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A DESCONFORMIDADE DO BEM NA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA PELO LOCATÁRIO

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A DESCONFORMIDADE DO BEM NA RESOLUÇÃO DO CONTRATO

DE LOCAÇÃO FINANCEIRA PELO LOCATÁRIO

António Luís da Costa Rodrigues

Orientador: Professor Doutor Pedro Dias Venâncio

Dissertação apresentada ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave para obtenção do Grau de Mestre em Solicitadoria – especialização em contratos

Setembro, 2016

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A DESCONFORMIDADE DO BEM NA RESOLUÇÃO DO CONTRATO

DE LOCAÇÃO FINANCEIRA PELO LOCATÁRIO

António Luís da Costa Rodrigues

Orientador: Professor Doutor Pedro Dias Venâncio

Dissertação apresentada ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave para obtenção do Grau de Mestre em Solicitadoria – especialização em contratos

Setembro, 2016

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DECLARAÇÃO

Nome: António Luís da Costa Rodrigues

Endereço Eletrónico: totito.rodrigues@gmail.com

Tel./Telem.: 253914001 / 939637522 Número do Cartão de Cidadão: 12193400

Título da Dissertação: A desconformidade do bem na resolução do contrato de locação financeira pelo locatário.

Orientador: Prf. Dr. Pedro Dias Venâncio Ano de conclusão: 2016

Designação do Curso de Mestrado: Mestrado em Solicitadoria – especialização em contratos.

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, __/__/____

Assinatura: ___________________________________________________________

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A DESCONFORMIDADE DO BEM NA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA PELO LOCATÁRIO

Data da publicação 2016

Resumo Quando perante uma desconformidade de um bem dado em locação financeira, vendo-se o locatário financeiro numa necessidade de agir para salvaguarda dos seus direitos e partindo este de uma posição mais frágil, urge encontrar respostas o mais satisfatórias possíveis no seio da doutrina e jurisprudência para, de forma imediata, colmatar a lacuna jurídica em que tais situações se encontram. A importância que a locação financeira tem no seio das empresas portuguesas, bem como a sua dimensão como instrumento de acesso a determinados bens de consumo, de forma célere e descomplicada, torna este exercício ainda mais aliciante. Apesar deste tipo contratual encontrar disciplina legal em Portugal desde o Decreto-Lei nº 171/79, de 6 de junho, continua aberta nos dias de hoje a questão da resolução pelo locatário financeiro do contrato de compra e venda celebrado entre locador financeiro e fornecedor e os seus efeitos no contrato de locação financeira. Atendendo à importância que reveste a locação financeira na atualidade, esta tese pretende abordar as questões inerentes à desconformidade do bem no contrato de locação financeira, à relação existente entre a compra e venda e aquela. Procuramos, pois, colocar estes esforços ao serviço da resolução de problemas que a prática negocial do regime da locação financeira encerra.

Beholding the nonconformity of leased goods the lessee finds himself in need to take action in order to safeguard his rights, often in a weaker position. It is, then, of the utmost urgency to find a satisfactory answer within the doctrine and case- law to immediately fill the legal vacuum one finds such situations are in. The importance of lease within portuguese companies, as well as its merit as a tool for fast and uncomplicated access to consumer goods, makes this an even more pressing issue. Despite this contract being regulated in Portugal by the Decreto- Lei n. 171/79, of the 6th of June, the issue of the resolution of the purchase contract, agreed upon by lessor and supplier, by the lessee and its effects on the leasing contract remains to be answered. Given the importance of lease in this day and age, this thesis aims to address the issues inherent to the unconformity of goods within the leasing contract and the relationship between the purchase and sale and the former. We aim, then, our efforts to solving the problems that the business practice of the leasing arrangement contains.

Palavras Chave Locação Financeira/Compra e Venda/Desconformidade/Resolução/Efeitos

Tipo masterThesis

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AGRADECIMENTOS

Sic parvis magna – o resultado final desta dissertação deve-se ao papel que várias pessoas desempenharam, por muito singelo e aparentemente impercetível, a quem dirijo os meus mais sinceros agradecimentos.

Em primeiro lugar ao Professor Doutor Pedro Dias Venâncio, orientador desta dissertação, dirijo-lhe com profundo reconhecimento um especial agradecimento por todas as sugestões e críticas ao longo deste processo, toda a sua disponibilidade que sempre demostrou e a persistência em sempre ter acreditado no resultado final.

Em segundo lugar aos meus pais, sempre com uma presença forte e encorajadora na realização deste mestrado, bem como uma ajuda importantíssima na conclusão do mesmo.

Agradeço, também, ao meu irmão pelas suas opiniões e o seu sempre “olhar corretor”.

Manifesto especial gratidão ao Hugo Milhazes pela simpatia e ajuda demonstrada no acesso à Biblioteca Concepción Arenal – Universidade de Santiago de Compostela, sem o qual não seria possível a reunião da bibliografia desejada para o trabalho.

Uma palavra especial à Drª. Susana Almeida, docente da Unidade Curricular de Direito do Consumo, pela apresentação do tema da locação financeira e consequente interesse que me despertou e levou a esta dissertação.

Por fim, agradeço à Rosa, ao Luís e à Francisca, por estarem sempre presentes, este trabalho é tão vosso como meu.

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ABREVIATURAS

Ac. Acórdão

Al. Alínea

ALD Aluguer de Longa Duração

ALF Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting

Art. Artigo

Arts. Artigos

CC Código Civil

C.Com. Código Comercial

DL Decreto-Lei

Pág. Página

PP. Páginas

Rel. Relação

SS. Seguintes

SAT Sentencia de la Audiencia Territorial

STJ Supremo Tribunal de Justiça

STS Sentencia del Tribunal Supremo

Trib. Tribunal

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ÍNDICE GERAL

ABREVIATURAS vii

ÍNDICE GERAL viii

ÍNDICE DE TABELAS x

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO I – DA LOCAÇÃO FINANCEIRA

3

1 – ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA 3

2 – NOÇÃO E CLASSIFICAÇÕES 6

3 – FIGURAS PRÓXIMAS 9

3.1 – A LOCAÇÃO 9

3.2 – A COMPRA E VENDA A PRESTAÇÕES 10

3.3 – O MÚTUO 11

3.4 – O CONTRATO DE ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO – ALD 12

3.5 – O SALE AND LEASE BACK 12

CAPÍTULO II – O REGIME LEGAL DO CONTRATO E A QUESTÃO DA NATUREZA JURÍDICA

13

1 – O ITER NEGOCIAL DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA 13

1.1 – OS INTERVENIENTES 14

1.2 – AS RELAÇÕES CONEXAS E AS OBRIGAÇÕES DAS PARTES 15

2 – A QUESTÃO CONTROVERSA. 16

3 – A TEORIA DOS CONTRATOS MISTOS 17

4 - A UNIÃO DE CONTRATOS OU CONTRATOS COLIGADOS 18

5 – IDENTIFICAÇÃO OU ESPECIFICIDADE? 18

CAPÍTULO III – A DESCONFORMIDADE DO BEM. CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA RELAÇÃO TRIPARTIDA.

20

1 – A ISENÇÃO OPE LEGIS DO LOCADOR FINANCEIRO E A DESCONFORMIDADE DO BEM. 20

2 – A TUTELA DO LOCATÁRIO 23

2.1 – MEIOS DE TUTELA DO LOCATÁRIO. 25

2.2 – A REDUÇÃO DO PREÇO E A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA. 26 2.3 - REPERCUSSÕES NO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA 30

2.4 – PRAZOS E PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO. 36

CAPÍTULO IV – ESPECIAL PARTICULARIDADE NO REGIME DA LOCAÇÃO FINANCEIRA PARA CONSUMO.

37

§ – O CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA PARA CONSUMO – ANÁLISE E INTEGRAÇÃO DO

REGIME DO DECRETO-LEI Nº 133/2009. 37

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA 41

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WEBGRAFIA 44

JURISPRUDÊNCIA 45

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela I – Número dos vários tipos de contratos de crédito 5

Tabela II – Montantes dos vários tipos de contratos de crédito (milhares de euros) 6

Tabela III – Evolução do leasing em Portugal 8

Tabela IV – Evolução do leasing em Portugal – Particulares 2006-2014. 9

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INTRODUÇÃO

Fruto da autonomia privada e da liberdade contratual, a locação financeira surge como um dos negócios económicos que mais se desenvolveu no último século. O leasing1 no mundo dos negócios, em particular na esfera das empresas, tornou-se um instrumento fundamental para colmatar as várias necessidades que o sector empresarial foi sentindo, em diversos ramos, à medida que o desenvolvimento dos mercados e a evolução dos produtos exigia uma atualização constante dos agentes económicos.

Sendo um instrumento ao serviço do crédito, nomeadamente a médio prazo, este proporciona vantagens ao mundo empresarial, destacando-se a possibilidade de através dele se poderem substituir equipamentos que, devido às constantes inovações tecnológicas, rapidamente se tornaram obsoletos.

Analisando este quadro no campo oposto, esta necessidade de constante atualização para fazer face à concorrência e à lei da oferta e da procura levou a uma cada vez maior procura do leasing, contribuindo para a sua progressiva assimilação e enraizamento nas sociedades modernas.

Por sua vez, a complexidade do instituto da locação financeira dificulta a sua explanação simples e concisa, estendendo a sua matéria por vários diplomas legais e com diversos pormenores conexos com outras áreas do direito. No entanto, pese embora a sua extensa ramificação e quadro estrutural complexo, esta operação de financiamento oferece no imediato um meio simples de alguém dispor de um bem, locando-o ao invés de o comprar e despender do valor total do mesmo.

A locação financeira surge como um contrato de financiamento que conjuga duas figuras contratuais muito próximas: o contrato de compra e venda e o contrato de locação. Será, pois, por esta razão, que este tipo contratual poderá assumir várias realidades jurídicas.

O quadro normativo em que se desenrola a locação financeira encontra-se regulado pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de junho, com as mais recentes alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de fevereiro. Um dos objetivos deste novo diploma legal era dotar a locação financeira de mecanismos de adaptação a um mercado cada vez mais exigente, com a crescente internacionalização da economia portuguesa e a sua integração no mercado único europeu, por forma a poder oferecer às empresas portuguesas um mecanismo contratual adaptado à realidade europeia.2

No entanto, apesar de um trabalho rigoroso no quadro legal da locação financeira, algumas questões permaneceram, tendo a doutrina e a jurisprudência se debruçado sobre elas com o passar dos anos. Cumpre, pois, esclarecer a problemática da natureza jurídica da locação financeira, campo introdutório na diversidade de opiniões e de doutrina. Será necessário retratar o regime jurídico em que este tipo contratual se explana, referindo de forma particular as relações que ele comporta. A relação triangular intrínseca presente na locação financeira é a base de muitas das considerações a serem feitas a seguir.

O presente estudo vai envolver uma recolha dos aspetos essenciais deste tipo de contrato, procurando expor e explicitar os elementos e aspetos mais relevantes que o constituem e descrevendo as características que preenchem o seu específico regime legal.

1 Palavra inglesa comumente utilizada na referência à locação financeira.

2 O fenómeno da “europeização” estava bastante enraizado na elaboração do diploma, que apostava na reforma da locação financeira como forma de eliminar desequilíbrios e disparidades das empresas portuguesas face às suas concorrentes europeias – cfr. Preambulo do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de junho.

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É nossa intenção dar resposta a uma das mais discutidas questões que versa a matéria da locação financeira: o regime jurídico aplicável à desconformidade do bem no contrato de locação financeira. Por outras palavras, vamos estudar a admissibilidade da resolução do contrato de compra e venda pelo locatário financeiro e eventuais efeitos no contrato de locação financeira. É este, pois, o objetivo primordial desta tese, o que nos conduzirá a levantar algumas questões relativas à natureza jurídica da locação financeira e a relação intrínseca com a compra e venda. Por outro lado, centrando a nossa atenção nesta problemática concreta, por uma questão de tempo e espaço, deixaremos propositadamente de nos debruçar sobre outras questões que se poderiam suscitar no regime da locação financeira.

Para atingirmos os objetivos propostos procedeu-se à recolha de bibliografia nacional e estrangeira, análise de jurisprudência e inclusive à recolha de dados estatísticos, que nos ajudaram a traçar a evolução da locação financeira bem como a enquadrar as questões que envolvem a temática.

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CAPÍTULO I – DA LOCAÇÃO FINANCEIRA

1 – ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A origem da locação financeira é inexata. Muitas das suas características remontam aos tempos da Antiguidade - o código de Hamourabi, em plena Babilónia; os Sumérios praticavam determinadas formas de locação; os escritos de Aristóteles contemplavam uma forma de leasing; alguns contratos romanos previam características totalmente locatícias; elementos caracterizadores de leasing eram usuais nas terras e castelos da idade média inglesa – mas a verdade é que este tipo negocial conhece hoje regras e molduras bem diferentes das desses tempos remotos3.

A imagem de locação financeira mais próxima com a atual surge na primeira metade do século XIX nos Estados Unidos, pelo que podemos dizer que a locação financeira como hoje a conhecemos e estudamos ganhou a sua moldura neste país, como resultado direto da sua economia. De facto, no seu desenvolvimento económico, grandes empresas americanas adotaram esta modalidade por forma a escoar os seus produtos:

sendo apontado como primeiro marco histórico deste tipo negocial em 1877 com a Bell Telephone Company que, por forma a mais facilmente implementar os seus produtos no mercado, decidiu alugá-los ao invés de os vender. A experiência foi de tal forma bem sucedida que outras empresas4 lhe seguiram os passos levando à criação de sociedades especializadas na prática do leasing. Mais tarde, é aceite por diversos autores5 que o Lend and Lease Act, publicado em Março de 1941 nos Estados Unidos, foi o momento decisivo para a afirmação do leasing. Segundo este diploma legal os Estados Unidos da América realizariam uma série de empréstimos de material militar aos países europeus que se encontravam em guerra com a Alemanha. Estes empréstimos eram realizados com opção de compra no final do contrato e previam uma série de indemnizações no caso de destruição dos equipamentos.6 É, pois, nos Estados Unidos que surge a primeira sociedade dedicada ao exercício da locação financeira: a United States Corporation em 1952.7

O leasing8 nos Estados Unidos teve um desenvolvimento acelerado e em pouco mais de 10 anos (1952-1962) o país registava cerca de 800 sociedades dedicadas a este tipo negocial.9

Esta figura contratual surge na Europa no segundo pós-guerra e, apesar do seu rápido crescimento nos Estados Unidos, encontrou alguma resistência deste lado do atlântico. As empresas americanas que, entretanto, se tinham especializado no desenvolvimento do leasing foram-se expandindo para a Europa, sendo mais rapidamente aceites em alguns países que noutros. De facto, a locação financeira constituiu um importante papel na atualização e desenvolvimento industrial. Países como a Alemanha, severamente destruída pela guerra e com uma grave falta de mão de obra, necessitavam de um forte impulso industrial.

MENEZES CORDEIRO relaciona este momento vivido na Alemanha com uma forte explosão salarial em que as empresas se viram obrigadas a recorrer à maquinaria e aos equipamentos para o seu

3 Cfr. PIZARRO, Sebastião Nóbrega, O contrato de locação financeira, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 9 e ss

4 A famosíssima IBM e a Remington –Rand, por exemplo.

5Cfr. PIZARRO, Sebastião Nóbrega, O contrato de ... ob cit., pág. 11.

6 Cfr. PIZARRO, Sebastião Nóbrega, O contrato de ... ob cit., pp. 9 e ss.

7 Cfr. VASCONCELOS, Duarte Pestana de, A locação financeira, ROA, 1985, pp. 263 e ss.

8 Esta terminologia anglo-saxónica não foi adotada pelos legisladores europeus que no âmbito do seu direito interno procuraram conceitos que facilmente permitem identificar este tipo contratual, pese embora tal terminologia seja comummente referida por variadíssimos autores europeus. Entre nós a expressão que o legislador português adotou foi “locação financeira”.

9 PIZARRO, Sebastião Nóbrega, ob. cit., pp.11 e 12; RODRIGUES, Miguel Tavares, MOUTINHO, Rui Leão, Leasing uma opção de financiamento, 4ª edição, Texto Editora, Lisboa, 1990, pp. 12 e ss.

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desenvolvimento.10 Estas recorriam ao leasing como forma de adquirir a maquinaria necessária à sua atividade sem ter de despender inicialmente uma grande quantia para ter acesso à mesma, como acontece na compra e venda.

O primeiro passo legislativo sobre a locação financeira no continente europeu foi dado em França, apesar de neste país existir já uma jurisprudência bastante enraizada que influenciou a própria natureza deste instituto.11 Comummente designado como crédit-bail, o legislador francês, pela Lei nº 66-455 de 2 de Julho, numa primeira fase definiu as operações deste instituto e submeteu as empresas de locação financeira ao jugo do regime geral de crédito, ou seja, ao regime aplicado às atividades bancárias e parabancárias. Uma segunda fase ocorre pouco mais de um ano depois com a Lei nº 67/837, de 28 de Junho, onde o instituto foi aperfeiçoado e viu o seu raio de ação alargado a bens imóveis, tendo ainda sido criado um regime fiscal próprio das sociedades que o realizavam. A última etapa coincide com o Decreto nº 72-665 de 4 de Julho e a regulamentação que este faz da publicidade deste tipo de contratos como forma de proteger interesses de terceiros.12

Dada a proximidade territorial e uma vez que França foi um baluarte na inspiração de legislações de diversos países europeus, a Bélgica seguiu-lhe os passos e em 1967, através de dois decretos reais de 10 de Novembro, regula disposições sobre o estatuto das empresas que se dedicam à location-financement.

Em Espanha o arrendamento financiero teve um aparecimento tardio. Com uma economia bastante atrasada e sedentária, fruto de anos de Franquismo, este tipo contratual não encontrou neste país um embrião ideal para um rápido crescimento, onde a indústria se encontrava obsoleta e as trocas comerciais se baseavam na importação de petróleo e cereais e exportação de produtos agrícolas, que consistiam na única moeda de troca do Estado Espanhol. No entanto, o crescimento económico despertou nos anos 60 e em 17 de Julho de 1965 surge a Ley sobre Venta de Bienes Muebles a Plazos, fortemente criticada pela doutrina espanhola, sobretudo pelas suas imprecisões técnicas. Assim, na necessidade de legislação sobre a matéria, a partir de 1977 surgem diversos decretos reais entre os quais se destaca o Decreto-Lei Real nº 15/77, de 25 de Fevereiro. Este definiu o contrato em si e submeteu as empresas que se dedicam ao arrendamento financiero a um regime fiscal próprio.13

A locação financeira em Portugal, quando comparada com outros países europeus, desenvolveu-se de forma muito tardia. Apontamos a nacionalização da banca e uma economia fortemente voltada para o setor primário como razões óbvias para tal.

A verdade é que em Portugal a locação financeira é precedida de legislação que veio regulamentar e definir o seu enquadramento. Até esse momento os contratos de financiamento celebrados nos moldes do

“leasing” eram contratos inominados. O quadro jurídico em que a locação financeira encontrou as suas regras teve início em 1979, aquando da publicação das primeiras leis sobre a matéria: o Decreto-Lei nº 135/79, de 18 de Maio, sobre as sociedades de locação financeira, e o Decreto-Lei nº 171/79, de 6 de Junho, sobre a locação financeira. Estes diplomas legais foram entretanto revogados e substituídos pelo Decreto-Lei nº

10 Cfr. CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito Bancário, 3ª Edição, 2008, Almedina, pp. 556 e ss.

11 SÁNCHEZ-PARODI PASCUA, José Luís, Leasing Financiero Mobiliário, Montecorvo, Madrid, 1989, pp. 64 e ss.

12 Cfr. SÁNCHEZ-PARODI PASCUA, José Luís, ob cit., pp. 66 e DUARTE, Rui Pinto, Escritos sobre Leasing e Factoring, Principia, Janeiro 2001, pp 23 e ss.

13 Sobre o arrendamento financiero ver CHULIA VICENT, Eduardo e BELTRAN ALANDETE, Teresa, Aspectos jurídicos de los contratos de Leasing, Libreria Bosch, 1989, pp. 16 e ss.

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72/95, de 15 de Abril, e pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho.14 Foi com o surgimento na década de 80 de empresas que se dedicavam à celebração deste tipo de contratos que a locação financeira começou a ganhar importância na economia nacional.

A caracterização legal do contrato leva-nos a crer que esta figura é muito idêntica ao crédit-bail, à location financement e ao arrendamiento financiero, embora como nos diz RUI PINTO DUARTE, “(...) claramente mais compreensiva, e portanto de âmbito mais restrito(...)”.15 Ainda para este autor, o legislador português forneceu-nos um regime completo e exaustivo da locação financeira através da influência de legislações estrangeiras, em particular a francesa e a belga, bem como da análise da prática negocial de outros países, da sua doutrina e jurisprudência, bem como da doutrina nacional.16

Pelas tabelas expostas infra conseguimos ter uma perceção da importância socioeconómica que este tipo contratual tem tido na realidade portuguesa:

Tabela I

Número dos vários tipos de contratos de crédito17

14 Sobre a evolução legislativa do leasing em Portugal veja-se DUARTE, Rui Pinto, O contrato de locação financeira – uma síntese, texto escrito para o livro de homenagem a Paulo Merelo Sendin Setembro de 2010, in

http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/rpd_ma_12952.pdf, acedido em 01 de setembro de 2015.

15 DUARTE, Rui Pinto, ob. Cit., p. 27.

16 DUARTE, Rui Pinto, ob. Cit., pp. 46 e ss.

17 Fonte: evolução dos novos contratos de crédito aos consumidores, Banco de Portugal, in www.bportugal.pt, acesso em 01/09/2015

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Tabela II

Montantes dos vários tipos de contratos de crédito (milhares de euros)18

No primeiro quadro verificamos que os números da locação financeira quando comparados com os de outros contratos de crédito ainda ficam aquém. E um dos fatores que mais contribui para essa realidade é o seu maior inconveniente: o custo mais elevado quando comparado com outras modalidades creditícias, nomeadamente o empréstimo bancário, bem como os limites de descoberto (também apelidadas de facilidades de descoberto).

No segundo quadro é notório o crescimento dos montantes relacionados com este tipo negocial desde o início de 2014. Fruto talvez de uma recuperação económica em que as instituições bancárias se encontram em melhores condições para a atribuição de crédito.

2 – NOÇÃO E CLASSIFICAÇÕES

A locação financeira constitui uma operação de financiamento pela qual uma entidade fornece a outra, por um prazo de tempo determinado e em troca do pagamento de rendas periódicas, o direito de utilização de um bem. Estatui o art. 1º do Decreto-Lei nº 171/79 que:

“Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação desta e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável, nos termos do próprio contrato”.

18 Fonte: evolução dos novos contratos de crédito aos consumidores, Banco de Portugal, in www.bportugal.pt, acesso em 01/09/2015

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Desta definição legal cumpre concluir que a locação financeira constitui um tipo contratual autónomo, que se situa algures entre a compra e venda e a locação, no entanto distinta de qualquer uma destas situações – facto que constataremos mais adiante. De facto, a locação financeira situa-se num espaço entre a cedência da coisa por um curto período e a sua cedência a título definitivo. DIOGO LEITE DE CAMPOS esclarece que esse espaço é deveras imenso e nele poderão ser encontradas várias formas contratuais. É precisamente nesse “espaço contratual” que se encontra a tipificação da locação financeira. 19 Trata-se, pois, de um contrato de médio ou longo prazo cuja finalidade é o financiamento de uma necessidade que uma entidade - locatário - tem para o uso de um bem e da disponibilização deste por parte de outra entidade - locador - que tem a propriedade desse mesmo bem, com a possibilidade de a entidade que solicitou esse financiamento adquirir esse mesmo bem no final do contrato. Aliás, esta “opção de compra” é característica elementar deste tipo contratual. Como nos diz SIMÕES PATRÍCIO, “(...) sem ele estar-se-á perante a locação comum ou simples (porventura um aluguer de longa duração).”20

Constitui, pois, uma operação celebrada entre uma instituição creditícia autorizada21 e uma pessoa singular ou coletiva, cujo âmago negocial resulta em inúmeras situações do dia a dia. E assim compreendemos que existam vários autores que apontam variadíssimas vestes deste tipo contratual. A título de exemplo, ENGRACIA ANTUNES22 enumera 10 classificações que a locação financeira pode revestir. No entanto, e para não tornar muito extensa esta exposição, optamos por fazer referência apenas à distinção mais frequente das modalidades de locação financeira, a que tem por base o objeto: a mobiliária e imobiliária. De acordo com o objeto cujo gozo se concede podemos saber se estamos perante o primeiro ou o segundo caso - um bem móvel ou um bem imóvel. Podemos ter diversos bens móveis como objeto do contrato de locação financeira mobiliária: computadores, automóveis, obras de arte, peças de joalharia, entre outras, especificando a letra do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 149/95 que a locação financeira tem como “objeto quaisquer bens suscetíveis de serem dados em locação”23. Relativamente a esta expressão do nº 1 do art. 2º do referido diploma legal, podemo-nos questionar se é admissível a locação financeira para bens incorpóreos, não restando quaisquer dúvidas quanto aos bens corpóreos. De facto, admitindo, pois, a realização de contratos de compra e venda de ações, marcas, direitos de autor e conexos, parece que este tipo de bens também podem ser objeto de contratos de locação financeira.24De facto, com o Decreto-Lei nº 149/95 alargou-se o objeto do contrato de locação financeira a quaisquer bens que sejam suscetíveis de serem dados em locação. Daqui podemos concluir que à exceção de bens futuros, uma vez que se visa na locação financeira o gozo de um bem já existente, todos os bens suscetíveis de serem dados em locação podem ser objeto de locação financeira.

No que concerne à locação financeira imobiliária, se numa primeira fase (Decreto-Lei nº 171/79) apenas os prédios destinados a investimento produtivo na indústria, na agricultura, no comércio ou outros

19 Cfr. CAMPOS, Diogo Leite de, A locação financeira, AAFDL, 2012, pp. 23 e 24.

20 Cfr. PATRÍCIO, José Simões, Direito Bancário Privado, Quid Iuris, Lisboa, 2004, pp. 321 ss.

21 Qualquer sociedade de locação financeira conforme definido nos arts. 3º alínea f) e 4º, nº 1, alínea b) do RGIC.

22 Para este autor a locação financeira pode ser imobiliária ou mobiliária, material ou imaterial, empresarial ou consumista, total ou parcialmente amortizada, e normal e restitutiva – cfr. ANTUNES, José A. Engrácia, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2ª reimpressão da edição de Setembro/2009, pp. 518 e ss.

23 Luís Duarte Manso identifica ainda modalidades menos tradicionais na locação financeira nomeadamente a que se refere a bens novos ou usados (firsthand-leasing e secondhand-leasing) – MANSO, Luís Duarte, Direito Bancário – casos práticos resolvidos, Quid Iuris, 2ª Edição, 2010, pp. 81 e ss.

24 Veja-se que a locação financeira de ações é admissível para Margarida Costa Andrade – cfr. ANDRADE, Margarida Costa, A locação financeira de ações e o direito português, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 380.

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sectores de interesse económico poderiam ser objeto de locação financeira, a partir de 1995 essa limitação deixou de existir face aos bens imóveis. De facto, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Julho, denota-se a preocupação que o legislador português tinha em uniformizar os regimes, procurando simplificar e tornar as diferenças entre eles o mínimo legalmente possível. Com esta alteração significativa, quanto à locação financeira de coisas móveis esta passou a estar sujeita a exigência de documento particular e para os bens imóveis apenas se tornou necessário um documento particular com o reconhecimento presencial de assinaturas das partes, abolindo-se a necessidade que até então existia da celebração do contrato por escritura pública. Manteve-se, porém, a necessidade de registo dos bens imóveis e dos móveis sujeitos a registo.

No quadro infra podemos quantificar a importância destas duas modalidades de locação financeira em Portugal. A primeira conclusão a que chegamos é que em Portugal se adquirem muitos mais bens móveis por locação financeira do que bens imóveis. Veja-se, a título de exemplo, o ano de 2007 em que os números de contratos de locação financeira imobiliária representavam pouco mais de 5% dos contratos de locação financeira mobiliária. Um outro dado a reter é o decréscimo do número de contratos entre 2007 e 2013, fruto da crise económica e financeira vivida a nível mundial.

Tabela III

Evolução do leasing em Portugal25

Outra distinção com elevada importância para a questão aqui vertida nasce a partir do critério da finalidade da utilização do bem a locar. Se o bem é locado a um consumidor, sem qualquer relação com a sua atividade comercial/empresarial, negócio esse que produzirá os seus efeitos na sua esfera enquanto pessoa física, estamos perante uma locação financeira para consumo. Diferentemente, em todos os casos em que o locatário não seja um consumidor estamos perante a locação financeira empresarial.26

Ora, se é evidente que o utente tem interesse na locação financeira, é ainda mais claro que dependendo do tipo de utente os interesses divergem. Se colocarmos a locação financeira na esfera de uma empresa podemos identificar diversas finalidades deste tipo contratual. Mas, a verdade é que a locação financeira é apenas uma das formas de uma empresa se financiar. Assim também se passa com os privados

25 Fonte: ALF- Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting, informação obtida via email em 24-08-2015.

26 MORAIS, Fernando de Gravato, Manual da Locação Financeira, Almedina, 2011, 2ª edição, pp. 51 e ss.

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(consumidores). Alternativa ao empréstimo bancário, o não aumento do endividamento bancário, a dedução das rendas em sede de IRC, entre outras, são razões apontadas pelo favorecimento da locação financeira por parte das empresas. E como um instituto que disponibiliza a fruição de bens sem o imediato pagamento da totalidade do seu preço, constituindo-se como um verdadeiro contrato de crédito, também este funciona ao serviço dos consumidores.

Também interessante é a análise dos números referentes aos contratos de locação financeira em Portugal realizados pelos consumidores. No quadro infra podemos ver que é sem dúvida, mais uma vez, através de bens móveis que este sector tem crescido e ganho cada vez mais importância.

Tabela IV

Evolução do leasing em Portugal – Particulares 2006-201427

3 – FIGURAS PRÓXIMAS

3.1 – A LOCAÇÃO

A locação é um dos principais tipos de contrato que mais nos interessa analisar. O art. 1022º do C.C.

identifica a locação como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”.

A similaridade de conceitos28 entre as duas figuras não se deve ao acaso. De facto, podemos questionar se a estrutura da locação financeira não constitui uma importação desse instrumento imensas vezes recorrido do ramo civil, com as profundas alterações de configurações entre eles.

O que realmente distingue estas duas figuras é o momento em que passamos da simples cedência do gozo do bem (locação simples) para a cedência do gozo de um bem no âmbito de um financiamento, sendo que o fim do contrato de locação financeira é obter um financiamento à utilização de um determinado bem.

Refira-se que na locação simples o locador responde pelos vícios ou defeitos na coisa locada. Situação bem

27 Fonte: ALF- Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting, informação obtida via email em 24-08-2015.

28 A própria designação de “locação financeira”; os sujeitos – locador e locatário; o nome atribuído à contraprestação – “renda”; são os exemplos mais crassos da influência do instituto de direito civil – a locação.

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diferente na locação financeira onde o locador financeiro está isento de responsabilidades no que respeita aos vícios do bem locado, de acordo com o art. 12º do Decreto-Lei nº 149/95, conforme adiante analisaremos melhor.

A primeira questão que colocamos é a de saber se na locação financeira estamos perante um mero negócio de locação ou até mesmo de um género de locação com particularidades financeiras próprias que lhe assistem. De facto, a principal vertente deste contrato é a concessão do gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. ABÍLIO NETO, fazendo referência a ALMEIDA COSTA, diz-nos que são três os elementos essenciais deste contrato: “a) a obrigação resultante para uma das partes (locador) de proporcionar à outra (locatário) o gozo de uma coisa, designadamente o aproveitamento das suas utilidades. b) A existência de um prazo, enquanto o gozo da coisa facultado ao locatário é temporário. c) O pagamento de uma retribuição pelo locatário.”29 A tese de que a locação financeira se traduz num negócio de locação encontrou diversos adeptos, sobretudo em Espanha, onde alguns autores, nos primeiros trabalhos acerca deste tipo contratual, tentaram encaixar esta figura no universo locatício, considerando-a uma espécie de “arrendamiento especial” ainda que com finalidade financeira.30

No entanto, apesar da similitude com a locação, nomeadamente no seu esquema estrutural e na aplicabilidade de algumas das suas regras, a locação financeira não se enquadra nos aspetos do regime geral daquela. Desde logo porque se existem casos em que o que se pretende é a concessão do gozo temporário, também existem muitos casos em que, no final do contrato, não se pretende a restituição do bem ao locador – a opção de compra -, servindo a locação financeira para o locador se garantir pela propriedade do bem.

Como elemento importantíssimo para afastar a locação financeira do regime da locação temos, pois, a questão das rendas. Se na locação as rendas pagas pelo locatário são apuradas conforme as vantagens que este vai retirar do gozo da coisa, na locação financeira a renda não tem qualquer relação com o gozo que o locatário tira do bem, mas antes é apurada face à amortização do preço do bem pago pelo locador. Acresce que na locação financeira uma parte das rendas é composta por juros sobre o investimento e a margem de lucro do locador.

O próprio interesse do locador financeiro consiste em adquirir para dar o gozo, financiando a utilização do bem pelo locatário, enquanto que na locação simples o locador apenas pretende dar o gozo do bem. Posto isto concluímos que a locação financeira é um tipo contratual autónomo do regime geral da locação previsto nos artigos 1022 e seguintes do Código Civil.31

3.2 – A COMPRA E VENDA A PRESTAÇÕES

Ao contrário dos autores que sustentam a tese da locação financeira ser uma modalidade de locação, quando analisada a mesma com opção de compra, existem doutrinas que consideram haver forte similitude entre a locação financeira e a compra e venda a prestações com reserva de propriedade. Encontramos muitos

29 Neto, Abílio, Código Civil Anotado, 18ª edição revista e atualizada, Janeiro 2013, Ediforum – Edições Jurídicas lda, Lisboa, pp. 954 e ss.

30 GUTIÉRREZ GILSANZ, Andrés, ob. Cit., pp. 58 e seg. ; também GONZÁLEZ CASTILLA, Francisco, Leasing Financiero Mobiliario – contenido del contrato y atribuición del riesgo en la práctica contractual y la jurisprudencia, Estudios de Derecho Mercantil, Civitas, 2002, pp. 156 e ss. ; ainda sobre os primeiros trabalhos sobre esta acepção em Espanha e decisões de jurisprudência ver BUITRAGO RUBIRA, José Ramón, El leasing Mobiliario y su Jusrisprudencia, Aranzadi Editorial, 1998, pag. 71 e ss.

31 Cfr. MORAIS, Fernando Gravato de, ob. cit. p. 320; e PATRÍCIO, José Simões, ob. cit. pág. 321.

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adeptos desta tese em Itália. 32 Um autor espanhol33 defensor desta teoria afirmou em 1970 que a compra e venda é o negócio principal no arrendamiento financiero. Pese embora as semelhanças entre os dois contratos, também esta tese deve a nosso ver ser rejeitada. Desde logo pelo simples facto de que o objetivo a que se propõem os contratos serem distintos. De facto, na compra e venda a prestações com reserva de propriedade o objetivo primordial é a compra do bem, o qual não acontece no imediato, transferindo-se a propriedade após o pagamento da totalidade do preço34. Por sua vez, na locação financeira o objetivo principal do locatário não é a compra do bem, mas sim o gozo do mesmo, remetendo para o fim do contrato a decisão da compra do mesmo.

É no campo do objeto que se encontra uma aceção muito importante desta diferenciação. De facto, enquanto que na compra e venda a prestações o objeto do contrato é o bem cuja propriedade se transfere, na locação financeira o objeto do contrato reside no financiamento do uso de um bem. Ainda neste seguimento, atente-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-05-1992, processo nº 005124135, o qual no seu sumário explicita a diferenciação de regimes entre a compra e venda e a locação financeira, sendo que estes seguem objetivos diferentes. Refere ainda o texto deste acórdão: “Precisamente porque o objetivo da locação financeira é aquele36 e não a transferência da propriedade, é que o prazo de tal contrato, quando versando coisas móveis, "deve corresponder aproximativamente ao período presumível de utilização económica da coisa" (artigo 11 n. 2 do DL citado) e não, como sucede com a compra e venda a prestações, ao tempo necessário ao pagamento integral do preço.”

3.3 – O MÚTUO

Estatui o artigo 1142º do Código Civil que “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.” Alguns autores tentaram reconduzir o contrato de locação financeira à essência do mútuo. Caso de GIOVANOLI, que sustentou a sua tese no facto de o locador entregar ao locatário uma quantia em dinheiro para este comprar o bem ao fornecedor, sendo que a propriedade desse bem era detida pelo locador como forma de garantia da restituição do montante mutuado. Para este autor estaríamos, pois, perante um novo tipo de crédito. 37

Esta teoria de recondução da locação financeira ao mútuo baseia-se no argumento que a verdadeira causa do contrato não seria a locação, mas antes o crédito, sendo que as rendas constituiriam a amortização do valor mutuado.

32 Cfr. MORAIS, Fernando Gravato de, ob. cit. pp. 321 e 322.

33 De La Cuesta Rute – apud BUITRAGO RUBIRA, José Ramón, El leasing Mobiliario y su Jusrisprudencia, Aranzadi Editorial, 1998, pag. 79.

34 Sobre estas distinções cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, Vol. I – Da Constituição das Obrigações, pag. 63.

35 In www.dgsi.pt

36 (...)conseguir a disponibilidade de meios (instrumentos) que possibilitem o exercício de uma atividade produtiva" – veja-se que o referido acórdão refere, por sua vez, o texto de um acórdão da Relação de Lisboa de 25-06-1969, o que nos diz que não é recente a análise da jurisprudência sobre esta questão de similitude de estrutura ou regime entre estes negócios.

37 Apud DUARTE, Rui Pinto, ob. Cit., p. 77.

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De facto, para GIOVANOLI 38seria o locatário a adquirir o bem ao fornecedor, o que na realidade não se passa na locação financeira, onde esse bem é adquirido pelo locador. Mais, enquanto que no mútuo a restituição tem de ser outro tanto da mesma espécie e qualidade, na locação financeira a restituição passa pelo mesmo bem que foi adquirido pelo locador e entregue ao locatário.

3.4 – O CONTRATO DE ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO – ALD

A principal diferença entre o ALD e o contrato de locação financeira reside no facto de aquele não corresponder a nenhuma forma contratual legalmente prevista. Trata-se, pois, de um contrato atípico.39 Na verdade, pela simples análise ao âmbito deste contrato podemos concluir que o aluguer de longa duração é um contrato celebrado entre uma sociedade locadora e um locatário, assumindo este a propriedade do bem no final do contrato. Se apenas ficarmos por esta definição parece que não saímos do âmbito do contrato de locação financeira.

Como notas essenciais de distinção, salientamos que na locação financeira a locadora obriga-se a adquirir ou mandar construir o bem a ser locado enquanto que no ALD o locador apenas se obriga a proporcionar o gozo da coisa. Por outro lado, na locação financeira o locatário poderá ou não adquirir o bem no final do contrato enquanto que no ALD não tem essa opção de escolha, pois neste o locatário assume dois contratos: um de aluguer de longa duração e outro contrato de promessa de compra e venda a realizar no final do primeiro. Cumpre ainda referir que o ALD, ao contrário do contrato de locação financeira, tem por objeto apenas bens imóveis.40

Para FERREIRA DE ALMEIDA, este tipo de contratos, apesar de denominados como ALD, reconduzem-se “na generalidade das circunstâncias, a contratos de locação financeira”. Para este autor isto acontece assim para evitar a aplicação de normas do contrato de locação financeira, nomeadamente o artigo 23º do Decreto-Lei nº 149/95, o qual proíbe a realização de contratos de locação financeira por entidades que não sejam sociedades de locação financeira. E assim, contornar-se-ia a imposição legal, evitando uma

“fraude à lei”.41

3.5 – O SALE AND LEASE BACK

Diferentemente da locação financeira, na locação financeira restitutiva – doravante lease back – encontramos apenas dois intervenientes: o proprietário do bem e a sociedade locadora. Este caracteriza-se como o contrato pelo qual o proprietário de um bem o vende a outrem, que lho loca nesse momento, mediante uma renda e um prazo acordados. Findo esse prazo o locatário poderá voltar a adquirir o bem por um valor residual. No fundo é celebrado um contrato de compra e venda e de seguida um contrato de locação financeira entre os mesmos contraentes.

38 Apud DUARTE, Rui Pinto, ob. Cit., p. 77.

39 Cfr. MORAIS, Fernando Gravato de, ob. cit. pp. 71 a 74.

40 Idem.

41 ALMEIDA, Carlos Ferreira de, Contratos II – Conteúdo. Contratos de troca, 2011, 2ª Edição, Almedina, pág. 194.

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Este tipo de negócios surge da necessidade que o proprietário do bem tem em se financiar, utilizando algo da sua propriedade para obter liquidez, sem perder a disponibilidade do bem.

Dúvidas poderão surgir quanto ao enquadramento deste negócio jurídico no quadro normativo da locação financeira. E vários autores apontam razões para não se qualificar tal negócio como uma espécie de locação financeira.42 Não obstante a operação da locação financeira ser normalmente trilateral, sustenta-se a admissibilidade do lease back na estrutura da locação financeira, mais não seja porque na definição do artigo 1º do Decreto-Lei nº 149/95, apenas se exige que o bem a adquirir seja por indicação do locatário, não implicando necessariamente o afastamento da possibilidade de nomear um bem seu, à luz de um contrato em que este acumula a “função” de locador e fornecedor.

Neste entendimento, CALVÃO DA SILVA defende que: “Nesta modalidade há, pois, apenas dois sujeitos, mas um deles com dupla veste em dois contratos distintos – a veste de vendedor na compra e venda celebrada com a sociedade de leasing e a veste de locatário no contrato de locação financeira propriamente dito. Embora não se verifique a trilateralidade típica da locação financeira – e, como tal, não seja leasing financeiro sensu próprio -, a licitude da “sale and lease back” deve ser admitida em face do direito português.”43

É certo que a locação financeira foi concebida como um instrumento de financiamento em que intervém uma instituição financeira, sendo que a locação financeira restitutiva se aproxima da primeira, assumindo a sua função ao nível do desenvolvimento económico, independentemente de o locatário assumir essa dupla função ao intervir também como vendedor.44

LEITE DE CAMPOS diz-nos que a locação financeira restitutiva constitui a forma mais antiga de locação financeira, e que está na origem desta nos Estados Unidos. Este autor considera que o regime da locação financeira em Portugal é totalmente adequado à locação financeira restitutiva, admitindo que esta operação “para-bancária complexa” esconde uma verdadeira junção de contratos: um de compra e venda e outro de locação financeira.45

CAPÍTULO II – O REGIME LEGAL DO CONTRATO E A QUESTÃO DA NATUREZA JURÍDICA

1 – O ITER NEGOCIAL DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA

A análise do contrato de locação financeira e a explanação da sua estrutura complexa pressupõe a verificação da realidade negocial: o processo em que se desenvolve esta prática comercial.

42 Cfr. MORAIS Fernando Gravato de, ob. cit. pp, pp. 56 e 57.

43 Cfr. SILVA, João Calvão da, Estudos de Direito Comercial (Pareceres), Almedina, 1999, pp. 12.

44 Sobre o sale and lease back ver também PIZARRO, Sebastião Nóbrega, ob. cit., pp. 49 e ss.

45 CAMPOS, Diogo Leite de, Nota sobre a admissibilidade da locação financeira restitutiva (“lease-back”) no direito português, Separata da revista da Ordem dos Advogados, ano 42, III, 1983, pp. 775 a 793.

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Podemos dividir esta operação numa sequência de momentos fundamentais: a escolha do bem a adquirir bem como do fornecedor do mesmo; o futuro locatário dirige-se a uma instituição bancária ou sociedade de locação financeira a fim de solicitar a realização do contrato; a análise por parte da instituição bancária/sociedade de locação financeira das condições contratuais e da situação económica do cliente (a sua solvência); a aceitação e formalização do contrato de locação financeira; a instituição bancária/sociedade de locação financeira adquire o bem indicado pelo locatário, celebrando o contrato de compra e venda com o fornecedor; a entrega do bem ao locatário; o pagamento das rendas por parte do locatário; a opção de compra pelo preço residual no final do contrato.

O processo exposto no parágrafo antecedente suscita-nos uma pequena reflexão prática: apesar de a prática negocial heterógena nos trazer a estrutura supra, a nossa prática profissional da última meia década46 relembra-nos um pequeno desvio nos primeiros momentos referidos anteriormente. Na verdade, a prática comercial bancária intensiva das últimas décadas, procurando sempre alargar os seus campos de atuação e a diversificação dos produtos a vender aos seus clientes, levou a campanhas de venda de locação financeira e ALD campanhas essas que para os comerciais bancários se traduziam em objetivos anuais a serem atingidos.

Ora, como na velha máxima, “se a montanha não vai a Maomé...” e uma vez que os clientes bancários não procuram todos os dias a aquisição de um bem em locação financeira, procuram os bancos e as sociedades de locação financeira despertar esse interesse, em primeiro lugar na sua clientela e, em segundo lugar, em potenciais clientes. Esta prática (por vezes massiva) bancária de promover os produtos e procurar uma colocação rápida dos mesmos, leva-nos a introduzir esta consideração. Entendemos ser oportuno o momento da sua aparição pois encontramo-nos na estratificação temporal desta prática negocial. Se é certo que é o locatário a dar o primeiro passo na identificação do bem a adquirir e do fornecedor do mesmo, não menos certo é que existe uma realidade economicista em que são os futuros locadores a despertar esse interesse nos potenciais locatários. Mais adiante veremos a influência que terá esta conceção quando atentarmos nas responsabilidades de cada parte inerentes ao contrato e nas teorias aduzidas sobre essa mesma matéria.

Analisaremos em seguida as partes envolvidas neste processo contratual, e como estas se relacionam e se obrigam entre si.

1.1 – OS INTERVENIENTES

Pressuposto essencial de qualquer contrato são as partes que nele intervêm. Apesar de existir normalmente uma operação tripartida nos contratos de locação financeira (o fornecedor do bem é parte importante em diversos aspetos relacionados com a locação financeira como mais à frente teremos oportunidade de verificar), os sujeitos do contrato são apenas dois: o locador e o locatário.

No que respeita à figura do locador financeiro, resultava claro do art. 4º do DL nº 72/95 que este devia ser um banco ou uma sociedade de locação financeira. No entanto, com a posterior criação das instituições financeiras de crédito - através do aparecimento do DL nº 186/2002, alargou-se o rol de entidades que podem realizar contratos de locação financeira. Para este, a locação financeira tem a vantagem clara de conservar a propriedade do bem durante a vigência do contrato, o que por sua vez implica a vantagem de usufruir de uma garantia mais alargada que os demais contratos de crédito.

46 Fui assistente comercial de nível 5 ( e posteriormente nível 6) de junho de 2009 a dezembro de 2015 no Banco Internacional do Funchal, S.A., onde onde assisti à celebração de inúmeros contratos de locação financeira.

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Já no que concerne ao conceito de locatário financeiro, este não está sujeito a qualquer limitação podendo ser qualquer pessoa (coletiva, empresário em nome individual, profissional liberal ou simples consumidor individual). A locação financeira constitui para o locatário uma fonte de financiamento do bem a adquirir, na sua totalidade, sem que isso acarrete um endividamento direto.

A operação de locação financeira é envolta de uma complexidade tal que não podemos resumir este negócio a uma simples relação bilateral entre locador e locatário. De facto, as relações que surgem deste tipo negocial são geradoras de diversas opiniões doutrinais e redundam em questões controversas, como a que aqui é desenvolvida. Para explanarmos a locação financeira, para entendermos a sua estrutura, temos de considerar um terceiro interessado na celebração do contrato: o vendedor/fornecedor do bem objeto da locação financeira.

De facto, normalmente este tipo de contrato inicia-se com a deslocação do futuro locatário ao estabelecimento do fornecedor, onde aquele escolhe o bem que será objeto da locação, negociando as condições de aquisição por um locador financeiro. Esta relação é importante no sentido em que esta iniciativa do futuro locatário por sua conta e risco, sendo apenas da sua responsabilidade (e não do locador) prejuízos decorrentes da não realização do negócio (artigo 22º do Decreto-Lei nº 149/95). Realizada esta negociação o interessado dirige-se a um banco ou a uma sociedade de locação financeira com o objetivo de apresentar a proposta, informando das condições e identificando o bem, as suas características e prazo. Após a aceitação das condições por parte do banco ou da sociedade de locação financeira (locador) é formalizado o contrato e aqui se inicia o processo de aquisição do bem por parte do locador. É este que vai realizar com o fornecedor a compra do bem.

1.2 – AS RELAÇÕES CONEXAS E AS OBRIGAÇÕES DAS PARTES

É, pois, o locatário que, na maior parte dos casos, negoceia com o fornecedor, estabelecendo com ele uma relação direta. É ainda ao locatário atribuído o direito de exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda. Esta é, pois, uma forte característica a ter em conta na assimilação de uma relação tripartida neste tipo contratual. Aliás, esta característica é o mote para que uma relevante parte da doutrina defenda a identificação de uma estrutura trilateral neste tipo contratual47.

De elevada importância se reveste a relação entre o locador e o locatário, como se compreenderá sobretudo pelos direitos e deveres adjacentes. De facto, a obrigação principal do locador é a de conceder o gozo da coisa ao locatário. E para tal o locador terá de adquirir ou mandar construir o bem a locar. Assim, após a formalização do contrato de locação financeira, o locador deverá contratar com o fornecedor a aquisição desse bem, sendo certo que muitas vezes isto acontece por intermédio do próprio locatário.

No fundo, o artigo 9º do Decreto-Lei nº 149/95, para além do descrito, aponta também como obrigações do locador o conceder o gozo do bem sem qualquer ato que perturbe esse gozo, bem como a vender o bem ao locatário caso este exerça a opção de compra no fim do contrato. Por outro lado, a relação entre estes dois sujeitos do contrato também comporta obrigações para o locatário. Este deve, entre outras obrigações decorrentes do artigo 10º do mesmo diploma legal, pagar as rendas acordadas, facultar ao

47 Cfr. João Calvão da Silva, Locação financeira e garantia bancária, Estudos de Direito Comercial (Pareceres), Almedina, 1999, pp.

12. E 13; e MORAIS, Fernando de Gravato, Manual de Locação ... ob. cit. p. 82.

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locatário o exame do bem locado e a de não atribuir outro fim diverso ao mesmo, salvo autorização do locador.

De referir que a posição jurídica do locador e do locatário financeiros, no que diz respeito aos direitos e deveres a eles adstritos, ficam, por imposição do nº 2 do artigo 9º e o nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 149/95, marcadas por todos os direitos e deveres previstos no regime da locação que não sejam incompatíveis com o disposto neste diploma legal.48

2 – A QUESTÃO CONTROVERSA.

A natureza jurídica do contrato de locação financeira é provavelmente o tema mais polémico e debatido que esta figura contratual nos apresenta. Doutrina e jurisprudência têm tentado, ao longo dos anos, oferecer respostas o mais satisfatórias possíveis. No entanto, a sua estrutura complexa suscita dúvidas razoáveis e ainda mais justificáveis quando se procura encaixar este negócio em estruturas contratuais tipificadas no nosso direito. Essa é a questão que nos conduzirá à resposta quanto ao regime legal a aplicar-se à locação financeira e à resolução de problemas atinentes com as eventuais lacunas legais. Procuremos, pois, perceber se estamos perante um tipo contratual autónomo, com uma estrutura intrínseca e atípica, ou, se por outro lado, conseguiremos encaixar a locação financeira nalgum esquema contratual tradicional.

Antes de mais, e não fosse a locação financeira uma importação do leasing norte-americano, esta é uma questão vertida em outros ordenamentos jurídicos, pelo que verificamos que também nos outros países que importaram esta forma contratual se suscitam dúvidas quanto à sua natureza jurídica.49 No entanto, enquanto que a locação financeira foi adotada e colocada em prática nos países europeus ainda antes de os seus legisladores se debruçarem sobre o seu conteúdo por forma a qualificá-la, em Portugal a situação foi bem diferente. O aparecimento do leasing no nosso país foi antecedido pela publicação de diplomas legais que o definem e regulamentam, apresentando-nos um instrumento contratual aparentemente típico e nominado.50

Apesar de esta conceção se depreender da análise dos diplomas legais, não é por essa razão que cairá em desgraça a tentativa de enquadrar este instituto numa estrutura normativa já existente no nosso direito, numa estrutura contratual tradicional.

Várias opiniões têm sido formuladas sobre a verdadeira natureza jurídica do contrato de locação financeira, sobretudo desde a sua afirmação como um dos mais importantes negócios de financiamento ao serviço, sobretudo, do desenvolvimento empresarial.

A questão aqui vertida não passa por concluirmos se o contrato de locação financeira é um contrato nominado ou inominado, pois é mais do que certo que se trata de um contrato em que a lei lhe atribui um nome. O que procuramos esclarecer é se estamos perante um contrato típico, misto, ou até um contrato que

48 Cfr. Artigos 9º e 10º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho.

49 Em Espanha, por exemplo, diz-nos Gutiérrez Gilsanz que “la persistencia de dudas es debida fundamentalmente al hecho de que nos encontramos ante una institución surgida en el próprio tráfico, cuya estructura contractual resulta demasiado compleja como para que den frutos apreciables los intentos de encajarla en alguno de los esquemas pertenecientes a los contratos tipificados por nuestro Derecho privado tradicional”, cfr. GUTIÉRREZ GILSANZ, Andrés, Defensa del usuario en el leasing financiero mobiliário, Cuadernos Mercantiles, Editoriales de Derecho Reunidas S.A., 2003, pp. 56 e seg.

50 DL nº 149/95, de 24 de Junho.

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reúne elementos caracterizadores de contratos típicos com especificidades próprias deste e apenas deste, isto é, um contrato de tipo autónomo, insuscetível de recondução aos contratos clássicos.

LEITE DE CAMPOS diz-nos que o facto de o leasing dos Estados Unidos como um instrumento financeiro se ter desenvolvido e alargado à satisfação de “um número muito variado e pouco classificável de necessidades das sociedades e das pessoas singulares” conduziu a duas dificuldades no que respeita à sua compreensão e situação no campo contratual: “o misturar-se, muitas vezes, a sua função financeira com as suas características jurídicas (estruturais), pretendendo classificá-lo financeiramente e não juridicamente;

depois, a sua sobreposição constante a outros campos contratuais, o que faz confundi-lo com variados contratos como a locação, a locação venda, a compra e venda a prestações, etc.”51

3 – A TEORIA DOS CONTRATOS MISTOS

Uma importante parte da doutrina tem defendido a integração do contrato de locação financeira no domínio dos contratos mistos. Antes, porém, de identificarmos os autores e os seus argumentos, far-se-á uma breve escalpelização ao nomen iuris “contratos mistos”. Dizem-se mistos aqueles contratos atípicos que reúnem elementos de dois ou mais negócios previstos na lei.52 MENEZES LEITÃO identifica a sua atipicidade com o facto de neste contrato se encontrarem elementos configuradores de outros negócios jurídicos, o que por sua vez justifica um conflito entre os regimes que se lhe aplicam.53

ANTUNES VARELA considera que em tempos o contrato de leasing foi um verdadeiro contrato misto sendo que este “envolvia uma associação curiosa de prestações do contrato de locação com prestações da compra e venda ou do compromisso de venda.”, concluindo, no entanto, que esta caracterização apenas se manteve até à sua tipificação legal.54

LEITE DE CAMPOS55 entende que a locação financeira constitui um contrato misto por a sua essência se encontrar preenchida pelas características de duas espécies contratuais legalmente previstas: a locação e a compra e venda. Também autores como Sebastião Nóbrega Pizarro56 consideram tratar-se de um contrato nominado misto, havendo uma relação intrínseca entre a locação e a compra e venda.

Quem se aproxima destas considerações é CALVÃO DA SILVA para quem este tipo contratual constitui um contrato sui generis, que tem uma “bifunção ou dupla causa” que o caracteriza, a qual resulta da lei. Para este autor as duas causas próprias do leasing elevam este à categoria de contrato misto, “erguido pela lei portuguesa a contrato típico ou nominado.”57

51 CAMPOS, Diogo Leite de, Locação Financeira (leasing) e Locação, Artigos Doutrinais, Ordem dos Advogados - http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=16886&ida=16891, acedido em 25/08/2015.

52 Sobre a noção de contratos mistos ver VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em geral, Vol. I, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, pag. 279. Cfr ainda LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, Vol. I – Da Constituição das Obrigações, 2013, 10ª Edição, Almedina, pág. 188.

53 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, ob cit. pag 188.

54 VARELA, João de Matos Antunes, ob cit. pag.

55 Cfr. CAMPOS, Diogo Leite de, ob. Cit., pag. 136.

56 PIZARRO, Sebastião Nóbrega, ob. cit., p. 31.

57 Cfr. João Calvão da Silva, ob. Cit. pp. 29.

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