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Mestrado em Comunicação e Semiótica PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Academic year: 2018

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Felipe Alberto de Queiroz Lalinde

Paixões, Pecados, Picardia, e Poesia na Publicidade Radiofônica.

Mestrado em Comunicação e Semiótica

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Felipe Alberto de Queiroz Lalinde

Paixões, Pecados, Picardia, e Poesia na Publicidade Radiofônica.

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica – Signo e Significação nas mídias, sob a orientação da Profa. Dra. Ana Claudia Mei Alves de Oliveira

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Profª. Drª. Elisabeth Harkot-de-la Taille

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AGRADECIMENTOS

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RESUMO

O discurso publicitário é um dos mais presentes e de maior impacto na complexa e heterogênea sociedade contemporânea em função das pulsões, tensões, conflitos, expectativas e frustrações que ele gera.

O presente estudo analisa o discurso publicitário em peças de rádio, e oferece um panorama das estratégias de manipulação utilizadas em seus textos, de modo a contribuir para que estudantes de comunicação e criadores publicitários obtenham pistas para superar as limitações próprias deste meio, uma vez que tal tarefa é mais fácil de realizar quando se pode contar com os recursos visuais das mídias imagéticas.

O rádio possui características sincréticas dadas pelos recursos dos sistemas verbal, vocal, musical e demais efeitos sonoros. Estes recursos participam da construção de percursos narrativos, passionais, figurativos e enunciativos das peças publicitárias. Além de promover a marca do produto e informar sobre seus benefícios, os anúncios publicitários dão conta de satisfazer os desejos latentes e inconfessáveis dos consumidores. Tais desejos manifestam as paixões humanas. A realização das paixões individuais requer por vezes a transgressão dos valores morais, e legais de uma determinada sociedade numa determinada época. A fim de se diferenciar e se destacar no universo da comunicação social o discurso publicitário precisa surpreender, e muitas vezes o faz, incitando-nos a romper com tais valores. Esta pesquisa investigou como as peças publicitárias para rádio exploram a modalização das paixões humanas, constituindo-se em convites à transgressão. Quando os valores morais são também preceitos de uma tradição religiosa, seus rompimentos são considerados pecados.

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ABSTRACT

The advertising discourse is the most present and that provokes a biggest impact in the complex and heterogenic contemporary society due to the pulse, tensions, conflicts, expectations and frustrations it generates.

This study analyses the advertising discourse in radio ads and offers a panorama of the manipulation strategies used in its texts, hoping to give its contribution to communication students and creative professionals on finding their clues to overcome the proper limits of this medium, once that this is an easier task to make when one can count on visual resources of image media.

The radio has some syncretic characteristics given by verbal, vocal, musical and other sound effect resources. These resources take part of the advertising narrative, passionate, figurative and enunciative tracks. Besides promoting the product brand and inform about its benefits, the ads also tries to satisfy the consumers’ latent and secret desires. These desires manifest human passions. The realization of individual passions sometimes requires the transgression of moral and legal values of a particular society in a particular era. As to distinguish and differentiate itself from the advertising universe, the advertising discourse has to astonish, and almost always does it, inciting us to break with these values. This research investigated on how does radio spots and jingles explore the modalization of human passions, becoming into transgression invitations. When the moral values are also precepts of a religion tradition, its broken are considered sins.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I

1.1 JINGLES, UM PROBLEMA DE PESQUISA ACADÊMICA ...09

1.2. PAIXÕES, SENSIBILIZAÇÃO E MORALIZAÇÃO ...14

1.3. PECADOS ...20

1.4. PAIXÕES E PECADOS CAPITAIS NA PUBLICIDADE ...23

1.5. A PUBLICIDADE RADIOFÔNICA ...28

CAPÍTULO II 2.1. PECADO ORIGINAL – Jingle de Sufflair ...34

2.2. ORGULHO – Spot da Mortadela Sadia ...43

2.3. INVEJA –Jingle do Esplanada Grill (20 anos) ...51

2.4. IRA – Jingle da Pizza Cristal ...57

2.5. PREGUIÇA – Jingle de Bliss ...63

2.6. GULA – Jingle de Sem Parar ...71

2.7. AVAREZA – Jingle do Sopão Maggi ...76

2.8. LUXÚRIA – Jingle do Esplanada Grill (Cauby) ...84

2.9. PERDÃO – Jingle de Sonrisal ...91

CAPÍTULO III 3.1 PICARDIA E POESIA ...95

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1.1. JINGLES, UM PROBLEMA DE PESQUISA ACADÊMICA.

É provável que o provérbio chinês “Uma imagem vale mais do que mil palavras” esteja se tornando cada vez mais verdadeiro de acordo com o avanço dos recursos tecnológicos utilizados para a reprodução de imagens em todos os cantos do mundo. O ser humano é um ser escópico. Ele se alimenta de comida, mas também de imagens. Os olhos têm fome de imagens. Talvez o motivo de querer ver mais, e mais longe, tenha sido a razão principal pela qual o homem primitivo foi pouco a pouco ficando cada vez mais ereto. O desenvolvimento da sensibilidade humana para os demais sentidos foi se reduzindo aos poucos com a evolução da espécie. Nosso sentido auditivo não é o mesmo de nossos antepassados, pois não somos capazes de discernir as sutis diferenças entre os ruídos e as modulações das palavras, nem de ouvir histórias narradas sem a presença das imagens. Houve um empobrecimento da capacidade de se emitir e receber discursos. Os meios de comunicação que utilizam das imagens como principal característica, comunicam melhor e com maior velocidade. O espectador recebe a comunicação numa posição passiva, pronta. Eles são considerados meios de recepção passiva porque não requerem que o consumidor realize qualquer esforço no uso de sua imaginação, enquanto o rádio, pela ausência do componente imagético e pela necessidade de recepção ativa (imaginação e interpretação).

Como sabemos, a invenção do rádio ocorreu posteriormente à da imprensa e antes do cinema, da televisão e dos atuais meios de comunicação virtuais. Seu período áureo (a Era do Rádio) esteve entre o final da década de 40 e meados da década de 60 do século passado. Como meio de comunicação de massas ele continua sendo o de maior penetração em praticamente todos os lugares (residências, escritórios, comércio, automóveis, hospitais, indivíduos com seus walkman, etc.) e horários, atingindo públicos das mais diversas classes sociais e níveis educacionais (inclusive analfabetos), além de permitir que seus ouvintes realizem outras atividades simultaneamente. Segundo David Ogilvy, “para a maioria das pessoas, o rádio é apenas um símbolo de segurança, um reconfortante ruído de fundo”.

(Ogilvy: 1985, p. 122).

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lhes ofereçam melhor remuneração. Ainda segundo Ogilvy, “o rádio tornou-se a Gata Borralheira dos meios publicitários, representando apenas 6% da publicidade total dos EUA.” (Ibidem).

Ao oferecer dezesseis dicas para a realização de comerciais televisivos, David Ogilvy destacou a comida em movimento dizendo: “quanto mais apetitoso você fizer o seu comercial de produto alimentício, maior o volume de vendas” (Ogilvy: 1985, p.118), recomendando ao

criador da peça publicitária: “Mostre o molho de chocolate sendo derramado sobre o sorvete, ou o caramelo caindo sobre os waffles.” (Ibidem). Estas recomendações foram feitas para

comerciais de televisão. Como o rádio não possui o recurso da imagem visual, mas características sincréticas dadas pelo verbal, utilizado em seus diálogos, pela inflexão da voz, pela música em canções ou trilhas sonoras, além de outros efeitos tais como ruídos naturais ou montados pela sonoplastia, isso requer muito talento dos criadores de mensagens publicitárias que utilizam deste meio. É muito provável que por este motivo o rádio tenha perdido sua participação em termos de investimento no “bolo publicitário”.

O presente estudo tem como objetivo através da observação e análise semiótica do discurso publicitário para rádio, fornecer um panorama das técnicas de manipulação utilizadas e oferecer uma contribuição da teoria para que os estudantes de comunicação e os criadores publicitários obtenham um conhecimento científico que os ajudem a superar as limitações próprias deste meio ao redigirem seus textos, e em contrapartida aprendam a explorar melhor suas características sincréticas e diferenciadoras para construir percursos narrativos, figurativos e enunciativos que promovam a modalização das paixões dos ouvintes.

Talvez com os próximos desenvolvimentos tecnológicos o rádio possa sofrer uma transformação não somente técnica, mas também em termos de conteúdo, recuperando um pouco da posição perdida para os meios com imagens. Isso vai fazer com que os redatores em geral e os especialistas em rádio, recuperem seu prestígio e os novos criadores tenham que reaprender as técnicas utilizadas para a modalização das paixões dos ouvintes.

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frequentemente, de modo sutil, provoca o rompimento destes valores. Realizar tal tarefa parece-nos ser muito mais fácil quando se pode contar com os recursos visuais das mídias imagéticas, mas o que nos interessa aqui é descrever como uma mídia como o rádio opera nessa realização.

A teoria Semiótica, e particularmente a Sociossemiótica inclui-se entre os domínios de maior desenvolvimento e avanços teóricos e metodológicos no âmbito das ciências da linguagem e da significação para o estudo dos processos de produção de significação e dos mecanismos de manipulação discursiva, e da eficácia de sua manifestação para exercer o convencimento. A pesquisa utilizou a análise semiótica como pressuposto teórico e metodológico para a análise do discurso publicitário em rádio, objetivando mostrar como as peças publicitárias produzidas para este meio modalizam as paixões humanas, incitando os consumidores a atos de transgressão dos valores morais vigentes na sociedade de tradição católico-cristã evidenciando assim a presença do Pecado.

Os conceitos utilizados nas análises dos anúncios presentes neste estudo englobam a presença do “outro” que nos circunda. Este outro é composto pela articulação de todos os elementos sensíveis provenientes da estimulação do sentido auditivo. São textos ora somente verbais, ora verbais e musicais gerando canções, que por sua vez contam com a presença e a geração de sentido produzida por ruídos e toda sorte de efeitos sonoros. Também utilizamos o conceito de “estado de espera”, de tensividade disfórica em que o sujeito pode estar, prestes à junção, contrato, identidade e fidúcia com a proposição do discurso, com a possibilidade de realização da paixão pelo valor investido no objeto anunciado, e por mais fantasiosa e irreal que tal conjunção possa lhe parecer. Também está presente o conceito de “fratura”, de “ruptura” e de “descontinuidade” com a vida cotidiana, que provoca efeitos de sentido naquele que ouve, no enunciatário.

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No mundo em que predominam as imagens, é cada vez menor a quantidade de criadores com habilidades específicas para elaborar mensagens publicitárias explorando as características próprias do rádio.

Nossa hipótese é a de que os textos publicitários modalizam as paixões humanas convidando e até mesmo incitando o ouvinte a transgredir, pelo menos no âmbito do imaginário, os valores morais, éticos ou jurídicos da sociedade contemporânea, e em função desta hipótese foram examinados mais de 300 jingles históricos entre uma coletânea da Escola Superior de Propaganda e Marketing, edições especiais patrocinadas pelo jornal Meio & Mensagem em três oportunidades (vols. I, II e III) e “Os 30 maiores jingles de todos os tempos” da Família Super Interessante da Editora Abril. Devido à grande quantidade de material disponível, para o estabelecimento do corpus, houve a necessidade de se realizar um primeiro recorte. Decidimos então optar pelas peças publicitárias que envolvessem as categorias de produtos alimentícios e serviços de restauração. Este recorte se justifica porque acreditamos que a dificuldade de se persuadir o consumidor a adquirir produtos ou serviços destas categorias é muito maior quando não se utiliza o recurso da imagem.

Os 9 (nove) jingles e spots que elegemos para a realização deste trabalho foram aqueles que apresentaram maior exploração da modalização das paixões. Procurou-se relacionar, ainda que de modo imperfeito, cada uma das peças a um dos pecados capitais, o que não quer dizer que cada peça traduza perfeitamente a definição de cada pecado, nem que tampouco contenha em si uma única leitura possível. Elas podem transitar entre mais de uma paixão por modalizações complexas e assim transgredir também outros valores sociais, ou preceitos religiosos do catolicismo não apontados especificamente em cada análise. Nosso intuito não foi o de sermos categóricos nessa classificação, mas mostrar as contribuições científicas que a semiótica tem a oferecer para uma atividade baseada num fazer empírico.

O primeiro jingle analisado é o de Sufflair e sua escolha se justifica por sua relação com o Pecado Original. Depois deste, temos peças publicitárias que prioritariamente relacionamos com cada um dos sete pecados capitais. No spot da Mortadela Sadia observamos o pecado do Orgulho. No jingle comemorativo de 20 anos do Esplanada Grill notamos o despertar da Inveja. No jingle da Pizza Cristal, temos a manifestação da Ira. O jingle de Bliss é a celebração da preguiça. No jingle de Sem Parar, percebemos a instauração da Gula. O sopão Maggi subentende-se aspectos relacionados à Avareza. O jingle inaugural do Esplanada Grill

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1.2. PAIXÕES, SENSIBILIZAÇÃO E MORALIZAÇÃO

Segundo o dicionário Aurélio, paixão significa sentimento ou emoção levada a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão (Aurélio, 1995, p. 475).

O Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano define o termo Paixão como: “1º o mesmo que afeição, 2º o mesmo que emoção, significado em que foi empregado quase universalmente até o séc. XVIII, até que se foi determinando o significado específico que hoje possui; e 3º ação de controle e direção por parte de determinada emoção sobre toda a personalidade de um indivíduo humano, sendo este último o sentido único, apropriado e específico, que esta palavra é empregada hoje.” O dicionário prossegue explicando que a

expressão francesa “amour-passion”, indica “uma forma de emoção amorosa que domina a personalidade e é capaz de transpor obstáculos morais e sociais”. Segundo Abbagnano, “esse conceito nasce com as análises dos moralistas dos sécs. XVII e XVIII, que evidenciaram a tendência que têm as emoções de penetrar na personalidade e dominá-la.” A continuação, o

Dicionário cita diversos pensadores como Pascal, que dizia: “Quando se conhece a paixão dominante de alguém, estaremos certos de saber agradar-lhe” (Pensées, 106). Em Maximes,

LaRochefoulcauld insiste com certo cinismo nesse caráter dominante das paixões (“Se resistimos às nossas paixões, é mais pela fraqueza delas do que pela nossa força”, 122).

Vauvenargues, em Discours sur la liberte (1737), dizia: “Para resistir à paixão seria preciso pelo menos querer resistir. Mas faria a paixão nascer o desejo de combater a paixão na ausência da razão derrotada e afugentada?” E acrescentava: “As paixões ensinaram a razão aos homens” (Réflexions et maximes, 154). Com o mesmo espírito, Helvetius declarava: “As

paixões são no campo moral o que o movimento é no campo físico” (De l´esprit, II, 4), e Condillac definia a paixão como “um desejo que não permite ter outros, ou que, pelo menos, é o mais dominante” (Traité dês sensations, I. 3. $ 3).

Abbagnano explica que o romantismo aceita e adota o conceito de que “a paixão não é um estado afetivo particular, mas o domínio total e profundo que um estado afetivo exerce sobre toda personalidade (ou subjetividade) do indivíduo” elaborado pelos moralistas

franceses e por Kant. Hegel, por outro lado, inverte a valoração negativa de Kant definindo a paixão como sendo “nem boa, nem má, pois sua forma só exprime que um sujeito pôs a totalidade do espírito prático, todo o interesse vivo de seu espírito, de seu talento, de seu caráter, de seu prazer, numa única das muitas determinações limitadas que se opõe entre si

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contra a forma da paixão como tal” (Enc. $ 474). Nietzsche, por sua vez, considerava um

sintoma de fraqueza o “temor dos sentidos, dos desejos e das paixões, quando ela chega para desaconselhá-los” e a paixão dominante como “a forma suprema de saúde”, porque nela “a coordenação dos sistemas internos e seu trabalho a serviço de um mesmo fim são mais bem realizados; o que é mais ou menos a definição de saúde” Por fim, o Dicionário de Abbagnano

expressa o ponto de vista eqüidistante de Dewey que diz: “A fase emocional, apaixonada da ação não pode nem deve ser eliminada em prol de uma razão exangue. Mais paixões, não menos, é a resposta. (...) A racionalidade não é a força a ser invocada contra impulsos e hábitos, mas sim a conquista de uma harmonia que atue entre diferentes desejos” (Human Nature and Conduct, pp. 195-96). (Abbagnano: 2000, pp. 739-40)

Segundo Greimas e Fontanille: “a moralização introduz no universo passional um relativismo mais geral que causa problema” (Greimas e Fontanille: 1993 p. 148), pois os

dicionários contém julgamentos que definem os limiares de intensidade que determinam o excesso e a insuficiência. Porém esses mesmos dicionários já definem a “paixão” como um excesso. Então o impasse fica estabelecido, uma vez que os autores reconhecem que moralizar em função do excesso ou da insuficiência seria simplesmente reconhecer que este ou aquele dispositivo modal pertence ou não ao registro passional, o que faria duplo emprego com a sensibilização.

Uma paixão pode ser avaliada negativamente nas definições dos dicionários porque se baseia numa opinião equivocada, seja porque é excessiva, seja porque se funda numa opinião justa. De um a outro caso, o avaliador estabelece seu julgamento a partir de considerações veredictórias. Os autores de “Semiótica das Paixões” dizem que “qualquer que seja a categoria modal pela qual o julgamento é enunciado, o motivo é sempre da ordem do “demais” ou do “pouco demais” Segundo eles, o avaro e o ávido desejam demais, o dissipador gasta demais, o mesquinho economiza demais pequenas coisas, o sovina ostenta demais sua mesquinhez; o vaidoso e orgulhoso têm sobre si mesmos uma opinião boa demais, o arrogante e o presunçoso a exibem ostensivamente demais.” (Ibidem: 1993 p. 151).

No corpo do ser humano ou na camada mais superficial de seu discurso ficam os registros da tensividade das paixões. Na natureza nada é bom ou mal, cruel ou criminoso. Estes conceitos só têm sentido diante do sistema de valores, crenças e moral de uma sociedade. O ser primário vive na sensação de suas paixões e satisfação de suas necessidades de sobrevivência e prazer. Para ele o fluxo de suas paixões é mais importante do que moldá-las segundo uma moral que lhe é transcendente. As paixões podem semantizar-se no eixo

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articulando-se entre sujeitos e objetos, entre crenças e valores. O homem-semiótico, para além do dualismo homem-animal, articula-se socialmente e constitui sistemas complexos de trocas simbólicas e comunicativas que nada mais são do que formas organizadas de contar e construir o universo a partir daquilo que experimenta e percebe. Tal como afirma Greimas: “É pela mediação do corpo que percebe que o mundo transforma-se em sentido - em língua -, que as figuras exteroceptivas interiorizam-se e que a figuratividade pode então ser concebida como modo de pensamento do sujeito. A mediação do corpo, de que o próprio e o eficaz são o sentir, está longe de ser inocente: ela acrescenta, por ocasião da homogeneização da existência semiótica, categorias proprioceptivas que constituem de algum modo seu ‘perfume’ tímico, e até sensibiliza - dir-se-á ulteriormente ‘patemiza’ cá e lá o universo de formas cognitivas que aí se delineiam.” (Greimas, 1993, p.14)

A sensação de atração por um outro corpo produz determinados ritmos, pulsações, que nos mobilizam a ir de um a outro estado de alma. As camadas tensivas vão se sobrepondo até atingirem um nível mais superficial e visível que é o do discurso. As paixões situam-se nesse nível semantizado.

A idéia da transformação contínua e recursiva dos estados de ser permeia a semiótica das paixões. Esta transformação, ou a formação de um contínuo de estados de ser, é possível quando um objeto do mundo é instituído de valor por um sujeito. Em função desse valor investido pelo sujeito, o objeto passa a ser alvo de seu querer, o que dá origem a um movimento do sujeito, que busca entrar em conjunção, em unidade, com o objeto. Assim, o objeto passa a ser dotado de paixões; o objeto passa a ter um “estado de alma” no ser desejado pelo sujeito. O “estado de coisas” do objeto apresenta pois o “estado de alma” do sujeito, porque ele significa as coisas que o sujeito quer. Dito de outra forma, quando o sujeito projeta sobre as coisas, sobre o mundo, o seu estado de alma, o próprio mundo passa a ter alma. O sujeito passa então, a querer entrar em conjunção com o objeto ou objetos do mundo. Os estados de ser mobilizados, na relação sujeito-objeto, dotado de valor, são capturados, no fazer interpretativo deste trabalho, por meio das lentes do contínuo da tensividade fórica. (cf. Greimas, 1993, p. 21-25)

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que apresenta uma transformação tímica. O comportamento passional pertence à classe das manifestações somáticas da paixão tais como o enrubescimento, a palidez, a angústia, o sobressalto, a crispação, o tremor, etc.

Na teoria semiótica greimasiana as paixões são “estados de alma” que nos afetam, definindo nossa relação com o mundo e com as outras pessoas. Nesta teoria sujeito e objeto não existem separadamente, mas em relação de reciprocidade. A paixão é entendida como efeitos de sentido de qualificações modais (o querer, o dever, o poder e o saber) que modificam a relação do sujeito com os valores do querer-ser, poder-ser, dever-ser, ou saber-ser na narrativa. Numa narrativa, o sujeito segue um percurso ocupando diferentes posições passionais, saltando de estados de tensão e de disforía para estados de relaxamento e de euforia e vice-versa. As paixões simples resultam de um único arranjo modal que modificam a relação entre sujeito e objeto-valor enquanto as paixões complexas são efeitos de uma combinação de modalidades que se desenvolvem em vários percursos passionais. Segundo Barros (2000: p.48), “as paixões simples decorrem da modalização pelo querer-ser. Há paixões em que o sujeito quer o objeto-valor, como na cobiça, na ambição ou no desejo; outras ainda em que ele deseja não ter certos valores, como no desprendimento, na generosidade ou na liberalidade; finalmente, aquelas em que o sujeito não quer deixar de ter valores, como na avareza ou na sovinice. As paixões simples diferenciam-se pela intensidade do querer e pelo tipo de valor desejado. O desejo de valores cognitivos caracteriza, por exemplo, a curiosidade do querer-saber.

O estado inicial do percurso das paixões complexas é denominado por Greimas (1983) estado de espera. A espera define-se pela combinação de modalidades, pois o sujeito deseja um objeto (querer-ser) mas nada faz para consegui-lo e acredita (crer-ser) poder contar com outro sujeito na realização de suas esperanças ou na obtenção de seus direitos. Caracteriza-se, portanto, pela confiança no outro e em si mesmo e pela satisfação antecipada ou imaginada da aquisição do valor desejado. Ao saber impossível a realização do seu querer e infundadas as suas crenças, o sujeito passa ao estado de insatisfação e de decepção. As paixões contrárias, de satisfação e de confiança, ocorrem como alegria e felicidade, esperança e ilusão.

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As diferentes culturas, áreas e épocas tratam de modo variável os mesmos dispositivos modais. Um determinado comportamento, dependendo do tempo e lugar em que se manifestam, pode ser considerado positivo ou negativo.

O discurso moral é um discurso que recai sobre a medida e o excesso das manifestações passionais e sobre o respeito das regras e dos códigos em vigor numa dada cultura. O estudo do discurso moral em paralelo com o estudo do discurso passional desemboca numa classificação das culturas na medida em que, permanecendo constantes os dispositivos modais, a sensibilização e a moralização que os afetam constituem duas classes de variáveis pelas quais as culturas, as áreas e épocas, se distinguem.

Os autores de Semiótica das Paixões referem-se à moralização como uma operação pela qual dada cultura relaciona um dispositivo modal sensibilizado a uma norma, concebida para regular a comunicação passional em certa comunidade. Isto quer dizer que a moralização é a inserção de uma configuração passional num “espaço comunitário”, e segundo os autores, ela se manifesta em linguagem pela presença da pejoração, ou pela melhoria,valorizando ou desprezando determinados atributos ou comportamentos.

Tanto do ponto de vista da teoria quanto do ponto de vista do método, o estudo da moralização pressupõe o da sensibilização.

A vocação de uma semiótica das paixões é descrever, e até explicar, os efeitos discursivos da sensibilização. A sensibilização, por sua vez, é a operação pela qual dada cultura interpreta os dispositivos modais como efeitos de sentido passionais. Na língua ela se manifesta por condensação ou expansão na forma de sintagmas que compreendem um dos termos genéricos da nomenclatura e uma seqüência que enuncia um comportamento, uma atitude, ou um fazer. A sensibilização se reconhece no discurso graças à defasagem entre os papéis temáticos e os papéis patêmicos. Ela é a primeira fase enunciativa da colocação em discurso das paixões.

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Além disso, não é apenas o fazer ou o ser que são julgados, mas uma maneira de fazer ou uma maneira de ser. Deste modo, o responsável pelo julgamento não poderia ser um destinador-julgador que teria de julgar apenas o resultado do fazer e não o ser.

Se toda paixão é avaliável e moralizável, e o actante-avaliador pode ser qualquer um dos parceiros do sujeito apaixonado os autores concluem dizendo que “não há paixão solitária”, pois toda configuração passional envolve pelo menos dois sujeitos: o sujeito apaixonado e o sujeito que assume a moralização, sendo, portanto, intersubjetiva.

O caráter intersubjetivo das paixões não se limita à colocação em discurso e à intervenção do observador social. Existem forças coesivas e forças dispersivas que geram desequilíbrios instáveis entre os valores coletivos e individuais. Se a configuração se organiza sob o ponto de vista do sujeito apaixonado, apenas a sensibilização se manifesta, e se por outro lado ela se organiza do ponto de vista de um observador social, surge a moralização pressupondo e ao mesmo tempo mascarando a sensibilização.

Uma vez reconhecidas a diversidade e a estratificação dos sistemas de referência da moralização, compreende-se melhor o papel do próprio observador social em sua “instabilidade”. Graças à variação dos pontos de vista adotados, e aos sincretismos nos quais o avaliador pode se tornar um actante em dada configuração passional, o sujeito da enunciação faz variar de uma paixão à outra os arranjos modais reconhecidos em dada cultura, acrescentando-lhes valores segundo a moralização e as axiologias próprias dos parceiros do sujeito apaixonado.

Moralizando a paixão, avalia-se não apenas certa maneira de fazer ou de ser, mas também certa maneira de ser apaixonado. A moralização segundo o sentido da medida supõe que o percurso discursivo do sujeito apaixonado esteja acabado, que as conseqüências sejam manifestadas e observáveis sob a forma de “figuras de comportamento”. A condenação recai não sobre a paixão em si, mas sobre a ostentação dessas figuras de comportamento.

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1.3. PECADOS

O Dicionário Aurélio tem como primeira definição de pecado a “transgressão de preceito religioso” (Aurélio, 1995, p. 490). Além deste significado temos: falta, erro; culpa e

vício.

O Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano define pecado como: “Transgressão intencional de um mandamento divino. Pecado não é a transgressão de uma norma moral ou jurídica, mas a transgressão de uma norma considerada imposta ou estabelecida pela divindade. O reconhecimento do caráter divino de uma norma e a intenção de transgredi-la são os dois elementos desse conceito, sem os quais se confunde com os conceitos de culpa, delito, erro, crime, etc., que designam a transgressão de uma norma moral ou jurídica.” Mais

adiante, o dicionário oferece os conceitos de Santo Agostinho que definia o pecado como: “o que é dito, feito ou desejado contra a lei eterna”, entendendo por lei eterna a vontade divina

cujo fim é conservar a ordem no mundo e fazer o homem desejar cada vez mais o bem maior e cada vez menos o bem menor (Contra Faustum, XXII, 27), e de São Tomás de Aquino que também aceitava esta definição ao dizer que para o homem a lei eterna é dúplice: “Uma é própria e homogênea, é a própria razão humana; a outra é a regra primeira, a lei eterna que é quase a razão de Deus” (S. Th, II, 1, q.71, a. 6).

O Dicionário prossegue citando Kant dizendo que esse conceito de pecado não se alterou através dos tempos, quando define o pecado como “a transgressão da lei moral vista como mandamento divino” (Religion, I, séc. IV; II, séc. 1, c; trad. It., Durante, pp. 31, 68) e

Kierkegaard, ao afirmar que o pecado é perante Deus, e que consiste em “buscar desesperadamente a identidade ou em fugir desesperadamente à identidade”, o que significa

que consiste no desespero de não ter fé (Die Krankheit zum Tode, II, cap. I, trad. It., Fabro, p. 300), acrescentando que “o caráter excepcional do pecado corresponde ao caráter excepcional da fé”. Para Kierkegaard, o pecado não é de todos os dias: “Ser pecador, no sentido mais rigoroso, está bem longe de ser meritório. No entando, como se pode achar uma consciência essencial do pecado (o que aliás é indispensável para o Cristianismo) numa vida tão mergulhada na trivialidade, tão reduzida à imitação vulgar dos outros, que é quase impossível dar-lhe nome, pois é desprovida demais de espírito para poder ser chamada de pecado?” (Ibid, II, B, Acréscimo A; trad. it. P. 328).

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princípios éticos aceitos e compartilhados pela maioria das pessoas pertencentes a uma tradição religiosa. Isto não quer dizer que todas as religiões estejam de acordo com o que é ou não pecado. O que pode ser considerado um pecado grave em determinada religião pode ser perfeitamente aceito por outra.

De acordo com o catolicismo ocidental o pecado é um mal para o homem, uma cisão do homem, tal como uma deformação humana, que tem efeitos perniciosos para a sociedade. Sendo o pecado uma mancha, ele faz parte da simbologia da impureza, da sujeira, da podridão que suja a claridade da alma. No catolicismo ocidental, para atingir a pureza da alma o homem deve lutar contra todas as tentações do corpo e da matéria.

Outro aspecto a ser considerado é o de que uma vez obtido certo consenso sobre o que é ou não pecado há também a classificação da gravidade do tipo de transgressão cometida. A igreja católica classificou os pecados em duas categorias: os pecados veniais, ou menos graves e os pecados capitais, ou os de maior grau de ofensa a Deus. Os pecados capitais são pecados mortais e estão associados às fraquezas humanas em resposta às tentações dadas pelos prazeres e emoções individuais, em detrimento da comunhão com a sociedade. Eles representam a quebra com a harmonia da comunidade e o rompimento com a base de sustentação do cristianismo.

O papa Gregório Magno, pontífice entre 590 e 604, formulou uma lista dos sete pecados capitais estabelecendo também uma escala do mais para o menos ofensivo a Deus. São eles: orgulho (também conhecido como soberba, ou vaidade), inveja, ira, preguiça, gula, avareza e luxúria. A contrapartida destes pecados segundo a igreja seriam as respectivas virtudes como: humildade, gentileza, paciência, esforço, caridade, jejum, e castidade.

Os pecados capitais são os sete erros mais comuns que as pessoas cometem na busca pela felicidade individual, ou realização de suas paixões. Eles representam as paixões que todos os seres humanos carregam dentro de si e que uma vez seduzidos, acreditando estarem se aproximando da felicidade, fazem com que dela se afastem.

O budismo propõe que o segredo para se atingir a felicidade, ou iluminação está em negar estas paixões abandonando a excessiva afirmação da individualidade.

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Santo Agostinho não admitia a existência do mal porque se assim o fizesse teria que admitir que o mal é também obra de Deus o criador do universo. Assim ele utilizou o conceito de Privatio Boni (ausência do bem) segundo o qual Deus é o bem supremo, mas permite ao homem utilizando-se de seu livre arbítrio aceitá-lo ou não. Por conseguinte aqueles que rejeitam o bem estão condenados a uma situação de desgraça vivendo a ausência do bem, mais conhecido como o “mal”.

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1.4. PAIXÕES E PECADOS CAPITAIS NA PUBLICIDADE

A prática e a ostentação do orgulho, da inveja, da ira, da avareza, da gula, da preguiça e da luxúria podem ser consideradas paixões humanas, segundo determinado observador social em determinada época, lugar ou cultura. Segundo a tradição católica ocidental as manifestações destas paixões, dependendo de sua intensidade, podem ser consideradas pecados capitais.

A seguir reproduzimos na íntegra um texto publicado pelo Frei Betto em 14 de junho de 2002 no site www.adital.com.br:

“Todos os pecados capitais, sem exceção, são tidos como virtudes nessa sociedade neoliberal corroída pelo afã consumista.

A inveja é estimulada no anúncio da moça que, agora, possui um carro melhor do que o de seu vizinho. A avareza é o mote das cadernetas de poupança. A cobiça inspira todas as peças publicitárias, do Carnaval a bordo no Caribe ao tênis de grife das crianças. O orgulho é sinal de sucesso dos executivos bem sucedidos, que possuem lindas secretárias e planos de saúde eterna. A preguiça fica por conta das confortáveis sandálias que nos fazem relaxar, cercados de afeto, numa lancha ao Sol. A luxúria é marca registrada da maioria dos clipes publicitários, em que jovens esbeltos e garotas esculturais desfrutam uma vida saudável e feliz ao consumirem bebidas, cigarros, roupas e cosméticos. Enfim, a gula subverte a alimentação infantil na forma de chocolates, refrescos, biscoitos e margarinas, induzindo-nos a crer que sabores são prenúncios de amores.

Há nas tradições religiosas uma sabedoria de vida. Despidos de preconceitos, se refletirmos bem sobre os sete pecados capitais veremos que cada um deles se refere a uma tendência egoísta que traz frustração e infelicidade.

A cobiça nos faz reféns do mercado e dos modismos, atraindo-nos ao buraco negro de irregularidades que, miragens no deserto, nos prometem dinheiro fácil e status de Primeiro Mundo. A avareza ensina a acumular dinheiro mesmo quando ele precisaria ser investido na melhoria de nossa qualidade de vida. Rendimentos passam a ser mais importantes que investimentos, como o caramujo que, por carregar a casa nas costas, se arrasta lento pela vida. A luxúria nasce nos olhos, agita a mente e perturba o coração. O objeto do desejo aliena do amor enquanto projeto, aprisionando-nos no jogo narcísico da sedução. A gula aumenta o colesterol, deforma o corpo e entristece o espírito. O orgulho é a terrível consciência de que queremos parecer o que não somos e, cheios de empáfia, nossa alma trafega apoiada em frágeis muletas. A preguiça traz incapacidade e atiça os devaneios, induzindo a trocar a realidade pela fantasia. A inveja é o espelho de nossa covardia em ser do tamanho que somos, nem maiores nem menores.

O fato é que há um conflito entre o princípio nº 1 da sociedade em que vivemos - ganhar dinheiro - e os valores que sedimentam a existência. Por que a ambição de uma viagem ao exterior não se reflete também no desejo de viajar para dentro de si mesmo? Mundo desconhecido, esse que trazemos no espírito. Mas, como turistas ocasionais, ficamos sem saber qual "agência" pode nos assegurar uma viagem de melhor proveito: a Igreja católica ou o budismo? O candomblé ou o espiritismo?

Deus é mais íntimo a nós do que nós a nós mesmos. Recolher-se ao silêncio interior é sempre um excelente ponto de partida. Para quem nunca fez essa viagem, a partida assusta, porque não nos é dado o roteiro, e a paisagem exterior tenta-nos a abandonar o trem. Se controlarmos "a louca da casa", a imaginação, logo o silêncio interior se faz voz. Então, somos apresentados ao nosso verdadeiro eu, que nos impele ao nós. E experimentamos inefável felicidade.”

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consumo. Porém é preciso considerar que a ambição humana (não confundir com ganância) é a energia que move o mundo numa sociedade capitalista globalizada.

A publicidade tenta retirar a visão negativa das paixões enraizada nas tradições religiosas oferecendo uma visão positiva baseada nos prazeres pessoais e materiais. Na maioria dos anúncios as paixões humanas são tratadas de forma subjetiva e discreta. De modo geral o lado negativo das paixões é atenuado para dar destaque ao lado positivo do movimento, do desafio, da conquista do sucesso. Há um maior incentivo para se desfrutar dos prazeres ao invés de evitá-los.

Vivemos numa época em que a individualidade é mais valorizada. A busca pelo sucesso individual supera a busca pelo bem estar do grupo. A idéia individualista contraria a idéia de “comunidade”, e estamos num momento de confronto entre a crescente individualidade e a tradição religiosa comunitária da igreja.

Na própria história da igreja católica, há casos de pecados graves que hoje são meros atos cotidianos que não significam qualquer tipo de transgressão. A transgressão não é necessariamente negativa, como afirma a definição dos pecados capitais.

Um dos fenômenos que provocam essa alteração da noção de pecado, passando de “proibido” para “aceito sob certas condições” é a habituação ou familiaridade. Quanto mais exposto o indivíduo, mais comum o estímulo lhe parece.

Deste modo os pecados capitais não deixaram de ser pecados para a igreja, mas com a evolução conceitual da humanidade perderam muito dos seus aspectos negativos.

A sociedade brasileira está pouco a pouco transformando a rigidez com que tratava deste tema no passado, transformando-o e flexibilizando-o. O sexo deixou de ser uma entrega pecaminosa aos prazeres da carne após a revolução sexual. Andar de mãos dadas, beijar em público e sexo antes do casamento tornaram-se mudanças na visão de luxúria.

A moda é um retrato da constante mudança na moral e na adaptação do comportamento. No começo do século XX as saias que mostravam as canelas e os maiôs colados ao corpo eram considerados um escândalo. Depois as saias foram reduzidas até os joelhos, viraram as mini-saias, os biquínis nas praias, o fio dental, o topless, etc.

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Orgulho

Orgulho é acreditar excessivamente em suas próprias qualidades, é querer ser reconhecido como melhor que os outros, é ter uma auto-imagem inflada sendo ou não sendo melhor, e é o que interfere no reconhecimento individual da graça de Deus. Orgulho é também conhecido como Soberba ou Vaidade. É o chamado pecado que inicia todos os outros pecados. Segundo o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano: “a Soberba é um vício correspondente à virtude da magnanimidade e que tem como extremo oposto a pusilanimidade, na ética de Aristóteles. Segundo ele, “os soberbos são insensatos porque se enganam sobre si mesmos: empreendem tarefas honradas acreditando serem dignos delas, mas com isso só demonstram sua própria insuficiência” (Et. nic., IV, 3, 1125 a 27). Essa definição tornou-se tradicional e foi repetida muitas vezes. Spinoza dizia: “A Soberba é uma alegria cuja origem está em o homem sentir-se mais do que é” (Ibid, III, 26, scol.).

(Abbagnano: 2000, p. 911)

Este sentimento pode se transformar em quaisquer dos outros pecados transformando-se em reações construtivas ou destrutivas dependendo da reação particular de cada um.

Inveja

Inveja é o desejo pelas coisas, pelo status, pelas habilidades ou pela situação de outra pessoa.

Um determinado produto é motivo de orgulho para quem o possui e motivo de inveja para quem não o tem. Provocar a inveja é afirmar sua posição de superioridade em algum aspecto. É a afirmação do orgulho. Se o vizinho compra um carro novo, o sujeito pode demonstrar sua inveja de forma positiva ou negativa. Furar o pneu do vizinho ou riscar sua lataria seria uma manifestação destrutiva de inveja. Já esforçar-se mais no sentido de tentar comprar um carro melhor que o dele seria uma manifestação construtiva da inveja.

Ira

Ira é a manifestação da pessoa que rejeita o amor e faz uma opção pela fúria. É o descontrole das emoções e da razão. Todos os demais pecados capitais podem levar à Ira.

A ira é um dos pecados capitais menos utilizados na publicidade, pois ela representa o descontrole tanto da emoção quanto da razão.

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Preguiça

Preguiça é evitar qualquer trabalho físico ou espiritual. É o desejo pelo mais fácil. É ir contra o castigo divino resultante do Pecado Original, de trabalhar para conseguir o próprio sustento.

Na Bíblia, com a expulsão de Adão e Eva do paraíso, a humanidade teve que enfrentar um novo desafio: trabalhar para conseguir sua própria sobrevivência. No paraíso o homem não precisava trabalhar, pois tudo o que ele queria estava disponível. Assim, o trabalho retrata o castigo divino que deve ser eternamente carregado. Porém sendo o trabalho a base de sustentação para a produção, a comercialização e o consumo, o trabalho não deveria ser encarado como um castigo. Deste modo, a preguiça não é muito valorizada na publicidade.

No passado o pecado da tristeza era também conhecido como acícia. Segundo o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, a acídia é “o tédio ou a náusea no mundo medieval: o torpor ou a inércia em que caíam os monges que se dedicavam à vida contemplativa. Segundo S. Tomás, consiste no “entristecimento do bem divino” e é uma espécie de torpor espiritual que impede de iniciar o bem (S. Th., II, II, q. 35 a 1). Com o tédio, a acídia tem em comum o estado que a condiciona, que não é de necessidade, mas de satisfação.” (Abbagnano: 2000, p. 15)

Quando o argumento da preguiça é utilizado, geralmente ele está associado aos anúncios sobre férias ou aposentadoria, ou seja, uma visão positiva, uma recompensa conquistada após um longo período de trabalho.

Gula

Gula é o consumo de alimentos em excesso. É a voracidade ou avidez de comer mais do que o necessário para a própria sobrevivência.

O pecado da gula sua tem origem em um tempo onde as pragas nas plantações e as técnicas de plantio pouco desenvolvidas não deixavam que a produção tivesse uma oferta maior que a demanda por comida. Há trechos na bíblia que celebram o alimento que vem do trabalho, mas condenam o excesso lembrando que a comida deve ser compartilhada.

Enquanto no Renascimento comer demais significava afastar-se de Deus, após a Revolução Industrial sucumbir à tentação passou a ser sinal de prosperidade.

Atualmente os padrões de beleza valorizam os corpos esbeltos, e provocam modificações de ordem tanto quantitativas como qualitativas nos hábitos alimentares.

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que valoriza os corpos esbeltos e colabora para que a gula seja uma paixão pouco utilizada de forma explícita na publicidade, mesmo junto ao público infantil. As crianças rechonchudas têm sido vítimas de preconceito nas escolas.

Ao destacar suas características gustativas a mensagem publicitária tenta despertar o desejo de comer o produto anunciado. A gula pode ser explorada positivamente se o consumo dos alimentos for apresentado de forma moderada, ou mesmo se o produto tiver em sua composição menos gorduras e açúcares tal como nos produtos light e diet.

Avareza

Avareza é o desejo por coisas materiais e deixando de lado os ganhos espirituais. É o apego ao dinheiro, considerando-o como uma das coisas mais importantes da vida.

A grande maioria das pessoas busca através da pechincha obter um desconto, um chorinho, ou uma vantagem em suas compras. O conceito de maximização da utilidade faz com que o indivíduo tente fazer o seu dinheiro render o máximo, sem perder a pose. Para a igreja isso significa dar mais valor aos tesouros da terra que aos tesouros do céu.

Luxúria

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1.5. A PUBLICIDADE RADIOFÔNICA

Desde que foi inventado por Marconi e Lee Forest, o rádio transformou o comportamento humano em seus hábitos, costumes, tendências, gostos e predileções, exercendo sua influência dinamizadora e aceleradora sobre o ambiente social, tornando-se um dos mais fortes e eficientes instrumentos de persuasão inventado pelo homem.

Persuadir pelo som é um fato milenário, uma vez que há cerca de quatro mil anos os mercadores de vinho, metal e especiarias do antigo Egito contratavam cantores para sair pelas ruas apregoando em frases musicadas os produtos à disposição dos consumidores.

Com a invenção da imprensa, da tipografia, e o aumento do número de pessoas alfabetizadas, os comerciantes começaram a dar preferência a outros veículos de comunicação, principalmente os jornais.

Em tempos de guerra o rádio foi largamente utilizado como meio de propaganda ideológica visando persuadir as tropas aliadas ou dissuadir os ataques inimigos. Na verdade, quase todas as grandes invenções do Século XX foram utilizadas, e até mesmo tiveram suas pesquisas financiadas para fins bélicos.

Nos dias atuais infelizmente ainda há guerras pelo mundo, porém a maior delas é a guerra comercial. Muitos países querendo vender, e poucos países querendo comprar.

Para o mundo da publicidade não basta que o público ouça o rádio. É preciso que ele compre. Então a função do rádio como veículo de propaganda é fazer-comprar.

Em seu livro “Técnica e Prática da Propaganda” a McCann Erickson declara que como veículo de propaganda o Rádio apresenta as seguintes características:

“1) Atinge todas as camadas sociais, ouvido que é, indistintamente, por toda população. Para o Rádio, não há barreiras ou fronteiras.

2) O Rádio atinge o consumidor em casa, em suas horas de descanso e de distração ou em viagem (no automóvel), permanecendo com ele desde a manhã até a noite.

3) O Rádio atinge as classes iletradas e as crianças ainda não alfabetizadas. A sua eficiência é ainda maior nas regiões onde são altos os índices de analfabetismo.

4) O Rádio é uma companhia constante para a dona de casa, que é, por sua vez, a compradora por excelência.

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6) O Rádio é um veículo de propaganda que se incorporou à realidade cotidiana de um lar, tornando-se um dos pertences indispensáveis de uma casa.

7) O Rádio permite apelos mais diretos à emoção, aos sentimentos ou à capacidade mental do homem comum.

8) O Rádio oferece instantaneidade de cobertura total de um mercado, assim como a possibilidade de produzir-se uma campanha de propaganda poucas horas depois de decidida.

9) O Rádio permite uma mobilidade máxima no uso de diversos temas de propaganda, assim como o uso simultâneo dos mesmos, se isto for aconselhável.

10)O Rádio torna possível a oportunidade exata de uma mensagem de propaganda, com a sua apresentação no horário mais conveniente.” (McCann-Erickson, 1966, p.192)

Observando e analisando as mensagens publicitárias de rádio que se tornaram vencedoras e marcaram época no Brasil, pode-se afirmar que boa parte de seu sucesso dependeu da aplicação das leis da Repetição e da Associação. É preciso repetir a mensagem certo número de vezes (o que os profissionais de mídia denominam freqüência) e associar duas sensações, ou dois sons: o das palavras e o das músicas, que combinados reforçam o efeito total da peça publicitária. Além disso, todas as mensagens são frases da linguagem popular e expressões de um ritmo, que nem sempre pelo verso ou pela rima ficam plantados na memória do ouvinte. Quando os jingles ou spots são criados adequadamente costumam exprimir em poucas palavras um forte argumento de vendas.

Segundo a McCann-Erickson, a técnica de criar mensagens de propaganda pelo rádio pode se reduzir aos seguintes princípios:

1) “A repetição é a chave do sucesso na propaganda pelo Rádio.

2) A associação completa e reforça o trabalho executado pela repetição.

3) O ritmo e a originalidade são condições essenciais para que a mensagem de Rádio fique na memória do consumidor.

4) A linguagem popular é a única forma bem aceita na mensagem pelo Rádio. Ninguém fala como escreve. A mensagem de Rádio é para se ouvida e não para ser lida. Ela precisa ter o sabor, a naturalidade e a simplicidade de uma frase do povo para o povo. 5) É preciso dizer pouco para ficar lembrado e não dizer muito, que será esquecido.”

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Escrever para Rádio é a arte de escrever para os ouvidos. Se a linguagem do rádio mantém alguma relação com a linguagem do teatro e do discurso em palanques, ao contrário destas ela não pode contar com a ajuda dos gestos e das atitudes do orador.

O ouvinte do rádio tem a impressão de que a programação está sendo dirigida especialmente para ele. É uma “conversa ao pé do ouvido”. As mensagens radiofônicas geram uma sensação de individualização. O ouvinte de rádio é mais sensível aos abusos por este meio do que pela imprensa. A maioria das mensagens de rádio utiliza frases populares em estilo coloquial, simples e diretas como os provérbios. Se por acaso o ouvinte sentir um ar de pedantismo intelectual, de exageros inconvenientes na argumentação, ou na utilização de piadas de mau gosto ele se sentirá respectivamente irritado, enganado e ofendido.

De acordo com a McCann a mensagem de propaganda pelo Rádio pode tomar várias formas, das mais simples às mais complexas e seus tipos principais são:

1) “O texto – É a mais simples e a mais pura das formas de mensagem pelo Rádio. Denominada pelos norte-americanos de straight announcement, é a mensagem que, na linguagem do Rádio brasileiro, é chamada de “texto”. Lido por uma só voz, o texto é um apelo de vendas franco e direto, simples e objetivo

2) A mensagem dialogada – É aquela em que duas ou mais pessoas realizam uma conversação na qual são expostas as vantagens de um produto, suas razões de compra e seus apelos de venda.

3) A mensagem dramatizada – Como a forma dialogada, na mensagem dramatizada aparecem várias vozes, mas encarnando personagens de uma estória ou de uma fantasia. 4) Mensagem com efeitos sonoros – É um texto ou diálogo, por uma ou várias vozes, mas ilustrado ou enriquecido por efeitos musicais ou simplesmente sonoros.

5) O jingle – É a forma mais popular das mensagens de Rádio. Uma combinação harmoniosa de música e de letra, formando uma mensagem comercial que se assemelha a uma pequena canção.” (McCann-Erickson, 1966, p.197)

Quanto aos jingles, a McCann-Erickson constata que sua influência é tão grande, que geralmente as crianças e os adultos cantarolam jingles sucessivos, e para tal efeito aponta algumas regras e diretrizes que facilitam a produção de um jingle de sucesso:

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2) Sua melodia deve ser de marcante simplicidade. Ela deve ser tão fácil de ser memorizada que mesmo os que não tenham ouvido para música possam com facilidade cantarolá-la ou assobiá-la. O modelo musical de um jingle deve ser mais uma ária de ópera de Verdi do que o trecho de uma sinfonia de Stravinsky.

3) Sua melodia deve possuir originalidade. Ela deve ser escrita especialmente para a propaganda do produto. E por isso, quando é ouvida, mesmo sem letra, provoca, por associação de idéias, apenas a imagem do produto. É comum, no entanto, aproveitar-se uma melodia de êxito mundial ou de domínio público para servir de base para um jingle. Nestes casos, recomenda-se que a melodia seja suficientemente alterada ou

transformada para parecer uma melodia nova, ainda que um traço melódico familiar ao ouvido do público.” (McCann-Erickson, 1966, p. 203 e 204)

Por fim apesar de estabelecer uma série de diretrizes e regras a McCann diz que não há fórmulas prontas e estáticas, absolutas e inflexíveis de se redigir para este dinâmico meio de comunicação, pois ele oferece um campo totalmente aberto para experiências e inovações. Seus princípios foram extraídos de experiências empíricas em fracassos e vitórias anteriores. Assim ela oferece as seguintes indicações para os redatores:

1) “A mensagem deve inspirar confiança. Baseada na verdade e só na verdade, ela deve reunir a imparcialidade de uma informação segura com um apelo de vendas honesto e sincero. Devem ser, assim, evitados todos os exageros ou valorizações artificiais na qualidade de um produto ou de um serviço, a fim de não ser destruída a confiança do ouvinte na autoridade do veículo.

2) A mensagem deve ser baseada em fatos. Seu redator deve abastecer-se com o máximo de informações positivas sobre o produto, o mercado e o consumidor. A mensagem eficiente é baseada em fatos e não apenas em inspiração ou em jogo de palavras. 3) Escolha de palavras ou de frases pelo seu valor como som. Redação para os ouvidos e

não para os olhos. Elaboração da mensagem lendo-a em voz alta, para melhor ajudar a seleção de palavras ou de frases.

4) Limitação do número de idéias com a escolha de um único tema. A mensagem de Rádio exige simplicidade, clareza e concisão.

5) Sustentação ou justificação do tema com sólidos e concretos argumentos de venda. Afirmar com decisão e depois provar com segurança.

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7) Evitar as frases feitas. Por sua vez, os adjetivos banalizam-se e enfraquecem as mensagens. E as frases muito usadas perdem seu poder de convicção.

8) Insistir em argumentos específicos. Como exemplo, ao vender uma roupa, em lugar de dizer que ela tem um corte super, afirmar que é costurada à mão, com linhas reforçadas.

9) Timbrar na naturalidade. A mensagem de Rádio é uma comunicação entre amigos. Ela não pode ter solenidade ou severidade.

10)Respeito aos sentimentos do ouvinte. É necessário usar tato e bom gosto na apresentação e na exposição dos argumentos.

11)Selecionar os motivos mais fortes pelos quais o ouvinte pode desejar um produto ou um serviço e provar que o produto ou serviço podem satisfazê-lo.

12)Evitar o uso de termos técnicos ou de palavras que pertençam a um vocabulário especializado. A mensagem de Rádio é destinada a atingir o consumidor em geral. Para provocar o seu desejo de compra, vale mais falar nas vantagens do produto do que no produto propriamente. É o que a propaganda norte-americana resume numa frase ao dizer que 'não se deve vender o bife e sim o seu aroma'.” (McCann-Erickson, 1966 p. 199)

A experiência da McCann-Erickson em redação para rádio também fixou uma coleção de regras e de conselhos práticos e ela aponta como os mais importantes:

1) “Fazer aparecer o nome do produto o mais cedo quanto possível, em sua mensagem de vendas. O ouvinte, em geral, presta mais atenção ao início de uma mensagem do que a todo o seu desenrolar.

2) Usar estilo direto, com o locutor dirigindo-se realmente ao ouvinte. Evitar as afirmações abstratas e gerais sem destino certo.

3) Para melhor compreensão da mensagem, determinar uma velocidade moderada na leitura. A média de 100 palavras por minuto é a mais indicada.

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Pecado Original

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O Dicionário de Filosofia de Abbagnano estabelece que “as discussões filosófico-teológicas

a respeito do Pecado Original geralmente tiveram como objeto a maneira como esse pecado se transmitiu de Adão aos outros homens”. S. Tomás de Aquino enumerava duas hipóteses principais para a solução desse problema: a hipótese do traducianismo, segundo a qual “a alma racional transmite-se com a semente, de tal maneira que de uma alma infecta derivam almas infectas”, e a hipótese da hereditariedade, segundo a qual “a culpa da alma do primeiro genitor

transmite-se à prole, embora a alma não se transmita do mesmo modo como os defeitos do corpo se transmitem de pai para filho”. Ambas as hipóteses pareciam insustentáveis a S. Tomás de Aquino. A sua era a de que “todos os homens nascidos de Adão podem considerar-se um único

homem, porquanto têm a mesma natureza, recebida do primeiro genitor, da mesma maneira como nas cidades todos os homens que pertencem à mesma comunidade se julgam um só corpo, e a comunidade inteira é como um único homem” (II, 1, q. 81, a. 1).

Segundo Abbagnano, “somente em Kant e Kierkegaard é que podemos encontrar uma

interpretação filosófica (não teológica) do pecado original.” Kant observou que “não se deve

confundir a questão da origem temporal de uma coisa com a questão de sua origem racional, pois o problema da origem temporal deve ser resolvido pela doutrina bíblica do pecado original, mas o da origem racional do mal deve ser solucionado pela doutrina do “mal radical”, segundo a qual a disposição inata do homem para o mal deriva da natureza de suas máximas”. Segundo o filósofo: “a proposição ‘o homem é mau’ significa apenas que o homem está ciente da lei moral,

mas acolheu o princípio de afastar-se ocasionalmente dessa lei. Dizer que ele é mau por natureza significa que isso vale para toda a espécie humana, não no sentido de que essa qualidade possa ser deduzida do conceito de espécie humana (do conceito de homem em geral), mas no sentido de que o homem, do modo como é conhecido por experiência, não pode ser julgado de outra maneira ou no sentido de que se pode pressupor como objetivamente necessária a tendência ao mal em qualquer homem, até no melhor” (Religion, I, 3; trad. It., Durante, p. 18). Idêntica interpretação do pecado original é dada por Kierkegaard, que nele viu a condição psicológica da angústia: “A proibição de Deus angustia Adão porque desperta nele a possibilidade da liberdade.

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2.1. JINGLE DE SUFFLAIR

Mocinha: - Suuuuuflair

Rapazes: - Chocolate diferente, chocolate diferente, novidade da Nestlé. Mocinha: - Suuuuuuuuuuuuflair

Rapazes: - Some na boca da gente, realmente é diferente, realmente só Nestlé. Mocinha: - Diferente, diferente, diferente.

Rapazes: - Sufflair, Sufflair.

Todos juntos: - Novo chocolate Nestlé.

PLANO DE CONTEÚDO

No Plano de Conteúdo temos o percurso gerativo de um sujeito realizado por uma voz feminina (mocinha). Pressupõe-se que a princípio ela é apresentada ao chocolate Sufflair, e que pelo seu modo de entonação indica tê-lo provado. Quem lhe introduz ao chocolate é um grupo de vozes masculinas, que pressupomos pertencerem a rapazes jovens, que dela se aproximam e oferecem o chocolate. Ao dizer o nome da marca a mocinha o faz em voz alta, “Sufflair”. Em seguida os rapazes afirmam que aquele é um produto “diferente”, pois se trata de uma “novidade” da Nestlé. Ao fazerem tais afirmações eles evocam o aval da companhia Nestlé que por sua tradição de qualidade garante a excelência do produto oferecido.

A mocinha então volta a pronunciar o nome da marca. Logo após, os rapazes retomam a palavra dizendo que “realmente só Nestlé” com seu know-how tecnológico é capaz de fazer um produto tão diferente, um chocolate aerado (recheado com bolhinhas de ar), processo de fabricação que lhe confere características de leveza e maciez, provocando a sensação de maciez e dissolução na boca, quando afirmam “some na boca da gente”.

Ao reiterar a qualificação “diferente, diferente, diferente” por três outras vezes podemos pressupor que a mocinha volta a provar o chocolate e constata a veracidade das características expressas pelos rapazes. Estes, por seu turno, retomam o nome da marca e pronunciam “Sufflair, Sufflair” duas outras vezes. Ao final, todos juntos, mocinha e rapazes encerram o conteúdo da mensagem prometendo ao enunciatário ser aquele um “novo chocolate Nestlé”.

PLANO DA EXPRESSÃO

No Plano da Expressão observamos que o texto analisado é constituído por elementos sincréticos, uma vez que sua expressão é formada por elementos verbais e musicais.

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A marca Sufflair até aquele momento era uma novidade desconhecida pelo universo dos enunciatários. Além da apresentação da marca, o ouvinte é imediatamente impactado pela forma como o nome do produto é verbalizado. A voz feminina, de registro bastante agudo, enfatiza a pronúncia da sílaba (Su) e sustenta-a no tempo, criando um efeito de tensão suspensiva, como se sustentasse algo pairando no ar, para depois complementar com o sufixo (fflair). Em termos musicais o intervalo de uma oitava justa no glissando da pronúncia de Sufflair por parte da mocinha aponta para uma patemização provocada pelo desejo de conjunção com o objeto-valor do qual ela está disjunta.

Segundo Tatit, “a oscilação dos tons no campo de tessitura ganha relevo especial uma vez que quanto maior a duração das notas individuais, maior o compromisso com a ocupação dos “espaços” agudos e graves e, consequentemente, com o perfil traçado pela melodia.” (Tatit: 1997, p. 96).

A agudeza de sua voz nos faz pressupor pertencer a uma mocinha pequena, leve e delicada. Por sua expressão fônica e entonativa observamos a apresentação do tema da leveza e da maciez presentes no Plano do Conteúdo.

O estilo melódico utilizado na peça é o de um foxtrot, e a ambiência sugerida é a de um espetáculo de dança sapateada (técnica de stepping), pois o ritmo musical é marcado por um ruído típico das batidas dos pés contra o chão. A canção é entoada e dançada por uma vedete acompanhada por bailarinos que também cantam.

O texto está construído no formato de um diálogo entre os actantes mocinha (sexo feminino) e rapazes (sexo masculino). Ao mesmo tempo em que na imanência do discurso eles trocam impressões sobre as características do produto, observamos na interação entre os actantes a presença de outro discurso subentendido, o de uma “cantada”, ou conquista da simpatia da mocinha pelos rapazes que a rodeiam. A alternância no diálogo e a interação na dança permitem que possamos fazer esta leitura.

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A segunda intervenção da voz feminina ao dizer o nome do produto estende ainda mais a pronúncia da sílaba (Su) no tempo e o faz um tom acima do anterior, tornando-a mais leve e mais plena de ar em seu modo de cantar. O intervalo musical de uma oitava desta vez ocorre num tom acima do emitido anteriormente, indicando a sensação de prazer que a conjunção com o objeto-valor provoca. Como afirma Tatit, “as transposições abruptas de registro melódico visam romper a expectativa melódica e acelerar o andamento produzindo descontinuidades que se figurativizam como “etapas queimadas”. O aumento de tensão subjetiva provém, nesses casos, da perda de controle sobre as fases do percurso. Em vez de soar como um avanço em direção ao objeto, tais descontinuidades soam como desvio de rota e afastamento da meta.”

O efeito estésico resultante é semelhante ao de alguém que sopra uma pluma, ou infla uma bexiga de látex. O som sibilante é reiterado pelo coro masculino ao dizer “some na boca da gente”, para depois, com o auxílio da rima, retornar à palavra “diferente”.

A alternância entre a voz feminina e as vozes masculinas, na continuidade e descontinuidade da música e da dança, faz com que aumente a interação dos actantes em busca de uma negociação, um contrato fiduciário relativo a seus respectivos objetos-valor. Tatit explica que “assim também transcorre o desenvolvimento melódico: quanto maior o investimento na continuidade, mais a descontinuidade se impõe como etapa a ser suplantada. Não há tematização sem desdobramento, não há refrão sem segunda parte e não há gradação de alturas sem a intervenção dos saltos intervalares. A alternância dessas categorias é o grande imperativo rítmico para termos melodia e canção.” (Ibidem)

No caso dos rapazes o objeto-valor é a mocinha, e no caso dela o prazer táctil oral, que segundo Greimas, dentre todas as formas de contato, é a do tipo mais próximo que alguém pode experimentar.

Concordando com o argumento da leveza e da diferença emitido pelos rapazes, a voz feminina pronuncia “diferente, diferente, diferente” por três vezes, de modo vibrante, sempre destacando a sílaba (fe), enfatizando o efeito estésico de soprar e a característica aerada do produto em oposição aos valores do chocolate maciço, ou duro. Desta vez, como é ela quem canta a palavra “diferente”, demonstra concordância com o argumento da diferença e a descontinuidade musical proposta pelos rapazes, para em seguida poder novamente entrar em conjunção com seu objeto por meio da continuidade.

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Finalmente o coro masculino pronuncia o nome “Sufflair, Sufflair” por mais duas vezes. Da primeira vez eles também cantam a palavra Sufflair utilizando o intervalo de uma oitava justa homologando o acordo com a mocinha. O encerramento conjunto do anúncio da novidade em: “Novo chocolate Nestlé” ocorre com todas as vozes cantando em uníssono. Assim, o fabricante com sua chancela realiza a assinatura da peça publicitária sancionando todo seu conteúdo, e ocorre a homologação dos Planos de Conteúdo e da Expressão.

NÍVEL NARRATIVO

O texto da peça publicitária em questão é o anúncio por parte do fabricante Nestlé de que está lançando uma novidade dentro da categoria de produtos derivados do chocolate.

O enunciado elementar da sintaxe narrativa instaura os actantes: mocinha e Sufflair (sujeito e objeto), dando-lhes existência. O objeto-valor não é o chocolate em si, mas a característica aerada que confere o prazer táctil de senti-lo sumir na boca.

O enunciado de estado é disjuntivo, pois o objeto em questão é uma novidade que o interlocutor, a mocinha não conhecia até o momento em que lhe é apresentado pelos rapazes. São eles que a fazem saber das qualidades distintivas desse lançamento.

S (mocinha) U O (prazer táctil-gustativo)

O enunciado de fazer realiza a passagem do estado disjuntivo para o estado conjuntivo ao revestir o produto de valores de leveza que lhe dão o caráter de aerado que é revestido de valores do diferente e do novo.

Observamos na peça a relação entre dois sujeitos: o sujeito do fazer está representado pelas vozes masculinas de timbre jovem (rapazes), o sujeito de estado pela mocinha (voz feminina) e o objeto de valor pelo que se prova desse chocolate diferente. Estes actantes sintáticos tornam-se a partir de então papéis actanciais.

Pressupõe-se que os rapazes apresentam o chocolate à moça, e esta, tenta pronunciar correta e suavemente o nome Sufflair. A seguir os rapazes enfatizam com alguma insistência (por duas vezes) o fato de se tratar de um produto diferente, pois Sufflair é um chocolate tão leve que “some na boca da gente”, antes de utilizar o argumento definitivo de ser um produto fabricado pela Nestlé, em “realmente só Nestlé” utilizando o recurso da autoridade do fabricante.

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provar, perfazendo um programa narrativo que altera a competência do destinatário. O programa de competência graças ao qual a mocinha adquire o valor modal de querer-provar, forma com o programa de performance (a efetiva degustação) o percurso narrativo do sujeito mocinha.

No percurso do sujeito mocinha, assim como no dos ouvintes, temos, primeiramente os papéis actanciais do descobrir as características de Sufflair que o fazem ser um chocolate desejado, e do sujeito competente para realizar a performance de degustar. Ao degustar o chocolate ela pronuncia o nome da marca. A partir do momento em que ela constata a distinção do produto que os rapazes prometeram ser um “chocolate diferente”, volta a pronunciar o nome da marca alongando a sílaba (Su), constatando a veracidade da promessa.

PN de competência actantes distintos aquisição valor modal

F(degustar o chocolate) [S1 (rapazes) → S2 (mocinha)] U Ov(distinção do produto) (querer-provar)

PN de performance mesmo ator aquisição valor descritivo

F(constatar a maciez e leveza) [S1 (mocinha) → S2 (mocinha)] ∩ Ov(prazer táctil) (sumir na boca)

O percurso do destinador-manipulador representado pelos rapazes é o de actante funcional doador dos valores modais de querer e fazer-provar o chocolate. O destinador (rapazes) oferece o chocolate como um valor descritivo sensível (sentido táctil e palatável). O destinador propõe um contrato fiduciário exercendo uma manipulação por sedução para convencer a mocinha (fazê-la crer) no diferencial do objeto oferecido.

O terceiro percurso, o do destinador-julgador ocorre pela sanção cognitiva, ou avaliativa da novidade da Nestlé. Ela ocorre quando a mocinha se alonga ainda mais na pronúncia da sílaba (Su) em Sufflair. O julgamento do destinador-julgador é o de um estado verdadeiro de prazer, pela conformidade da conduta do sujeito (que parece e é), e de acordo com o contrato e a evidência da prova glorificante, com o destinatário acreditando nele.

NÍVEL DISCURSIVO

Referências

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