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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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Academic year: 2021

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Celso Daltin Filho

São Paulo 2020

Tramas ideológicas e polêmicas no dizer político:

uma análise dialógica de três discursos de Michel Temer

Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem

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Celso Daltin Filho

Tramas ideológicas e polêmicas no dizer político:

uma análise dialógica de três discursos de Michel Temer

Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem

São Paulo 2020

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Elisabeth Brait.

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Daltin Filho, Celso

Tramas ideológicas e polêmicas no dizer político: uma análise dialógica de três discursos de Michel Temer. Celso Daltin Filho. São Paulo, 2020.

Paginação: 202 f.

Orientador: Elisabeth Brait.

Dissertação (Mestrado em Ling. Aplicada e Estudos da Linguagem) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós- Graduados em Ling. Aplicada e Estudos da Linguagem, 2020.

1. Discurso político. 2. Polêmicas discursivas. 3. Figura política. 4. Análise dialógica do discurso. I. Brait, Elisabeth. II. Pontifícia Universidade de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Ling. Aplicada e Estudos da Linguagem.

III. Título.

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura: _____________________

Data: ___/___/____

E-mail: celsodaltinf7@yahoo.com.br

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BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Elisabeth Brait Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Orientadora

_______________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Cecília Pérez Souza-e-Silva Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Titular _______________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria José Guerra de Figueiredo Garcia Universidade Estadual de Londrina Titular _______________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Cecília Camargo Magalhães Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Suplente _______________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Helena Cruz Pistori Universidade de São Paulo Suplente Celso Daltin Filho

Tramas ideológicas e polêmicas no dizer político:

uma análise dialógica de três discursos de Michel Temer

Aprovado em: ____/____/________

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Elisabeth Brait.

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Aos meus pais, Vanice Terezinha Pereira e Celso Daltin, que, ainda que não estejam presentes materialmente na terra para acompanhar de perto meu trabalho, contribuem, biológica e psicologicamente, para o desenvolvimento de qualquer trabalho que seja realizado por mim.

À minha irmã-mãe, Rafaela Benedita de Miranda Pereira, que me tem como filho.

A todos aqueles que se prestam a analisar os discursos políticos, sobretudo, nos tempos em que a política é desvalorizada por boa parte da sociedade brasileira e, por vezes, banalizada por uma parte da classe política.

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Auxílio financeiro de pesquisa:

Bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, processo nº 131918/2018-4.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, energia suprema na qual acredito, que me move e me dá forças para superar os obstáculos da vida.

À minha orientadora Dra. Elisabeth Brait, eterna orientadora, como ela mesmo sempre afirma, que me aceitou no programa e guiou meus passos no percurso da reflexão científica, com generosidade, compreensão e confiança. Agradeço por ter me mostrado a possibilidade de realizar um trabalho linguístico-enunciativo-discursivo.

Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), pelo apoio e incentivo financeiro para o desenvolvimento da pesquisa.

À PUC-SP, especialmente aos professores do PEPG-LAEL e à Maria Lúcia dos Reis, secretária do LAEL, pelo auxílio com os trâmites burocráticos.

À minha irmã, Rafaela Benedita de Miranda Pereira, que vale como mãe, pela disposição de me apoiar no desenvolvimento do meu percurso no conhecimento do mundo, a partir de diálogos e reflexões que me levaram a pensar mais criticamente a sociedade.

À minha noiva, Luciana Souza Silva, por ter me acompanhado nos momentos bons e ruins, me ajudando a superar os desafios da vida, mostrando que o amor não existe sem cuidado.

A Graça Eugênia de Freitas e Odemir de Freitas, pais de meu cunhado, Odemir Júnior, que acompanharam meu trabalho solitário da escrita, em São Paulo, me auxiliando com moradia, alimentação, carinho, conhecimento, cuidado e boas risadas.

À minha amiga, professora M. Shirley Adriana de Sousa Silva, por ter me auxiliado com o projeto inicial desta pesquisa, pelos debates e discussões sobre a linguística e a vida.

Ao meu amigo, professor M. Rosinélio Rodrigues da Trindade, pelas discussões e debates sobre linguística, política, comunicação e sociedade.

Aos membros do projeto “Cadernos de teorias da linguagem”, pela companhia nas rodas de reflexões e participação nas reuniões de discussão sobre Linguística e Linguística aplicada.

À professora Dra. Eliana Maria Severino Donaio Ruiz, minha primeira orientadora, que me mostrou como construir um texto e valores essenciais para a vida acadêmica.

Aos membros do grupo de pesquisa “Linguagem, identidade e memória” e do projeto

“Discursos de resistência: tradição e ruptura”, em especial, Tânia, Cínthia, Edilberto, Ricardo e Larissa, do LAEL, pelas discussões e contribuições para a atividade da pesquisa científica.

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À professora Dra. Maria José Guerra de Figueiredo Garcia (UEL), por ter aceitado participar do exame de qualificação e, como titular, da defesa final deste trabalho, e, sobretudo, por ter acompanhado todo meu percurso enquanto pesquisador, desde a graduação.

À professora Dra. Maria Cecília Perez Souza-e-Silva (PUC-SP), por ter aceitado compor as bancas de qualificação e, como titular, da defesa final, auxiliando no desenvolvimento da pesquisa, com indagações importantes para a construção do conhecimento.

À professora Dra. Maria Cecília Camargo Magalhães (PUC-SP), por ter aceitado fazer parte, como suplente, da banca de defesa final desta pesquisa. Meu muito obrigado!

À professora Dra. Maria Helena Cruz Pistori (USP-SP), por ter aceitado compor a banca de defesa final, como suplente, do trabalho. Meus sinceros agradecimentos!

(9)

O nosso discurso da vida prática está cheio de palavras de outros. Com algumas delas fundimos inteiramente a nossa voz, esquecendo-nos de quem são; com outras, reforçamos as nossas próprias palavras, aceitando aquelas como autorizadas para nós;

por último, revestimos terceiras das nossas próprias intenções, que são estranhas e hostis a elas.

Mikhail Bakhtin

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RESUMO

Tramas ideológicas e polêmicas no dizer político: uma análise dialógica de três discursos de Michel Temer

Celso Daltin Filho Esta pesquisa objetiva detectar e examinar marcas linguístico-enunciativo-discursivas em três enunciados proferidos por Michel Temer, ex-presidente do Brasil (2016-2018): o discurso de posse como interino na presidência (12/05/2016); uma declaração à imprensa (18/05/2017), em que há a negação de uma renúncia do cargo; um pronunciamento de homenagem ao dia de Tiradentes (20/04/2018). O primeiro responde, em maior grau, ao impeachment de Dilma Rousseff do cargo da presidência; o segundo, às pressões políticas referentes à possibilidade de saída de Michel Temer do cargo de chefia do poder Executivo; e o terceiro diz respeito à imagem do enunciador frente aos grupos opositores à figura política que representa, de modo a compará-lo com uma personagem histórica. A hipótese da presente investigação é a de que os enunciados situam um sujeito sócio-histórico, uma figura política (FP) circunscrita por valores neoliberais (HARVEY, 2008, ANDERSON, 1995). Para buscar comprová-la, nos baseamos na fundamentação teórica e metodológica da análise dialógica do discurso (ADD), mobilizando as noções de signo ideológico/ideologia, enunciado concreto, esfera de atividade (VOLÓCHINOV, 2013, 2017), polêmica velada e aberta (BAKHTIN, 1997), relações dialógicas e gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003, 2016). Os critérios que delimitamos para a escolha do corpus dizem respeito ao fato de os três discursos pertencerem a uma mesma voz enunciativa e parlamentar, a um recorte temporal de aproximadamente um ano entre cada um deles, e constituírem três tipos de organização enunciativa distintos da esfera política: discurso de posse como interino, declaração à imprensa e pronunciamento televisivo. A metodologia utilizada parte da descrição das marcas linguísticas, em trechos dos enunciados, que situam os enunciadores/interlocutores (BENVENISTE, 1976, 1989) e os temas nos quais a figura política se apoia, e se concentra, em um segundo momento, na compreensão de quais grupos sociais são trazidos de forma harmônica ou polêmica no enunciado, de modo a apontar para valores desvelados na linguagem política. Os resultados mostraram que todos os enunciados possuem signos ideológicos que circunscrevem valores neoliberais e polêmicas que garantem seu acabamento de acordo com gêneros específicos da esfera política, e também evidenciaram que, para validar os respectivos projetos discursivos dos três enunciados, a figura política necessita manter diálogo harmônico com a classe política e econômica dominante, polemizar veladamente com o grupo político contrário (1º e 3º enunciados) e abertamente contra grupos adversários: o setor jurídico (2º enunciado) e parte da classe política (1° e 3º enunciados).

Palavras-chave: Discurso político, Signo ideológico, Polêmicas discursivas, Análise dialógica do discurso, Figura política.

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ABSTRACT

Ideological and polemic plots in political saying: a dialogical analysis of three speeches of Michel Temer

Celso Daltin Filho This research aims at detecting and examining linguistic-enunciative-discursive marks in three speeches of Michel Temer, ex-president of Brazil (2016-2018): the inaugural speech as interim in the presidency (12/05/2016); a speech to the press (05/18/2017), in which there is a denial of resignation; a tribute to the Tiradentes day (20/04/2018). The first responds, to a greater extent, to the impeachment of Dilma Rousseff from the position of president, the second, to political pressures regarding the possibility of Michel Temer leaving the position of head of the executive branch, and the third concerns with the image of the speaker in the face of groups opposing the political figure he represents, in order to compare him with a historical figure. The hypothesis of the present investigation is that the speeches places a social historical subject, a political figure (FP) circumscribed by neoliberal values (HARVEY, 2008, ANDERSON, 1995). To try to prove it, we based on the theoretical and methodological basis of the dialogical discourse analysis (ADD), mobilizing the notions of ideological sign / ideology, concrete utterance and sphere of activity (VOLÓCHINOV, 2013, 2017), hidden and open polemic (BAKHTIN, 1997), dialogical relations and speech genres (BAKHTIN, 2003, 2016). The criteria we defined for choosing the corpus relate to the fact that the three speeches belong to the same enunciative and parliamentary voice, to a time frame of approximately one year between the speeches and constitute three types of enunciative organization distinct from the political sphere: speech as interim president, speech made to the press and televised speech.

The methodology used starts from the description of the linguistic marks, in excerpts of the speeches, which place the enunciators/interlocutors (BENVENISTE, 1976, 1989) and the themes on which the political figure is based and, in a second moment, focuses on understanding which social groups are brought in harmonic or polemic form in the utterances, in order to point to values unveiled in the political language. The results showed that all speeches have ideological signs that circumscribe neoliberal and controversial values that guarantee their finish according to specific genres of the political sphere and showed that in order to validate the respective discursive projects of the three speeches, the political figure needs to maintain a harmonious dialogue with the dominant political and economic class, hidden polemic with the opposite political group (1st and 3rd speeches) and openly against opposing groups: the legal sector (2nd speech) and part of the political class (1st and 3rd speeches).

Keywords: Political speech, Ideological sign, Discursive polemics, Dialogic discourse analysis, Political figure.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: Cronologia do impeachment...34 QUADRO 2: Fatos determinantes para o governo Temer e a política em 2017...36 QUADRO 3: Polêmicas discursivas encontradas nos enunciados....188

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADD - Análise Dialógica do Discurso CD - Câmara dos Deputados

CN - Congresso Nacional

CUT - Central Única dos Trabalhadores FP - Figura Política

GD - Gêneros do Discurso MBL - Movimento Brasil Livre

MDB - Movimento Democrático Brasileiro MFL - Marxismo e Filosofia da Linguagem MPL - Movimento Passe Livre

PGR - Procuradoria Geral da República

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro PPD - Problemas da Poética de Dostoiévski

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira PVPP - Palavra na Vida e Palavra na Poesia PT - Partido dos Trabalhadores

SF - Senado Federal

STF - Supremo Tribunal Federal VPR -Vem pra Rua

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...14

CAPÍTULO 1 BREVE CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO POLÍTICO BRASILEIRO 2013/2018...24

1.1 As jornadas de junho de 2013...25

1.2 O processo de impeachment...30

1.3 Relação Dilma-Temer e fatos determinantes durante o governo...35

CAPÍTULO 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA: COMPREENDENDO O ENUNCIADO POLÍTICO PELA ÓTICA BAKHTINIANA...40

2.1 Linguagem e língua para o Círculo: a epistemologia das relações dialógicas...41

2.2 O discurso político como enunciado concreto...46

2.3 O signo ideológico: a palavra ideologicamente preenchida na enunciação...55

2.4 Sistemas ideológicos formados e a ideologia do cotidiano...62

2.4.1 Uma palavra sobre o neoliberalismo...64

2.5 Polêmica aberta e polêmica velada no enunciado político......66

2.6 A esfera política e os gêneros do discurso...71

2.7 Do sujeito pela língua ao sujeito pela história: é possível chegar ao sujeito dialógico pelo sujeito da intersubjetividade? ...77

2.8 Critérios de escolha do corpus...82

2.8.1 Examinando o enunciado político em sua especificidade linguístico-enunciativo- discursiva ...83

2.8.2 Procedimentos de delimitação dos enunciados para análise...85

CAPÍTULO 3

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ANÁLISE LINGUÍSTICO-ENUNCIATIVO-DISCURSIVA DE TRÊS DISCURSOS DE MICHEL TEMER: COMO OS SIGNOS E A POLÊMICA SÃO MARCADOS PELA

VOZ DO ENUNCIADOR...93

3.1 A inserção de uma figura política no pós-impeachment: o discurso de posse de Temer como interino atende as expectativas dos interlocutores? ...94

3.1.1 Dois trechos que atuam na produção do enunciado: o discurso não é novo? ...123

3.1.2 Características do discurso de posse como interino que o configuram como gênero do discurso...139

3.2 Declaração à imprensa: a figura política na polêmica com o setor jurídico e a continuação do projeto econômico orientado para o mercado ...143

3.2.1 Breve contexto da declaração de Michel Temer à imprensa: o diálogo entre imprensa e figura política...143

3.2.2 Perseguindo as marcas sígnicas e polêmicas da declaração à imprensa realizada por Michel Temer...146

3.2.3 A declaração à imprensa pode se constituir como gênero? ...164

3.3 A mesma voz ideológica marcada: homenagem a Tiradentes como comparação à figura política de Temer...167

3.3.1 Características do pronunciamento como gênero do discurso...183

CONSIDERÇÕES FINAIS...186

REFERÊNCIAS...191

ANEXOS...196

ANEXO I - Discurso de posse de Temer como interino na plataforma do Portal do planalto...196

ANEXO II - Declaração à imprensa disponível na plataforma do Portal do Planalto...200

ANEXO III - Pronunciamento em homenagem a Tiradentes na plataforma do Portal do Planalto...201

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INTRODUÇÃO

Os acontecimentos sociopolíticos da sociedade brasileira na última década passaram por momentos de turbulência dentro e fora das instituições políticas do país, desde a atmosfera social que percorre o parlamento brasileiro, até a esfera do cotidiano, repleta de manifestações da população brasileira. O período dessa história que ganha mais atenção nessa pesquisa é o contexto pós-impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, afastada do cargo no dia 12 de maio de 2016, e oficialmente tendo seu mandato cassado no Senado Federal (SF), em 31 de agosto do mesmo ano. O então vice-presidente da chapa de Dilma Rousseff, Michel Temer, assume o poder pela sucessão de cargos no poder Executivo da república brasileira e se mantém na posição de chefe do Estado, de maio de 2016 até dezembro de 2018.

O contexto do impeachment de Dilma que desencadeou a gestão de aproximadamente dois anos e sete meses de governo Temer, foi marcado por instabilidade política e econômica.

O ambiente político e econômico nos períodos de impeachment no regime democrático de governo costuma ser conflituoso. Ainda que a prática seja prevista constitucionalmente nesse tipo de regime, os eleitores não elegem um presidente pautados na tese de que o chefe do Executivo cometerá crimes de responsabilidade, os quais levam ao afastamento do cargo. Desse modo, o impeachment é uma medida de resposta e punição constitucional ao presidente que é condenado por tais crimes. No caso do impeachment de Dilma, não somente o Congresso Nacional (CN) estava mobilizado para afastá-la, como também manifestações ocorriam nas ruas do país favoráveis à saída da ex-presidente. Devido ao fato de que desde 2013 a população brasileira começa a se mobilizar cada vez mais em grupos que saem às ruas, a favor ou contra medidas do governo, do Estado e afastamentos de políticos de seus cargos, no ano de 2015, a partir de junho, se iniciou um ciclo de manifestações contra o governo Dilma Rousseff que marcou a história do país.

No período subsequente ao afastamento de Dilma, houve uma multiplicidade de manifestações favoráveis e contrárias à gestão de Michel Temer, de setores variados da política, economia, setor jurídico e sociedade civil. Os discursos políticos, cada vez mais, têm ocupado o cotidiano dos brasileiros, pela voz da mídia, dos meios de comunicação de massa e das manifestações nas ruas. Ocupam-se dos mais variados enunciados políticos, desde o público, que os consome para entretenimento, até os que os utilizam para uma atividade de trabalho, como cientistas políticos, jornalistas, analistas do discurso e profissionais das demais áreas de produção intelectual, que a seu modo olham para o discurso político com propósitos específicos.

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No conjunto das figuras públicas que assumem protagonismo no cenário político nacional e realizam discursos pertencentes a gêneros variados (pronunciamentos, propagandas políticas, discursos pertencentes a cerimônias etc.), a presença da construção de figuras políticas que acompanham o percurso dos discursos de determinado enunciador circunscrito em uma dada atividade política é frequente na realidade política brasileira. Sabemos que os enunciadores políticos que representam as figuras políticas variadas, em geral, partem de pelo menos três posições enunciativas: ou já possuem uma história de pertencimento a cargos parlamentares brasileiros ou tiveram papel determinante em disputas eleitorais ou não integram ou integraram cargos públicos e exercem a atividade política de outro modo. No caso desta pesquisa, o enunciador que diz respeito aos discursos de Michel Temer se enquadra na primeira designação.

O problema da presente pesquisa é o fato de que, nos discursos políticos, como os de Michel Temer, ex-presidente da república brasileira, há, subjacente à linguagem política, um sujeito que se manifesta, um corpo de perspectivas histórico-sociológicas que constroem uma figura política1. Entendemos como figura política (FP), uma representação de vozes situadas no discurso político, oral ou escrito, que diz respeito não somente à imagem de um político projetada nos discursos para obter um dado impacto sobre os interlocutores, mas também ao sujeito discursivo incorporado no dizer, dotado de valores concernentes à história e aos discursos sobre os quais se apoia para validar sua materialização no ato concreto da expressão comunicativa.

Um mesmo discurso político, que pela teoria bakhtiniana é denominado como enunciado, pode apontar para valores que se entrechocam no exercício do dizer, se orientar para grupos sociais que defendem pautas próprias e chamar para o espectro enunciativo outros discursos (jurídicos, religiosos, dogmáticos, lógico-filosóficos etc.). Nesta pesquisa, olhamos para as formas específicas da língua em três manifestações discursivas próprias à esfera política

1 O que denominamos por figura política nesta pesquisa difere do que se denomina por “imagem pública”, conceito presente no campo de estudos da Comunicação Política. Conforme afirma Weber, 2004, p. 260, “[...] a constituição da imagem pública é mantida como fator vital à visibilidade e reconhecimento de ‘instituições e sujeitos da política’ (partidos, governos, políticos, ideologias, governantes), [...] denominado ‘sujeitos políticos’. Trata-se de um processo de construções e desconstruções de verdades, realidades e de legitimidade, tanto de quem fala sobre si próprio, como sobre os próprios espelhos – mídias, espaços, palcos”. Para Gomes (2004), a imagem pública é uma caracterização do ator político construída pelos mecanismos enunciativos e ações que são empreendidas por ele. No caso de Temer, há diversas imagens relacionadas a ele, como a de “jurista”, “homem culto”, “pacificador de conflitos políticos” etc. Todas essas, não ignoradas neste trabalho, atuam na formação da figura política de Temer. Esta está mais próxima do que chamamos aqui por “sujeito discursivo” e, em menor grau, atrelada à ideia de imagem pública.

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em seu desenvolvimento na atualidade, que podem demonstrar o percurso de uma figura política situada.

A hipótese da pesquisa é a de que nos enunciados realizados por Temer no exercício do poder, em 12/05/2016, 18/05/2017 e 20/04/2018, há uma figura política que se manifesta e aponta para a incidência de valores pertencentes ao eixo ideológico neoliberal, enquanto concepção de mundo que se materializa na produção/circulação/recepção dos enunciados políticos e econômicos. Partimos da premissa de que, para que haja uma manutenção de um tipo de figura política específico, é necessário ao enunciador do discurso político apoiar-se tanto em aspectos que localizam o contexto histórico/temporal do discurso, quanto em concepções de mundo veiculadas no dizer, tendo a possibilidade de circunscrever interlocutores próprios de classes econômicas e políticas específicas.

Há diversos estudos sobre um ou mais discursos de Michel Temer embasados por diversas orientações teórico-metodológicas linguísticas e sociológicas, que tocam tanto no campo da retórica2 e da argumentação, como nos pressupostos das metafunções da língua3, na lexicografia, AD francesa4 e pragmática discursiva5. Nosso recorte na presente investigação científica é balizado pela fundamentação metodológica da Análise dialógica do discurso (ADD), que busca no exercício da língua a materialidade de ideologias, sujeitos e concepções de mundo pela produção, organização e circulação do objeto enunciativo: os enunciados políticos realizados Michel Temer, concebendo que tais discursos convocam cadeias discursivas variadas para dentro do discurso político.

Para depreender a incidência de representações ideológicas que podem eclodir no discurso político de Michel Temer, nosso trabalho se apoia nas seguintes perguntas de pesquisa:

2 Para a análise do discurso de Temer que foi divulgado na imprensa como uma versão anterior do discurso de posse, aproximadamente um mês antes do discurso de posse como interino, em um viés da retórica e da construção da imagem pública, ver Pimentel e Nichols (2017).

3 Para uma análise do discurso de posse como interino de Temer à luz da gramática sistêmico funcional e da análise crítica do discurso, ver Da Silva e De Souza (2018).

4 Para uma análise do “nós” presente nos discursos de posse de Temer, como interino e como presidente de forma definitiva, este em 31 de agosto de 2016, por um viés da lexicografia e da análise do discurso francesa (AD), ver Iacomini Júnior et al. (2018). Na linha da AD, há também a monografia sobre o ethos de Temer constituído em seu primeiro pronunciamento oficial como presidente da república, em 31 de agosto de 2016, de Araújo (2018), o artigo de Vinhas (2017) sobre a voz de Temer no discurso de posse como interino e o artigo de Garcia et al. (2018) que trata do fragmento “não pense em crise, trabalhe”, presente no mesmo discurso.

5 Para uma análise do discurso de Temer em homenagem ao dia da mulher, em 8 de março de 2017, pela orientação teórico-metodológica da análise do discurso crítica e pela pragmática da comunicação emotiva, tendo em vista as representações da mulher nos dizeres, ver Jamison e Dos Santos (2017).

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- Quais marcas linguísticas dos enunciados do ex-presidente nos permitem compreender o discurso político como um enunciado concreto que se materializa em diferentes gêneros discursivos da mesma esfera de produção enunciativa?

- Em que medida os traços enunciativos dos discursos coadunam ou refutam posicionamentos políticos de modo a traçar um jogo polêmico entre o enunciador e grupos políticos contrários?

- Que relações dialógicas e ideológicas são estabelecidas nos discursos, tendo em vista o diálogo entre o enunciador e os discursos que estão presentes em seus enunciados?

- Que traços linguísticos dos enunciados de Michel Temer nos permitem olhar para a construção de uma figura política materializada em momentos sócio-históricos específicos?

Para respondermos a essas perguntas de pesquisa, inicialmente descreveremos os elementos linguísticos que apontam para a enunciação dos discursos: marcas de pessoa, interlocutores presumidos e construções linguísticas que situam o assunto dos enunciados; em seguida, veremos quais signos ideológicos norteiam o direcionamento dos enunciados para projetos discursivos específicos e, posteriormente, situamos os grupos que atuam em relação harmônica ou polêmica com o enunciador. Por fim, reuniremos elementos que indicam como as categorias apresentadas possibilitam olhar para a construção de um sujeito discursivo e um horizonte ideológico específico.

O objetivo geral da pesquisa é investigar as relações polêmicas e harmônicas entre a figura política de Michel Temer e setores de apoio e oposição ao projeto discursivo em que se coloca o enunciado, de modo a perceber a existência de um sujeito discursivo construído na relação entre enunciador político/interlocutores.

Especificamente, à luz do arcabouço teórico proposto pelo Círculo de Bakhtin, os objetivos específicos desta pesquisa são:

a) Analisar como as marcas linguístico-enunciativo-discursivas dos discursos possibilitam olhar para como os signos ideológicos incidem sobre os enunciados de modo a instaurar uma imagem do sujeito discursivo em momentos distintos.

b) Investigar as relações polêmicas e harmônicas entre a voz representada pelo enunciador dos discursos do corpus e outras vozes do campo político brasileiro concernentes aos momentos históricos em que os enunciados foram realizados.

c) Entender como se configuram as relações dialógicas estabelecidas entre o primeiro enunciado (discurso de posse como interino) do corpus e outros

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enunciados que pertencem ao mesmo autor, que assume o papel de enunciador nos discursos, pertencentes a fragmentos escritos de Michel Temer.

d) Depreender como a construção da figura política de Michel Temer aparece nos gêneros discursivos distintos da esfera política.

Dados os objetivos desta pesquisa, ressaltamos que a investigação dos discursos políticos pressupõe um recorte teórico para a apreensão da construção dos sentidos veiculados nos enunciados na relação que possuem com os respetivos tipos de enunciados: discurso de posse, declaração e pronunciamento. Sabemos que o segundo possui um caráter mais instável do que os demais devido ao fato de não possuir uma forma composicional própria que o designe.

O discurso de posse possui uma estabilidade devido ao fato de constituir um discurso que necessita explorar como o governo que se insere atuará no governo. O pronunciamento é o gênero mais estável, pois interage com o suporte televisivo e possui uma duração pequena, mais ou menos prevista, bem como pretende atingir um público maior que os demais. O conceito de gênero será tratado na fundamentação teórico-metodológica da pesquisa, e as características de cada enunciado que permitem elencá-los como gênero serão exploradas ao longo das análises.

O enfoque das análises da pesquisa não está centrado nos gêneros. Essa noção é pertinente nesta pesquisa para auxiliar na análise da figura política de Michel Temer referente aos enunciados do corpus. O que possui maior importância no processo analítico dos enunciados no corpus é o exame dos signos ideológicos que conduzem os enunciados, as marcas de pessoa que mostra o enunciador e como os interlocutores aparecem nos discursos.

A orientação dos sentidos para a realidade histórica e ideológica que os circundam será mostrada nas relações dialógicas, signos ideológicos e, sobretudo, nas relações polêmicas entre enunciador e interlocutores marcados nos discursos de Michel Temer.

Segundo Bakhtin (2017), não há como dissociar qualquer objeto de estudo de sua realidade axiológica ampla: “o objeto das ciências humanas é o ser expressivo falante.”

(BAKHTIN, 2017, p. 59). Tal acepção mostra que as multiplicidades das relações entre textos e discursos que circulam na expressão humana devem ser consideradas para uma análise dialógica do discurso de um dado objeto histórico-social.

Nesse sentido, o método da análise dialógica do discurso, como eixo científico no interior das ciências humanas, visa analisar os enunciados/discursos em sua materialidade linguístico-enunciativo-discursiva, não deixando de lado as coerções sociais próprias dos contextos imediatos que atuam sobre um dado fragmento de linguagem, mas também considerando suas orientações variadas para o campo do sentido.

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Nesta pesquisa, a teoria e o método não estão separados na análise dos discursos, pois as categorias de análise partem da constituição do corpus. Essas não são escolhidas a priori, mas constituem eixos que aparecerão ao longo da pesquisa. Conforme afirma Brait (2006, p.

24), a ADD consiste em “[...] não aplicar conceitos a fim de compreender um discurso, mas deixar que os discursos revelem sua forma de produzir sentido, a partir de ponto de vista dialógico, num embate.”

A esse respeito, faz-se necessário ressaltar que esse tipo de análise não se baseia somente nos pressupostos linguísticos, mas considera as múltiplas esferas, ressignificações ideológico- dialógicas que o enunciado mobiliza. A Metalinguística posta, em PPD, por Bakhtin (1997), adotada na postura teórico-crítica do Círculo de Bakhtin, situa a língua na e pela interação discursiva, não distinguindo o aspecto verbal e o jogo de relações dialógicas que incide sobre a língua.

Para Volóchinov (2017), toda forma linguística, enquanto materialidade da expressão dos sujeitos sociais, deve ser compreendida na relação que possui com um dado contexto que a circunda. Tal reflexão, dentre outras postas nas bases do pensamento do Círculo de Bakhtin, que demonstram a natureza social da linguagem, possibilita desenvolver uma investigação sobre como a elaboração ideológica dos signos e das relações dialógicas presentes no discurso político são estabelecidas entre o discurso e seu outro.

Para pensar na relação entre discursos própria à comunicação discursiva, recorremos ao pensamento de Volóchinov (2013, 2017) acerca da enunciação. No percurso da pesquisa situamos quais signos atuam no projeto discursivo dos enunciados de Michel Temer de modo a estabelecermos o caráter ideológico que é materializado na linguagem política.

A política, no mundo contemporâneo, é fator essencial nas relações que guiam os passos dos homens nos rumos da história. Para embasar nossa perspectiva acerca da política, enquanto ciência da administração dos Estados que atua diretamente sobre a esfera política, neste primeiro momento de exposição da pesquisa, cabe considerar a concepção de Fiorin (2009, p.

148), na esteira do pensamento aristotélico. Segundo o autor, a política se refere, sobretudo, à

“obtenção, exercício ou conservação do poder governamental. [...] A política concerne à esfera do Estado em oposição ao domínio privado”.

A esfera política diz respeito ao lugar de produção de gêneros como: discurso de posse, pronunciamentos, discursos de abertura ou fechamento de reuniões, discursos de inauguração, nomeações de cargos etc. Conforme afirma Grillo (2006, p. 143), na esteira do pensamento de Volóchinov, a esfera é [...] um nível específico de coerções que, sem desconsiderar a influência

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da instância socioeconômica, constitui as produções ideológicas, segundo a lógica particular de cada esfera/campo”.

O percurso investigativo utilizado na presente pesquisa parte do modo pelo qual se organiza a comunicação socioverbal para a compreensão de uma afirmação ou não de uma ideologia ou de valores situados nos enunciados da esfera política. Consideramos, aqui, as exigências metodológicas para o método sociológico, proposto por Volóchinov (2017) para entender a relação entre o signo e o enunciado. Ao elaborar os pressupostos essenciais para a análise da inter-relação entre ideologia e comunicação social, signo e a existência, Volóchinov (2017, p. 110) apresenta três premissas metodológicas:

1) Não se pode isolar a ideologia da realidade material do signo (ao inseri-la na

“consciência” ou em campos instáveis e imprecisos).

2) Não se pode isolar o signo das formas concretas da comunicação social (pois o signo é uma parte da comunicação social organizada e não existe, como tal, fora dela, pois se tornaria um simples objeto físico).

3) Não se pode isolar a comunicação e suas formas de base material. Ao realizar- se no processo de comunicação social, todo signo ideológico, inclusive o signo verbal, é determinado pelo horizonte social de uma época e de um grupo social.

As bases metodológicas apontadas acima indicam que a relação entre signo e ideologia se dá na comunicação verbal, de modo objetivo, orientada para uma organização social dada, um horizonte valorativo dos grupos sociais que existe tanto no momento imediato de um fragmento de linguagem quanto no modo pelo qual os valores instituídos na língua e na cultura se afirmam no exercício da língua.

Buscamos, nesta pesquisa, para analisar os enunciados do corpus, pautarmo-nos no caminho investigativo das formas da língua e dos enunciados, designado por Volóchinov, que busca encontrar na língua as marcas da criação ideológica.

[...] a ordem metodologicamente fundamentada para o estudo da língua deve ser a seguinte: 1) formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as condições concretas; 2) formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em relação estreita com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos verbais determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológica; 3) partindo disso, revisão das formas da língua em sua concepção linguística habitual (VOLÓCHINOV, 2017, p. 220).

Percebemos que, ao seguirmos tal percurso de análise da construção das formas da língua, nos enunciados políticos, trabalhamos com esses três eixos, apontados acima pelo autor, em uma ordem não dada a priori. Partimos da análise dos enunciados políticos a partir de sua realização em tempos históricos reais, com coerções sociais específicas.

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É no modo pelo qual os enunciados políticos se organizam que depreendemos como o que está fora (a história e a polêmica entre grupos sociais) é trazido para o que está dentro da realização do enunciado (as coerções imediatas da situação de enunciação, os limites da criação ideológica circunscrita em um dado momento sócio-histórico).

Quanto à noção de discurso, tratamos aqui pela ideia de enunciado, não simplesmente como reprodução de um conjunto de palavras e sons, mas também de valores sociais. Quando fazemos referência ao termo “discurso político” nos reportamos à ideia de uma realização enunciativa de um fragmento de linguagem, que difere do que comumente se designa como

“discurso político das massas”, “dos partidos”, ou “discurso conservador”, “discurso liberal”

etc. Já o sujeito, no viés bakhtiniano, não é o enunciador do discurso, aquele que circunscreve o público ou o assunto, mas constitui um conjunto de vozes históricas, submetidas tanto às condições sociais e ideológicas quanto ao aspecto formal – os gêneros do discurso – da manifestação verbal.

Para dar conta de situar o jogo de sentidos nos enunciados políticos do corpus, consideramos os conceitos de relações dialógicas, enunciado concreto, signo ideológico/ideologia, os gêneros do discurso, polêmica aberta e a velada, que serão trabalhados na fundamentação teórico-metodológica desta pesquisa. Cada categoria será mobilizada de acordo com o aparecimento em maior ou menor grau nos discursos.

O corpus é constituído de três enunciados, postados na plataforma do site do Planalto da presidência da república6, que transcrevem os discursos do ex-presidente da república, Michel Temer, na íntegra em texto e áudio. Optamos por não selecionar os traços de oralidade dos enunciados e os elementos das notícias do Portal Planalto: características de imagens ou textos presentes nas matérias dos sites do Planalto, para uma análise dos efeitos de sentido.

Sabemos que realizamos, desse modo, uma fratura dos enunciados políticos em sua realização semiótica, porém direcionamos nosso olhar para o material verbal escrito referente aos enunciados políticos disponíveis no Portal Planalto.

Os três enunciados coletados do site possuem entre si um intervalo de aproximadamente um ano. O discurso de posse como interino na presidência, de 12 de maio de 20167, faz parte

6 O site do Planalto da presidência é a plataforma oficial online da presidência da república que fornece publicamente as informações sobre o presidente e o vice, órgãos do governo e o Palácio do Planalto. Tem como público-alvo políticos e profissionais da imprensa.

7 Coletamos o material no endereço online: Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe- planalto/discursos/discursos-do-presidente-da-republica/discurso-do-presidente-da-republica-michel-temer- durante -cerimonia-de-posse-dos-novos-ministros-de-estado-palacio-do-planalto>. Acesso em 27/02/2018. Este link, que continha o discurso em texto e em áudio não está mais disponível no Portal Planalto, pois atualmente só é possível visualizar o discurso somente em áudio na plataforma na seção da “Biblioteca da presidência”.

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do momento em que Temer assume o cargo, após a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. A declaração à imprensa8, realizada em 18 de maio de 2017, diz respeito à negação da possibilidade de renúncia do parlamentar após ser citado em delação premiada pelo empreiteiro Joesley Batista, que, na época, entregou uma gravação de conversas entre ele e Temer à PGR (Procuradoria Geral da República). Neste mesmo período o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Edson Fachin, havia aberto inquérito para investigar o parlamentar9. Trata-se do período de maior crise no governo Temer. O terceiro discurso10 que analisaremos, de 20 de abril de 2018, é um pronunciamento televisivo referente ao dia de Tiradentes, no qual o ex-presidente enfatiza a pressão parlamentar e social que atuava sobre sua figura política.

Quanto ao aspecto metodológico, a pesquisa tem cinco critérios principais de delimitação do corpus, a saber: enunciados que foram divulgados por meio da plataforma Portal Planalto; discursos que pertencem a uma mesma voz enunciativa, entoados pelo ex-presidente Temer, na época de sua gestão no cargo da presidência do Brasil; um intervalo temporal aproximadamente estável entre os acontecimentos discursivos analisados; enunciados que constituem três gêneros discursivos distintos (discurso de posse, declaração e pronunciamento) inscritos na atividade discursiva política dentro do espaço do parlamento.

Os discursos do corpus estão inscritos em atividades próprias a um cargo de presidência da república, se tratando de atividades do trabalho, o que envolve coerções institucionais. Em cada discurso a relação entre a ocupação/cargo de presidente e a atividade do parlamentar em tal cargo se manifesta de diferentes modos. Enquanto o discurso de posse é característico de todo presidente, e de caráter quase que obrigatório, tendo em vista o fato de pertencer à sessão

Disponível em <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/michel-temer/audios/audio- do-discurso-do-presidente-da-republica-michel-temer-durante-cerimonia-de-posse-dos-novos-ministros-de- estado-palacio-do-planalto-28min12s>. Acesso em 23 de julho de 2019.

8 Coletamos o material no endereço online: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/discursos/

discursos-do-presidente-da-republica/declaracao-a-imprensa-do-presidente-da-republica-michel-temer-brasilia- df-1>. Acesso em 21 de junho de 2018. Este link, do qual coletamos o material, não está mais disponível no Portal.

Atualmente as mesmas informações estão contidas na seção “Biblioteca da presidência” dentro do Portal.

Disponível em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/michel-temer/discursos- do-presidente-da-republica/declaracao-a-imprensa-do-presidente-da-republica-michel-temer-brasilia-df-1>.

Acesso em 23 de julho de 2019.

9 Material com acesso online. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/nao-renunciarei-diz-temer-em- pronunciamento-apos-denuncias-da-jbs-21358738>. Acesso em 4 de agosto de 2019.

10 Coletamos o material através do endereço online: Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe- planalto/pronunciamentos/pronunciamento-do-presidente-da-republica-michel-temer-20-de-abril-de-2018>.

Acesso em 09 de junho de 2018. Este link, que continha o áudio e a transcrição escrita do discurso não está disponível. Conseguimos acessar, atualmente, pela seção da “Biblioteca da presidência” o vídeo do pronunciamento e sua transcrição escrita e não mais o áudio como no endereço anterior.

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solene no Congresso Nacional para os presidentes que assumem após a eleição11, o pronunciamento é comumente realizado pelos parlamentares que ocupam esse cargo e a declaração à imprensa pode também compor o quadro de discursos de qualquer presidente da república, sendo não predominante como os demais.

No primeiro capítulo da presente dissertação mostramos uma breve contextualização da política brasileira desde 2013, período em que se iniciou o ciclo de manifestações políticas nas ruas do país, que influenciou diretamente sobre o espectro do parlamento, culminando no impeachment de Dilma Rousseff, período este com os quais os discursos do corpus mantêm relações históricas. Também mostraremos alguns dos fatos relevantes ocorridos no governo de Michel Temer.

O segundo capítulo está dedicado a apresentar a fundamentação teórico-metodológica bakhtiniana, mostrando as noções de língua e linguagem e o discurso político como um enunciado concreto que materializa cenários sociais, ideologias e grupos pertencentes à esfera política. Também nesse capítulo trataremos do neoliberalismo e da esfera política e apresentaremos os critérios para o recorte dos fragmentos analisados e os demais conceitos que serão exigidos nas análises dos enunciados.

O terceiro capítulo consiste na análise dos três enunciados do corpus, mostrando, a partir da exposição das marcas linguísticas que situam os interlocutores e o enunciador, os contextos histórico-políticos referentes aos respectivos momentos enunciativos. Além disso, buscaremos demonstrar se há relações polêmicas dos enunciados com setores de oposição e como se dá sua organização ideológica (discurso de posse como interino, declaração à imprensa e pronunciamento televisivo). Ao final, veremos se nossa hipótese será confirmada e como os enunciados podem apontar para a constituição de um sujeito discursivo, uma FP e uma ideologia marcadas na polêmica e nos signos ideológicos examinados na palavra política.

11 A obrigatoriedade de haver um discurso do presidente eleito na sessão solene no Congresso, no ato de posse, é garantida pelo Artigo 78 da Constituição: “O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil” (BRASIL, 2019, p. 21). No caso de Temer, como este não assume o poder pela eleição, o discurso de posse é opcional na cerimônia de posse como interino, não havendo necessidade de juramento.

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CAPÍTULO 1

BREVE CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO POLÍTICO BRASILEIRO 2013/2018

Olhar para o discurso político significa se voltar para os acontecimentos históricos que atuam sobre ele e denotam como a linguagem se manifesta no interior das mais diversas lutas sociais próprias de uma época e de um povo. Ao olharmos, na presente pesquisa, para os discursos de Michel Temer, devemos entender, em um primeiro momento, a atmosfera histórico-social em que eles se encontram, tendo em vista o fato de que nenhum discurso se inicia de uma motivação a-histórica, mas de um conjunto não homogêneo de forças sociais, vozes dos mais variados grupos sociais e setores da atividade econômica e política de um país.

Para fundamentarmos o presente capítulo sobre os respectivos contextos: 2013, 2016- 2018, utilizamos reportagens da imprensa e argumentos de alguns cientistas políticos (SINGER, 2013; SADER, 2013; FELIÚ, 2018), uma jornalista (BECKER, 2017), sociólogos (SCHERER- WARREN, 2014; TATAGIBA, 2018), e juristas (FALCÃO et al., 2017).

Observaremos, neste capítulo, uma breve contextualização da situação política brasileira recente, mais especificamente desde 2013. Julgamos necessário expor o contexto que advém dessa época, e não desde 2016, ano em que ocorre o impeachment e o discurso de posse de Temer como interino, porque olhamos para a organização da política e da sociedade brasileiras, tendo em vista o fato de que a história não é linear, mas um conjunto de acontecimentos políticos, sociais e culturais que guiam o homem no percurso da vida e no modo pelo qual se manifestam os sistemas ideológicos formados.

É pertinente ressaltar que a política desenvolvida no parlamento brasileiro consiste em um jogo interesses e não está fora da organização social própria de um momento histórico. No caso brasileiro, acompanhamos, nos últimos sete anos, um momento de conflito entre grupos de dentro e fora da política, que envolve os parlamentares não somente ditos como “direita” ou

“esquerda”, mas oposições entre indivíduos e setores variados da sociedade.

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1.1 As jornadas de junho de 2013

Considerando o contexto político conflituoso dos últimos anos na realidade brasileira, é importante ressaltar que, a partir de 2013, ano em que se iniciaram diversas manifestações contrárias e favoráveis a presidência e a causas próprias de grupos de minorias, religiosos, trabalhadores de diversas áreas, apoiando ou não pela permanência ou afastamento de políticos, há uma maior participação política da população brasileira.

O ano de 2013 é importante para observarmos historicamente como se constrói a sociedade brasileira, que se torna mais ativa politicamente, devido ao aumento de manifestações na rua em prol de direitos ou de deliberações políticas, pois tal importância que a sociedade direcionou para a política culminou em um jogo de forças que contribuíram para a crise econômica, de 2014, e ocasionaram o processo de impeachment de Dilma Rousseff.

A primeira manifestação desta época que se popularizou mais no cotidiano dos brasileiros, há pouco mais de uma década, consistiu na manifestação, na cidade de São Paulo, a maior do país, pela diminuição do preço do passe de ônibus. Percebíamos, naquele período, que a população começava a se mobilizar cada vez mais para requerer os direitos de ter uma tarifa justa para o transporte público na cidade.

Os acontecimentos se dividiram em três fases, as quais duraram cerca de uma semana cada uma. A ebulição foi iniciada por fração pequena, embora valorosa, da classe média, com mobilizações praticamente circunscritas à cidade de São Paulo nos dias 6, 10, 11 e 13 de junho. Nessa primeira etapa havia um objetivo específico: a redução do preço das passagens do transporte público. As iniciativas seguiram o modelo adotado pelo Movimento Passe Livre (MPL) em anos anteriores. Convocados pelas redes sociais, os manifestantes percorriam e paralisavam grandes vias públicas por horas a fio, ao final havendo escaramuças com a polícia. Foi isso que aconteceu na primeira (avenida Paulista) e na segunda (zona oeste paulistana) jornada, com a cifra de presentes subindo, ao que parece, de 2 mil para 5 mil pessoas (SINGER, 2013, p.

24).

Observamos que, em 2013 as pautas do MPL (Movimento Passe Livre) já não se reduziam à luta pelo custo do transporte, mas também pelos direitos sociais. Conforme assinala Scherer-Warren:

[...] o MPL já tinha uma articulação nacional desde meados dos anos 2000, em várias cidades, com ideários políticos coletivamente definidos por seus participantes. Suas pautas não se reduziam ao preço da passagem dos ônibus, ainda que essa tem sido uma estratégia política relevante. Esse movimento tem se referido mais amplamente aos direitos do cidadão no que diz respeito à mobilidade urbana de uma forma geral, a qual deveria ser considerada como um direito fundamental, tal como o direito à educação, à saúde, etc. Assim, propunham, já historicamente, a desmercantilização do transporte coletivo, alicerçando-se num ideário de transformação sistêmica, como

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outros movimentos estudantis tiveram no passado ou têm no presente (SCHERER- WARREN, 2014, p. 428).

No interior da onda de protestos que começa a tomar conta da realidade brasileira, em uma escala não vista desde a redemocratização do país, diversas pautas de interesses variados tomam as ruas. Somadas às bandeiras que defendem o alargamento dos direitos sociais, como a proposta defendida pelo MPL, já em 2013 os grupos contrários à Dilma e o PT, que serão determinantes para a veiculação da ideia do impeachment, se expressam nas ruas.

O uso desmedido da força atraiu a atenção e a simpatia do grande público. Inicia-se, então, a segunda etapa do movimento, com as manifestações de 17, 18, 19 e 20 de junho, quando alcança o auge. Agora outras frações da sociedade entram espontaneamente em cena, multiplicando por mil a potência dos protestos, mas simultaneamente tornando vagas as suas demandas. De milhares, as contas de gente na rua passam a centenas de milhares. Na segunda, 17, quando o mpl chama a quarta jornada, que juntou em São Paulo 75 mil pessoas, ela é replicada nas maiores capitais do país da maneira espontânea. Surge quase um cartaz por manifestante, o que leva a uma profusão de dizeres e pautas: “Copa do Mundo eu abro mão, quero dinheiro pra saúde e educação”, “Queremos hospitais padrão Fifa”, “O gigante acordou”, “Ia ixcrever augu legal, maix fautô edukssão”, “Não é mole, não. Tem dinheiro pra estádio e cadê a educação”, “Era um país muito engraçado, não tinha escola, só tinha estádio”, “Todos contra a corrupção”, “Fora Dilma! Fora Cabral! pt = Pilantragem e traição”, “Fora Alckmin”, “Zé Dirceu, pode esperar, tua hora vai chegar”, foram algumas das inúmeras frases vistas nas cartolinas. Diversos outros temas também compareceram, como a atuação do deputado Feliciano (PSC-SP) na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional 37, vetando a possibilidade de o ministério público fazer investigações independentes, o voto distrital e o repúdio aos partidos. Um pouco daquele “que se vayan todos”

argentino de 2001 apareceu no ambiente. A depredação de edifícios públicos (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Congresso Nacional, Itamaraty) pareceu ser expressão de um clima de repúdio aos políticos em conjunto (SINGER, 2013, p.

25).

Cabe notar que juntamente com as pautas que se inserem dentro da própria política, contrárias a um ator político ou outro, vemos, no Brasil, uma crescente aversão à classe política como um todo. Percebemos, ao longo dos anos 2013-2018, que as manifestações não miravam, explicitamente, a ascensão de um ou outro político, mas se baseavam na ideia de refutação a alguma coisa, seja o Estado, os políticos, práticas políticas e econômicas etc.

Apesar da política brasileira ter se configurado ao longo do tempo como um território de interesses particulares de empresas e setores da atividade produtiva, as mobilizações sociais em grande escala, como as manifestações de rua, protestos dos mais variados tipos, inseridos em objetos artísticos, textos jornalísticos, etc. acabam também incidindo sobre os discursos dos políticos realizados no parlamento, seja pelo presidente, seja pelos parlamentares dos outros poderes, como deputados e senadores, do Legislativo, e em menor grau, os parlamentares do judiciário, sobretudo, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Em geral, como é

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tradicional na atividade política, os partidos e agentes políticos de oposição ao governo atribuem, nos discursos, a culpa pelos desgastes que a população sofre aos governantes da situação, e estes aos que os antecederam no poder.

No ano de 2014, ano eleitoral, e portanto, muito valorizado pelos membros da esfera política brasileira, houve, diferentemente das eleições anteriores, desde o período da redemocratização do país, que se iniciou com Fernando Collor de Mello, uma polarização massiva entre os que apoiavam a continuação do governo do PT - Partido dos Trabalhadores e os que desejavam uma mudança de gestão, que, após o resultado do segundo turno das eleições, configurou-se pela disputa entre PT e PSDB. Candidatavam-se ao posto Dilma Rousseff, então presidente, e o senador Aécio Neves. Ao final do processo, no segundo turno das eleições, a primeira conseguiu 51,64% dos votos válidos, e o segundo 48,36%12. Cabe ressaltar que a disputa entre PT e PSDB foi frequente nas eleições brasileiras desde 1994. O PT, contudo, assume o poder pela primeira vez com Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), em 2002.

Como o Brasil estava mergulhado no processo de maior manifestação das aspirações da sociedade civil que se pronunciou em favor de grupos e candidatos que apoiava, durante o processo eleitoral, em alguns lugares do país havia manifestações de grupos favoráveis e contrários aos políticos concorrentes ocorridas em uma mesma semana ou mês. De um lado, sabemos que a exposição dos interesses da sociedade é legítima em um sistema democrático, no entanto, o clima de polarização pode não ser favorável à democracia devido ao conflito que gera entre os grupos envolvidos, podendo exceder os preceitos do Estado democrático de direito.

Cabe ressaltar que houve um descontentamento expresso pelo próprio candidato perdedor das eleições do PSDB, Aécio Neves. O que também serviu para mobilizar os eleitores contrários à Dilma a irem às ruas:

Menos de 24 horas depois de ser derrotado no segundo turno por Dilma Rousseff, o candidato oposicionista Aécio Neves (PSDB) conclamou a população às ruas contra o governo recém-eleito, acusando fraude eleitoral. Foi a primeira vez, desde o restabelecimento da democracia, que um candidato derrotado não reconhece o resultado das urnas. Esse ato catalisou as forças oposicionistas e direcionou para os protestos as insatisfações até então difusas contra o governo petista (TATAGIBA, 2018, p. 123).

12 Estes dados estão disponíveis em: < https://noticias.r7.com/eleicoes-2014/dilma-rousseff-vence-aecio-neves- nas-urnas-e-e-reeleita-presidente-do-brasil-por-mais-quatro-anos-26102014>. Acesso em 28 de setembro de 2019.

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Diversas manifestações foram amparadas pela ação policial e conflitos físicos, seja entre manifestantes e polícia, seja entre manifestantes de diferentes atos de protesto. Percebemos, após as eleições de 2014, um caráter crescente do número de manifestações em prol do impeachment de Dilma. O logo “A culpa não é minha, eu votei no Aécio”, se referindo ao candidato do PSDB, inscrevia-se no cotidiano das grandes e pequenas cidades, e figurava em boa parte dos materiais escritos (posts) nas redes sociais.

O descontentamento com a política de Dilma Rousseff, e, em geral, com o governo petista, por parte da população, era frequente em muitos setores, devido ao fato de que as baixas econômicas começavam ser cada vez maiores a partir de 2014, sobretudo, em relação à inflação e ao desemprego13. Na medida em que havia mais manifestações nas ruas a favor da saída de Dilma Rousseff do cargo, os políticos pertencentes aos partidos de oposição, ou os que não estavam de acordo com as políticas de Dilma, utilizavam em discursos dentro e fora do parlamento a menção às manifestações. Sabemos que existem grupos ideológicos distintos no país, e não podemos afirmar que todas as manifestações se referem ao interesse da sociedade, como se tal interesse fosse homogêneo, pois a própria sociedade não é homogênea.

Na organização de um discurso político, proferido por um parlamentar, dentro ou fora de situações políticas coercitivas, como reuniões, cerimônias, encontros diplomáticos, é frequente o uso da temática dos acontecimentos que ocorrem na sociedade. Cada projeto político escolhe a orientação valorativa que emprega ao argumento utilizado para nortear o posicionamento ideológico do enunciador em sua atividade discursiva. Enquanto observávamos, à época do impeachment, os discursos de parlamentares a favor e contra a saída de Dilma Rousseff do cargo da presidência, que foram reproduzidos em rede nacional e também na rede de televisão aberta, era frequente a menção às manifestações que ocorriam nas ruas país, seja para afirmar o interesse da classe média alta em derrubar o PT, seja para mostrar o interesse do povo pela saída do partido, devido, sobretudo, aos escândalos de corrupção que incidiam sobre vários partidos brasileiros no período e que se estendem até hoje.

As manifestações a favor do impeachment de Dilma, da condenação de Lula (Luís Inácio Lula da Silva) à prisão e contra o PT, que tiveram maior força de expressão após o resultado das eleições de 2014 e prosseguiram até 2015, ganharam força substancial em 2016. Tais protestos consistiam na defesa de uma bandeira nacionalista, o que significava que os

13 Para visualizar um panorama sobre as taxas de inflação e desemprego nos governos Dilma e Temer, ver a reportagem “A inflação e o desemprego nos períodos Dilma e Temer”. Disponível em:

<https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/02/06/A-inflação-e-o-desemprego-dos-períodos-Dilma-e-Temer>.

Acesso em 27 de setembro de 2019.

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manifestantes se apresentavam como defensores da pátria brasileira. Os grupos envolvidos na defesa da saída de Dilma deixavam tal fato como um elemento de um objetivo maior: a melhora institucional e social do país. A pauta que mais proporcionava facilidade de cooptação de novos membros aos movimentos organizadores das manifestações era o combate a corrupção, associada pelos manifestantes ao PT (Partido dos Trabalhadores), a ministros do STF e parlamentares ligados de algum modo ao partido ou envolvidos em escândalos de corrupção, predominantemente pertencentes à Operação lava Jato, que ganhava visibilidade perante a grande mídia.

As performances confrontacionais das direitas incluíram o repertório básico do movimento social moderno, com predominância de manifestações, atos, carreatas, marchas, bloqueio de vias e ocupação de espaço público. A marca estética dos protestos foi o uso dos símbolos nacionais, como o verde e amarelo da bandeira brasileira que ornou várias peças publicitárias e “vestiu” os manifestantes, como já ocorrera em campanhas anteriores, como as Direitas Já, em 1984, e o Fora Collor, em 1992 [...] (TATAGIBA, 2018, p. 118).

Conforme aponta a autora, os mesmos elementos simbólicos representados pelas cores da bandeira nacional marcaram os protestos pró-impeachment de Dilma. A despeito das diferenças que tais protestos possuem com outras manifestações marcantes da história política brasileira, que a seu modo pertencem a momentos históricos dotados de forças sociais e políticas específicas, e da organização distinta da sociedade brasileira, a ideia de uma melhora da política brasileira estava presente em tais manifestações.

De modo distinto dos movimentos da Diretas Já e do impeachment de Collor, que envolvia grupos heterogêneos a favor de uma causa, os protestos pró-impeachment, e outros atrelados a este, como o chamado “panelaço”, em que as pessoas batiam em panelas da janela de seus apartamentos em regiões nobres das capitais do país, concentravam, em sua maioria, os setores abastados da sociedade. No caso do contexto do impeachment de Dilma, houve uma linha divisória entre manifestantes pró e contra um processo de afastamento da ex-presidente, o que se materializou no dia em que o processo foi votado na Câmara dos deputados (CD), em frente ao CN, em Brasília14.

Ao longo do ano de 2015 notamos a presença de diversos grupos que cooptavam seus seguidores para as manifestações pró-impeachment, movimentos apresentados como conservadores e ao mesmo tempo a favor de mudanças políticas no país. Dentre os que

14 Para observar como se deram as manifestações ao longo do impeachment e como tramitou o processo de Dilma nas casas legislativas ver o documentário “O processo”, de Maria Augusta Ramos, disponível, pelo distribuidor em: < http://www.vitrinefilmes.com.br/site/.>. Acesso em 26 de setembro de 2019.

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