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mariliabarrichello

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Academic year: 2021

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(1)MARILIA BARRICHELLO NAIGEBORIN. MOVIMENTO DEVAGAR E A PUBLICIDADE Mais um paradoxo da cultura pós-moderna?. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Escola de Comunicação e Artes Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu de Especialização em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas São Paulo, 2006.

(2) MARILIA BARRICHELLO NAIGEBORIN. MOVIMENTO DEVAGAR E A PUBLICIDADE Mais um paradoxo da cultura pós-moderna?. Monografia apresentada ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em cumprimento parcial às exigências do Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu, para obtenção do título de Especialista em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas, sob a orientação do Prof. Dr. Mauro Wilton de Sousa.. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Escola de Comunicações e Artes São Paulo, 2006. 2.

(3) MARILIA BARRICHELLO NAIGEBORIN. MOVIMENTO DEVAGAR E A PUBLICIDADE Mais um paradoxo da cultura pós-moderna?. COMISSÃO JULGADORA. (Nome e assinatura). (Nome e assinatura). (Nome e assinatura). Monografia defendida e aprovada em ____ / ____ / ____. 3.

(4) Ao tempo, pelo amadurecimento, pelo amor, pela vida.. 4.

(5) Paciência Lenine Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma Até quando o corpo pede um pouco mais de alma A vida não pára Enquanto o tempo acelera e pede pressa Eu me recuso faço hora vou na valsa A vida é tão rara Enquanto todo mundo espera a cura do mal E a loucura finge que isso tudo é normal Eu finjo ter paciência O mundo vai girando cada vez mais veloz A gente espera do mundo e o mundo espera de nós Um pouco mais de paciência Será que é o tempo que lhe falta pra perceber Será que temos esse tempo pra perder E quem quer saber A vida é tão rara (tão rara) Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma Eu sei, a vida não pára (a vida não pára não) Será que é tempo que me falta pra perceber Será que temos esse tempo pra perder E quem quer saber A vida é tão rara (tão rara) Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma Até quando o corpo pede um pouco mais de alma Eu sei, a vida não pára (a vida não pára não...a vida não pára). 5.

(6) Agradeço aos meus pais por terem me dado valores sólidos para viver a vida de forma ética e feliz, pela educação dentro e fora de casa e pelo exemplo de caráter, fonte de inspiração.. Aos meus irmãos pelas histórias divididas, pela amizade e pelo carinho. A Beatriz, em especial, agradeço pela leitura criteriosa e pelas dicas para a monografia.. A Vivianne, irmã de coração.. Ao orientador Mauro Wilton pelo bom humor, pela leveza que imprimiu a este trabalho e pelas interferências sempre preciosas.. A Marcia Bindo pela possibilidade de conhecer Carl Honoré.. Ao Ulisses, Renata, Álvaro e Neusa, amigos da Giovanni, FCB, pelo apoio.. A ECA / USP pela oportunidade de, através deste tema, me fazer refletir sobre meus sonhos e minhas próprias questões pós-modernas, resgatadas do turbilhão da pressa.. Ao Fernando pelo amor desde nosso primeiro encontro, por me convidar a ser devagar, pela ajuda sistemática e paciente neste trabalho e, acima de tudo, por fazer parte de todos os meus sonhos e enriquecer meu tempo de sentido.. 6.

(7) Resumo. Diante do paradoxal cenário pós-moderno, este trabalho busca refletir sobre a dimensão ideológica do Movimento Devagar enquanto porta-voz de uma cultura em transição e também enquanto ferramenta para o discurso publicitário. Busca-se entender suas bases e propósitos com o intuito de se tecer considerações sobre sua pertinência no contexto atual. A partir da relação entre a filosofia relacionada ao Movimento Devagar com os valores pré-modernos emergentes, com a dinâmica comportamental do indivíduo e com os novos paradigmas da sociedade contemporânea, propõe-se uma reflexão acerca das motivações que transportam o discurso e a estética desse movimento para a publicidade. Isto posto, espera-se encontrar elementos que justifiquem ou não a filosofia Devagar como sendo mais um sintoma da sociedade oximorônica que caracteriza a Pós-Modernidade.. Palavras-chave - devagar, pós-modernidade, publicidade, trabalho.. 7.

(8) Resumen. Frente al paradójico escenario posmoderno, este trabajo intenta reflejar la dimensión ideológica del Movimiento Slow en cuanto portavoz de una cultura en transición y también en cuanto herramienta para el discurso publicitario. Lo que se busca es entender sus bases y propósitos con el objetivo de hacer consideraciones sobre su pertinencia en el mundo actual. A partir de la relación entre la filosofía del Movimento Slow con los valores modernos emergentes, con la dinámica del comportamiento individual y con los nuevos paradigmas de la sociedad contemporánea, lo que se propone es una reflexión acerca de las motivaciones que llevan el discurso y la estética de ese movimiento hacia la publicidad. Con eso, se espera encontrar los elementos que justifiquen o no la filosofía Slow como síntoma de la sociedad oximorónica que caracteriza la posmodernidad.. Palabras clave. lentitud, pos-modernidad, publicidad, trabajo. 8.

(9) Abstract Contextualized in the paroxistic postmodern scenarium, this work aims to discuss the Slow Movement ideological dimension, while speaker of a transition culture and also an advertising tool. This study looks forward to understand its bases and purposes in order to make considerations about its relevance in the contemporary context. From the relation between the Slow Movement philosophy and the emerging premodern values, and also between the human behaviour dynamics and the new paradigms of contemporary society, this work offers a reflection over the motivations that bring the speach and the aesthetics from the Movement to advertising. Based on this, it is expected to find elements which justify or not the Slow philosophy as being one more symptom of the oxymoronic society that characterizes Postmodernity.. Key-words - slow, postmodernity, advertising, work.. 9.

(10) Sumário INTRODUÇÃO. ......................................................................................................... 12. CAPÍTULO 1. O CONTEXTO ATUAL E A PÓS-MODERNIDADE. 15. CAPÍTULO 2 2.1 2.2 2.3 2.4. O MOVIMENTO DEVAGAR...................................................... O homem e o tempo....................................................................... As bases e propósitos do movimento devagar............................... As perdas de um mundo acelerado................................................ A Filosofia Devagar na prática....................................................... 23 23 24 26 29. CAPÍTULO 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7. A CULTURA PÓS-MODERNA E O MOVIMENTO DEVAGAR A sociedade em trânsito..................................................................... Qualidade de vida.............................................................................. Vita Simplex....................................................................................... O oriente mais próximo..................................................................... O feminino além do gênero............................................................... Tempo livre....................................................................................... A nova cultura e o Movimento Devagar............................................ 32 32 33 34 36 37 38 39. CAPÍTULO 4 4.1 4.2 4.3 4.4. A DIMENSÃO DO TRABALHO NA PÓS-MODERNIDADE...... O trabalho revisitado......................................................................... Os sintomas da aceleração................................................................. Re-significando o trabalho................................................................ Consciência que gera mudança.......................................................... 43 43 45 47 49. CAPÍTULO 5 5.1 5.2 5.3 5.4 5.5 5.6 5.7 5.8 5.9. COMUNICAÇÃO NA PÓS-MODERNIDADE............................... Excesso e espetáculo........................................................................... A importância da convergência ......................................................... As marcas como guias........................................................................ Gerindo o intangível........................................................................... Relacionamento como convite de marca............................................ As marcas e a cultura pós-moderna.................................................... Publicidade e Movimento Devagar.................................................... O exemplo do Citibank....................................................................... Oportunismo versus oportunidade....................................................... 53 53 54 56 57 58 60 63 68 72. CONCLUSÃO.... ............................................................................................................. 75 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 80. 10.

(11) Índice de Tabelas Tabela 1 - Diferenças esquemáticas entre o Modernismo e o Pós-Modernismo............21 Tabela 2 - Horas anuais trabalhadas nos Estados Unidos ............................................ 44 Tabela 3 - Ganhando tempo no trabalho ...................................................................... 50 Tabela 4 - A relação de custo-benefício do dinheiro ......... ..........................................72. 11.

(12) Introdução Cada vez mais se comenta o desafio que representa a gestão do tempo, como os indivíduos estão cansados da correria do dia-a-dia e do desequilíbrio entre vida pessoal e profissional no acelerado mundo pós-moderno.. Diante da existência condicionada para a pressa, nota-se um sentimento de frustração causado, principalmente, pelo esvaziamento da vida de seus valores mais significativos e essenciais, que de certa forma, foram perdidos no turbilhão da velocidade, pois prescindem de tempo para prosperar.. É este resgate qualitativo que o Movimento Devagar procura agregar à vida, através da busca do tempo certo das coisas, que advém da consciência de saber quando vale a pena acelerar e quando é possível desacelerar.. Inpirado no Slow Food, o Movimento Devagar propõe uma atitude de desaceleração em diferentes âmbitos da vida, como o trabalho, o cuidado do corpo e da mente, o sexo, a educação. Seus valores vêm sendo disseminados de modo formal ou informal nas empresas, na mídia e mais recentemente na publicidade.. Para entender a pertinência desse Movimento em um cenário contemporâneo marcado por paradoxos, busca-se neste trabalho, primeiramente o entendimento das premissas que norteiam a filosofia Devagar, seus benefícios e desafios. A partir disso, inicia-se uma reflexão sobre como o Movimento explicita. ou não. valores culturais da. sociedade pós-moderna em transição.. Nesse contexto, a esfera do trabalho tem importância preponderante, uma vez que representa a parcela que mais consome tempo em nossas vidas e talvez seja o principal empecilho para a absorção da filosofia Devagar. Por isso, espera-se trazer à tona seu modus operandi atual e as novas tendências advindas da tecnologia, como por exemplo, o teletrabalho.. 12.

(13) Finalmente, chega-se na tangibilização e repercussão da filosofia Devagar enquanto comunicação de massa, via publicidade. Partindo da premissa de que a publicidade está intimamente ligada a questões contemporâneas e à capacidade de sensibilização, criação de identificação e desejo, almeja-se esclarecer alguns pontos sobre o porquê da associação da publicidade e das marcas com valores provenientes do Movimento Devagar.. Assim, o presente trabalho tem como principal objetivo uma análise da adequação do Movimento Devagar junto ao contexto pós-moderno em termos de filosofia, cultura e comunicação, a partir do entendimento dos fatores que embasam-no enquanto ideologia e enquanto possibilidade concreta. A visão polarizada de ser contra ou a favor do Movimento não será objeto desta reflexão, que visa a construção de crítica acerca dessa temática bastante atual.. 13.

(14) Capítulo 1: O contexto atual e a Pós-Modernidade 14.

(15) Capítulo 1: O contexto atual e a Pós-Modernidade Estamos vivendo um período de transição entre a Modernidade e a Pós-Modernidade. Habermas (2000, p.42) afirma que o projeto da modernidade não acabou e nem deve ser acabado, mas precisa ser revisto. Nessa passagem é provável que a dicotomia seja a grande marca deste período constituído por extremos. partes de uma mesma moeda. que convivem em harmonia dinâmica, ora de um jeito, ora de outro. São tempos onde o excesso convive com o controle, o consumismo com o consumerismo, a velocidade com o devagar.. Suprimidas neste primeiro momento as polêmicas em torno da definição de PósModernidade, espera-se entender o contexto atual sob a ótica de novos valores paradoxos. e. trazidos pelo conjunto de fenômenos sociais, artísticos e políticos que. começaram a permear a sociedade a partir das últimas décadas do século XX. Santos (1995) argumenta que o paradigma cultural da modernidade constitui-se entre o século XVI e finais do século XVIII coincidindo, aproximadamente, com a emergência do capitalismo enquanto modo de produção dominante nos países da Europa. Giddens (1991, p.13) a define como sendo um conjunto de descontinuidades em relação ao período anterior (pré-moderno), em que dominavam as tradições e crenças irracionais, instituindo modos de vida diferentes dos anteriores. Touraine (1994, p.12) afirma que a modernidade rompeu o mundo sagrado que era ao mesmo tempo natural e divino, transparente à razão e criado. O projeto da Modernidade foi construído basicamente com a visão de transformar a face da Terra pela fé na ciência e na técnica aplicadas às forças produtivas; nas relações liberais de mercado como capazes de implementar um estado justo e próspero; na positividade do progresso e na sua constante renovação e superação.. 15.

(16) Segundo Vattimo (1996) a modernidade se caracteriza por ser a época da história em oposição à visão naturalista e cíclica do curso do mundo, fato que pode ser entendido a partir do processo de secularização e de autonomia do pensamento nos domínios da ciência e da técnica. Portanto, a modernidade representa um conjunto de revoluções em vários campos, como a nova visão antropocêntrica, a revolução burguesa, a criação dos estados nacionais, a entrada para a era da democracia, a entrada para a era do saber universal por vias da universalização das escolas nos países geradores de influência cultural, a revolução no campo do trabalho, e, por fim, a revolução do pensamento. O racionalismo tomou posse da natureza com o intuito de dominá-la. por certa obsessão pelo progresso. e hoje põe a humanidade em alerta. Uma só palavra, contudo, pode significar a grande síntese da revolução moderna: a razão. A razão, porém, e os princípios norteadores da modernidade como a regulamentação e o mito do progresso, não foram capazes de cumprir as propostas modernas que visavam, entre outros objetivos, a prosperidade social a partir do desenvolvimento da técnica, da ciência aplicada e do livre mercado. Se por um lado a ciência e a técnica avançaram além do esperado, a contrapartida de prosperidade social e cultural não se concretizou. Pós-modernidade é uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação. (...) vê o mundo como contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações desunificadas gerando um certo grau de ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história e das normas, em relação às idiossincrasias e à coerência de identidades (EAGLETON,1996, p.7). Enfraquecida a modernidade e suas instituições, o Estado recua, a religião e a família se privatizam, a sociedade de mercado se impõe. Delineia-se o cenário pós-moderno, em que o indivíduo assume ser protagonista de sua vida e de suas escolhas e relativiza a razão em função da subjetividade.. 16.

(17) O conceito de pós-modernidade ganha visibilidade com a publicação do livro A condição pós-moderna de Jean-François Lyotard em 1979. Na visão do autor, tal condição é a de incredulidade em relação às metanarrativas, às tentativas de explicar todo esforço humano à luz de uma única teoria ou princípio. Assim, contrapõe a necessidade emergencial da valorização das pequenas narrativas.. Nesse contexto, a pós-modernidade está inserida em uma esfera cultural que se forma em reação aos grandes ideais propostos pela modernidade.. (...) originando-se sobretudo na esfera cultural, o conceito de pósmodernismo (ou pós-modernidade) espalhou-se para abranger um número cada vez maior de áreas da sociedade (...). A sugestão é que as sociedades industriais sofreram uma transformação tão vasta e fundamental que merecem um novo nome. (KUMAR, 1997, p.123).. Representa, entre outros valores, o desencanto e a perda do otimismo frente ao projeto moderno e o resgate da liberdade, da heterogeneidade, da pluralidade, valores que haviam sido banidos pela objetividade da razão. A pós-modernidade, então, caracterizase como a negação da modernidade e de todo seu racionalismo, sua forma de organização e as regras de suas instituições.. Depois da experiência de duas guerras mundiais, depois de Auschwitz, depois de Hiroshima, vivendo num mundo ameaçado pela aniquilação atômica, pela ressurreição dos velhos fanatismos políticos e religiosos e pela degradação dos ecossistemas, o homem contemporâneo está cansado da modernidade. Todos esses males são atribuídos ao mundo moderno. Essa atitude de rejeição se traduz na convicção de que estamos transitando para um novo paradigma. (ROUANET, 1987, p. 229).. A Pós-Modernidade propõe a dissolução da aceitação dos fundamentos modernos, como o pensamento até então orientado para o futuro, o esvaziamento do progresso pela mudança contínua e se volta para uma nova forma de viver e de se relacionar, retirando a máscara da ordem e do universalismo e abrindo espaço para a emoção, a paixão. lado. até então obscuro e escondido pela razão, a grande tônica da Modernidade. As pulsões do corpo, reprimidas em toda a modernidade, extravasam na Pós-Modernidade com a. 17.

(18) liberação sexual e a revolução feminista, ambas ocorridas nos anos 60, época considerada por Jameson (1997) o início da pós-modernidade, entendida pelo autor como lógica cultural do capitalismo tardio.. Porém, a mesma desregulamentação institucional generalizada que liberta, também enfraquece o indivíduo. Sem condutas balizadoras que o dotem de forças interiores para superar as mazelas da vida, o indivíduo se desestabiliza e propicia, assim, a multiplicação de distúrbios psicológicos, estresse e angústia.. Com a pós-modernidade anuncia-se, então, um novo tempo, baseado no avanço da independência individual, na pluralidade e na subjetividade. Novos valores e relações são estabelecidos, a destacar aqueles advindos da aceleração tecnológica e dos novos fluxos de informação, que trouxeram consigo novas idéias e que tornam o mundo de hoje regido por contradições, angústias, excessos, escolhas.. Dentre os novos valores pós-modernos, a velocidade constitui um dos grandes vetores que marcam a transição entre a Modernidade e a Pós-Modernidade, principalmente devido às novas tecnologias de informação e de comunicação.. Assumida como um valor pós-moderno, a velocidade está embutida no ambiente de trabalho, na forma de se relacionar com as pessoas e também na representação das imagens e sua interpretação. Virilio (1993) argumenta que a aceleração provocou uma série de avanços nas representações cinematográficas e assim o tempo da velocidade-luz iluminou nosso ambiente, não como um meio de representação tal qual a pintura e o teatro, mas como um meio de informação.. Diante do dinamismo da economia global e das incertezas pós-modernas, a velocidade virou um símbolo de eficiência, de status e de dominação.. As pessoas que se movem e agem com maior rapidez, que mais se aproximam do momentâneo do movimento, são as pessoas que agora mandam (...). A dominação consiste em nossa própria capacidade de escapar, de nos desengajarmos, de estar em outro lugar, e no direito de decidir sobre a velocidade com que isso será feito - e ao mesmo tempo destituir os que estão. 18.

(19) do lado dominado de sua capacidade de parar, ou de limitar seus movimentos ou ainda torna-los mais lentos. A batalha contemporânea da dominação é travada entre forças que se empunham, respectivamente, as armas da aceleração e da procrastinação. (BAUMANN, 2002, p.139).. A velocidade e as mudanças cada vez mais rápidas tornam o futuro difícil de ser imaginado e planejado. Surge um novo carpe diem1 calcado no prazer do aqui e agora, uma sede de viver o momento em todas as suas partes e pedaços, sem refletir demais sobre o porvir. Desta forma, o regime do presente e a busca constante pelo prazer faz com que o tempo. e o modo como devemos aproveitá-lo. adquira um grande peso,. passando a ser ele foco de tensão (por sua ausência ou mau uso) e de prazer (por sua boa utilização).. Assim, os efeitos induzidos pelo novo valor atribuído ao tempo podem impactar em desconforto na vida das pessoas. Um sentimento de angústia que extrapola o universo do trabalho e se concretiza também na relação com o cotidiano, consigo mesmo e com os outros. E a impressão de que o tempo se rarefaz é algo que se choca com a utopia de que a velocidade, as novas mídias e a mecanização permitiriam um aumento do tempo livre.. A própria velocidade, então, assume um caráter paradoxal. À medida que, através das novas tecnologias, aproxima, também isola; cria novas possibilidades de interação, mas também certa dependência; aumenta a produtividade, mas também a cobrança.. O vínculo humano é substituído pela rapidez; a qualidade de vida, pela eficiência; a fruição livre de normas e de cobranças, pelo frenesi. Foram-se a ociosidade, a contemplação, o relaxamento voluptuoso: o que importa é a auto-superação, a vida em fluxo nervoso, os prazeres abstratos da onipotência proporcionados pelas intensidades aceleradas. Enquanto as relações reais de proximidade cedem lugar aos intercâmbios virtuais, organiza-se uma cultura da hiperatividade caracterizada pela busca de mais desempenho, sem concretude e sem sensorialidade, pouco a pouco dando cabo dos fins hedonistas. (LIPOVETSKY, 2004, p. 81).. 1. Do latim, aproveite o dia.. 19.

(20) No âmago deste foco qualitativo surge um movimento de contestação e resgate. Contestação da cultura da pressa, da velocidade a qualquer preço, da eficiência desmedida e desnecessária. Resgate de valores essenciais como o amor, o ócio, a convivência e um maior equilíbrio entre o ser e o ter. É o Movimento Devagar2, que parece representar um outro grande paradoxo de nossa cultura contemporânea.. 2. Movimento Devagar é a teminologia criado pelo autor Carl Honoré que congrega o pensamento de uma série de organizações que buscam desacelerar nosso ritmo de vida como as Città Slow e o movimento Take your Time Back, que serão detalhados no capítulo dois.. 20.

(21) Tabela 1. Diferenças esquemáticas entre o Modernismo e o Pós-Modernismo. Modernismo Romantismo/simbolismo Forma (conjuntiva, fechada) Propósito Projeto Hierarquia Domínio/logos Objeto de arte/obra acabada Distância Criação/totalização/síntese Presença Centração Gênero/fronteira Semântica Paradigma Hipotaxe Metáfora Seleção Raiz/profundidade Interpretação/leitura Significado Lisible (legível) Narrativa/grande histoire Código mestre Sintoma Tipo Genital/fálico Paranóia Origem/causa Deus Pai Metafísica Determinação Transcendência. Pós-modernismo Parafísica/dadaísmo Antiforma (disjuntiva, aberta) Jogo Acaso Anarquia Exaustão/silêncio Processo/performance/happening Participação Descriação/desconstrução/antítese Ausência Dispersão Texto/intertexto Retórica Sintagma Parataxe Metonímia Combinação Rizoma/superfície Contra a interpretação/desleitura Significante Scriptible (escrevível) Antinarrativa/petite histoire Idioleto Desejo Mutante Polimorfo/andrógino Esquizofrenia Diferença-diferença/vestígio Espírito Santo Ironia Indeterminação Imanência. Fonte: Hassan (1985, 123-4). 21.

(22) Capítulo 2: O Movimento Devagar. 22.

(23) Capítulo 2: O Movimento Devagar "Foge o irrecuperável tempo". Virgílio. 2.1 O homem e o tempo. A relação conflituosa entre o homem e o tempo tem sido constante desde os primórdios da civilização. Na mitologia grega, para evitar que algum de seus filhos o castrasse e o dominasse, do mesmo modo que fizera com seu pai Urano, o deus Cronos3 devorou os recém-nascidos à medida que foram paridos por sua mulher, Réia. O significado da história contada pelo poeta Hesíodo (séc. XIII a.C.) em sua obra "Teogonia"4 é a de que o tempo se encarrega de consumir tudo o que ele mesmo gerou.. Quase três mil anos depois a sensação de que o tempo se esvai, parece ainda mais rápida e evidente. Em 1997, os pesquisadores americanos James Tien e James Burnes, do Instituto Politécnico Rensselaer, em Troy, no Estado de Nova York, demonstraram que a percepção da passagem do tempo varia de acordo com a idade dos observadores, e, mais ainda, de uma época para outra.. Segundo os resultados do estudo de Tien e Burnes, publicado em novembro de 2002 na revista "Transactions on Systems, Man, and Cybernetics", isto significa que para uma pessoa de 22 anos, em 1997, o ano pareceu passar 8% mais depressa do que para quem tinha a mesma idade em 1897. Para uma pessoa com 35 anos de idade, nesse mesmo intervalo de cem anos, a diferença foi de 22%. A variação obtida para pessoas ainda mais velhas foi muito maior: segundo a pesquisa, um indivíduo de 62 anos em 1997 percebia o tempo passar 7,69 vezes mais rápido que uma outra da mesma idade cem anos antes.5. 3. Cronos é uma palavra oriunda do grego que significa tempo. Também conhecido como Saturno pelos romanos. Teogonia significa a origem dos deuses, em grego. 5 Para chegar a essas conclusões, Tien e Burnes trabalharam com dados de produtividade de escritórios de registros de patentes dos Estados Unidos nos anos de 1897, 1947 e 1997. Um dos pontos de partida do estudo foram os dados relativos à expectativa do número de patentes para cada um desses anos, com base nos respectivos anos anteriores. Os dados mencionados foram divulgados na Folha Sinapse em 16 de dezembro de 2003. 4. 23.

(24) A pesquisa não tinha o objetivo de descobrir a causa da crescente percepção da passagem do tempo de uma geração para outra, mas sugere que essa variação de velocidade (entre 1897 e 1997) esteja relacionada às mudanças na educação e na formação geral das pessoas, principalmente em função do acúmulo de conhecimento propagado por novas tecnologias.. É exatamente a relação entre a passagem do tempo e sua inter-relação com as variáveis da sociedade pós-moderna, como as novas tecnologias, que o Movimento Devagar busca entender e questionar.. 2.2 As bases e propósitos do Movimento Devagar Por que estamos sempre correndo contra o relógio? A pressa, uma constante em nossas vidas, tem uma razão real? O que pode e o que não deve ser apressado? O que significa ser rápido e o que significa ser devagar? Como encontrar o tempo certo das coisas? São essas as principais questões que o Movimento Devagar nos leva a refletir.. Pois chegou o momento de questionar nossa obsessão de fazer tudo mais depressa (...). Ao passar a vida correndo, preocupados em atulhar cada vez mais coisas em cada horinha do dia, estamos nos estressando a um ponto que pode levar à ruptura. (HONORÉ, 2004, p. 14).. O mundo 24 horas, que abre inúmeras e novas possibilidades, certamente tem um grande impacto na forma pela qual o homem gere seu tempo. Hoje, como é possível fazer quase tudo o tempo todo, parece existir uma pressão velada em emendar uma atividade na outra, sobrecarregar a agenda do dia, muitas vezes tomada com afazeres pouco importantes e que poderiam ser melhor escalonados. Segundo Honoré (2004) nos sentimos culpados ao não fazer nada, mas não é pecado não fazer tudo. Precisamos da necessidade e da beleza de escolher. Com a revolução industrial, seguida pelo advento do computador, das novas tecnologias e da internet, a velocidade assumiu proporções inimagináveis. Transposta para nossa forma de ser e de viver, o resultado é querer sempre mais. Temos uma brecha de tempo e corremos para preenchê-la. Temos o conceito de que a melhor forma de passar o. 24.

(25) tempo é ocupando-o. Honoré (2004) defende que precisamos de tempo para reconectar nossa tartaruga interior e conhecer a nós mesmos. Do tédio nasce a invenção, a capacidade de criar.. Estamos condicionados, e porque não dizer escravizados pela velocidade, fator que se apossou de diversos setores de nossas vidas, como alimentação, trabalho, relacionamentos. É a vida rápida que permeia nossos hábitos e atitudes: internet cada vez mais rápida, velocidade no trânsito, compras on-line, cursos durante o sono, leitura dinâmica, sociedade non-stop e 24 horas. Tão rápida que pouco tempo temos para refletir se a aceleração é realmente necessária.. É cada vez mais comum a crítica de que estamos fartos de agendas enlouquecidas, da falta de tempo para a família, para o lazer, para o prazer, para simplesmente não fazer nada. Entretanto, hoje, uma minoria de rebeldes está fazendo o impensável em busca de novos caminhos, contestando a velocidade e criando um estilo de vida mais equilibrado e qualitativo. Nos muitos e diversos atos de desaceleração dessas pessoas encontram-se as sementes de um movimento global em favor da lentidão.. O primeiro passo nesta direção surgiu na Itália em 1986, com uma manifestação espontânea em favor do Slow Food6, uma reação à abertura de uma lanchonete da rede Mc Donald's na Piazza di Spagna, em pleno centro de Roma. Ainda assim, o projeto só foi oficialmente lançado como um movimento internacional em Paris em 1989.. Hoje, passados mais de quinze anos de sua fundação, o Slow Food se tornou referência a uma miríade de outros projetos, que à sua semelhança, têm como meta reavaliar a relação que temos com o tempo. Aqui entram instituições que pregam desde o sexo devagar (com base na milenar tradição tântrica) até a ginástica pausada (que, segundo seus ativistas, faz tão bem ou melhor à saúde que uma sessão de malhação normal com o benefício de não comprometer músculos e articulações). O conjunto de esforços em 6. Movimento internacional que conta com cerca de 80.000 membros em mais de 100 países pelo mundo. Prega a. calma e o convívio durante as refeições, o prazer relacionado ao ato de preparar e consumir alimentos de boa procedência. Também se preocupa em resgatar a gastronomia tradicional e ingredientes que estão desaparecendo com a industrialização da produção.. 25.

(26) demonstrar que fazer tudo. ou quase tudo. com menos pressa traz benefícios ao. homem recebeu o nome de Movimento Devagar por Honoré.. Movimento Devagar, então, representa uma tentativa de conscientização e estímulo às pessoas, mostrando que existe um outro caminho, uma alternativa para viver com mais qualidade neste contexto, onde o turbo-capitalismo tem um custo humano muito alto. Condicionados da forma que estamos à velocidade, muitas vezes é o corpo que vai emitir sinais de esgotamento frente ao modelo de vida atual e de certa forma pagar o preço da velocidade. O estresse é o grande sintoma da velocidade.. Para os entusiastas do Movimento Devagar, a tecnologia é uma facilitadora, mas não se deve ficar refém dela. Desta forma, não se trata de rejeitar a tecnologia ou mudar a vida contemporânea completamente, apenas manter as coisas em equilíbrio.. (...) não falar ao telefone, dirigir, checar Blackberry enquanto se espera no drive-thru antes da próxima reunião ... Será que realmente faria sentido ler Proust em alta velocidade, fazer amor na metade do tempo ou cozinhar todas as refeições no microondas? (HONORÉ, 2004, p. 49).. 2.3 As perdas de um mundo acelerado. O mundo acelerado produz algumas perdas, que necessariamente precisarão ser entendidas e negociadas. A principal delas se localiza no âmbito das relações: comunidade, família, casamento, amizade precisam exatamente daquilo que parece que nunca existe em quantidade suficiente: tempo.. Além disso, a correria da vida moderna faz com seja esquecido o hábito de cultivar a expectativa das coisas e de desfrutar o momento em que elas acontecem. Nota-se na sociedade uma obsessão cada vez maior em realizar tarefas múltiplas, executadas de forma mecânica, que levam muitos à indisponibilidade ao momento presente. Também é fato que "fazer duas coisas ao mesmo tempo parece tão inteligente, tão eficiente, tão moderno. Mas é claro que muitas vezes significa fazer duas coisas não muito bem." (HONORÉ, 2004, p. 22).. 26.

(27) Também a arte de não fazer nada vem sendo esquecida. Eliminados todos os estímulos, irrompe a impaciência, o nervosismo e logo se inventa alguma coisa para fazer. Está se perdendo a noção do tempo das coisas, da felicidade em gestar idéias, sentimentos, maturar sonhos, pois todos parecem estar ocupados demais em preencher o tempo lendo jornal, falando ao celular, trabalhando no laptop, tudo ao mesmo tempo, agora.. A grande questão é que as coisas mais perenes da vida de um indivíduo, como o amor e a amizade, levam tempo para que sejam construídas. E é justamente nesse tempo construção. de. que se estabelece um aprendizado único sobre si próprio e a possibilidade. de ser melhor.. As relações afetivas e familiares. muitas vezes desgastadas pela ausência de tempo e. pela cultura consumista que se apossou da forma com que as pessoas lidam com os sentimentos. se fortalecem a medida em que tempo e energia são empregados para. fazê-las prosperar.. (...) numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro (...), a promessa de aprender a arte de amar e a oferta (falsa, enganosa, mas que deseja ardentemente ser verdadeira) de construir a experiência amorosa à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultado sem esforço. (BAUMAN, 2003, p. 21 e 22).. Assim, a principal contribuição da filosofia relacionada ao Movimento Devagar é a conquista do equilíbrio, que possibilita uma melhor qualidade de vida no mundo de hoje, a partir de um questionamento sobre quais são as prioridades e as reais necessidades de uma pessoa comum. Também a capacidade individual de escolher quando ser rápido e quando ser devagar, encontrando o tempo giusto7 das coisas.. 7. Termo que vem da música e caracteriza o andamento certo que a melodia deve ser tocada. Para a filosofia relacionada ao Movimento Devagar designa a capacidade individual de se encontrar o ritmo das coisas.. 27.

(28) "A velocidade hoje está internalizada. Eu tinha sido contaminado pelo vírus. Agora sei que é possível mudar de marcha de vez em quando. Hoje temos só uma marcha. Mas existe uma gama de velocidades. Perdemos a coragem e a imaginação para mudar de marcha (...). Não sou utópico. Sou realista e sei que é impossível criar um mundo onde tudo se faz no tempo giusto. Você tem relações com os demais que tem que balancear. Podemos recuperar muito mais essa capacidade de fazer tudo em seu tempo" (Entrevista cedida a Marilia Naigeborin em 23 de novembro de 2005). Essa adequação entre o tempo giusto individual e o tempo coletivo parece constituir uma variável complicada, principalmente se for considerado o ambiente de trabalho. Nesta situação é necessário haver uma boa dose de flexibilidade para que o andamento do grupo seja harmônico. Quando se trabalha em equipe é preciso ter consciência que cada indivíduo pertencente ao grupo tem que ser regido por um mesmo ritmo. Honoré pondera que o tempo giusto é realmente muito particular, cada pessoa tem um ritmo intrínseco para ler, caminhar, comer. O problema, segundo ele, é que hoje o tempo que domina é um só: o da velocidade e que cada um tem que encontrar a sua. (Entrevista cedida a Marilia Naigeborin em 23 de novembro de 2005). O tempo giusto configura-se um paradoxo à medida que mudar de marcha acaba sendo um conceito mais plausível quando se está fora do tempo coletivo da esfera do trabalho. No ambiente profissional é certo que todos serão exigidos ao máximo, pois essa é a regra do mercado regido pelas transformações cada vez mais velozes em torno das tecnologias, processos e comunicação.. A pré-disposição à adesão ao Movimento parece estar ligada, principalmente, aos seguintes fatores: relação com o tempo, relação com o sistema capitalista e, finalmente, com as tradições sociais e culturais. Culturas orientais como o budismo, o taoísmo e o xintoísmo têm a peculiaridade de ver o tempo de forma cíclica. Para elas, o tempo está sempre indo e vindo, renovando-se. Já para a cultura ocidental, o tempo é linear, finito e precioso. Assim a relação com o tempo acaba sendo mais mercantil e utilitária.. Honoré (2004) acredita que no Brasil existam fatores bastante propícios para o desenvolvimento do Movimento Devagar: forte contato humano. pouco encontrado em. 28.

(29) países como Inglaterra e Estados Unidos. e a valorização do prazer, seja na música, na. dança, na socialização e até nos dias de carnaval. Tais fatores funcionariam como um freio para a velocidade e uma vacina contra o vírus da pressa. "Países latinos estão mais predispostos ao Movimento Devagar." De Masi (2000) também reforça esse raciocínio ponderando que no Brasil encontram-se valores de solidariedade, amizade, amor e convívio extremamente importantes para o desenvolvimento de uma cultura mais equilibrada e qualitativa.. 2.4 A filosofia Devagar na prática. Mais do que determinar a velocidade com que as coisas são feitas, a filosofia Devagar se refere a uma dimensão atitudinal, um estado de espírito que pode permear inclusive ambientes de forte pressão.. (...) depressa é agitado, controlador, agressivo, apressado, analítico, estressado, superficial, impaciente, ativo, quantidade-mais-que-qualidade. Já devagar é o oposto: calmo, cuidadoso, receptivo, tranqüilo, intuitivo, sereno, paciente, reflexivo, qualidade-mais-que-quantidade. (HONORÉ, 2004, p. 28).. Para o idealizador do Slow Food, Carlo Petrini, ser Devagar significa controlar os ritmos da vida, ter diferentes marchas que permitam acelerar, mas com critério.. Sobre o ato de ser Devagar, o mesmo está centrado em um melhor aproveitamento do tempo livre, na adesão de um estilo de vida mais simples, ou seja, mais focado em valores essenciais e menos no consumismo e, por fim, na mudança de atitudes cotidianas e rotineiras. São pequenas mudanças no trabalho, no sexo, no lazer, na alimentação ou na educação dos filhos.. Assim, parece que a mudança deve se iniciar, primeiramente, em atitudes pequenas do cotidiano, mais controláveis e que não dependam de grandes fatores externos. Honoré (2004) relata que abandonou o relógio, optou por concentrar-se nos hobbies que lhe davam mais prazer, passou a ver menos televisão, a caminhar mais, a refletir mais sobre os caminhos da sua vida, a conviver mais com a família e sempre se questionar se não está sobrecarregando a agenda com atividades desnecessárias.. 29.

(30) Muita gente no mundo está redescobrindo a importância de cozinhar sua própria comida e comer tranqüilamente, equilibrar trabalho e vida pessoal e ainda adotar a prática de exercícios relaxantes, como a ioga e a meditação.. O resultado oriundo dessas atitudes, de uma relação mais harmoniosa com o tempo e da redescoberta do prazer das pequenas coisas estimula um novo pensar sobre as prioridades da vida e pode impactar em outras mudanças maiores como, por exemplo, no trabalho8.. Assim, é de se pensar que Devagar, em princípio, está mais relacionado a uma maneira equilibrada de fazer uso do tempo, do que propriamente ao sentido literal da palavra, ligado à falta de velocidade. Neste ponto é possível perceber um paradoxo. Devagar nem sempre quer dizer devagar. Fazer as coisas Devagar frequentemente produz resultados mais rápidos, à medida que o foco e a parcimônia evitam erros. Também, quando necessário, é possível fazer as coisas com mais rapidez, mantendo Devagar o estado de espírito através de técnicas de respiração, por exemplo.. No cenário pós-moderno, ambiente propício para dúvidas, incertezas e novas possibilidades, é preciso tomar partido de nossas vidas, diferentemente da Modernidade onde às grandes instituições cabia tal papel. Esta constatação induz ao questionamento de que a velocidade, então, seria uma forma de fuga de nós mesmos, da falta de sentido que se apossou de nossas vidas ou até mesmo do tempo para pensar, fundamental para uma atitude de mudança. É este o convite que o Movimento Devagar faz: pensar e reconectar. Definidas as bases desse Movimento, é fundamental haver uma reflexão sobre sua adequação em nossa cultura pós-moderna em transição. fato que será mais bem. explorado no próximo capítulo.. 8. Tais mudanças de maior impacto serão detalhadas no capítulo 4. 30.

(31) Capítulo 3: A cultura pós-moderna e o Movimento Devagar 31.

(32) Capítulo 3: A cultura pós-moderna e o Movimento Devagar "Não somos o que deveríamos ser; não somos o que queríamos ser; não somos o que iremos ser; mas, graças a Deus, não somos o que éramos". Martin Luther King. 3.1 A sociedade em trânsito A passagem de uma cultura9 ligada à burocracia e à disciplina. onde a obsessão por. economizar tempo era um valor preponderante. para outra, a pós-moderna. representada por uma sociedade mais fluida e flexível. está em transição.. Com isso, a reflexão sobre novos valores incorporados após a crise da Modernidade toma corpo e se intensifica. Para Maffesoli (2001) o fechamento desta época impactou claramente em uma mudança de tom, da aspiração a um outro lugar e a volta de valores pré-modernos, esquecidos, mas não menos presentes nas estruturas antropológicas do imaginário como o nomadismo, a busca do qualitativo e de uma vida dotada de sentido. Isto representa uma mudança cultural profunda, de alinhamento entre as novas macroestruturas para um novo modo de ser. Todavia, há uma acomodação perante certos valores em curso. resistência comum aos grandes processos de mudança.. Como exemplo, pode-se tomar a interface tecnológica da Pós-Modernidade frente à moderna. O impacto causado por novas descobertas e aplicações é latente se for pensado sob a ótica das possibilidades de otimização do tempo. Contudo, pelo fato de ainda não haver a desvinculação total de alguns valores modernos ainda aprende-se a gerir as novas tecnologias. e também porque. em um primeiro momento é comum. haver dispersão e mau uso do tempo. Hoje se trabalha mais porque houve aumento brutal no volume de informação disponível e na velocidade com que as informações circulam.. coexiste. Frente a uma sociedade oximorônica10, não é de se estranhar que duas tendências coabitem no paradoxal cenário pós-moderno. 9. Cultura aqui assumida como um conjunto de hábitos e valores que sustentam as práticas cotidianas. Sociedade oximorônica é aquela em que coexiste ao mesmo tempo alguma coisa e seu contrário.. 10. 32.

(33) (...) a que acelera os ritmos tende a desencarnação dos prazeres; a outra, ao contrário, leva a estetização dos gozos, à felicidade dos sentidos, à busca da qualidade no agora. De um lado, um tempo comprimido, "eficiente", abstrato, de outro, um tempo de foco qualitativo, nas volúpias corporais, na sensualização do instante. (LIPOVETSKY, 2004, p.81).. Assim, existe a necessidade de readequação de um sistema de crenças e valores. Por isso, a própria transição em si é devagar, pois está ligada a valores intrínsecos como autoconhecimento, equilíbrio, reflexão. A percepção efetiva da mudança da sociedade é um processo paulatino e gradual.. Soma-se a isso a percepção colocada por alguns especialistas: mais que uma época de mudança, vive-se hoje uma mudança de época, fato que ocorre quando todo um paradigma muda, e quando três inovações diferentes coincidem: novas fontes energéticas, novas divisões de trabalho e novas divisões de poder.. Portanto, usufruir a nova condição pós-moderna é um processo complexo à medida que não se abandonam rapidamente hábitos adquiridos e de certa forma já arraigados. Neste período de transição, existem pessoas e instituições ainda voltadas para o antigo paradigma moderno de ser e outras já caminhando para uma nova relação com a vida.. Este trabalho irá abordar esse segundo grupo, buscando entender se os novos valores percebidos por essa parcela da sociedade estão em consonância com a filosofia do Movimento Devagar.. 3.2 Qualidade de vida. O bem-estar faz parte dos questionamentos do indivíduo pós-moderno, à medida que corpo e mente cada vez mais são entendidos como partes de um todo. e por isso,. devem ser trabalhados de forma integrada e complementar.. 33.

(34) A busca por uma melhor qualidade de vida também está alinhada a uma nova forma de promover o descondicionamento do homo motor11, produto da revolução industrial e se aproximar do homo viator12, cujo caminho. temática da iniciação. reflete a procura. pela transcendência do ser.. Nota-se o resgate dos valores dionisíacos representados pela busca do qualitativo e pela necessidade do imaterial, que ressurgem como essenciais para a construção de sentido à vida pós-moderna. De acordo com Maffesoli (1997 p.16): A preocupação de uma vida marcada pelo qualitativo, o desejo de quebrar o enclausuramento e o compromisso de residência próprios da modernidade são como momentos de uma nova busca do Graal, representando outra vez simultaneamente a dinâmica do exílio e da reintegração.. A questão ambiental, nesse ponto, é um importante sinalizador de interdependência e reintegração. A saturação dos recursos naturais, o aquecimento global e as catástrofes ambientais que parecem alertar para o esgotamento do meio-ambiente mostram que a tentativa de reintegração é uma necessidade premente para o a sociedade de hoje, e mais ainda para as futuras gerações. Edward Wilson está entre os cientistas que clamam pela atenção da humanidade para o perigo cada vez mais imediato que é a sobrevivência de nós mesmos, que podemos ser arrastados num paroxismo de autodestruição13 .. 3.3 Vita Simplex. Evidências da preocupação por uma vida mais equilibrada consigo mesmo, com o outro e com a natureza também são percebidas na mídia, pelo aumento considerável do número de programas de rádio e televisão e de publicações de livros e periódicos que têm na qualidade de vida seu aspecto principal. Um novo modelo de jornalismo voltado ao bem-estar14 se delineia. um bom exemplo no Brasil é a revista Vida Simples da. editora Abril, que encabeça, há três anos, este novo segmento editorial. Buscando. 11. Termo utilizado pelo historiador Anson Rabinbach que caracteriza o homem no século XIX e faz uma metáfora da força de trabalho, ou seja, de que o corpo humano seria um reservatório como o das máquinas, capaz de converter energia em trabalho mecânico. 12 Termo utilizado por Michel Maffesoli que reflete uma viagem rumo ao fluxo existencial e remete à temática mística da iniciação. 13 Excerto de matéria publicada na revista Veja, edição 1926, ano 38, n. 41, pág. 85 com o pensamento do biólogo americano Edward O. Wilson. 14 A Editora Abril possui um núcleo de Bem-estar composto pelas revistas: Bons Fluidos, Saúde e Vida Simples.. 34.

(35) refletir sobre valores essenciais e práticas para se obter maior equilíbrio emocional, físico, mental e espiritual, a revista propõe um novo modo de pensar, mais harmônico e integrado aos novos valores pós-modernos. Coincidência ou não, tem refletida em seu nome (Vida Simples) o conceito Vita Simplex15, proposto pelo filósofo grego Diógenes, grande defensor dos valores simples e fundamentais à vida.. Diógenes acreditava que o homem deveria aliviar sua carga de existência, não a partir de um dogmatismo da pobreza, mas sim diminuindo todos os falsos pesos que não mais permitem a mobilidade própria à natureza humana. Tal comportamento fundamenta uma atitude de busca da leveza do ser, que enriquece o tempo de uma inegável generosidade e une a busca de prazeres corporais a uma profunda inquietação intelectual.. A convicção de que o progresso já tivesse se exaurido determina o modo de viver dos gregos e dos romanos: um modo de viver que não era baseando na quantidade das coisas, mas na qualidade, no sentido a elas atribuído.. Esse é um conceito atualmente determinante também para nós, pois caracteriza o pós-moderno, uma cultura na qual o "sentido" é mais importante do que a quantidade. Os gregos lapidaram ao máximo a arte de "dar sentido" às coisas. (DE MASI, 2000, p.37).. Na busca espiritual pelo sentido da vida surgem outros valores pós-modernos que também resgatam ideais pré-modernos. Entre eles podem ser destacados a errância16 e o nomadismo, que propõem a relativização do imperativo categórico que foi o trabalho para o mundo moderno. Se anteriormente tais valores eram muito mais ligados à atitude de caminhar em busca de um novo espaço, hoje este mesmo caminhar é interno, visando promover o autoconhecimento, pela saída de si.. 15. Um dos melhores momentos que traduz o modo de vida de Diógenes foi o celebre dialogo travado em 335 a.C. com Alexandre, o Grande, conquistador de um Império que se estendia desde a Grécia até a o atual Irã. Em visita a cidade de Corinto, Alexandre aproximou-se e postou-se em frente a Diógenes, que se aquecia tranqüilamente ao Sol. Em seguida disse: Sou Alexandre, o Grande . Respondeu-lhe o filósofo: Sou Diógenes, o cão . Alexandre então respondeu: Pede qualquer graça que eu lha concederei . Vendo que Alexandre lhe fazia sombra, Diógenes respondeu prontamente: Peço-te que não me tires o que não me podes dar: sai da frente do meu Sol . 16. Errância refere-se à busca pelo sentido da existência e evoca o movimento, a partida, o longínquo. Também remete ao êxtase, presente nas efervescências contemporâneas, que permite encontro com as diversas facetas do eu.. 35.

(36) Tal Movimento advém das viagens, das seitas espirituais, dos rituais místicos de cura, das raves17 do mundo virtual, que, embora em princípio pareçam caóticos e desorganizados, funcionam como lembretes de que todos somos parte de uma comunidade, seja ela global, virtual e/ou familiar e que há uma integração à medida que se restaura a unidade do eu e do todo.. 3.4 O oriente mais próximo. Reflexões sobre a interdependência dos seres representam uma questão bastante presente nas tradições orientais, que sempre mantiveram uma visão mais holística do homem, cujos reflexos desta dimensão estão em práticas como a ioga, a meditação, a acupuntura, entre tantas outras técnicas milenares que buscam processos de equilíbrio através da integração entre corpo e mente. Assim, não é de se estranhar que seja um valor pós-moderno a orientalização do mundo, representada principalmente pela rápida expansão e adesão a tais filosofias. Técnicas corporais, medicinais, suaves, ecologia, roteiros espirituais, encontros filosóficos, astrologia, práticas religiosas (...). A ocidentalização do mundo triunfante durante a modernidade, o racionalismo, a expressão dele, que é a separação que lhe serve de vetor, dão lugar a uma verdadeira orientalização, a uma busca dos orientes místicos. (MAFFESOLI, 2000, p. 69).. A visão de que as filosofias orientais podem contribuir para o equilíbrio do indivíduo pós-moderno também parece ser partilhada pelas empresas, que criam espaços de descompressão onde os funcionários têm acesso, por exemplo, a massagens, aulas de canto e outras tantas terapias com o intuito de minimizar o estresse causado pelo competitivo e complexo ambiente empresarial em que estão inseridos.. A jornada neste caminho interior se cruza com a busca pela elevação do ser, ou seja, um exercício de ser melhor, de estar bem, impulsionado pelo entendimento de que todos os. 17. Do verbo delírio, extasiar. Rave é um tipo de festa que acontece em sítios ou galpões, com música eletrônica (basicamente variando entre os estilos House, Techno, Trance e Drum´n Bass). É um evento de longa duração, entre 5 a 24 horas.. 36.

(37) momentos se equivalem e de que a existência está totalmente presente em cada um desses fragmentos do tempo. Dessa forma, o mais minúsculo ou o mais insignificante fragmento traz o todo completo. Nesse processo é preciso: Abandonar as coisas secundárias ou abandonar uma visão puramente materialista, que permite chegar a essa ética do deserto pela qual se pode usufruir da menor parte das coisas - e pela solidariedade, cujo sentido reencontra suas cartas de nobreza (...). As diversas formas de solidariedade, a multiplicação das expressões de compaixão (...) tudo isso é incompatível com um suposto individualismo (...) completamente diferente é a inegável generosidade de ser que caracteriza o ambiente pós-moderno. (MAFFESOLI, 1997, p. 150).. 3.5 O feminino além do gênero. Outro valor que ressurge, principalmente pelo rompimento das amarras modernas subjugaram o homem à razão e mantiveram-no longe da emoção. que. e também devido à. mudança dos papéis sociais de homens e mulheres contemporâneos é a feminilização do mundo. Tal valor, representado pela intuição, pela emoção, pela cooperação e pelo cuidado, reforça principalmente a queda dos estereótipos machistas e a emancipação da mulher, que culminam em uma divisão social mais tênue entre quem provê e quem cuida. atribuições que hoje homens e mulheres dividem de forma cada vez mais. igualitária.. A feminilização é também um contraponto à dureza e frieza da sociedade industrial e também um elemento neutralizador diante das mazelas de nosso contexto atual como a grande competitividade empresarial, as guerras, a violência, a sustentabilidade ambiental, que evocam a necessidade do amor, talvez o mais Devagar dos sentimentos. "O amor é um impulso centrífugo. Amar é contribuir para o mundo, cada contribuição sendo o traço vivo do eu que ama." (BAUMAN, 2003, p. 24).. (...) nos mais antigos testemunhos do período paleolítico, quando vigorava o matriarcado, há mais de 40 séculos, representava-se o universo como uma grande mãe, Mater Mundi. Ela, por si mesma e sem concurso de ninguém, gerava tudo: os céus, os deuses, os seres humanos e todos os demais entes da. 37.

(38) natureza (...). Num estágio posterior, sob a égide do patriarcado (...), elaborase uma representação mais reduzida. A Terra não é mais sentida como a realidade total. (BOFF, 2001, p. 62).. No cenário mutante e imediatista da Pós-Modernidade, os valores femininos parecem auxiliar na manutenção de uma vida mais harmoniosa e equilibrada. Até as empresas perceberam tal necessidade, já que para ser competitivo nesse cenário de instabilidade, apenas aspectos lógicos e racionais não são mais suficientes. Desta forma, cresce a valorização de uma cultura organizacional mais humanizada, intuitiva, criativa e integradora. Podem-se também ressaltar os impactos de uma cultura mais feminina e maternal nos avanços dos projetos voltados para a qualidade de vida dos funcionários18.. A própria errância, citada anteriormente, tem em seu corpo valores femininos.. "A errância ... seria a expressão de uma outra relação com o outro e com o mundo, menos ofensiva, mais carinhosa, um tanto lúdica, e seguramente trágica, repousando sobre a intuição da impermanência das coisas, dos seres e dos seus relacionamentos." (MAFFESOLI, 2000, p. 28 e 29). 3.6 Tempo livre. Finalmente chega-se a outros dois valores pós-modernos interdependentes e que juntos refletem uma nova cultura em formação: o tempo livre, proporcionado principalmente pela mecanização e revolução digital; e o ócio criativo, como forma qualitativa e produtiva de se passar esse tempo.. O incremento do tempo livre não diz respeito a um futuro distante, mas sim ao aqui e agora, que irrompe na História pela constatação de que equipamentos ultra-eficientes somados à tecnologia da informação elevam a produtividade a um inédito patamar. o. que torna contraditório que o trabalhador atual continue se rendendo ao trabalho como operários de uma fábrica têxtil de Manchester, em passados tempos industriais.. 18. Programas empresariais com foco em qualidade de vida do funcionário serão detalhados no capítulo 4.. 38.

(39) Depois de séculos de subjugação burocrática o homem tem chance de escolher como passar o tempo, fato que promove, além de si mesmo, a ciência, a arte, a sociedade como um todo, a qualidade de vida. e volta a integrar o lar e o trabalho, abruptamente. separados com o advento da revolução industrial. Esta última também é responsável por uma separação na vida de mulheres e homens e atribuiu ao trabalho uma importância desproporcional em relação a qualquer outra coisa como a família, o estudo e o tempo livre.. O ócio criativo, principal bandeira de De Masi (2000) é a junção entre trabalho, lazer e jogo e se configura como um tempo que se ganha, e não se perde, de forma qualitativa. Não é um tempo violento, de tédio, de roubo, de vagabundagem, e sim um tempo (...) com vantagens para mim e para os outros, fazendo com que eu e os outros sejamos felizes, sem prejudicar ninguém. Neste caso, e só neste caso, atinjo a plenitude do conhecimento e da qualidade de vida. (DE MASI, 2000, p336).. Para que uma sociedade sobreviva, é necessário que, ao lado da produção ou reprodução, possa existir alguma coisa de improdutivo (...). É nisso que a pós-modernidade se aparenta com a pré-modernidade: não se preocupar com o amanhã, gozar o instante, acomodar-se ao mundo como ele é. (MAFFESOLI, 2000, p. 132).. Assim, não basta ter tempo livre para ter qualidade de vida, é preciso definir como passar este tempo, critério subjetivo que nasce da reflexão e que significa, antes de tudo, (re)descobrir o que gostamos de fazer, os prazeres simples da vida que não estão ligados ao dinheiro e assim a re-significar nosso entorno, tão deturpado pelo consumismo e pelo poder, valores fugazes.. 3.7 A nova cultura e o Movimento Devagar. Apesar dos estudiosos da cultura pós-moderna não falarem especificamente do Movimento Devagar, observa-se que nos valores contemporâneos destacados anteriormente, encontram-se ecos da filosofia Devagar. É comum ao discurso de ambos reforçar a busca de valores simples e essenciais que parecem sucumbidos pela velocidade, fundamentais para a felicidade e o bem-estar da sociedade.. 39.

(40) Delineia-se uma nova forma de viver, mas a cultura da sociedade ainda está passando por um período de transição. Este raciocínio nos leva a indagar se o Movimento Devagar não seria, ele próprio, a ponte para a assimilação dos novos valores pósmodernos.. Ao questionar sobre a cultura da pressa e propor caminhos alternativos a partir de condutas pessoais, o Movimento Devagar parece ser a própria transição. Honoré (2004) defende que a revolução Devagar não pode ser rápida, até por princípios, o que reforça a idéia de De Masi (2000), ao ponderar que a homogeneização quanto a percepção de mudança de época é um processo paulatino. Ao propor uma volta ao bem viver, aos prazeres simples do dia-a-dia, a filosofia Devagar se enquadra perfeitamente aos valores contemporâneos do nomadismo, da vida simples, da orientalização e da feminilização.. Mas como o Movimento é a transição, posto que ele também não está acabado, de fato, apenas representa a passagem para uma nova forma de viver que ainda não sabemos qual será, é mais interessante pensar conceitualmente o Movimento como uma onda, uma passagem entre um ponto e outro, e não como uma congregação formal. Até mesmo porque Honoré (2004) esclarece que o Movimento ainda está tomando forma: não tem uma sede, um líder, nem um site na internet e que muitas pessoas decidem diminuir o ritmo sem nunca chegar a se sentir parte de alguma tendência cultural. É provável que o nome Movimento indique uma estrutura mais organizada do que a atual, já que as entidades em favor do Devagar têm grande independência entre si e não estão ligadas a qualquer tipo de rede.. No Movimento Devagar, o ponto de partida desta passagem é sabido, mas o de chegada depende certamente do grau da absorção dos novos hábitos e condutas dos rebeldes19 atuais, como o próprio Honoré (2004) coloca, a um sistema e a um código cultural de toda uma sociedade.. 19. Termo já utilizado na página 24 para designar os pioneiros na busca por um novo modo de vida, distante da dominação da velocidade.. 40.

(41) Porém, é certo que o Movimento Devagar representa um movimento de contra-cultura, aos moldes do que foi o Movimento Feminista na década de 60. No entanto, diferentemente desse movimento que foi articulado, teve representação nacional e internacional através da sociedade civil organizada e que reconheceu seus membros como uma comunidade, o Devagar funciona de forma mais individual e informal. E isto pode constituir uma grande barreira para sua sedimentação.. 41.

(42) Capítulo 4: A dimensão do trabalho na Pós-Modernidade. 42.

(43) Capítulo 4: A dimensão do trabalho na Pós-Modernidade. Eu que já não quero mais ser um vencedor. Levo a vida devagar pra não faltar amor. (Los Hermanos). 4.1 O trabalho revisitado Para que a possibilidade de se passar o tempo escolhido se torne uma realidade é fundamental e inevitável repensar os valores contemporâneos emergentes sob a ótica do trabalho, esfera em que se situa um grande descompasso entre as culturas moderna e pós-moderna. Assim, para que os valores citados anteriormente sejam sedimentados é fundamental uma mudança de postura em relação ao trabalho, tendo em vista o incremento da produtividade trazido pela informatização dos processos de produção e a revolução digital, que elevou o indivíduo a um grau de trabalho mais intelectual.. Significa a necessária substituição de uma cultura moderna do sacrifício e da especialização, cuja finalidade era o consumismo, por uma outra (pós-moderna) do bem estar e da interdisciplinaridade, cuja finalidade é o crescimento da subjetividade, da afetividade e da qualidade de trabalho e da vida. (DE MASI, 2000, p.305).. Contudo, a mudança prevista para a relação homem e trabalho ainda está por vir. Se forem tomados como exemplos os valores pesquisados nos Estados Unidos. país. criador e maior fomentador da cultura da aceleração, e que de certa forma baliza o desenvolvimento econômico mundial. é possível perceber o contrário do que se espera,. isto é, um aumento gradual na carga horária, como mostra a tabela20, a seguir:. 20. Esta tabela teve edição e tradução feita pela autora desta monografia, baseada nas informações contidas na página 7 do livro Take back your time.. 43.

(44) Tabela 2. Horas anuais trabalhadas nos Estados Unidos. Ano. Horas de Trabalho. 1967 1973. 1679. 1979. 1703. 1989. 1783. 1995. 1824. 2000. 1878. GRAAF, 2003, p.7. Nota-se que no período mensurado. entre os anos de 1973 e 2000. os americanos. tiveram, paulatinamente, um acréscimo nas horas trabalhadas que resultou no total de 199 horas. Contando com a base legal de oito horas diárias de trabalho, este acréscimo representa um total de cinco semanas adicionais por ano. Para se ter uma idéia de comparação, o Brasil supreendentemente está acima dos Estados Unidos em horas trabalhadas. Em 1998 o número médio anual de horas em foi de 2005 horas21.. Tantas horas no trabalho determinam o grau e a intensidade com que o trabalhador passa os momentos seguintes e restantes. Normalmente, as relações pessoais são as que sofrem maior impacto. Inicia-se então um círculo vicioso. a dedicação à carreira. prejudica a vida familiar e, para fugir de um ambiente ruim em casa, o executivo passa ainda mais horas no trabalho. Aí entra o binômio casa-trabalho, motivo de frustração e um dos principais desequilíbrios que a filosofia Devagar busca melhorar.. É certo que há uma oportunidade histórica que advém da sociedade pós-moderna e sua nova forma de encarar a relação com o tempo, diferentemente da época industrial, na qual a visão mecanicista do homem e da produção alterou de forma determinante a relação com o tempo. Em 1736, nos Estados Unidos, Benjamin Franklin (1706-1790) escreveu: "Lembre-se que tempo é dinheiro . Hoje, esta máxima começa a ser questionada. Se naquela época tempo era dinheiro e dinheiro era trabalho, hoje o tempo. 21. Dado proveniente de pesquisa da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos. 44.

Referências

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