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DISCURSOS DOCENTES E PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA

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Academic year: 2021

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José Ribamar Lopes Batista Júnior

RESUMO:

Presenciamos a crescente oferta do Ensino Especial nas escolas regulares inclusivas. Tal fenômeno repercutiu na organização estatal e na vida de professores/as e alunos/as. Nosso objetivo foi identificar os discursos docentes sobre a inclusão de pessoas surdas no Ensino Regular e compreender as práticas de Educação Inclusiva. Como base teórica, adotamos a Teoria Social do Letramento e a Teoria Social do Discurso e como metodologia a Etnografia.

A pesquisa foi realizada em duas escolas públicas inclusivas do Distrito Federal, nos anos de 2007 e 2008. Obtivemos como resultados a presença tanto do discurso tradicional (docente e da família) sobre a educação como o discurso da educação especial, mas que em contato com a prática de letramento inclusivo novos olhares, novos valores emergem no contexto escolar voltados para a valorização do ser humano. Nesse sentido, acreditamos que, no espaço da escola regular inclusiva do DF, as práticas de Educação Inclusiva ainda não adotam princípios democráticos plenos, mas se encontram em fase de reflexão e estruturação.

Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica. Práticas de Educação Inclusiva. Surdez.

RESUME:

Nous voyons la croissante offre de l’Enseigment Spécial dans les écoles regulières inclusives.

Tel phénomène a répercuté dans l’organisation d’État et dans la vie de enseignants et des apprenants. Ce travail a eu pour but d’identifier les discours enseignants sur l’inclusion des personnes sourdes dans l’Enseignemant Régulier e comprendre les pratiques Éducatives Inclusives. Nous avons adopté comme base théorique la Théorie Sociale de l’Alphabétisation et aussi la Théorie Sociale du Discours et, comme méthodologie, nous avons adopté l’Ethnographie. Cette recherche a été réalisée dans deux écoles publiques inclusives du Distrito Federal, district gouvernemental du Brésil, dans les années 2007 et 2008. Et du côté résultat , nous espérons la présence, or du discours traditionnel (entre l’enseignant et la famille) sur l’Éducation comme le discours de l’éducation spéciale, mais qu’en prennant contact avec la pratique d’Alphabétisation inclusive, de nouveaux regards, de nouvelles valeurs émergent dans le contexte scolaire reculé pour la valorisation de l’être humain. Ainsi, nous croyons que dans l’espace de l’École Régulière Inclusive du DF, les pratiques d’Éducation Inclusive n’ont pas encore adopté des principes tout à fait démocratiques, mais que ceux se trouvent en phase de réflexion et de structuration.

Mots-clé: Analyse du Discours Critique. Pratiques d’Éducation Inclusive. Surdité.

Introdução

Para falar sobre inclusão escolar é preciso repensar o sentido que está sendo atribuído à educação, além de atualizar nossas concepções e ressignificar o processo de construção de todo o indivíduo, compreendendo a complexidade e amplitude que envolve essa temática. Também se faz necessária, uma mudança de paradigma dos sistemas educacionais que se centram mais

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no aprendiz, levando em conta suas potencialidades e não apenas as disciplinas e os resultados quantitativos, que favoreçam uma pequena parcela dos/as alunos/as.

Assim, para que cada escola possa melhorar seu trabalho em direção a um ensino de qualidade e inclusivo, é preciso repensar e ressignificar a escola dentro desse novo contexto social. Dessa forma, a Educação Inclusiva torna-se um instrumento para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, entretanto, faz-se, urgentemente, identificar as causas que estão favorecendo a exclusão de grande contingente populacional, sabendo-se que o princípio da equidade reconhece a diferença e a necessidade de haver condições diferenciadas para o processo educacional, tendo em vista a garantia de uma formação de qualidade para todos e todas, lema do Ministério da Educação do atual governo brasileiro (GOÉS & LAPLANE, 2007).

Esta pesquisa, vinculada ao Projeto Discursos, Identidades e Práticas de Letramento no Ensino Especial (MAGALHÃES, 2006a), sob orientação da Profa. Dra. Izabel Magalhães, investiga os discursos docentes no processo de inclusão de alunas e alunos surdos, bem como compreender as práticas de educação inclusiva, ou seja, as práticas de letramento inclusivo.

Para isso, aborda os conceitos de ‘discurso’, ‘letramento’ e ‘educação inclusiva’ – à luz do arcabouço teórico-metodológico da Análise de Discurso Crítica e da Teoria Social do Letramento. A metodologia adotada foi a etnográfico-discursiva combinada com o estudo de narrativas (MAGALHÃES, 2006b).

Análise de Discurso Crítica (ADC) e Teoria Social do Letramento (TSL)

Para a realização desta pesquisa, que busca os relacionar conceitos de ‘discurso’, e

‘letramento’, apoiei-me nos seguintes pressupostos teóricos: Teoria Crítica do Discurso (CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999; FAIRCLOUGH, 2003, MAGALHÃES, 2004);

estudos sobre letramento como prática social (STREET, 1984, 1995, 2001; BARTON, 1994;

BARTON E HAMILTON, 1998; BARTON, HAMILTON E IVANIC, 2000; RIOS, 2009).

Parte da Teoria Crítica do Discurso, a Análise de Discurso Crítica propõe:

Traça como escopo central o incentivo à pesquisa lingüístico- discursiva voltada para causas sociais e a favor das minorias.Propõe investigações que configurem a busca de soluções para problemas decorrentes de discursos que envolvem questões de educação,letramento, bem como assimetrias de poder, de gênero social e de hegemonia, entre outros, razão pela qual estimula estudos que envolvam desde discursos institucionalizados, de âmbito educacional, religioso, político, econômico e midiático, até os que envolvem relações implícitas e explícitas de lutas de classe, conflitos interétnicos e de discriminação, tais como uma forma de pesquisa

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social, e como tal, equivale a uma prática teórica crítica,principalmente porque leva em conta a premissa de que situações opressoras podem ser mudadas, uma vez que decorrem de criações sociais passíveis de ser transformadas socialmente. (SILVA &

RAMALHO, 2008, p. 266 e 267)

Os discursos atuando nas ações e nas identidades podem ser instrumentos para guiar o mundo concreto, estabelecer padrões e posições. Por outro lado, os discursos são fluidos, modificam-se, e o estudo de suas articulações permite-nos perceber como estão organizados os elementos sociais e como esse arranjo concorre para que ocorra determinada realidade, neste caso, a efetiva inclusão da pessoa surda nas escolas públicas regulares inclusivas. Essa teoria está centrada na ADTO em que os textos são analisados para a compreensão das práticas sociais (MAGALHÃES, 2004).

A Teoria Social do Letramento compreende o letramento como usos da leitura e da escrita em contextos situados, considerando-o como prática social em que estão envolvidas questões ideológicas e disputas hegemônicas (BARTON & HAMILTON, 1998; SATO, 2008).

Nessa teoria, os autores articulam os conceitos de práticas de letramento (STREET,1984) e eventos de letramento (HEATH,1983). As práticas de letramento são também práticas sociais que se articulam, podendo ser tratadas como práticas discursivas (MAGALHÃES, 1995), nas quais estão imbricadas concepções ideológicas que nortearão as relações entre os atores sociais.

Essas relações ocorrem em um contexto social textualmente mediado (CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999), e podem ser relações de poder determinadas pelas representações motivadas histórica e socialmente e pelas posições que os/as participantes podem construir para outros e outras, tomando a si próprias como referência. Nesse sentido, suas identidades sociais serão manifestadas por meio das entrevistas e das narrativas, em que podem ser constituídas enquanto os/as participantes representam a si mesmos e aos outros.

Portanto, a relação entre ‘discurso’ e ‘letramento’ pode contribuir teoricamente trazendo à luz também a discussão das práticas de letramento inclusivas encontradas nas escolas públicas regulares inclusivas, como um passo a mais em direção à investigação do cotidiano das pessoas deficientes e, no caso deste trabalho, das surdas (BATISTA JR, 2008;

MAGALHÃES, 2008). Consideramos como práticas de letramento inclusivas as práticas nas quais os textos exercem influência direta ou indireta no processo de tornar as pessoas com necessidades educacionais especiais incluídas na vida social (SATO, 2008; BATISTA JR, 2008 e 2009).

Um olhar atento e crítico que se lança sobre uma realidade pouco analisada não só apontará relações provavelmente desiguais e preconceituosas, mas poderá sinalizar com propostas mais sólidas e um caminho para mudanças significativas nas políticas públicas de inclusão das pessoas surdas, principalmente, no setor educacional (GESSER, 2009).

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A pesquisa qualitativa

A pesquisa qualitativa procura entender, interpretar fenômenos sociais e estruturas de poder naturalizadas em um contexto sócio-histórico definido (BAUER & GASKELL, 2002;

FLICK, 2004; DENZIN & LINCOLN, 2006; BORTONI-RICARDO, 2008; RESENDE, 2009). Nesta pesquisa, o objetivo é o desvelamento do que está dentro da “caixa preta” no dia- a-dia dos ambientes escolares, identificando como se constitui discursivamente a identidade docente em relação à inclusão de alunas e alunos surdos no Ensino Regular, no seu contexto de trabalho e nas relações com os demais atores envolvidos nessa prática de letramento.

Os atores sociais (os docentes) acostumam-se tanto às suas rotinas que têm dificuldade de perceber os padrões estruturais sobre as quais essas rotinas e práticas se assentam e, principalmente, a dificuldade em identificar os significados dessas rotinas (BORTONI- RICARDO, 2008, p. 49).

Seguindo a tradição das pesquisas desenvolvidas pelo NELiS (Núcleo de Estudos de Linguagem e Sociedade, Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília), adoto nesta pesquisa a etnografia que consiste num “meio poderoso para investigar contextos sociais e a forma como são percebidos pelos participantes” (LIMA, 2006, p. 49),

Os instrumentos utilizados para a geração dos dados foram entrevistas informais (em um total de quatro entrevistas realizadas na primeira etapa da pesquisa e três entrevistas realizadas na segunda etapa), narrativas, observações e notas de campo. A pesquisa foi feita em duas escolas regulares inclusivas do DF, nos anos de 2007 e 2008. Essa escolha foi feita porque são escolas consideradas modelo de inclusão e pela maior quantidade de alunas e alunos surdos inclusos.

Discursos e práticas docentes na Educação Inclusiva

Nesta seção, analiso os vários excertos das entrevistas feitas com os/as professores/as que participaram desta pesquisa. Na análise, busco identificar os discursos presentes nas narrativas e suas relações com as práticas de letramento inclusivo (práticas de Educação Inclusiva).

A inclusão e as novas práticas

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Nos últimos anos, a política de inclusão de alunos/as com necessidades educativas especiais no Ensino Regular tem acontecido de maneira intensa e incisiva por parte da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF).

Inicialmente, esse novo processo de inclusão provocou resistência, medo na maioria dos/as professores/as (porque não dizermos em todos/as), pelo fato de não saberem como lidar com o/a aluno/a surdo/a que estava sendo incluído/a nas escolas regulares e, principalmente, porque não tiveram nenhum preparo, nenhum conhecimento de como agir com os/as alunos/as ouvintes e com necessidades educativas especiais (no caso desta pesquisa, as alunas e os alunos surdos) no mesmo ambiente, conforme trechos a seguir:

[...] quando eu cheguei aqui, me colocaram numa sala com 40 ouvintes e cinco surdos e (...) se vira, literalmente, se vira, não oferece um curso,não oferece um PREPARO pra esse profissional, assim como eu fui jogada, assim muitas ai são. (Ana Kalyne)

Até esse ponto, oito anos atrás não, nem se falava quase em preparar professor. O professor sempre é que corre atrás inicialmente quando ele quer atuar em uma área diferente. (Mara)

[...] então assim, há um incentivo? Não, os cursos acontecem, mas não para abranger todo mundo. Aí, por exemplo, na pós-graduação, a gente está fazendo, mas todo mundo está bancando do bolso, e está fazendo em dois dias no horário noturno. (Cleia)

Não, eu mesmo que me interessei em fazer os cursos, entendeu?

e os cursos são particulares, o único curso que foi (divulgado) foi esse da UnB, que eu fiz, que eram trinta vagas, se eu não me engano.

Então assim foi divulgado em âmbito de secretaria, mas os outros dois que eu fiz durante dois mil e sete foram cursos que eu mesmo custeei, fui atrás, entendeu? (Goreth)

Para você ver que é interessante, é o seguinte, a Fundação não oferece um curso de Libras para os professores. Teria que ter, nem que fosse um curso básico. Porque, eu sinto muita dificuldade até no básico (da educação) com eles. Eu acho que a Fundação já peca por aí. (Batista)

Observamos que, apesar da falta de preparo desses profissionais e até mesmo da falta de uma formação eficaz, adequada para facilitar a sua prática de sala de aula, esses profissionais

“aceitaram” o desafio, a mudança e, hoje, estão atuando na educação de alunas e alunos surdos no Ensino Regular, por diversos motivos, entre os quais destaco:

[...] você tem que ter a boa vontade mesmo, é o principal, assim, ter um amor, porque você vai trabalhar com especial é diferente. (Ana Kalyne)

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[...] incentivo financeiro não tem não, agora tem incentivo pessoal, de crescimento, de você querer participar, doação. (Mara)

[...] muitos professores que já poderiam ter saído daqui, têm capacidade de prestar um concurso público, sair ganhando um salário duas vezes mais do que ganham aqui, que estão aqui até hoje. [...]

acreditam na educação, eu também ainda acredito na educação.

(Batista)

O engajamento, o esforço e a resistência por parte de alguns docentes foram motivos encadeadores desta pesquisa em que buscamos analisar se houve (ou não) mudanças nas práticas pedagógicas desses profissionais, bem como a constituição (ou não) de uma nova identidade docente.

A preparação docente

Nesta pesquisa, trato da inclusão de alunas e alunos surdos no Ensino Regular, com destaque para as práticas de educação inclusiva. Conforme destaquei na seção anterior, nas entrevistas com os/as professores/as, constatamos que não houve uma reflexão da SEDF com relação ao preparo docente.

[...] então você chega aqui e você se depara com uma sala de quinta série com doze surdos, sem a mínima, e assim quando você vai ninguém fala na Fundação, olha, tem surdos, não, não, tem essa, você vai de emoção, tem essa, essa e aquela escola. Oh! Eu vou pro quatro porque é mais perto da minha casa, ta bom, vai, aí chego aqui e tem surdos. (Ana Kalyne)

Na fala da professora, observamos que a capacitação dos/as professores/as para trabalhar com a inclusão foi relegada a segundo plano. A SEDF decidiu pela inclusão de alunos/as com necessidades educativas especiais no Ensino Regular e executou através do documento “Estratégia de Matrícula” e seleção de professores/as que trabalhariam com a Itinerância, ou seja, pessoas capacitadas no Ensino Especial, responsáveis em auxiliar, orientar os/as professores/as do Ensino Regular que atenderiam os/as alunos/as inclusos/as.

Entre os/as participantes da pesquisa, só constatamos apenas uma professora, que antes de atuar com alunas e alunos surdos no processo de inclusão, teve um preparo:

Eu tenho um filho de dezesseis anos que... dezessete, desculpa, que é surdo, e a partir do momento do nascimento dele eu comecei a me preparar, a saber de que forma eu poderia ajudá-lo, porque eu já tinha idéia de que seria muito difícil a trajetória dele na educação. (Cleia)

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Houve por quê? Porque eu fazia isso para ajudar o meu filho.

Então, a cada ano, eu me preparava, e eu sentia que eu estava melhor preparada para ajudá-lo. Então assim, houve por conta própria.

(Cleia)

Entretanto, observamos que este preparo, essa preocupação foi motivada pelo fato da professora ter um filho surdo e compreender as dificuldades que ele teria no período escolar, pois o sistema educacional não estava organizado, estruturado para isso. Além disso, constatamos, também, que essa capacitação aconteceu de forma espontânea e/ou consciente ou porque a lei exigia:

[...] embora a gente tenha bons profissionais que fizeram isso antes, mas fizeram por consciência, e aí entraram no ensino especial, outros, porque a lei exige que tem que ter o profissional, vieram e aí, durante o processo, é que começaram a se capacitar. (Cleia)

Por causa dessa imposição da SEDF, amparada pelo Ministério da Educação (MEC) e pelos documentos e pelas organizações internacionais (Blattes, 2006), percebemos que muitos/as alunos/as foram prejudicados/as, ou seja, não tiveram um atendimento, um cuidado, uma orientação adequada na sua formação, pois como destaca Cleia:

Enquanto o processo está acontecendo é que alguns começaram a se preparar [...], precisa do ensino especial, precisa dos profissionais? Aí eles vieram, aí é que começou a preparação enquanto a coisa já estava acontecendo. Então eu digo que muitos desses alunos foram prejudicados, agora é que alguns já estão começando a colher os frutos da nossa preparação. (Cleia)

Discursos docentes

Na Educação Inclusiva, não basta simplesmente que o/a professor faça todas as adaptações para receber o/a aluno/a e dar-lhe condições de aprendizagem. Para isso, as escolas precisam de mais instrumentos, artefatos mínimos e, principalmente, preparar os docentes em cursos de atualização. Para isso, Tereza traz o discurso de políticas públicas para sua fala:

[...] essa a gente depende de uma política [...] que, assim, venha na escola, venha nas salas ver o que é que ta acontecendo e o que tem que ser feito e não é eles lá dizerem pra gente o que é que tem que ser feito, porque o que eles falam pra gente fazer é tudo errado, pelo menos, ele não está adequado a realidade, ele não visa melhorar, pelo contrário, é para dar uma aparência, uma maquiagem no ensino e não

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é isso que a gente quer, a gente quer uma escola que realmente ensine, que melhore o aluno. (Teresa).

O discurso de Teresa dialoga com o de Rosa e o de Batista, pois o governo, aparentemente, pretende melhorar a educação no país com vários projetos, porém não oferece condições para isso ou, muitas vezes, quer empregar modelos adotados em outros países com bastante sucesso, sem fazer a real adaptação ao contexto onde vai ser aplicado. Além disso, faz parcerias com a iniciativa privada em que os resultados esperados são mais quantitativos do que qualitativos, como atesta Batista em ‘as parcerias é sempre visando lucro’, ‘de graça isso não é’.

Temos, então, um discurso do novo capitalismo (neoliberal), que mostra o abandono do Estado:

[...] eu acho que a educação falha, principalmente no nosso país, porque muitas vezes também se copia muito o que ta se fazendo lá fora, eu vou copiar o modelo da Espanha, eu vou copiar o modelo, né, de outro país, mas eu tenho que observar se o meu país também está adaptado para receber esse modelo que está sendo importado.

(Rosa).

[...] O Estado tem que dar pelo menos a condição mínima para você trabalhar. Agora, por que que não se faz parceiros nessa forma?

Vamos fazer uma parceria com a Rede Globo, aí as parcerias é sempre visando lucro, porque foi feito agora uma parceria aí para a aceleração. Quantos milhões será que está rolando? (Eu não ouvi falar), de graça isso aí não é. (Batista).

[...] a educação hoje, olha, é porque você acredita, porque, se eu não acreditasse, por tudo que eu falo o GDF, porque aqui que eu trabalho, por tudo que se faz pela educação, eu acho que não é do jeito que eles pensam. Eles elaboram lá um projeto e [...] Muitas vezes você coloca o projeto em prática, muitas vezes o projeto é legal, se o professor que vai aplicar o projeto, ele se dedicar ao projeto, muitas vezes ele consegue, aí ele se esbarra num problema, porque “Eu te mando o projeto e nenhum material”. (Batista).

Apesar de todas as adversidades, observo total envolvimento dos/as participantes, pois atuam no Ensino Especial por acreditarem que podem contribuir de maneira significativa para o ensino das alunas e dos alunos surdos. Suas atitudes e falas mostram um discurso da mudança, um discurso promissor, um discurso emancipatório, para que realmente a inclusão aconteça de maneira efetiva, por mais que alguns ainda tenham um discurso tradicional de ensino, pois ainda estão, a cada ano, fazendo tentativas para que possam melhorar, cada vez mais, suas práticas de letramento inclusivo:

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[...] eu quis mudar de modalidade de ensino normal, os ouvintes, para o ensino especial, porque eu cansei de trabalhar lá por muitos anos, aí eu falei, vou mudar e também porque a vida, ela é assim, constante de mudança para você conhecer o outro lado, eu vejo assim.

(Mara).

[...] eu tenho esperança porque eu acho que enquanto você tem esperança, você acredita, eu ainda acredito que nesse pais vai haver uma grande, não é revolução, uma grande EVOLUÇÃO no ensino, mas é preciso que ela ocorra logo. (Rosa).

[...] com esse trabalho, chegar a uma fase, né? e parar, e enxergar o crescimento deles, e pensar, “Nossa, fulano está assim hoje, conseguiu fazer isso porque nós, a equipe, conduzimos eles e fizemos esse trabalho.” Então, eu acho que é todo tipo de expectativa, realmente conseguir minimizar ao máximo as dificuldades que eles têm por causa dessa deficiência, né? (Cleia).

[...] depois de dezenove anos de carreira, bom, eu quero continuar fazendo o que eu faço realmente, ter uma perspectiva melhor, agora mesmo que eu entrei nesse trabalho com os meninos do ensino especial, eu quero abraçar esse trabalho, e o que eu espero é que realmente coisas boas, que venham coisas boas, que realmente a gente seja valorizada pelo que a gente faz, seja reconhecido, no âmbito da escola, no âmbito dos alunos, no âmbito da sociedade em geral. (Goreth).

Observamos essa entrega na Educação Inclusiva, principalmente, quando elas falam ‘a vida, ela é assim, constante de mudança para você conhecer o outro lado’, ‘eu tenho esperança’,

‘ainda acredito’, ‘uma grande EVOLUÇÃO no ensino’, ‘minimizar ao máximo as dificuldades’,

‘eu quero abraçar esse trabalho’, ‘a gente seja valorizada pelo o que a gente faz’.

Práticas de Letramento Inclusivo

Nas aulas assistidas, constatei que a maioria das aulas são tradicionais, pois há utilização do quadro e giz, para anotações do conteúdo da aula e dos exercícios de fixação. O livro didático é pouco utilizado pela dificuldade dos/as alunos/as em compreenderem os termos técnicos das disciplinas e quando é usado, apenas para análise das figuras, dos desenhos.

O trabalho com o desenho é recorrente na maioria das falas da professoras, principalmente, nas falas daquelas que trabalham com Ciências, Geografia e História. Esse gênero discursivo, bem como o resumo e o relatório, estão presentes sempre nas aulas e atividades não simplesmente com a intenção de preencher espaço da aula ou para passar o tempo, mas, principalmente, para a avaliação, na maneira das professoras observarem até que ponto determinado conteúdo foi realmente compreendido pelo/a aluno/a:

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[...] então, desenhar na área de Ciências, de história, a professora Mara usa MUITO desenho dos engenho, da cana, a gente até [...]

porque tudo ela põe pros meninos desenhar, mas em ciência também às vezes eu coloco. (Ana Kalyne).

[...] vamos fazer, vamos desenhar sobre a Proclamação da República, ali eu já vou avaliar aquela atividade para ver se ele entendeu [...] (Mara).

[...] o que que eles estão vendo. eles gostam muito de desenhar, tudo que é pra desenhar, eles gostam não, eles entendem bem e mostram bem o que que eles aprenderam com desenho.

(Teresa).

Entretanto, acredito que as professoras não têm compreensão do que são gêneros discursivos, pois sempre comentam, nas entrevistas, que usam textos, porém não especificam quais. Penso que um maior conhecimento desse assunto por parte das participantes facilitaria ainda mais as suas práticas com os textos, pois podem selecionar de maneira objetiva quais gêneros podem ser trabalhados com as alunas e os alunos surdos bem como a forma de utilizá- los em sala de aula, com uma metodologia diferenciada.

A articulação dos exemplos da prática social, nesses contextos (as escolas pesquisadas), situados no tempo e no espaço foi fator desencadeador para a emergência de novos gêneros discursivos. Com o cruzamento do discurso de ensino regular (que prioriza os conteúdos) com o discurso da educação especial (que prioriza a adequação), surgem os gêneros híbridos. Os gêneros emergem a partir de gêneros pré-existentes. Essas mudanças acontecem no âmbito da linguagem, estrutura genérica, seleção vocabular e objetivos, transformando os gêneros do Letramento em gêneros dos letramentos inclusivos.

Considerações Finais

A partir das perspectivas analisadas e levando em consideração as demandas atuais da Educação Especial, esta pesquisa pode vir a constituir um ponto de partida para desacomodar certas tradições às quais estamos tão acostumados/as.

Para esta pesquisa, utilizei os pressupostos teóricos da Teoria Social do Discurso, da Análise de Discurso Crítica combinados aos estudos da Teoria Social do Letramento, que consideram discurso e letramento, respectivamente, como prática social. Através da pesquisa etnográfica, pude investigar como ocorre o processo de inclusão de alunas e alunos surdos no ensino regular bem como as práticas docentes nesse processo.

Como o processo de inclusão de alunas e alunos surdos, no Brasil, é recente, fica evidente, após a análise das entrevistas, a presença de dois discursos: o tradicional e o contra-

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hegemônico. Dessa forma, embora os/as professores/as não tenha sido preparados/as de forma adequada e reclamem da ausência da família no processo de inclusão, percebemos uma reflexividade por parte deles/as, ao questionarem o papel de professor/a, que podem resultar na mudança da prática.

Dessa forma, a inclusão implica a reformulação de políticas educacionais e de implementação de projetos educacionais do sentido excludente ao sentido inclusivo. É preciso dar o primeiro passo, embora não seja fácil. Mas os esforços e os investimentos pelo movimento de defesa pela inclusão em educação podem ser onerosos, se vistos numa perspectiva imediatista. Entretanto, em longo prazo, o investimento compensa.

Educação Especial é muito mais do que escola especial. Como tal, sua prática não precisa estar limitada a um sistema paralelo de educação, por isso é necessário que faça parte da educação como um todo, acontecendo nas escolas regulares e constituindo-se em mais um sinal de qualidade em educação, quando oferecida a qualquer aluno/a que dela necessite, por quaisquer que sejam os motivos (internos ou externos ao indivíduo). Além dessas iniciativas, pesquisas com bases na Análise de Discurso Crítica devem ser desenvolvidas para descortinar cada vez mais as práticas sociais segregadoras e avançarmos, então, para uma prática emancipatória, efetivamente inclusiva.

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