagrados a Exu, que sendo orixá dos caminhos e das passagens, é cultuado nestes dias liminares que circunscrevem as mudanças entre períodos de trabalho e descanso. Suas horas consagradas são as de mudanças de períodos, como a meia-noite. […] Sexta-feira é também o dia consagrado a Oxalá, no candomblé […] associado a Jesus ou às suas denominações, como o Senhor do Bonfim, na Bahia. Muitos iniciados se vestem de branco nesse dia e evitam comer carne vermelha, preferindo o peixe (Idem, p. 237).

Ainda, Marisa Soares ao analisar o calendário de uma destas igrejas constatou uma aproximação intencional do sistema religioso na cultura brasileira:

Calendário: 2ª-feira: Prosperidade; 3ª-feira: Louvor e Imposição das mãos;

4ª-feira: Saúde; 5ª-feira: Família; 6ª-feira: Libertação; sábado:

Prosperidade, Corrente das crianças; domingo: Louvor. (Ibidem, p. 237).

Não obstante é possível observar o esforço das mais diversas placas denominacionais para se manterem no mercado religioso. Uma das saídas tornou-se uma palavra de marketing da fé muito recorrente, as “campanhas” ou “correntes”. “São séries sequenciais de cultos que o fiel deve frequentar, continuamente, com o risco de não conseguir atingir os objetivos almejados caso a sequência seja interrompida” (PEREIRA, 2012, p. 243).

As campanhas ou correntes são instrumentos de publicidade de inúmeras igrejas evangélicas no Brasil. Eis alguns exemplos:

a) “Seis semanas de oração para seis meses de vitória”. b) “Aliança: Sete dias marchando para muralhas caírem”. c) “Corrente do jejum de Daniel”.

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À semelhança de uma calçada de comércio, é possível que alguém saindo de um estabelecimento encontre o mesmo produto em outro. Uma pessoa pode costurar a avenida das religiões no Brasil ouvindo mensagens de presságios sobre o amanhã e cumprindo os mesmos rituais.

As correntes, medidas em ciclos de dias ou semanas (sete, nove, doze ou mais), remetem à visão mágica de segmentação temporal mencionada acima e revelam a absorção no sistema neopentecostal de valores relacionados com a prática católica de ritos cíclicos como a reza do terço, as novenas, trezenas, etc. Guardam, ainda, semelhanças com os ciclos iniciáticos das religiões afro-brasileiras nos quais o axé (força) cresce à medida que o indivíduo periodicamente reforça seus laços de aliança com as divindades por meio da realização de “obrigações”. […] As correntes neopentecostais, ao prescreverem que o sacrifício (oferta), a fidelidade e a escolha de um objetivo (um de cada vez) a ser alcançado são essenciais para seu sucesso, de certo modo absorvem em seu sistema a ideia espírita segundo a qual o pensamento em “sintonia” com uma “faixa vibratória” adquire poder de “ordenar” a transformação das coisas ao redor (PEREIRA, 2012, p. 244).

Por que os que não eram tornaram a ser?

Seria um equívoco extirpar uma árvore porque num dos seus ramos foi encontrado um fruto comprometido. Todavia, o fato de haver em várias denominações evangélicas aqui e acolá, portas abertas com ofertas no mercado religioso, é de se questionar a confessionalidade.

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Nazareno investem no slogan: “Seis dias de batalha, para colher seis meses de vitória”.4 Segundo Mendonça, as principais características do fenômeno neopentecostal são:

1. Características empresariais de prestação de serviços ou de ofertas de bens de religião mediante recompensa pecuniária, com modernos sistemas de administração e marketing. Algumas já são multinacionais; 2. Distanciamento da Bíblia, usada esporadicamente sem nenhum rigor hermenêutico ou exegético, não estando afastado o uso mágico;

3. Inexistência de comunidade. Seus frequentadores são clientes e a relação entre a “empresa” e o “cliente” é na base do “Dou se deres”;

4. Como não há comunidade de adoração e louvor, o “culto” tem características de ajuntamento de interessados na obtenção imediata dos favores do sagrado;

5. Intenso ambiente de magia. Os mágicos de plantão estão a serviço da

“empresa mágica” que traça normas gerais de prática, mas outorga certa margem de liberdade às características de cada uma (BITUN, 2011, p. 54).

É bem provável que o neopentecostalismo tenha se revelado a estas denominações como linguagem religiosa para os tempos modernos. Do contrário, o que estaria acontecendo seria uma assimilação de práticas e ritos de modo intencional para fidelizar pessoas já condicionadas.

Conclusão

Segundo Pierre Bourdieu, as religiões disputam seu espaço num “campo”. O embate que ora se demonstra acirrado é inerente do próprio ambiente religioso, onde a diversidade precisa se refazer para se manter, e neste processo está tanto a reinvenção quanto a aglutinação de novos hábitos e valores religiosos.

O campo religioso brasileiro é deveras fértil. No entanto, velhos ritos podem reaparecer em novos cenários, satisfazendo as expectativas dos fiéis e sacerdotes que aspiram por novidades. Nem todo novo de fato é novidade no campo religioso.

A exemplo da concorrência urbana, as ruas e avenidas eclesiásticas tendem a aumentar; e o trânsito dos pedestres atravessando tende a ser cada vez mais intenso.

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Afinal, o discurso que seduz ao rito neopentecostal é cíclico, imprime sobre os fiéis a constante insatisfação com a condição em que se encontra.

Referência Bibliográfica

BITUN, Ricardo. Mochileiros da Fé. São Paulo: Editora Reflexão, 2011.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.

ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1990.

FRAZER, James G. O Ramo de Ouro. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1982.

GAARDER, Jostein. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

PASSOS, João D.; USARSKI, Frank (orgs). Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas: Paulus, 2013.

PEREIRA, João B. B. (org). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

PIERUCCI, Antônio Flávio. Rever, Ano 13, nº 02. Jul/Dez 2013.

Referências

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