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A DESCOLONIZAÇÃO NA ÁFRICA AUSTRAL

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Academic year: 2022

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A DESCOLONIZAÇÃO NA ÁFRICA AUSTRAL

Os países da África austral que resistiram por mais tempo à descolonização receberam expressivas colônias de povoamento europeu. Esta herança possibilitou para as colônias portuguesas, assim como para a Rodésia e, contundentemente, para a África do Sul a constituição de uma elite branca, historicamente refratária à ideia de participação política da maioria negra. Como a imensa desproporção demográfica entre negros e brancos nestes países indicava a insustentabilidade de seus regimes a longo prazo, a busca para atenuar esta desproporção demográfica através da imigração era, ao lado da repressão militar e das manobras neocolonialistas, parte eficaz do combate aos movimentos de libertação. Na segunda metade da década de 1960, foi posta em prática uma política de colonização em Angola através de um plano elaborado, em conjunto, por Portugal e pela África do Sul, tratava-se da fundação de um núcleo industrial-agrícola que contaria com um milhão de imigrantes brancos marginalizados em Portugal. Este projeto foi elaborado quando crescia a luta armada nas colônias portuguesas e mostra a irrealista pretensão sul-africana de conter a descolonização na África austral através de métodos associados ao colonialismo clássico. Na medida em que, durante a década de 1960, evoluía a luta de libertação nacional em Angola e Moçambique, crescia a participação de tropas sul-africanas na repressão a estes movimentos. Lutando ao lado do exército português, a África do Sul também apoiou os movimentos nacionais conservadores pró- ocidentais para garantir aliados, no caso da saída de Portugal.

Os movimentos de libertação nacional de Angola e Moçambique tiveram formações semelhantes, tanto o MPLA como a FRELIMO foram formados pela fusão de diversos grupos nacionalistas de esquerda de seus países. A relação dos movimentos de libertação nacional na África austral é marcada pela cooperação, na medida em que regimes negros progressistas eram instalados nos países recém independentes, os movimentos de libertação nacional ganhavam bases próximas de suas fronteiras. Esta cooperação contribuiu para o encadeamento do processo de descolonização na região, a independência de um país limítrofe significava para os grupos revolucionários, além da consequente ajuda prática, um grande apoio moral. A independência de Moçambique teve grande influência no processo de libertação do Zimbábue, ao tornar-se uma base para tropas da ZANU invadirem a exposta fronteira com mais de 1.000 quilômetros entre estes países.Na África do Sul, a descolonização das colônias portuguesas e seus desdobramentos levantaram o ânimo dos movimentos de resistência ao apartheid, a contra-ofensiva de Angola, auxiliada por Cuba e URSS, impôs uma humilhante derrota ao exército sul-africano.

A descolonização das colônias portuguesas significou mudanças drásticas no cenário geopolítico da África austral. A perda do principal aliado na cooperação militar representou um golpe fatal em seu “cordão de segurança”. A partir daí o processo de reacomodação da correlação de forças locais, que culminou na descolonização da Rodésia, foi acelerado. Neste período, o foco de tensão da Guerra Fria foi deslocado do sudeste asiático para a África negra, região que havia permanecido até então relativamente à margem no conflito Leste/Oeste. O principal reflexo foi o envolvimento da União Soviética nos conflitos regionais, principalmente na consolidação dos governos independentes das ex-colônias portuguesas, isto fez com que o continente deixasse de ser um terreno de exclusiva influência ocidental.

O sucesso da Revolução dos Cravos em Portugal é atribuído, além do óbvio acúmulo de

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revolta popular local contra o regime fascista que permaneceu por mais tempo no poder, à estagnação econômica e principalmente ao desgaste causado pelas guerras de libertação nas colônias africanas. Em meados da década de 1960, o custo da repressão portuguesa já trazia problemas, eram tantos os recursos materiais e humanos empregados no conflito, que em determinado momento chegou a atingir a metade do orçamento do país e a mobilização de 175.000 homens.A dispendiosa e violenta guerra nas colônias determinou a derrota do colonialismo na África e do fascismo em Portugal. Os movimentos de libertação africanos libertaram seus povos e deram aos portugueses a oportunidade de

se libertarem também. Eles foram responsáveis por uma vitória militar decisiva tanto na Europa como na África.

O fim do “cordão de segurança” da África austral ameaçava os interesses comuns de Washington e Pretória. Interessava não apenas a eles, mas também a todos os paises europeus com investimentos na região, uma rápida estabilização e, se possível, o restabelecimento do status quo. A África do Sul esperava contar com a solidariedade da aliança ocidental, principalmente com o engajamento norte-americano motivado pelo controle das reservas de minerais preciosos e energéticos abundantes na África austral. Para atrair este engajamento, a intervenção sul-africana em Angola foi implementada sob um forte discurso anticomunista de denúncia do “expansionismo soviético”. Neste momento, porém, os problemas internos e o desgaste militar dos EUA não permitiram que fossem empregadas forças militares próprias na África austral como Pretória esperava, no entanto, os EUA não deixaram de considerar o crescimento da importância estratégica da África do Sul na Guerra Fria.

A colaboração norte-americana com Pretória privilegiou o fornecimento de material bélico e contribuiu para que, no final dos anos 70, o complexo militar-industrial sul-africano adquirisse capacidade nuclear. De forma mais ampla, o governo norte-americano aumentou o financiamento de grupos pró-ocidentais que lutavam na contrarrevolução em Angola e Moçambique, com a utilização inclusive de repasses secretos, após a negativa de seu parlamento em aprová-los. As ações norte- americanas mais importantes a favor da África do Sul foram diplomáticas, no sentido de embargar ou retardar a aprovação de resoluções da ONU contrárias à África do Sul, além de intensificar sua atividade econômica, política e ideológica nos países africanos para barrar o crescimento soviético e dos outros países socialistas africanos.

Após a derrota portuguesa, a maior exposição geográfica às ofensivas de Pretória e da RENAMO e a maior dependência econômica de Moçambique inviabilizaram sua reorganização nacional. Em Angola, os grupos que lutaram pela independência nacional estabeleceram um governo de transição formado pelas três forças heterogêneas que lutaram contra o colonialismo. O cenário de fragmentação interna e a forte ingerência internacional geraram início de uma violenta guerra civil, em que a disputa travou-se entre a revolução e a reação conservadora: de um lado, os revolucionários nacionalistas do MPLA, apoiados desde então por Cuba e URSS e do outro lado os dois grupos contrarrevolucionários e neocoloniais, apoiados por África do Sul e EUA. A África do Sul assumiu a coordenação da frente sul da contrarrevolução em Angola, tornou-se base de apoio para a UNITA, contribuiu com material bélico e tropas enviadas clandestinamente até sua primeira intervenção declarada em 1976. Este fato marcou, não apenas o fim da distensão africana, mas também uma virada na política regional sul-africana. A intervenção em Angola fundou uma tradição de interferência repressiva na África austral que, na década seguinte, assumiu caráter sistemático

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com a “Estratégia Total”.

Nesta circunstância, a Rodésia como Estado tampão e a Namíbia como colônia foi o que restou do “cordão de segurança” sul-africano, Pretória compreendeu que a própria existência de seu regime dependia da sustentação destes países em sua órbita. A manutenção do status quo mostrava- se insustentável, pois as tentativas convencionais para conservá-lo só poderiam conduzir ao recrudescimento da guerra revolucionária.As manobras de Pretória falharam e o regime racista da Rodésia foi derrubado. As eleições foram vencidas com facilidade pelo marxista Robert Mugabe que formou um governo de coalizão entre os movimentos de libertação. Com habilidade, manteve sua prosperidade e permitiu o encaminhamento das reformas sociais favoráveis à maioria negra, essa original revolução africana deixou a África do Sul sozinha na região.

Sob o governo Reagan, os EUA inauguraram uma nova política para a África austral, o

“Engajamento Construtivo” (Contructive Engagementt), pelo qual propunham resolver o problema do apartheid através do diálogo, enquanto forneciam a cobertura diplomática para as ações coercitivas da África da Sul na região. A radicalização do novo governo norte-americano atendia enfim as desesperadas expectativas sul-africanas. A conjuntura de convulsão regional destacava a África do Sul de tal forma, que Washington sustentou o apoio incondicional à Pretória, enfrentando um cenário internacional de condenação generalizada ao apartheid. Com esta inflexão política, os Estados Unidos

“inseriram a política relativa ao subcontinente em uma visão globalista de combate ao comunismo.

Nesta regressão ao fundamentalismo da Guerra Fria, as elites brancas da África do Sul gozaram, assim, de uma nova apreciação como co-combatentes no confronto global contra a União Soviética”.O investimento de 100 milhões de dólares do governo norte-americano em um “Fundo especial para a manutenção da segurança nos países da África Austral”,no início da década de 1980, deixou claro o teor desta nova política.

Os EUA estavam decididos a recuperar o tempo perdido e acabar com a situação favorável ao socialismo na região. Antes da ascensão de Reagan, o governo norte-americano já havia iniciado sua

reação no Terceiro Mundo. Em relação à África do Sul, continuaram fornecendo materiais bélicos, apesar de seu compromisso oficial em apoiar o embargo de armas a este país, aprovado pela ONU em 1977. Contornado por EUA e Israel, o embargo de armas, paradoxalmente, contribuiu para o desenvolvimento da indústria bélica sul-africana, que tornou-se exportadora de armas no mercado mundial.

A contrapartida de Pretória, então mais do que nunca sustentada por Washington, foi igualmente intensa, baseada numa estratégia de intensificação da prática de desestabilização regional: a chamada Estratégia Total. Se antes havia uma certa confusão intencional quanto aos objetivos civis e militares e entre segurança interna ou externa nas questões estratégicas e de uso de tecnologia, a partir daí a África do Sul não tentou mais esconder o apoio dado às guerrilhas contrarrevolucionárias e aumentou suas intervenções.A nova estratégia consistia na organização e na generalização das intervenções na região, para combater o cerco dos Estados da Linha de Frente, discursivamente associado ao ataque total do marxismo e da URSS. A Estratégia Total contava com os seguintes elementos no campo da ação militar:

a) desestabilização militar direta;

b) assistência aberta de combate às guerrilhas contrarrevolucionárias;

c) assistência financeira e logística;

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d) fornecimento do território nacional como base de ação;

e) sabotagens a alvos econômicos e militares;

f) coerção econômica;

g) envolvimento em golpes militares; e

h) “forward defense” ou atentados terroristas pontuais aos movimentos de libertação.

Embora esta estratégia, assim como a reação internacional norte-americana, tenha sido formalizada a partir de 1980, a militarização da África do Sul remete ao final dos anos 70 como reação aos acontecimentos de Soweto, quando, “para evitar que a guerra civil invadisse o território nacional, o governo Botha conflagrou o sul da África, transformando os Estados vizinhos em zonas de guerra”.

Os desdobramentos da Estratégia Total foram relativamente bem sucedidos quanto às suas acepções regionais de contenção da Linha de Frente. De modo geral, estes países não conseguiram a estabilização de seus regimes, situação que muitas vezes forçou o desengajamento prematuro de alguns de seus membros. O problema regional mais duradouro para Pretória foi a guerra em Angola.

Quando iniciaram as negociações para o fim desta guerra, a África do Sul conseguiu manter, ao longo da década, a vinculação (linkage) entre a saída dos cubanos de Angola e a independência da Namíbia, situação articulada pelos EUA que deu à Pretória a possibilidade de prorrogar as decisões por bastante tempo. As derrotas militares sofridas por Pretória na guerra em Angola denunciam a perda de sua superioridade, por não conseguir sufocar a resistência formada pelo MPLA e pelas tropas cubanas. A partir de meados da década de 1980, esta situação agregada à conjuntura mais ampla em que a África austral perdeu sua importância estratégica, levou os EUA a interessarem-se pela rápida solução deste conflito e a incidirem para que Pretória cedesse nas negociações de paz. Assim a África do Sul teve que mudar sua postura intransigente do início da década e negociar a retirada das tropas cubanas de Angola em troca da independência da Namíbia, bem como a retirada sul-africana da zona ocupada ao sul de Angola.

Além da exacerbação dos conflitos no Terceiro Mundo causada pelos conflitos de baixa intensidade, a segunda Guerra Fria consistiu em uma nova corrida armamentista estimulada pelos EUA e baseada em elevados investimentos de alta tecnologia. Esta nova disputa não poderia ser sustentada pela URSS, que foi, mais uma vez e definitivamente, coagida a negociar seu desengajamento do Terceiro Mundo em troca da redução da pressão militar norte-americana. Os resultados da debilidade soviética foram as reformas políticas que, em pouco tempo, o desintegraram o sistema socioeconômico do leste europeu, dando fim à Guerra Fria. Estas mudanças drásticas no cenário internacional, no final dos anos 80, colocaram a África do Sul em uma difícil situação.

As sanções econômicas se intensificam e as críticas morais em defesa dos direitos humanos tornam-se bandeiras em todas as partes do mundo. O boicote global produziu fortes constrangimentos econômicos internos. Do ponto de vista militar, a derrota na Batalha de Cuito Cuanavale (Angola), em fevereiro de 1988, põe fim ao mito da invencibilidade das forças armadas sul- africanas. Pretória não tinha, a partir desse momento, condições econômicas ou militares para manter sua estratégia de defesa do sistema do apartheid. Isolada, a África do Sul se vê obrigada a repensar o mundo nesta mudança de cenário internacional.

O novo mundo que a ser pensado por Pretória resultou do fim da bipolaridade internacional na qual se sustentava a aliança de seu regime racista com o Ocidente. Com o fim do embate internacional, o continente africano como um todo perdeu sua importância estratégica. Com o fim da

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“ameaça soviética” na África austral, Pretória perdeu totalmente sua capacidade de barganha, os interesses do capitalismo ocidental estavam assegurados na região e os EUA não precisariam mais enfrentar o desgaste internacional por sustentar o apartheid.

Disponível em http://www4.fapa.com.br/monographia/artigos/1edicao/artigo2.pdf Autor: Rafael dos Santos

Referências

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