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Monitorização hemodinâmica do trauma craniano grave: doppler transcraniano e a diferença arteriovenosa de oxigênio

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onitorização heModinâMica do trauMa craniano grave: doppler transcraniano e a diferença

arteriovenosa de oxigênio Leandro Pretto FLores*

P

rática

M

édica

* Médico, mestre em Ciências da Saúde, Unidade de Neurocirurgia do Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília, DF Correspondência: SQN 208, bloco F, apartamento 604, CEP 70.853-012, Brasília, DF. Internet: leandroprettoflores@hotmail.com Recebido em 7-11-2010. Aceito 10-1-2011.

O principal fator que determina o prognóstico de pacientes com trauma craniano grave é a isquemia cerebral sofrida pelos tecidos traumatizados, e um dos principais fatores que delineiam o tamanho da área isquêmica é a pressão intra-craniana. Por outro lado, a capacidade de manutenção do fluxo sanguíneo cerebral pode interferir positivamente no prognóstico desses pacientes e, ao contrário, a falta de cuidados com essa variável pode piorar o quadro neurológico. O entendimento e o controle das variáveis envolvidas na regulação do fluxo sanguíneo cerebral determinam muitas vezes a evolução clínica desses doentes. O presente estudo pretende apresentar as variáveis envolvidas na adequada moni-torização hemodinâmica do trauma craniano grave, descrever os mecanismos fisiopatológicos que as regulam e sugerir uma forma de associação de dois exames amplamente difundidos em nosso meio – o doppler transcraniano e a diferença arteriovenosa de oxigênio – como método simples de monitorizar a hemodinâmica intracraniana.

Palavras-chave. Trauma craniano; monitorização hemodinâmica; doppler transcraniano; lesões da cabeça.

RESUMO

HeModINAMIC MoNITorING For SeVere TrAUMATIC HeAd INJUrY: TrANSCrANIAl doppler ANd ArTerIoVeNoUS oXIGeN dIFFereNCe

The main factor that stablishes the prognosis of patients victims of severe head trauma is the cerebral ischemia suffered by the traumatized tissues, and one of the main factors that determine the size of the ischemic area is the intracranial pressure. On the other hand, the ability to maintain the cerebral blood flow under control can positively affect the prognosis of these patients and, by the other way, neglecting such variable may worsen the neurological status. This study aims to evaluate the variables involved to adequately monitor the hemodynamic of severe head trauma, to describe the physiophatological mechanisms that regulate it, and to suggest a combination of two tests widely spread in general practice – the transcranial doppler and the arteriovenous oxygen difference – as a simple method for monitoring the intracranial hemodynamic.

Key words. Craniocerebral trauma; hemodynamic monitoring; transcranial doppler; head trauma.

ABSTrACT

INTRODUÇÃO

D

esde as primeiras publicações de trabalhos que relacionaram o prognóstico de pacientes com trauma de crânio com as variações da pressão intra-craniana,1 o controle da hipertensão intracraniana

tornou-se o mais importante objetivo a ser alcançado no tratamento desses casos. Neurocirurgiões e neu-rointensivistas usam todos os meios disponíveis para a regulação dessa importante variável, monitorizada com frequência nas unidades de medicina intensiva de todo o mundo.

A partir do período final da década de oitenta e do início dos anos noventa, novos trabalhos mostraram

que o principal fator que indica o prognóstico desses enfermos é a isquemia cerebral sofrida pelos tecidos traumatizados,2 e um dos principais fatores que

deli-neiam a área isquêmica é a pressão intracraniana. Assim, observou-se que esta pressão é um dos fato-res, mas não o único, que irá determinar a gravidade final do trauma craniano.3

Passou-se então a avaliar melhor outro fator tão importante quanto a pressão intracraniana para determinar a lesão isquêmica – o fluxo sanguíneo cerebral.4 A capacidade de manutenção desse fluxo

pode interferir positivamente no prognóstico desses doentes. Ao contrário, a falta de cuidados com essa

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variável pode piorar o quadro neurológico. Além disso, sabe-se que as variações do volume sanguíneo encefálico alteram muito a pressão intracraniana, e o controle do fluxo sanguíneo cerebral pode permitir o controle final do volume sanguíneo encefálico em referência.5

Dessa forma, a monitorização hemodinâmica tornou-se uma das mais importantes formas de con-trole do quadro que afeta o doente com traumatismo cranioencefálico grave. O perfeito entendimento e o controle das variáveis envolvidas na regulação do fluxo sanguíneo cerebral determinam, muitas vezes, a sorte do enfermo.

VaRIáVeIs eNVOlVIDas Na mONITORI-zaÇÃO hemODINâmIca

Baseando-se em que o evento determinante final da lesão isquêmica é o fluxo sanguíneo cere-bral, torna-se muito importante o conhecimento das variáveis a este relacionadas. As seguintes variáveis devem ser compreendidas: volume sanguíneo cere-bral, pressão de perfusão cerecere-bral, resistência vascu-lar cerebral, consumo metabólico de oxigênio, dife-rença arteriovenosa de oxigênio.

O fluxo sanguíneo cerebral corresponde à quanti-dade de sangue que atinge o tecido cerebral em certa fração de tempo. Seu valor normal para o cérebro como um todo é 53,5 mL/100 g/min.6 Esse valor de

fluxo é diretamente proporcional à pressão de per-fusão cerebral – que corresponde à pressão arterial média menos a pressão intracraniana – e inversa-mente proporcional a resistência vascular cerebral.7

Diferente de todos os outros órgãos do corpo, o cérebro é o único capaz de autorregular esse último parâmetro, isto é, alterando a resistência vascular cerebral, ou seja, dilatando ou contraindo as arté-rias cerebrais, o encéfalo mantém constante o fluxo sanguíneo cerebral. A este mecanismo se denomina autorregulação da circulação cerebral. Este meca-nismo permite que o valor do fluxo sanguíneo cere-bral não se altere, dentro de um limite que varia de 50 a 150 mmHg de pressão de perfusão cerebral, ou seja, se a pressão de perfusão cerebral puder ser mantida dentro desses valores, é possível haver a manutenção do fluxo sanguíneo cerebral em valores fisiológicos.8

O mecanismo pelo qual o cérebro regula o diâ-metro dos vasos está fora do foco desta revisão, mas o fato é que algumas variáveis podem interferir nesse processo. A mais importante delas é a variação do pH do interstício cerebral. Sabe-se que a hipocapnia

causa vasoconstricção cerebral, e a hipercapnia pro-voca vasodilatação. O principal determinante do pH cerebral é a pressão do dióxido de carbono tecidual. Portanto, em última análise, a variação da PCO2 pode determinar o diâmetro do vaso. A resposta do vaso cerebral às variações do dióxido denomina-se vasorreatividade cerebral.9

O fluxo sanguíneo cerebral é uma variável muito dinâmica e altera-se significantemente em situações de agressão ao tecido encefálico. O fluxo sanguíneo cerebral pode ser determinante da pressão intracra-niana, pois a diminuição desse fluxo desencadeia uma resposta do mecanismo de autorregulação da circulação cerebral em direção à vasodilatação, aumentando o volume sanguíneo cerebral e, final-mente, aumentando a pressão intracraniana. Por outro lado, o fluxo sanguíneo cerebral também pode ser influenciado pela pressão intracraniana, quando elevações dessa última agem sobre as artérias cere-brais, o que dificulta a circulação sanguínea e dimi-nui o fluxo sanguíneo cerebral.10 Desse modo, está

claro que o controle dessas duas medidas é impe-rioso em situações extremas.

É por intermédio do fluxo sanguíneo cerebral que o encéfalo recebe os nutrientes e o oxigênio necessários às suas células. A maior ou menor necessidade desses nutrientes ou de oxigênio podem também interferir nas medidas de fluxo.11

Assim, a monitorização de outro parâmetro torna-se importante – o metabolismo cerebral. As taxas que medem esse metabolismo baseiam-se no maior ou menor consumo de um determinado elemento, sendo oxigênio o mais usado. A variável relacio-nada ao metabolismo do oxigênio é a taxa meta-bólica cerebral de oxigênio, e seu valor normal é 3,2 mL/100 g/min. Essa taxa está diretamente rela-cionada ao fluxo sanguíneo cerebral, bem como à diferença arteriovenosa de oxigênio. Esta última variável é calculada com base na diferença entre a quantidade de oxigênio do sangue que entra no crânio através das carótidas e a quantidade que sai pelo sangue jugular. Permite avaliar a necessidade de captação de oxigênio pelos tecidos cerebrais. É representada por um número, que varia de 4 a 8.12

Pode expressar indiretamente o consumo de oxi-gênio, mas tem como desvantagem não se alterar em casos de lesões focais e, principalmente, ser influenciada pelo fluxo sanguíneo cerebral.13 Além

disso, levam-se em conta para o seu cálculo, valo-res como a hemoglobina e a pvalo-ressão tecidual de oxigênio, o que pode interferir na sua interpretação.

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Sempre que existir diminuição da oferta de oxi-gênio ao cérebro, vai caracterizar hipóxia, que pode ser hipóxica, em razão das disfunções respiratórias, ou isquêmica, por disfunções circulatórias – dimi-nuição do fluxo sanguíneo cerebral. Nessas duas situações, ocorrerá aumento da taxa metabólica cerebral de oxigênio. A hipóxia será compensada de duas formas, ou seja, na hipóxia hipóxica vai ocorrer elevação do fluxo sanguíneo cerebral, com desen-volvimento de vasodilatação e na hipóxia isquê-mica, quando ocorre inicialmente uma elevação da diferença arteriovenosa de oxigênio, a qual pode manter o metabolismo normal até determinados valores de fluxo. O mais importante é que ambos os mecanismos provocam vasodilatação, aumentando o volume sanguíneo cerebral e aumentando a pressão intracraniana.14

Assim, define-se isquemia como resultado da diminuição do fluxo sanguíneo cerebral a níveis abaixo das necessidades metabólicas do tecido, e o contrário será denominado hiperemia. Esta última pode ser consequente ao aumento das necessidades metabólicas, em resposta a hipóxia, quando se deno-mina hiperemia acoplada. Caso ocorra elevação do fluxo sanguíneo cerebral sem elevação das necessi-dades metabólicas, vai haver hiperemia desacoplada, ou “perfusão de luxo”.15 Na primeira situação, ocorre

concomitante elevação da diferença arteriovenosa de oxigênio. Na segunda, essa diferença pode estar diminuída ou normal. Dessa forma, nota-se que nem toda hiperemia cerebral vem acompanhada de dimi-nuição dessa diferença arteriovenosa.16

alTeRaÇões hemODINâmIcas ceRe- bRaIs após O TRaUmaTIsmO eNcefá- lIcO

As primeiras manifestações de trauma grave em indivíduos politraumatizados referem-se à hipóxia. Vários fatores podem colaborar para ocorrer esse evento, ou seja, insuficiência respiratória (hipóxia hipóxica), insuficiência circulatória, hipertensão intracraniana – como no caso de lesões expansivas tais como hematomas – ou vasoespasmo cerebral (hipóxia isquêmica).17 A hipóxia cerebral

manifesta-se inicialmente pelo aumento da taxa metabólica cerebral de oxigênio. Para equilibrar as demandas, o cérebro lança mão da elevação do fluxo sanguí-neo cerebral, com o objetivo de manter o suporte metabólico e a normalização da referida taxa – con-sidera-se como elevação do fluxo sanguíneo cere-bral acoplada às necessidades metabólicas.18 A fase

inicial do trauma cranioencefálico também pode ser acompanhada de inatividade elétrica pós-traumática, com diminuição da taxa metabólica cerebral de oxi-gênio e, consequentemente, diminuição acoplada do fluxo sanguíneo cerebral. Assim, na primeira fase do trauma cranioencefálico (24 horas), o fluxo san-guíneo cerebral pode estar normal, elevado ou baixo a depender da sua relação com a mencionada taxa metabólica de oxigênio no cérebro.19 A verificação

prática desse fenômeno pode ser feita por meio das relações entre medidas de fluxo sanguíneo cerebral e diferença arteriovenosa de oxigênio.

A segunda fase do trauma craniano inicia-se a par-tir do segundo ou terceiro dia após o evento inicial. A hipóxia tecidual desencadeia o fenômeno de isquemia celular, com a consequente elevação da taxa metabó-lica cerebral de oxigênio. A compensação inicia-se por elevação do fluxo sanguíneo cerebral à custa de vaso-dilatação arteriolar. Esse fenômeno aumenta o volume sanguíneo cerebral e, finalmente, provoca hipertensão intracraniana. Essa elevação da pressão intracraniana acaba por piorar a isquemia tecidual, levando a mais vasodilatação, que, em última, análise piora a hiper-tensão intracraniana. A esse mecanismo denomina-se “cascata de vasodilatação”. Esta pode ser ainda agra-vada caso ocorra o reflexo de Cushing, com abaixa-mento da pressão de perfusão cerebral. A fase final é caracterizada pela máxima vasodilatação, coincidindo com a perda completa da autorregulação da circulação cerebral, quando então a pressão de perfusão cerebral irá variar linearmente com a pressão arterial média. Nota-se assim, que os grandes inchaços pós-traumáti-cos são decorrentes de hiperemia acoplada, resultante de hipóxia. Portanto, nessas situações, não se deve esperar a diminuição da diferença arteriovenosa de oxigênio.20 As hiperemias desacopladas (aumento do

fluxo sem alterações de taxa metabólica cerebral de oxigênio) ocorrem em poucas ocasiões, em geral em crianças ou adultos jovens, e somente a estas podem ser caracterizadas como o verdadeiro brain swelling ou

perfusão de luxo. Nessas situações pode-se reconhecer

a diminuição da diferença arteriovenosa de oxigênio.21

Um dos principais fenômenos mantenedores da “cascata de vasodilatação” a partir do quinto ou sétimo dia pós-trauma é o vasoespasmo cere-bral. Hoje já se reconhece o desenvolvimento desse fenômeno em até 50% dos doentes com trauma cranioencefálico grave, que têm evolução tempo-ral semelhante à hemorragia subaracnoide espon-tânea.22 O vasoespasmo aumenta a hipóxia

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de autorregulação da circulação cerebral, mantendo um alto volume sanguíneo cerebral, que sustenta a hipertensão intracraniana.

Nessa situação, o assistido sofre diminuição do fluxo sanguíneo cerebral e consequente diminuição da taxa metabólica cerebral de oxigênio. Esta última variável necessita, porém, manter-se normal ou ele-vada (em virtude da hipóxia isquêmica), o que é obtido com o aumento da diferença arteriovenosa de oxigênio. É interessante essa situação ambígua do encéfalo, pois ocorre vasoconstricção em artérias de grande, médio e pequeno calibre, porém com vasodi-latação de arteríolas pré-capilares e do leito venoso, o que mantém o alto volume sanguíneo cerebral.23

Tomando-se a teoria da “cascata de vasodi-latação” como principal causa e mantenedora da hipertensão intracraniana, é imperioso em qualquer paciente sob estado grave a correta avaliação da integridade ou não do mecanismo de autorregulação da circulação cerebral, que pode estabelecer con-dutas. Outra avaliação fundamental é a integridade da vasorreatividade cerebral, que pode interferir no referido mecanismo de autorregulação. Importa lem-brar que, em muitas vezes, ocorre perda da autorre-gulação de pressão arterial, mas mantém-se a PCO2.24

cOmO mONITORIzaR esses paRâme- TROs?

A monitorização adequada de qualquer paciente com traumatismo craniano grave deve levar em conta três variáveis, isto é, a avaliação da pressão intracra-niana, do fluxo sanguíneo cerebral e do metabolismo cerebral. A primeira variável está fora do foco deste artigo, atendo-se às duas seguintes.

O metabolismo cerebral pode ser monitorado de diversas formas a depender dos recursos disponíveis. Pode-se lançar mão, por exemplo, da PET (positron

emission tomography), para avaliar diretamente a

taxa metabólica cerebral de oxigênio. É uma técnica cara e pouco disponível, além de ser quase incompa-tível com doente em estado grave.25 Na

impossibi-lidade de avaliação direta do consumo metabólico, seja de oxigênio, seja de outras substâncias, hoje, em muitos centros, se faz a chamada microdiálise cerebral, com dosagens de metabólitos do metabo-lismo cerebral, como o lactato. Esta é uma medida indireta do consumo de oxigênio ou de glicose.26 Em

nosso meio, a forma mais simples e difundida de monitorização da taxa metabólica cerebral de gênio é a medida da diferença arteriovenosa do oxi-gênio. Amplamente divulgada, é usada em muitos

locais como divisor de águas entre vasoespasmo e hiperemia.13,27 Como se mostrou na sessão anterior,

nos casos de hiperemia, na maioria das vezes não se pode confiar nessa medida, pois ocorre elevação do fluxo acoplado ao aumento das necessidades meta-bólicas cerebrais, e a diferença arteriovenosa de oxi-gênio não se altera. Mesmo em condições de vasoes-pasmo, pode não haver elevação dessa variável, pois caso aquele seja focal, a amostra do sangue jugular não mostrará a alteração.

Também o fluxo sanguíneo cerebral pode ser avaliado de muitas formas. Medidas diretas de ava-liação do fluxo podem ser feitas por meio da dosa-gem de xenônio, da tomografia computadorizada com xenônio, da dosagem de óxido nítrico, da tomo-grafia computadorizada com emissão de fóton único (SPECT) e mesmo da ressonância nuclear magné-tica com a técnica de perfusão. Em geral, essas téc-nicas se limitam pela dificuldade de realização e da necessidade de retirar-se o enfermo da unidade de terapia intensiva. Além disso, algumas são invasivas e mesmo, como o xenônio, podem elevar a pressão intracraniana.28

Diante disso, existem ainda outras técnicas, que avaliam o fluxo sanguíneo cerebral de maneira indi-reta. Como exemplo citam-se o doppler transcra-niano e a laser-fluxometria.28 Esse doppler avalia o

fluxo pela monitorização da velocidade de fluxo nas artérias cerebrais.29

O doppler TRaNscRaNIaNO e a mONI-TORIzaÇÃO hemODINâmIca ceRebRal

Esse tipo de doppler é uma técnica surgida em 1982, quando Aaslid e colaboradores desenvolveram um apa-relho doppler capaz de emitir ondas de baixa frequência, que possibilitou ultrapassar algumas barreiras ósseas. Dessa forma, começou-se a avaliar a velocidade do fluxo das artérias intracranianas, sendo a mais frequente a artéria cerebral média.29 O doppler transcraniano

ofe-rece uma medida indireta de fluxo sanguíneo, pois mede a velocidade de fluxo. O valor dessa velocidade pode ser considerado igual ao do fluxo somente quando o diâme-tro do vaso avaliado não se altera, o que não é habitual em situações reais.30 Como exemplo, pode-se referir ao

vasoespasmo quando ocorrer diminuição do diâmetro do vaso com redução do fluxo sanguíneo, mas com ele-vação da velocidade de fluxo.31

Outra importante informação cedida pelo

dop-pler transcraniano relaciona-se à resistência ao fluxo.

Existem índices avaliados durante o exame que permi-tem identificar a dificuldade ou a facilidade com que

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ocorre a circulação das hemácias dentro de um vaso. O índice mais usado para essa avaliação é o índice de pulsatilidade, que, quanto mais elevado for maior será a resistência intravascular. Em geral, a maioria das inter-pretações dos exames com doppler transcraniano é base-ada nessas duas variáveis – a velocidade de fluxo e os índices de resistência vascular.32

Quando se refere à utilidade do exame em doen-tes com trauma cranioencefálico, o doppler trans-craniano pode permitir: (1) aferir indiretamente a pressão intracraniana; (2) diferenciar estados hipe-rêmicos de vasoespasmo; (3) testar a integridade do mecanismo de autorregulação da circulação cere-bral; (4) testar a vasorreatividade cerebral e (5) ava-liar morte encefálica.22,23

Considera-se que, em pacientes com hipertensão intracraniana, ocorra transmissão da pressão intra-craniana aos vasos sanguíneos cerebrais, principal-mente no âmbito da microcirculação. Isso aumenta a resistência à circulação sanguínea. Este aumento pode ser avaliado pelo doppler transcraniano por meio do índice de pulsatilidade, que irá se elevar. Então, é possível a avaliação indireta da pressão intracraniana com uso do referido doppler. Elevações moderadas da pressão intracraniana elevam também o índice de pulsatilidade. Caso a pressão intracra-niana se torne intensa, também ocorrerá diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, traduzida no doppler intracraniano pela diminuição das velocidades de fluxo. Caso a pressão intracraniana continue a se ele-var, ocorrerá o impedimento do fluxo anterógrado ao cérebro, o que provocará morte encefálica.33,34

Outra grande vantagem que se pode obter com a monitorização de fluxo é a possibilidade de ava-liação quanto a hiperemia ou vasoespasmo.22 O

doppler transcraniano permite essa diferenciação

e, consequentemente, a adaptação das condutas. No caso de hiperemia, identificam-se elevações discre-tas ou moderadas das velocidades de fluxo, mas com reduções dos valores do índice de pulsatilidade. Este último altera-se em razão da ocorrência de vasodila-tação cerebral, pela redução da resistência ao fluxo. A elevação das velocidades de fluxo também pode ser notada nas carótidas extracranianas, não se alte-rando o índice de Lindengaard.35 Já o vasoespasmo é

caracterizado por elevações dignas de nota das velo-cidades de fluxo (acima de 120 cm/s), associadas a velocidades normais nas carótidas extracranianas. A razão entre velocidade média na artéria cerebral média pela velocidade média na carótida petrosa ou na cervical caracteriza o índice de Lindergaard, que,

no caso de vasoespasmo, deve ser superior a 3.36

Determinar a preservação do mecanismo de autorre-gulação da circulação cerebral permite que se utilize ou não esse parâmetro como orientação do tratamento do trauma cranioencefálico grave (teoria da terapia hiperdi-nâmica). O teste de Aaslid pode ser realizado para deter-minar a integridade desse mecanismo. Desinsuflando-se subitamente os manguitos aplicados aos membros infe-riores do assistido, provoca-se hipotensão transitória. Ao doppler transcraniano, com a integridade do meca-nismo de autorregulação da circulação cerebral mantido, observa-se rápida diminuição das velocidades médias de fluxo nas artérias cerebrais médias, seguida de rápido retorno aos valores iniciais. Se houver diminuição das velocidades e não ocorrer a consequente normalização, isso indicará incapacidade de adaptação da circulação cerebral, sugerindo perda do mencionado mecanismo de autorregulação.37

Outra variável importante a ser avaliada em pacientes com trauma cranioencefálico grave é a preservação da vasorreatividade cerebral. Esta pode ser testada pela alteração do pH intersticial para aci-dose, o que provoca vasodilatação cerebral quando os vasos ainda retêm a capacidade de reagir ao pH. A acidose pode ser obtida com a inalação do dió-xido de carbono ou por infusão intravenosa de ace-tazolamina. Ao doppler transcraniano, uma resposta positiva, ou seja, preservação da vasorreatividade, seria a elevação dos valores de base das velocida-des de fluxo medidos nas artérias carótidas comuns, com diminuição ou não do índice de pulsatilidade. Esse teste deve ser realizado com muita parcimônia e somente em casos limítrofes, pois tem capacidade de elevar a pressão intracraniana.38

Finalmente, caso todas as intervenções falhem e o doente tenha aumento incontrolável da pres-são intracraniana, o que levará ao infarto cerebral maciço, o doppler transcraniano permite o diagnós-tico preciso de morte encefálica. Essa técnica tem sensibilidade de 100% e especificidade de 91%.39

pROpOsTa De assOcIaÇÃO De mONITORI-zaÇÃO hemODINâmIca e meTabólIca

Qualquer monitorização completa de um paciente com trauma cranioencefálico grave deve incluir avaliação da pressão intracraniana, do fluxo sanguíneo cerebral e do metabolismo cerebral. A avaliação isolada de apenas uma dessas variáveis pode ser insuficiente em algumas situações. Por exemplo, a monitorização apenas da pressão intra-craniana pode revelar hipertensão intraintra-craniana,

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mas não sua causa. A avaliação da diferença arte-riovenosa de oxigênio como medida isolada pode ser falha e não conseguir mostrar uma situação de hiperemia ou de vasoespasmo.19 Mesmo a avaliação

isolada do fluxo sanguíneo cerebral pode não corres-ponder à verdade, pois elevações do fluxo acopla-das às necessidades metabólicas não indicam estado hiperêmico real.22

Por conseguinte, pretende-se concluir este artigo com a proposta prática de associar os achados da avaliação hemodinâmica feita com o doppler trans-craniano com os da avaliação metabólica, por inter-médio da diferença arteriovenosa de oxigênio.

A primeira situação a considerar é a fase inicial do trauma. Caso o doente desenvolva agudamente lesão expansiva volumosa, os tecidos adjacentes, sob condi-ções de compressão, desenvolverão hipóxia isquêmica. Ocorrerá então o mecanismo de “cascata de vasodilata-ção” com elevações contínuas da pressão intracraniana e reduções do fluxo sanguíneo cerebral.12 Isso se

mani-festa ao doppler transcraniano com a diminuição das velocidades médias nas artérias carótidas comuns.34 A

compensação inicial ocorre com a elevação da diferença arteriovenosa de oxigênio. Nessa situação, o melhor tra-tamento é a elevação da pressão de perfusão cerebral, o que melhora o fluxo sanguíneo cerebral e, obviamente, a imediata evacuação da lesão. É importante notar que, nesse momento, caso não seja possível a reversão da situação, ocorrerá diminuição contínua das velocidades de fluxo e elevação dos valores de pressão intracraniana ao doppler transcraniano,34 com elevação proporcional

da diferença arteriovenosa de oxigênio.12 O enfermo

sofrerá hipertensão intracraniana maligna irreversível. Outra situação que pode ocorrer na fase inicial do trauma cranioencefálico grave, que é mais fre-quentemente observado em casos de lesão axonal difusa, é a diminuição do fluxo sanguíneo cerebral em decorrência da inatividade elétrica cerebral. O assistido terá baixo metabolismo – baixa taxa meta-bólica cerebral de oxigênio – e diminuição do fluxo sanguíneo cerebral acoplada às suas necessidades metabólicas.11 Essa situação pode ser identificada

com diminuição das velocidades de fluxo globais ao

doppler transcraniano33 e com diferença

arteriove-nosa de oxigênio em valores normais.

Em uma segunda fase, nos casos de traumatismos cranianos difusos com elevação da pressão intracra-niana, ocorrerá também elevação do fluxo sanguí-neo cerebral para compensar a elevação da diferença arteriovenosa de oxigênio, tendendo a regularizar a taxa metabólica cerebral de oxigênio (hiperemia

acoplada). Caso ocorra a compensação, a diferença arteriovenosa de oxigênio irá se normalizar. Nessa situação, encontram-se velocidades de fluxo pouco ou moderadamente elevadas33 e a citada diferença

estará pouco elevada ou normal. Nessa fase, deve-se evitar a vasoconstricção cerebral e manter adequada pressão de perfusão cerebral.

A hiperemia desacoplada – brain swelling primário – será manifestada por elevação da pressão intracraniana, elevação das velocidades de fluxo, diminuição dos valo-res de índice de pulsatilidade 35 e diminuição da

dife-rença arteriovenosa de oxigênio.12 Esse doente deve ser

avaliado quanto à preservação do mecanismo de autor-regulação da circulação cerebral. A terapia deve basear-se na vasoconstricção cerebral e na elevação ou não da pressão de perfusão cerebral a depender do resultado da integridade do mecanismo de autorregulação retro-citado. A situação de vasoespasmo cerebral será a mais facilmente detectada, pois o doppler transcraniano per-mite identificar os padrões típicos, e a diferença arterio-venosa de oxigênio estará elevada. A terapia deve seguir os mesmos protocolos usados para o vasoespasmo cere-bral pós-hemorragia subaracnoide espontânea.38

cONclUsões

A monitorização hemodinâmica é técnica dispo-nível que não pode ser ignorada. Sua correta inter-pretação permite que sejam adotadas as condutas mais adequadas para cada caso em cada fase da evo-lução do trauma cranioencefálico. A otimização da monitorização da pressão intracraniana, associada a outras ferramentas como o doppler transcraniano e a diferença arteriovenosa de oxigênio, pode mudar o perfil das práticas convencionais de tratamento intensivo em pacientes com trauma craniano grave e outras lesões isquêmicas cerebrais também graves.

cONflITOs De INTeResses

Nada a declarar pelo autor.

RefeRÊNcIas

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Referências

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