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REMIX ENSEMBLE CASA DA MÚSICA 21:00 SALA SUGGIA

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11 JUN | 2013

REMIX ENSEMBLE CASA DA MÚSICA

21:00 SALA SUGGIA

Michael Wendeberg direcção musical Agata Zubel soprano

Stephanie Wagner flauta

Digitópia Collective electrónica

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL

MECENAS PROGRAMAS DE SALA

1ª Parte

Franco Donatoni

Orts (Souvenir II), para 14 instrumentos [1969; c.10min.]

Salvatore Sciarrino

Archeologia del telefono, para 13 instrumentos

[2005; c.13min.]

Pierluigi Billone

Kosmoi. Fragmente, para soprano e 7 instrumentos

[2008; c.16min.]

2ª Parte

Luca Francesconi

Etymo, para soprano, electrónica e orquestra de câmara

[1994; c.23min.]* Luciano Berio

Serenata I, para flauta e 14 instrumentos  [1957; c.11min.]

portrait salvatore sciarrino iii: Compositor em Associação portrait luca francesconi iv: Compositor em Residência itália 2013

Notas ao programa e tradução do texto original(*) disponíveis em www.casadamusica.com, na página do concerto ou

no separador downloads.

Michael Wendeberg direcção musical

O maestro e pianista Michael Wendeberg nasceu em Ebingen/Schwäbische Alb, em 1974. Estudou piano com Markus Stange, Bernd Glemser e Benedetto Lupo, ga‑

nhou vários prémios e colaborou com importantes or‑

questras e festivais. Foi pianista do Ensemble intercon‑

temporain entre 2000 e 2005.

Estudou direcção na masterclass de Toshiyuki Kamioka em Saarbrücken, tendo sido seu assistente na Ópera de Wuppertal. Trabalhou com Daniel Barenboim entre 2008 e 2010 na Ópera de Berlim, onde assistiu também maes‑

tros convidados como Pierre Boulez e Sir Simon Rattle. Em 2010/2011 foi maestro do Teatro Nacional de Mannheim.

Dirigiu agrupamentos como Staatskapelle Berlin, mu‑

sikFabrik de Colónia, Neue Vocalsolisten Stuttgart, Kam‑

merensemble Neue Musik Berlin, Ensemble Contre‑

champs, Coro de Câmara Apollini et Musis da Ópera de Berlim, Filarmónica de Ljubljana, Sinfónica de Wupper‑

tal e Collegium Novum Zürich, do qual é o maestro con‑

vidado principal. Tem ‑se apresentado em palcos e festi‑

vais destacados como a Bienal de Munique, Festival de Bregenz, Musicadhoy em Madrid, Wien Modern, Festival Eclat em Estugarda, Klangspuren em Schwaz, Bienal de Veneza e Festival de Lucerna.

O repertório de Michael Wendeberg como maestro estende ‑se de Bach à música contemporânea. Em ópera e teatro musical, dirigiu obras como The man who mistook his wife for a hat de Michael Nyman (Wuppertal, 2006), a estreia mundial de ArbeitNahrungWohnung de Enno Po‑

ppe (Bienal de Munique, 2008) e Simplicius Simplizissimus de K. A. Hartmann (Estúdio de Ópera de Zurique, 2010).

Desde 2011/2012, é maestro do Teatro de Lucerna e di‑

rector musical do Ensemble Contrechamps. Como con‑

vidado, dirige o Remix Ensemble no Porto e o Klangfo‑

rum Wien.

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A CASA DA MÚSICA É MEMBRO DE APOIO INSTITUCIONAL

ITÁLIA 2013

Agata Zubel soprano

Agata Zubel nasceu em Wroclaw. Diplomou ‑se com dis‑

tinção na Academia Karol Lipinski e em 2004 concluiu o Doutoramento em Música. Ensina actualmente na Aca‑

demia de Música de Wroclaw.

A música moderna ocupa um lugar especial no seu repertório como cantora, estreando e gravando várias obras de compositores contemporâneos. Criou o Elet‑

troVoce Duo com o pianista e compositor Cezary Duch‑

nowski em 2001. Nos últimos anos, interpretou obras de Lutosławski, Bernhard Lang, Salvatore Sciarrino, Zyg‑

munt Krauze, Dobromila Jaskot e Philip Glass. Tem ‑se apresentado em toda a Europa e também no Canadá e EUA. Trabalhou com ensembles de música contempo‑

rânea famosos como Klangforum Wien, musikFabrik, London Sinfonietta e Seattle Chamber Players. Em 2009 foram editados dois novos CDs pela CD Accord: “Cas‑

cando” com música de câmara sua (Prémio Fryderyk) e

“Poems” com canções de Copland, Berg e Szymański.

Ganhou vários concursos como cantora e como com‑

positora. Recebeu o prestigiante Prémio Passport de mú‑

sica clássica da revista Polityka em 2005, ano em que a sua 2ª Sinfonia – encomendada pela Deutsche Welle – foi estreada no Festival Beethoven em Bona. Escreveu duas óperas para o Teatro Nacional de Varsóvia. Recebeu enco‑

mendas dos festivais Ultraschall em Berlim, Wratislavia Cantans, Central European Music em Seattle e Sacrum Profanum em Cracóvia, Teatro Wielki/Ópera Nacional Polaca, London Sinfonietta, Klangforum Wien e Filar‑

mónica de Cracóvia. Nos anos recentes foi compositora residente no Festival Other Minds em São Francisco e na Filarmónica de Cracóvia.

Stephanie Wagner flauta

Natural de Lisboa, Stephanie Wagner estudou no New England Conservatory de Boston, EUA (1997, Bachelor of Music com distinção) e na Hochschule für Musik und Theater em Munique, Alemanha (2001, “Meisterklasse”

com distinção). Ainda enquanto estudante iniciou o tra‑

balho em orquestras como a Sinfónica de Londres, a Fi‑

larmónica de Boston, as Sinfónicas de Nuremberga e Mu‑

nique, tocando também regularmente com a Orquestra Gulbenkian e a Orquestra Sinfónica Portuguesa.

Stephanie Wagner participou em várias gravações para a Rádio da Baviera, a WGBH de Boston e MODE Re‑

cords em Nova Iorque (obras integrais de John Cage).

Apresentou ‑se como solista nos festivais de Salzburgo na Áustria, de Tanglewood nos EUA e no Festival “Serate mozartiane” na Sardenha, Itália. Foi bolseira da Funda‑

ção “Villa Musica” de 1999 até 2003.

Trabalhou com Karl Kaiser e a Freiburger Barockorches‑

ter em cursos de aperfeiçoamento no traverso, tendo ‑se apresentado neste instrumento em concertos na Alema‑

nha e Portugal com maestros como Harry Christophers, Lawrence Cummings e Andrew Parrot.

Desde Janeiro de 2004 é solista do Remix Ensemble Casa da Música. Apresentou ‑se como solista nas princi‑

pais salas de Portugal e pela Europa, interpretando obras como ...explosante ‑fixe... e Mémoriale de Pierre Boulez, Tempi concertati de Luciano Berio com Peter Rundel e Abyss de Franco Donatoni com Emilio Pomàrico.

Entre Outubro de 2011 e Março de 2013 leccionou na ESMAE, integrando o corpo docente da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa desde 2011.

remix ensemble casa da música Violino

Angel Gimeno José Pereira Viola

Trevor McTait Violoncelo Oliver Parr Contrabaixo António A. Aguiar Flauta

Stephanie Wagner

OboéJosé Fernando Silva Francesco Samassimo Clarinete

Victor J. Pereira Ricardo Alves Fagote

Roberto Erculiani Trompa

Nuno Vaz Trompete Gary Farr

Trombone Paulo Alves Percussão Mário Teixeira Manuel Campos Piano

Jonathan Ayerst Vítor Pinho Harpa Carla Bos Acordeão

Paulo Jorge Ferreira

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Este concerto mostra bem a pujança e diversidade da 3

música italiana contemporânea, com obras de dois mes‑

tres já falecidos – Berio e Donatoni –, de duas figuras em meio de carreira – Billone e Francesconi –, e ainda daque‑

le que é (porventura) o mais consagrado dos composito‑

res italianos vivos – Sciarrino.

Útil será comparar – e contrapor – alguns aspectos das obras em programa:

Duas das peças envolvem voz (as dos composito‑

res mais jovens); outras duas (de Sciarrino e Berio) são exclusivamente instrumentais; uma outra ainda (a de Donatoni), pode ou não ser acompanhada pela leitura de um texto (ouviremos hoje a versão unica‑

mente instrumental).

Entre as peças exclusivamente instrumentais, a de Berio é de algum modo mais abstracta, já que o dis‑

curso segue uma lógica mais especificamente musical (sem referências ao mundo exterior). Já a de Sciarrino tem uma componente mais representativa, evocando toques de telemóvel e outros elementos do mundo so‑

noro contemporâneo.

Se Billone e Sciarrino exploram novas possibili‑

dades sonoras dos instrumentos tradicionais, quase nunca nos dando a ouvir o tipo de som que habitual‑

mente associamos a cada instrumento, já Donato‑

ni, Francesconi e Berio reconhecem as funções tra‑

dicionais dos instrumentos, procurando certamente expandi ‑las (inclusivamente com o uso da electróni‑

ca), mas não negá ‑las.

Se o mundo de Billone é contemplativo – um es‑

paço ritual sem direcção temporal –, o de Francesco‑

ni constrói um claro discurso narrativo – com princí‑

pio, meio e fim.

Também muito diverso é o carácter das peças, do li‑

rismo de Berio à energia densa e caótica de Donatoni, passando pelo apelo primitivo e misterioso de Billone e pelo carácter espirituoso da obra de Sciarrino.

Franco Donatoni

verona, 9 de junho de 1927 milão, 17 de agosto de 2000

Orts (Souvenir II), para 14 instrumentos [1969]

Donatoni compôs Orts num período de especial fascí‑

nio pela abordagem de John Cage. Influenciado pela (pa‑

radoxal) intenção de remover a sua intencionalidade da obra musical, fazendo uma música em que cada som existisse por si mesmo, independentemente de outros sons e da vontade do compositor, Donatoni desenvolve também uma atitude de “negação da composição”. Em várias obras – incluindo Orts – recorre ao que designava então por automatismos: processos abstractos aplicados de forma automática sobre um material de base (even‑

tualmente retirado de uma obra pré ‑existente), não po‑

dendo o compositor, depois de lançado o processo, con‑

trolar os detalhes do resultado.

A música é tendencialmente densa e complexa, num

carácter frequentemente nervoso e agressivo, sugerindo uma espécie de caos sonoro organizado. Nunca se desta‑

cam melodias ou outros elementos individuais: a percep‑

ção que temos da música é sempre global, estatística. O que ouvimos é um jogo entre sonoridades que podem – globalmente – ser mais ou menos densas, mais ou menos intensas, mais estáveis ou mais voláteis, e que podem ser elaboradas em transformações lentas e graduais, ou arti‑

culadas em mudanças repentinas.

Um aspecto tende, contudo, a ser constante: há qua‑

se sempre uma sobreposição de vários movimentos de‑

sencontrados entre si, produzindo uma espécie de caos rítmico. De facto, se o maestro marca um tempo unifor‑

me para todo o ensemble, é comum que uns instrumen‑

tos façam 3 articulações por tempo, outros 4, outros 5, outros 7, outros 9, etc., gerando o referido efeito caótico.

Salvatore Sciarrino

palermo, 4 de abril de 1947

Archeologia del telefono, para 13 instrumentos [2005]

“A arqueologia do presente serve para criar um bom curto ‑circuito mental. Os nossos dias, que nos pare‑

cem modernos, vêm de repente postos numa perspec‑

tiva que os coloca no mundo do inanimado. A ironia descobre então os objectos e fá ‑los reviver, na medi‑

da em que são vistos por um olhar exterior, talvez vin‑

do do futuro”.

(Nota de apresentação de Sciarrino, incluída na par‑

titura de Archeologia del telefono)

Como ponto de partida para esta obra, Sciarrino imagina um futuro mais ou menos distante, em que os aparelhos telefónicos que povoam o nosso quotidiano se encontram expostos num museu. Assim procura lançar um olhar mais objectivo e irónico sobre o mundo contemporâneo, em particular sobre as novas tecnologias da comunicação.

Em possível alusão à “intermitência e casualidade” que – na sua própria expressão – caracterizam a utilização ha‑

bitual dessas tecnologias, o discurso sonoro é também bastante fragmentado: diferentes ideias e sons aparecem e desaparecem, de modo sempre imprevisível, sem que nenhum deles chegue a criar uma clara linha de desen‑

volvimento.

De entre esses sons, destaca ‑se um conjunto de inter‑

venções solísticas, inicialmente ouvidas nas cordas (so‑

bretudo no contrabaixo). Trata ‑se, na verdade, de peque‑

nos fragmentos melódicos, com figurações rápidas e irregulares, em movimentos ascendentes e descenden‑

tes, sugerindo uma espécie de balbuciar nervoso e capri‑

choso (um tipo de movimento melódico que é, aliás, uma marca estilística de Sciarrino).

Outros sons aparecem também, interrompendo ou co‑

mentando – de modo mais frequente ou espaçado – as intervenções solísticas: sons muito agudos nas cordas;

o ruminar do bombo; articulações secas em percussões agudas; um som rico e áspero no fagote; vários sons de

(4)

ar; um trinado na flauta (como um pássaro); sons isola‑ 4

dos e extremamente agudos no piano. Estes diferentes sons evocam um mundo de toques de telefone (dos mais antigos aos actuais telemóveis), de sinais de espera, e mesmo de buzinas e outros ruídos do nosso tempo.

Neste contexto, talvez sejam as intervenções melódi‑

cas – pelo facto de serem individuais, em pequenos frag‑

mentos, sem ligação clara umas com as outras, e sem que nenhuma delas chegue a desenvolver um discurso sus‑

tentado – uma forma de evocar o diálogo “intermitente e casual” de pessoas que comunicam através das novas tecnologias.

Pierluigi Billone

sondalo (itália), 14 de fevereiro de 1960

Kosmoi. Fragmente, para soprano e 7 instrumentos [2008]

Aluno de Sciarrino e Lachenmann, Billone partilha com os seus dois mestres o fascínio pela exploração de novos territórios tímbricos. Interessa ‑se sobretudo pela percus‑

são e pelos instrumentos graves, o que se ouve particular‑

mente bem nesta peça.

Contudo, este interesse na exploração de novos tim‑

bres não é um objectivo em si mesmo. Billone parece es‑

tar sobretudo interessado em evocar um certo arcaísmo, um certo primitivismo, em fazer a música regressar às suas origens, aos seus impulsos mais fundamentais. Es‑

tranhamente, é uma música que parece ser ao mesmo tempo muito nova e muito antiga.

Em Kosmoi. Fragmente, a voz é utilizada pelo seu poten‑

cial para produzir uma multiplicidade de sons: sons de boca fechada, articulações contínuas com determinadas consoantes (como o som “rrrr”), ou fonemas de signifi‑

cado incompreensível, evocativos de uma linguagem pri‑

mitiva. Em contraponto aos sons vocais – geralmente ar‑

ticulados em figuras nervosas, instáveis e irregulares –, ouvimos um conjunto de sons instrumentais, que vão aparecendo recorrentemente: múltiplas sonoridades nas percussões, evocativas e misteriosas, primevas e (por ve‑

zes) quase selvagens; uma sonoridade rica e complexa no fagote; batimentos rítmicos no acordeão e na trompa; o ruído de palmas; sons secos de sinos.

O discurso nunca adquire uma dimensão narrativa: de facto, nunca ouvimos uma progressão de um ponto em direcção a outro. Reside aqui, em parte, o fascínio desta música: através de sonoridades estranhas que, de modo aparentemente arbitrário, vão entrando e saindo miste‑

riosamente de cena, cria ‑se uma espécie de espaço ritual, em que o efeito de passagem do tempo é totalmente neu‑

tralizado. Mesmo nas partes mais agitadas, nunca se cria uma direcção: a música permanece sempre num domí‑

nio contemplativo.

Luca Francesconi

milão, 17 de março de 1956

Etymo, para soprano, electrónica e orquestra de câmara [1994]

Esta obra, composta com recurso à tecnologia electrónica do IRCAM, é uma das mais ambiciosas e significativas de Francesconi. Nela, recorre ‑se a fragmentos de três poemas de Baudelaire: “Le Voyage”, “L’Albatros” e “Carnets Inti‑

mes”. O texto não é, contudo, unicamente cantado da for‑

ma tradicional. Na verdade, o interesse de Francesconi é justamente o de explorar diferentes formas de relação en‑

tre a palavra e o som, desde o puramente fonético (as pala‑

vras simplesmente como fonemas, como sons) ao semân‑

tico (as palavras como portadoras de sentido).

Esta polarização (entre o fonético e o semântico) está na base da estrutura formal da peça. Na verdade, também aqui Francesconi se inspira em Baudelaire, derivando uma estrutura tripartida da frase “Dites, qu’avez ‑vous vu?”.

Assim, na primeira parte (“Dites”), trata ‑se simples‑

mente de dizer, de articular sons (fonemas), que não têm ainda um sentido específico. Ainda que esses sons se‑

jam retirados de Baudelaire (trata ‑se de partículas como

“di”, “te”, “vou”, “vu” ou “m”), são apresentados de for‑

ma fragmentada e em sucessão aparentemente aleató‑

ria. De resto, essa fragmentação e aparente arbitrarie‑

dade caracteriza não só a escrita vocal, mas também a escrita instrumental e electrónica: de facto, nunca ouvi‑

mos aqui linhas melódicas, mas pequenas figuras fugi‑

dias, em aparente desordem. Aos poucos, a orquestra vai procurando explorar texturas menos caóticas, ao mesmo tempo que a voz vai procurando tornar ‑se mais cantada, aflorando o elemento semântico que, todavia, será plena‑

mente assumido apenas na terceira parte.

Antes disso, temos um interlúdio electrónico (que corres‑

ponde à vírgula na frase de Baudelaire), em que a voz sinté‑

tica diz “Le navire glissant sur les gouffres amers”: o sentido emerge já um pouco, ainda que de modo algo irreal.

A explosão semântica (e poética) dá ‑se na terceira par‑

te (“qu’avez ‑vous vu?”). É um momento extraordiná‑

rio de luz e transparência, doçura e lirismo, quando a cantora nos diz “même dans nos sommeils. La curiosi‑

té nous tourmente”. Há aqui – finalmente – uma escrita plenamente melódica, associada a um carácter onírico, que traduz o sentido do texto. Tendo ‑se formado no can‑

to, a melodia alastra então para a orquestra, formando‑

‑se uma polifonia de linhas expressivas. Após um curto – mas violentíssimo – clímax, a música dissolve ‑se numa escrita mais irregular e fragmentada.

(5)

Extractos de poemas de Charles Baudelaire 5 (tradução livre)

O exultar do algoz, o carpir do mártir A festa temperada

(o navio que desliza por sobre os amargos abismos) mesmo nos nossos sonhos

A Curiosidade atormenta ‑nos e leva ‑nos como Anjo cruel que açoita os sóis.

Cuja miragem mais amargo faz o abismo?

Surpreendentes viajantes!

Façam, para alegrar o tédio das nossas prisões, Passar ‑nos pelo espírito tenso como tela

As vossas recordações com as suas molduras de horizontes.

Então, o que viram?

Vimos astros

E mares, vimos também areias;

O esplendor do sol por sobre o violeta do mar, O esplendor das cidades ao pôr ‑do ‑sol,

As mais ricas cidades, as mais vastas paisagens Não tinham nunca a misteriosa atracção Do que com nuvens o acaso faz.

E mais, e mais ainda?

Para não esquecer o que é capital, Vimos

A mulher, escrava vil, orgulhosa e estúpida E o homem,

Escravo da escrava.

O exultar do algoz, o carpir do mártir A festa que o sangue tempera e perfuma;

e vimos

os menos tolos, ousados amantes da demência, ASSIM DE TODA A ORBE AS SEMPITERNAS NOTÍCIAS (chegou a hora!

Esta terra aborrece ‑nos, Oh Morte!

esta chama queima ‑nos o cérebro, no fundo do abismo

do desconhecido novo).

“Moral e fisicamente, sempre tive a sensação do abismo, e não só do abismo do sono mas também do da acção, do sonho, da memória, do desejo, do lamento, do remorso, do belo, da quantidade…

Cultivei a minha histeria. O vento da imbecilidade...”

Tradução: Carlos N. G. Amador

Luciano Berio

oneglia (itália), 24 de outubro de 1925 roma, 26 de maio de 2003

Serenata I, para flauta e 14 instrumentos [1957]

Esta peça pertence ainda a uma fase relativamente inicial na obra de Berio, composta na sequência do impacto que teve o contacto com Boulez e Stockhausen, em Darm‑

stadt, a partir de 1953. É então a época do apogeu do se‑

rialismo, em que a vanguarda leva a cabo um extremo de abstracção e formalização da música. Prevalece a ideia de que todos os aspectos da música devem ser derivados, de modo inteiramente lógico e racional, a partir de um nú‑

cleo de base. Absorvendo esses princípios, Berio mantém sempre um espírito crítico e, na verdade, um certo dis‑

tanciamento. De facto, a sua sensibilidade musical era demasiado lírica, demasiado mediterrânica, para se po‑

der enclausurar num sistema totalmente racionalizado.

Dessa assimilação muito pessoal e livre do serialismo é paradigmática a peça que hoje ouvimos. Na sua globa‑

lidade, apresenta essencialmente três tipos de situações:

momentos em que a flauta está sozinha (como no início);

partes em que há um acompanhamento discreto – em combinações instrumentais muito variadas –, sem que a flauta perca o protagonismo principal; tuttis orquestrais, em que a flauta está quase sempre ausente.

A escrita da flauta é muito variada, oscilando entre pequenas figuras espaçadas por silêncios e momentos mais assumidamente líricos, além de outros mais rítmi‑

cos e virtuosísticos. As intervenções puramente orques‑

trais – relativamente raras – tendem a ser muito densas, apresentando ‑nos uma polifonia de pequenas figuras, numa distribuição irregular e imprevisível de activida‑

de através da orquestra, com cores tímbricas sempre re‑

novadas (sente ‑se a influência clara de Webern). Apesar da fragmentação de muitos elementos – tanto na flauta como na orquestra –, o impulso lírico e expressivo de Be‑

rio é sempre manifesto.

Com base nestes elementos, a peça articula ‑se funda‑

mentalmente em três grandes secções. Numa primei‑

ra, alternam ‑se episódios centrados na flauta (frequen‑

temente a solo) e intervenções do tutti orquestral. Numa segunda parte, ouvimos uma sucessão de pequenos mo‑

mentos, quase todos com um acompanhamento discre‑

to, sendo recorrente uma combinação tímbrica especial‑

mente sugestiva e misteriosa, com a harpa e o piano. A terceira parte começa com o regresso do tutti (no mo‑

mento mais longo da peça sem flauta), conduzindo à ca‑

dência final do solista.

daniel moreira (2013)

Referências

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