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Letramento Acadêmico: da teoria à prática

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LITERATURAS VERNÁCULAS LETRAS LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS

GISELE REGINA FURTADO

LETRAMENTO ACADÊMICO: DA TEORIA À PRÁTICA

Florianópolis, 2019

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GISELE REGINA FURTADO

LETRAMENTO ACADÊMICO: DA TEORIA À PRÁTICA

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito necessário para obtenção do grau de Bacharelado em Letras Línguas Portuguesa e Literaturas.

Orientadora: Prof.ª Dra. Silvia Ines Coneglian Carrilho de Vasconcelos

Consultora: Prof.ª Dra. Rejane Croharé Dania

Florianópolis, 2019

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, em primeiro lugar, pela dádiva da vida, e por me confortar nos momentos mais difíceis durante o percurso da graduação.

Agradeço ao corpo docente do curso de Letras- Português por todo conhecimento.

Agradeço à professora Silvia Vasconcelos por aceitar em me orientar, e pela disponibilidade. Agradeço à professora Rejane Croharé Dania, por aceitar ser a minha consultora. E principalmente, pela alegria e motivação da sua parte nos momentos de construção das ideias. Conhecê-la, foi muito gratificante pra mim, muito obrigada!

Agradeço à minha mãe, Nádia Regina e ao esposo dela, Dalmor Caetano, pela compreensão desse processo que demandou esforço, e que me fez ficar tanto tempo distante dos momentos em família.

Agradeço ao meu companheiro Fernando de Medeiros, pela compreensão dos dias em que eu me ausentei.

Agradeço à minha família em geral pelo amor e incentivo, e por me entenderem nos momentos que eu não pude comparecer a uma festa de aniversário, ou reuniões de família. Agradeço a todos os meus amigos, que fazem parte do meu coração, pela ausência nos dias em que a minha presença foi solicitada e eu não pude ir.

Agradeço aos meus colegas do Centro Espírita Amor e Humildade do Apóstolo, do departamento do passe e da biblioteca, e aos meus alunos do Grupo de Teatro Terceiro Milênio, pelos dias em que eu não pude estar presente, em meus trabalhos voluntários.

Também agradeço aos meus colegas de trabalho, pela paciência e compreensão.

E por fim, a todos os colegas universitários que contribuíram com a minha pesquisa, principalmente, aos meus colegas do curso de Letras-Português, que estiveram ao meu lado nesses anos e só somaram na minha vida. Obrigada pelo carinho!

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RESUMO

Esta pesquisa exploratória, de base na orientação da Linguística Aplicada, investigou o letramento acadêmico na Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil, curso de Letras, licenciatura em Português e bacharelado e Secretariado, em 2019. A questão de pesquisa foi investigar dificuldades na leitura e na produção de textos acadêmicos. O foco considerou apenas gêneros acadêmicos escritos e, não gêneros orais. Street (1984; 1994; 1995), Gee (2000), Soares (2003) e Rojo (2009; 2016) serviram de base teórica para esta pesquisa. O objetivo geral buscou investigar o letramento na esfera acadêmica, bem como investigar práticas de leitura e de produção acadêmica por meio das disciplinas ofertadas pela grade curricular. Como desdobramento deste objetivo geral, investigou-se o perfil dos estudantes por meio de questionário: A) Dados de identificação: naturalidade, idade, sexo, estado civil, escolaridade da mãe e do pai e renda familiar que buscou mapear o perfil socioeconômico dos estudantes; B) Dados de escolaridade: com o objetivo de identificar a rede (pública ou privada) que estudou e forma de ingresso no curso superior; C) Dados de aprendizagem: qual é o estilo predominante de aprendizagem do aluno; D) Dados de práticas sociais de leitura e, escrita e lazer: buscando descrever seus gostos de leitura e escrita e E) Dados de letramento acadêmico e digital. Os dados coletados mostraram que os gêneros fichamento e resumo foram considerados mais fáceis na via da leitura e da produção textual e os gêneros artigo e ensaio foram considerados mais difíceis. Comparando os dados dos estudantes da primeira fase com aqueles em via de conclusão, a variável tempo e frequência dedicada aos estudos parece ter sido preditora de melhor desempenho acadêmico na via da leitura e da produção textual.

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ABSTRACT

This research aimed at investigating academic literacy at Federal University of Santa Catarina, SC, Brazil, Language Degree, teaching and secretariat, in 2019. Reading and writing difficulties of these college students, at first semester and at last semester, were the survey main focus. The focus considered written texts and not oral texts. Street (1984; 1994; 1995), Gee (2000), Soares (2003) and Rojo (2009; 2016) were the theorical bases applied. In order to carry out this research, in the field of Applied Linguistics, a questionnaire was applied: (1) the identification of the students in order to collect information related to name, date and place of birth, sex, marital status, school degree of the parents; (2) education background; 3) learning; 4) description of reading, writing habits and leisure activities of the participants; 5) digital literacy. The data described which academic text genres were considered easy and difficult. Summary was considered easy while essays and articles were described as difficult for readind and writing. The variable time and frequency dedicated to academic studies were significative indicators of good reading and writing performance.

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SUMÁRIO

RESUMO ... 4 SUMÁRIO ... 6 LISTA DE QUADROS ... 7 LISTA DE GRÁFICOS ... 8 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO ... 9

CAPÍTULO 2- REFERENCIAL TEÓRICO ... 11

2.1PROCESSAMENTO EM LEITURA ... 11

2.1.1 Modelos teórico-explicativos ... 12

2.2ALFABETIZAÇÃO, ANALFABETISMO FUNCIONAL ... 13

2.3LETRAMENTO(S) ... 18

2.4LETRAMENTO DIGITAL ... 20

2.5LETRAMENTO ACADÊMICO ... 23

2.4GRADE CURRICULAR DO CURSO DE LETRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... 29

2.5OS EIXOS IMBRICADOS: LETRAMENTO, LETRAMENTO ACADÊMICO, LETRAMENTO DIGITAL E GRADE CURRICULAR DO CURSO DE LETRAS NA UFSC. ... 34

CAPÍTULO 3 – MÉTODO ... 35

3.1TIPO DE PESQUISA, OBJETO, QUESTÃO DE PESQUISA, OBJETIVOS. ... 35

3.1.1 Objetivo geral da pesquisa ... 35

3.1.2. Objetivos específicos... 36

3.2PRIMEIRA ETAPA: ELABORAÇÃO DO QUESTIONÁRIO E DEFINIÇÃO DOS PARTICIPANTES ... 36

3.2.1 Descrição das seções do questionário e objetivos. ... 37

3.2.2 O teste piloto: participantes e situação de aplicação ... 43

3.2.2.1 Resultados do Teste Piloto ... 44

3.2.2.2 Resultados das respostas do Teste Piloto ... 44

3.3SEGUNDA ETAPA: APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO ÀS TURMAS DE LETRAS ... 48

3.3.1 Participantes e descrição da situação de aplicação do questionário ... 49

3.3.1.1 Curso de Secretariado Executivo (1ª fase) ... 49

3.3.1.2 Curso de Letras Língua Portuguesa e Literaturas (7ª a 9ª fase) ... 50

3.4TERCEIRA ETAPA: RESULTADOS E ANÁLISE ... 50

3.4.1. Resultados – Secretariado (1ª fase) ... 50

3.4.2. Resultado – Letras Língua Portuguesa (últimas fases) ... 58

CAPÍTULO 4- ANÁLISE E DISCUSSÃO GERAL DOS RESULTADOS ... 67

CAPÍTULO 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 77

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 81

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Disciplinas Obrigatórias até a 5ª fase do Curso de Letras- Português ... 31

Quadro 2: Disciplinas de Licenciatura da 6ª a 10ª fase. ... 32

Quadro 3: Instruções sobre como responder o questionário ... 43

Quadro 4: Distribuição da descrição dos estudantes quanto ao aprendizado na universidade . 46 Quadro 5: Distribuição da descrição dos estudantes quanto ao aprendizado na universidade . 53 Quadro 6: Distribuição por participação em atividades orais e escritas em sala de aula ... 57

Quadro 7: Distribuição da frequência sobre música, filmes, TV e leitura. ... 60

Quadro 8: Distribuição por frequência de leitura e produção de textos acadêmicos ... 62

Quadro 9: Distribuição por participação em atividades orais e escritas em sala de aula. ... 63

Quadro 10: Distribuição da preferência de leitura quanto ao meio físico e digital ... 66

Quadro 11: Distribuição comparativa do número de alunos que trabalham ... 67

Quadro 12: Distribuição da preferência dos gêneros textuais e a frequência de leitura de lazer dos estudantes de 1ª fase. ... 68

Quadro 13: Distribuição da preferência dos gêneros textuais e a frequência de leitura de lazer dos estudantes de últimas fases. ... 69

Quadro 14: Comparativo entre as duas turmas em relação à dificuldade e facilidade de compreensão dos gêneros acadêmicos. ... 71

Quadro 15: Comparativo das horas dedicadas à leitura e à escrita acadêmica... 72

Quadro 16: Comparativo das fontes de pesquisa dos grupos de experimento. ... 73

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Distribuição sobre a frequência de leitura geral do universitário. ... 52

Gráfico 2: Distribuição dos gêneros textuais de difícil compreensão. ... 54

Gráfico 3: Distribuição dos gêneros textuais de fácil compreensão. ... 54

Gráfico 4: Distribuição da frequência de leitura acadêmica... 55

Gráfico 5: Distribuição da frequência de escrita acadêmica. ... 56

Gráfico 6: Distribuição dos serviços oferecidos aos estudantes na UFSC. ... 58

Gráfico 7: Distribuição por gêneros textuais de difícil compreensão. ... 61

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CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO

Esta pesquisa exploratória, com base na Linguística Aplicada, investigou o letramento acadêmico na Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil, curso de Letras, licenciatura e bacharelado em Português, últimas fases, e de secretariado, primeira fase, em 2019, turno da noite. A questão de pesquisa foi investigar dificuldades na leitura e na produção de textos acadêmicos. Street (1984; 1994; 1995), Gee (2000), Soares (2003) e Rojo (2009; 2016) serviram de base teórica para esta pesquisa. Com base nestes teóricos, o letramento acadêmico privilegia práticas diversas de leitura e de escrita, porém o foco aqui foram os gêneros acadêmicos escritos. O objetivo geral buscou investigar o letramento na esfera acadêmica, bem como investigar práticas de leitura e de produção acadêmica por meio das disciplinas ofertadas pela grade curricular; como objetivos específicos procurou-se a) mapear o perfil socioeconômico e de práticas de leitura, escrita e lazer; b) identificar disciplinas da grade curricular do curso de Letras que oferecem como objeto de ensino leitura e produção textual escrita; c) descrever as dificuldades que os estudantes encontram frente às demandas de leitura e de produção textual e d) comparar os relatos de desempenho acadêmico (leitura e produção textual) por meio das respostas coletadas da primeira fase (calouros) com os estudantes das últimas fases (em vias de conclusão do curso).

O capítulo 2, Referencial Teórico, trata dos estudos sobre letramento, a partir das lentes de Street (1993) que inaugurou uma concepção de letramento como usos e práticas sociais de linguagem recobrindo contextos sociais diversos (escola, família, igreja, mídias, etc.) ampliados em estudos posteriores voltados a uma prática social e uma pedagogia, Novos Estudos de Letramento. Em contexto nacional, Soares (2003), explora os conceitos de alfabetização e letramento; Kleiman (2008), afirma que o conceito de letramento começou a ser usado numa tentativa de separar os estudos sobre o impacto social da escrita dos estudos sobre a alfabetização e o estudo individual do social. Por fim, Rojo (2016) serve de orientação teórica para o letramento digital: gêneros multimodais e multissemióticos. Os autores serviram de suporte para compreender leitura e escrita na esfera acadêmica na dimensão individual e social e desenvolver o método empregado para esta pesquisa.

O Capítulo 3 apresenta o método de pesquisa, com foco na descrição e objetivos das seções que compõe o questionário, seguido da apresentação dos dados qualitativos, com o objetivo de analisar o letramento acadêmico e descrever os gêneros textuais/discursivos que

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circulam na esfera acadêmica do curso de Letras da UFSC (licenciatura e bacharelado), na via da leitura e da produção de textos, incluindo o letramento digital, em ambas as vias.

Os capítulos finais, análise e discussão geral dos resultados, apresentam os dados coletados no teste piloto e os do curso de Letras e de Secretariado. O último capítulo, Considerações finais, faz uma abordagem geral dos resultados bem como aponta sugestões em relação ao ensino-aprendizagem e reflexões sobre a grade curricular do curo de Letras.

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CAPÍTULO 2- REFERENCIAL TEÓRICO

Esta seção define os conceitos de leitura, de processamento em leitura e os temas letramento, letramento digital e letramento acadêmico, foco desta pesquisa. Desta forma, apresentam-se os autores que tratam destes temas, objetivando compreender o processamento da leitura e produção de gêneros textuais na esfera acadêmica em contexto do curso de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina em 2018.

2.1 Processamento em leitura

Ler e escrever são atividades cognitivas, isto é, processam informações de natureza linguística (MORAIS; KOLINSKY, 2004). Os primeiros estudos sobre os processos de leitura (JAVAL, 1879) descreviam os aspectos fisiológicos envolvidos, isto é, os movimentos oculares. Esboçam de forma descritiva o percurso da percepção do estímulo (input) até a compreensão.

Para Poersch (2001),

A leitura consiste na configuração cerebral de um conteúdo a partir de um texto (expressão). Consiste em transformar, para fins de comunicação (linguagem), uma sequência discreta (de letras, de palavras, de frases), e apresenta serialmente – uma unidade após a outra -, para a realidade analógica, “fotografada” (pensamento). Essa realidade pode representar um contínuo (mapa, fotografia, desenho, esquema) de um conjunto de quadros, de fatos, de ideias ou de argumentos. (POERSCH, 2001, p.405)

O texto fornece dados que os olhos captam quando estão em movimento. Poersch (2001, p. 406) diz que “o nervo ótico conduz essa percepção ao cérebro. É no cérebro que se inicia o processamento desses dados com aqueles previamente armazenados.” A partir desse pensamento se constrói um sentido ao texto.

Com base nas descobertas das neurociências, o psicólogo cognitivista Stanislas Dehane (2007)1, na publicação do livro Les Neurones de la lecture , busca explicar como lemos. No primeiro capítulo, afirma que o processo de decodificação se dá a partir dos movimentos oculares, através das sacadas, deslocamento que o olho faz por segundos, e da

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Obra traduzida para o português como Os Neurônios da Leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de

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fixação no ato da leitura. Os capítulos seguintes abordam pesquisas com neuroimagem que evidenciam a especialização de neurônios para a leitura; os neurônios na visão; um breve histórico da evolução da escrita e seus diversos sistemas sob a luz das neurociências. Nos capítulos finais, o autor se volta para processo ensino-aprendizagem da leitura em seu aspecto cognitivo.

Neste sentido, a contribuição de pesquisas nas neurociências, com foco na leitura, tal como evidencia esta obra de Dahene (2007 apud Scliar-Cabral, 2012) mostra um esforço em dialogar com as áreas humanas, evidenciando que o biológico e o cultural, o inato e o social, a modularidade e a conectividade são visões complementares.

A literatura procura explicar o processamento em leitura e será resumidamente apresentado a seguir.

2.1.1 Modelos teórico-explicativos

Os modelos teóricos explicativos ora privilegiam o texto ou o leitor. A partir deste ponto de vista derivam as classificações dos modelos. A leitura passa a ser vista como extração de significado, atribuição de significado ou como interação com o texto.

Leffa (1996) aponta que a leitura é um processo que permite assumir quatro definições. A primeira propõe que o processo de leitura é um processo que se dá por acesso indireto tal como “reconhecer o mundo através de espelhos [...] a verdadeira leitura só é possível quando se tem um conhecimento prévio desse mundo” (Leffa, 1996, p.10). Assim, o leitor extrapola os limites do objeto linguístico. A segunda definição aponta para um processo de extração de significado do texto o que privilegia o movimento do texto para o leitor. Trata-se do modelo bottom-up, isto é, modelo ascendente, muito empregado nos processos iniciais de leitura e em textos mais complexos (gêneros textuais acadêmicos), pois o leitor precisa compreender o texto e o sentido construído por meio de atribuição se sentido às palavras, orações construindo uma leitura linear e indutiva.

O modelo top-down, descendente, defendido por Goodman (1976) afirma que o leitor passa a comparar as hipóteses ao longo do processo de leitura, isto é, o leitor compara as informações internalizadas àquelas apresentadas pelo texto. Neste sentido, a leitura é descendente, pois se inicia na mente do leitor e chega ao texto.

A literatura também aponta para modelos interativos (Rumelhart, 1977) que propõe que a leitura se inicia com o input visual. Diz o autor “a leitura é o processo de compreensão

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da linguagem escrita. Começa com um movimento padronizado na retina e termina (quando bem sucedido) com uma ideia definida sobre a mensagem pretendida pelo autor”. (Rumelhart, 1997, p. 864). Stanovich (1980) defende um modelo interativo-compensatório e aponta que o leitor (mau, bom ou iniciante) recorre a pistas sintáticas e semânticas para compensar habilidades pouco proficientes na decodificação (procedimento que o leitor fluente não aplica, pois já tem esta habilidade desenvolvida). O modelo de Scliar-Cabral (1991) também faz parte deste grupo, pois a autora explica que o leitor coloca na memória operacional a fatia de informação extraída do texto. Havendo emparelhamento com aquela informação internalizada na memória, o leitor parte da decodificação para a informação contextual e do conhecimento prévio cujas premissas são integração, contextualidade, interação, dinamismo, gradiente dos processos automáticos aos criativos e aos sistemas de linguagem. Este é o modelo adotado nesta pesquisa (vide detalhamento do modelo em Scliar-Cabral, 1991).

2.2 Alfabetização, analfabetismo funcional

A fase inicial do processo de leitura, segundo Soares (2003 [1985]) conceitua alfabetização:

Torna-se, por isso, aqui, alfabetização em seu sentido próprio, específico processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita. Em relação ao conceito de alfabetização, assim entendido, o debate básico desenvolve-se em torno de dois pontos de vista que, de certa forma, estão presentes no duplo significado que os verbos ler e escrever possuem em nossa língua: 1)Pedro já sabe ler. Pedro já sabe escrever. 2)Pedro já leu Monteiro Lobato. Pedro escreveu uma redação sobre Monteiro Lobato. No exemplo (1), ler e escrever significam o domínio da “mecânica” da língua escrita; nessa perspectiva, alfabetizar significa adquirir a habilidade de codificar a língua oral em língua escrita (escrever) e decodificar a língua escrita em língua oral (ler). A alfabetização seria um processo de representação de fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler); (...) No exemplo 2, ler e escrever significam apreensão e compreensão de significados expressos em língua escrita (ler) ou expressão de significados por meio da língua escrita (escrever); nessa perspectiva a alfabetização seria um processo de compreensão/expressão de significados (SOARES, 1985, p. 15-16).

Assim, a fase inicial de dominar a “mecânica” do sistema de escrita permite somente a identificação da palavra se forem vencidas algumas dificuldades na conversão dos eixos da leitura (grafema-fonema) e da produção escrita (fonema-grafema) conforme Scliar-Cabral

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(2003a, 2003b, para detalhamento). Compreender e interpretar textos, inferir informações a partir dos elementos trazidos pelo texto e refletir sobre o que leu são atividades mais complexas do processamento em leitura (PISA, 2000). Neste sentido, o objetivo não é alfabetizar para compreender somente a palavra, mas para a compreensão de textos e a inserção dos aprendizes em práticas sociais de leitura e de escrita por meio do conhecimento de gêneros textuais diversos e dos diferentes portadores de texto (papel, tela do computador, tablets, celulares, por exemplo).

Em síntese, Soares (1985) reforça o viés social da leitura em “o conceito de alfabetização depende, assim, de características culturais, econômicas e tecnológicas e a expressão alfabetização funcional, usada pela UNESCO nos programas de alfabetização [...] pretende alertar para esse conceito social da alfabetização.” (SOARES, 1985, p. 17-18)2.

A literatura descreve o analfabetismo funcional como uma categoria de leitores que compreende palavras, mas não compreende textos curtos. Soares (2003) aponta que:

O alfabetismo [...] é caracterizado em função das habilidades e conhecimentos considerados necessários para que o indivíduo funcione adequadamente em um determinado contexto social - deriva daí a expressão alfabetismo funcional (ou analfabetismo funcional, como se tem usado no Brasil), que se tornou corrente desde a publicação, em 1956, da pesquisa internacional sobre a leitura e a escrita, feita por Gray para a UNESCO (Gray, 1956). (Soares, 2003 [1995]. p. 33).

A autora procura evidenciar o continuum do processo da leitura e da escrita e das habilidades envolvidas com o objetivo de não polarizar analfabeto/alfabetizado e passa a publicar empregando o termo letramento e as múltiplas facetas deste fenômeno.

Os estudos e pesquisas sobre letramento, em contexto brasileiro, permitiram a criação do Instituto Nacional de Analfabetismo Funcional (INAF, doravante) em 2001 para mapear o desempenho em leitura, escrita e matemática de brasileiros com idade entre 15 a 64 anos. Segundo o INAF (2018, p. 8), “Os analfabetos funcionais - equivalentes, em 2018, a cerca de 3 em cada 10 brasileiros - têm muita dificuldade para fazer uso da leitura e da escrita e das operações matemáticas em situações da vida cotidiana”. Os níveis de alfabetismo medidos pelo INAF são cinco desde a reforma de 2015. Os grupos Analfabeto e Rudimentar definem o analfabetismo funcional, já os níveis Básico e Pleno fazem parte do grupo funcionalmente

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Neste artigo, há um detalhamento sobre as relações com outras áreas do conhecimento (linguística, psicologia, etc.) , o fracasso da alfabetização e as implicações educacionais.

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alfabetizados, que contribuem para uma reorganização na escala, que são os grupos Elementar, Intermediário e Proficiente. Nesta edição, o INAF destaca não só a escala sobre o estudo do alfabetismo, mas também sobre o mundo do trabalho dos entrevistados.

Conforme defendido pelo INAF (2018, p. 22), a escala de proficiência é descrita conforme abaixo:

1. Analfabetos: se caracterizam por não conseguirem realizar uma simples leitura, mas eles conseguem ler números familiares, como utilizar o telefone para discar os números ao realizar uma ligação e ler preços de produtos em um supermercado.

2. Rudimentar: consegue localizar informações muito simples, tanto escritas em palavras como em cartazes, tabelas simples e um bilhete, quanto em numéricas, como fazer contas do cotidiano, da qual expõe algo familiarizado com o ambiente em que se vive.

3. Elementar: já avança um pouco na condição do aspecto da leitura, faz pequenas inferências em textos médios com uma ou mais unidades de informações, resolve operações matemáticas básicas com números de ordem milhar e faz relação do contexto doméstico ou social com tabelas ou gráficos simples.

4. Intermediário: consegue fazer inferências de forma literal em textos diversos, como os científicos e jornalísticos, e resolve problemas matemáticos mais complexos, por exemplo, cálculo de porcentagens. Ainda, interpreta e elabora resumos de textos diversos, esboçando argumentos para criticar o que lê. 5. Proficientes: realiza leituras mais complexas e questiona com posicionamento

crítico, também interpreta tabelas e dados com compreensão dos elementos, sendo eficiente na questão de planejamento, controle e elaboração de conteúdos.

O levantamento feito pelo INAF (2018) mostrou os níveis de alfabetismo da população brasileira adulta desde 2001 até 2018:

De 2001 a 2005, os levantamentos foram realizados anualmente, alternando o foco entre leitura/escrita e matemática. A partir de 2007, foram incorporados avanços metodológicos que permitiram a integração dessas

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duas dimensões num mesmo banco de itens e numa mesma escala de proficiência. Desde então, o levantamento nacional passou a ser feito a intervalos mais longos, com edições em 2009, 2011, 2015 e esta última, em 2018. (INAF, 2018, p. 4)

Em relação ao nível de escolaridade, a pesquisa do INAF (2001-2018) aponta que as pessoas que concluíram o Ensino Médio e o Ensino Superior, não alcançaram os níveis mais altos da escala de Alfabetismo:

[...] com efeito, 13% daqueles que chegam ou concluem o Ensino Médio podem ser caracterizados como analfabetos funcionais. Por outro lado, apenas um terço (34%) das pessoas que atingem o nível superior podem ser consideradas proficientes pela escala do Inaf. (INAF, 2018, p. 10-11)

Em relação aos dados acima, é possível concluir que há uma discrepância entre grau de escolaridade e desempenho acadêmico, isto é, um estudante que conclui o Ensino Médio ou o Ensino Superior pode apresentar desempenho abaixo do esperado para a escolaridade em questão.

Na edição de 2018, é contextualizada a série histórica. O INAF (2018), afirma que, “[...] pode-se refletir sobre o sentido que a educação formal pode adquirir para jovens e adultos, sendo possível realizar algumas inferências sobre a própria construção de currículos e propostas de aprendizagem para esse grupo.” (INAF, 2018, p. 4).

O INAF (2018) define competência de letramento conforme abaixo:

Alfabetismo é a capacidade de compreender e utilizar a informação escrita e refletir sobre ela, um contínuo que abrange desde reconhecimento de elementos da linguagem escrita e dos números até as operações cognitivas mais complexas, que envolvem a integração de informações textuais e dessas com os conhecimentos e as visões de mundo aportados pelo leitor. Dentro desse campo, distingue-se dois domínios: o das capacidades de processamento de informações verbais, que envolvem uma série de conexões lógicas e narrativas, denominada pelo Inaf como letramento, e as capacidades de processamentos de informações quantitativas, que envolvem noções e operações matemáticas, chamada numeramento. ( INAF, 2018, p. 4).

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Ainda, em relação ao analfabetismo funcional, Masagão (1999), em pesquisa promovida e coordenada pelo Escritório de Educação para a América Latina e o Caribe (OREALC) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), teve por objetivo dimensionar e analisar o analfabetismo funcional investigando o perfil da população paulista (1.000 participantes) entre 15 e 64 anos que trabalham com foco nas habilidades de leitura, escrita e matemática.

Os dados mostraram que a maioria das pessoas reconhece que suas habilidades de leitura, escrita e matemática limitam as habilidades profissionais. “Com base nesses resultados, foi possível traçar um perfil da população paulistana [...]. Constatou-se que 7,4% têm um conhecimento da linguagem escrita extremamente limitado, ficado aquém do conhecimento considerado mínimo.” (MASAGÃO, 1999, p.8).

Ainda que a maioria saiba decodificar, não consegue ir, além disso. A pesquisa comprovou que esses trabalhadores não avançam para atividades que demandam outras habilidades relacionadas à leitura, escrita e matemática: ler manuais, compreender gráficos, por exemplo.

Para Scliar-Cabral (2012), o analfabeto funcional é o indivíduo que, apesar de ter frequentado a escola, não consegue compreender, nem produzir os textos de que necessita e que são enquadrados em analfabetismo e alfabetismo rudimentar.

Convém, neste passo, retomar a reflexão sobre letramento. Na definição de letrado funcional da UNESCO infere-se que o letramento efetivo pressupõe que a pessoa saiba ler, isto é, compreenda os textos que circulam socialmente, permitindo o engajamento do indivíduo em todas as atividades nas quais tais competências sejam necessárias. Infere-se, igualmente, não haver uma oposição entre alfabetização e letramento, porquanto só se torna efetivamente letrado quem estiver alfabetizado, havendo, portanto, uma complementaridade entre ambos e não exclusão mútua. Magda Soares (2004) discute em profundidade tais questões. Há vários níveis de analfabeto funcional: o mais grave é aquele em que, por não ter sido alfabetizado, o indivíduo não reconhece a palavra escrita. Ao ver uma sucessão de caracteres ao lado de uma gravura de um gato diante de um prato com leite, “adivinha”: O bichinho está lambendo o prato, ao invés de ler o que está escrito: O gato está tomando leite. É o que sucede com aqueles que foram “alfabetizados” pelo método global, ou aqueles que foram alfabetizados, emparelhando uma palavra a uma figura e adivinham o que está escrito. Segue-se aquele que consegue decifrar algumas letras, mas, ou foi alfabetizado pelo nome das letras, ou não aprendeu que uma ou duas letras (os grafemas) têm o valor de uma classe de sons (os fonemas), o qual, em alguns casos, vai ser diferente conforme a letra que vem depois. Nesse segundo caso, tal aluno titubeia diante das letras e sua leitura é penosa: não só o esforço é tal que ele perde qualquer gosto pela leitura, como também a

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memória de trabalho não consegue processar as palavras com fluência e a pessoa acaba não entendendo o que leu. (SCLIAR-CABRAL, 2012, p. 13).

Ainda, de acordo com Scliar-Cabral (2012), uma criança que completa o primeiro ano do ensino fundamental, não é garantia que essa criança esteja alfabetizada ou que compreenda o que lê nos diversos textos presentes ao seu redor. O processamento em leitura, a partir da decodificação e dela dependente, de forma a chegar mais perto da proficiência, percorre uma caminhada longa por meio de práticas de leitura de textos e suportes de textos diversos. Assim, ao término do Ensino Médio, em contexto brasileiro, o estudante já teria se aproximado de leituras mais científicas, possibilitando uma entrada no curso superior de menor estranhamento em relação às demandas de leitura que lá irá encontrar (resumos e resenhas críticas, artigos, por exemplo).

Revisitar o conceito de alfabetização e de analfabetismo funcional implica dar atenção à leitura e escrita ao longo do processo de escolarização com vistas à inserção em práticas de leitura e de escrita na escola e fora dela. Na esteira desta perspectiva, os estudos sobre letramento abrem a seção seguinte que também contempla letramento digital.

2.3 Letramento(s)

Os estudos sobre letramento(s) e a obra seminal de Street (1984) inauguram uma concepção de letramento como usos e práticas sociais de linguagem recobrindo contextos sociais diversos (escola, família, igreja, mídias, etc.) em uma perspectiva sociológica, antropológica e sociocultural.

Street (1984) propõe como forma de abordar o letramento o modelo autônomo e o modelo ideológico. Segundo o autor, o enfoque autônomo caracteriza o letramento como “em termos técnicos, tratando-o como independente do contexto social, uma variável autônoma cujas consequências para a sociedade e a cognição são derivadas de sua natureza intrínseca” (1993, p. 5). Assim colocado, o contato (escolar) com a leitura e a escrita levaria o indivíduo a aprender gradualmente habilidades (níveis) de desenvolvimento. O enfoque ideológico “vê as práticas de letramento como indissoluvelmente ligadas às estruturas culturais e de poder da sociedade e reconhece a variedade de práticas culturais associadas à leitura e à escrita em

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diferentes contextos” (Street, 1993, p.7). O autor passa a desenvolver, posteriormente, o que chama de Novos Estudos do Letramento (NLS) sob a perspectiva sociocultural.

Letramento, em contexto brasileiro, passou a significar a aprendizagem e o uso da leitura e da escrita inserindo o contexto social. O termo surge para separar o impacto social da escrita dos estudos sobre alfabetização que assumem competências individuais no uso e na prática da escrita.

Segundo Soares (1999), em relação ao letramento:

Letramento é uma palavra recém-chegada ao vocabulário da Educação e das Ciências Linguísticas: é na segunda metade dos anos 80 há cerca de apenas dez anos, portanto, que ela surge no discurso dos especialistas dessas áreas. Uma das primeiras ocorrências está em livro de Mary Kato, de 1986 (No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, Editora Ática): a autora logo no início do livro (p.7), diz acreditar que a língua falada culta “é consequência do letramento (grifo meu). Dois anos mais tarde, em livro de 1988 (Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, Editora Pontes), Leda Verdiani Tfouni, no capítulo introdutório, distingue alfabetização de letramento: talvez seja esse o momento em que o letramento ganha estatuto de termo técnico no léxico dos campos da Educação e das Ciências Linguísticas. Desde então, a palavra torna-se cada vez mais frequente no discurso escrito e falado de especialistas, de tal forma que, em 1995, já se figura em título de livro organizado por Ângela Kleiman: Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita[...] (SOARES, 1999, p. 15)

A partir disso, Kleiman (2008), afirma que o conceito de letramento começou a ser usado dentro da universidade “numa tentativa de separar os estudos sobre o ‘impacto social da escrita dos estudos sobre a alfabetização, cujas conotações escolares destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita [...]” (Kleiman, 2008, p.15)

A autora fornece informações sobre a questão da criança já ser letrada, visto que ela já traz uma bagagem de estratégias orais, pois ela está inserida em eventos de letramento, por exemplo, quando o pai lê um livro para ela. Neste sentido, ainda que não decodifique o sistema de escrita, isso não impede que a criança participe de eventos de letramento. Já as práticas de letramento envolvem o modo como se usa a língua em contextos sociais.

Do mesmo modo, um analfabeto que não reconhece nenhum grafema da sua língua pode estar envolvido em eventos de letramento. Segundo Soares (1999), em relação ao adulto analfabeto, “Uma última inferência que se pode tirar do conceito de letramento é que um

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indivíduo pode não saber ler e escrever, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (atribuindo a este adjetivo sentido vinculado a letramento)” (Soares, 1999, p.24). Desta forma, segundo a autora, o analfabeto pode participar de práticas de letramento ainda que não decodifique o sistema de escrita, por exemplo, reconhecer números para realizar uma chamada telefônica (telefone fixo ou celular) e reconhecer a primeira ou algumas letras que permitam escolher o transporte público para seus deslocamentos.

As demandas de leitura ficam cada vez mais complexas, ainda mais considerando os diferentes portadores de texto em meio digital.

2.4 Letramento Digital

As transformações sociais e a inclusão das tecnologias e internet ocorridas na última década vem exponencialmente fazendo com que a produção de linguagem escrita passe a circular em meios além do papel. O meio digital viabiliza o acesso rápido (por meio da internet) tanto para a leitura como para a produção de textos. Acesso e circulação de textos em meio digital exigem um conhecimento específico.

As demandas de leitura em meios digitais promoveram um letramento chamado de digital que se dá por meio da tecnologia presente (internet, computadores, tablets, celulares, redes, programas e etc.) não só na vida cotidiana e no trabalho, mas também na escola e na universidade. A partir disso, a necessidade de pensar leitura e escrita na contemporaneidade, dentro do contexto de letramento multissemiótico (linguagem oral e escrita utilizando imagens estáticas, música, vídeos, fotos...), também se projeta de forma interdisciplinar na escola e na universidade. Muitos estudantes acessam e assistem a vídeos, filmes, textos contínuos e textos multimodais para pesquisas, estudo ou lazer. A produção de textos multissemióticos na escola e na universidade é prática pouco explorada. As mídias digitais são atraentes aos jovens, principalmente, pois exibem várias possibilidades de apresentação e produção. O acesso rápido e a velocidade de disseminação de postagens em uma rede social, Facebook ou Instagram, por exemplo, usam de linguagem multimodal e inserem o leitor-produtor em práticas sociais de letramento, possibilitando ao cidadão participar e acompanhar o momento político-histórico-cultural-tecnológico em que ele está inserido.

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Naturalmente, houve alteração na leitura e produção de textos em meios digitais. Barbosa (2016) faz apontamentos sobre novos letramentos e multiletramentos (práticas sociais e linguagens referentes a esta esfera do conhecimento); Tojo e Barbosa (2015) enfatizam que os novos letramentos consistem em novos procedimentos de como realizar a leitura e a produção de texto usando o computador, ou de qualquer aparelho portátil com acesso à internet. Os mecanismos são outros, por exemplo, na leitura de um livro físico a ação é de grifar o parágrafo, já no meio digital, apenas com o movimento do mouse é possível não só marcar o parágrafo, mas também de copiá-lo e colá-lo em outro lugar, por exemplo, em um programa de editor de texto.

O Grupo de Nova Londres (2006), pesquisadores de diferentes nacionalidades que discutem desde os anos 90 o que chamam de pedagogia dos multiletramentos, questiona o que é apropriado ao aluno em relação ao contexto da diversidade local e da conectividade global. O multiletramento consiste em duas multiplicidades: a multiplicidade de linguagens e mídias e a diversidade cultural local, segundo estes pesquisadores. Isto é, hoje qualquer um pode aprender a fazer um vídeo para postar no Youtube, por exemplo, sem precisar do auxílio de um profissional, pois basta um click no botão para gravar o que se deseja e outro para disponibilizar na rede. Aprende-se e cria-se, gerando oportunidade de construir algo próprio.

Já em relação a como a tecnologia adentra na escola e na universidade, tem-se observado uma ausência de ensino de conteúdos e desenvolvimentos de habilidades para e no meio digital para fins de práticas sociais de letramento digital. Cabe ressaltar que, somente a partir da década de 90, a internet integrou a leitura no meio digital pela transmissão eletrônica de textos, o que mais tarde veio a ganhar novas funções e desdobramentos em relação à prática de leitura e textos.

Desta maneira, o letramento digital consiste em novas maneiras de produção da informação no meio digital, nos modos de ler e escrever, percebendo a apropriação da tecnologia permear a cibercultura (comunicação em rede e forma digital). Assim, o estudante escolar e universitário, inserido nesse sistema tecnológico, e também analógico, pode se tornar mais ativo, pois inserido em práticas sociais de letramento (escolarizadas e não escolarizadas, populares e não populares), na esteira de Rojo (2009), desenvolveria também um olhar mais ético, crítico e democrático, sendo autônomo do seu próprio conhecimento.

Romancini (2019) aborda a teoria sociocultural da aprendizagem e destaca que Gee (2007) contribuiu para compreender o aprendizado: capacidade de aplicar o conteúdo

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aprendido e de inovar esse conhecimento. Além disso, Romancini (2019) defende que o aluno deve desenvolver a capacidade de “aprender a ser” e não do “aprender” sobre, e é dessa forma que os jovens aprendem fora da escola sobre letramento digital. Aliás, quando se interessam que em criar um audiovisual, eles aprendem não só a produzir o conteúdo, mas também as habilidades de criação de vídeo por meio de um programa de editor de vídeo e áudio, a fim de manusear o conteúdo escrito com imagens, música e etc. Em seguida, enviam para as redes sociais, utilizando meios digitais, isso faz com que haja intercâmbios virtuais, que para Gee (2007 apud Romancini 2019) são “espaços de afinidade”. É neste momento que ele aprende a ser, praticando, embora seja fora da escola, mas também possa agregar esse conhecimento a possíveis projetos na escola.

Em relação à escola e à universidade, os estudantes se tornaram mais independentes, já que podem usar a internet para pesquisa. A curiosidade e a facilidade de acesso associadas ao volume de informações disponíveis permitem que os estudantes naveguem de forma mais autônoma. Neste contexto, os gêneros multimodais são bastante atraentes se comparados ao texto contínuo em meio físico presente em livros didáticos.

O currículo estabelecido, segundo a professora Roxane Rojo (2016), ainda usa a pedagogia tradicional do professor como mediador. Além disso, o aluno e o professor para estarem aptos a utilizar a tecnologia no ensino-aprendizagem deveriam ser usuários funcionais da tecnologia, obtendo conhecimentos práticos de como manejar o aparelho tecnológico (acessar sites, utilizar recursos de apresentação pelo computador e outros.).

Na esteira de Rojo, pensando na questão professor-aluno, em relação ao letramento digital, Freitas (2010) define letramento digital a partir da organização de Souza (2007), classificando-o em restrito e amplo. A definição restrita não aborda o contexto histórico-político-cultural, pois o uso é apenas instrumental, em outras palavras, é apenas o uso funcional da tecnologia. Já a definição ampla inclui o contexto histórico-político-cultural com vistas à participação social. Acréscimo é feito por Soares (2002), pois diferentes tecnologias são diferentes letramentos, portanto, a palavra letramento tende a estar no plural.

Em relação ao letramento visto como práticas no plural, Matêncio (2009, p. 6) afirma que: “[...] Há a coexistência de múltiplas formas de se produzir sentido pelos ‘objetos’ escritos, que variam segundo o tempo, o espaço institucional, as circunstâncias, os grupos e os sujeito que os constituem”. À medida que o indivíduo interage através dos contextos culturais,

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entende-se que ele está imerso em redes de atividades em relação às práticas escritas, no plural.

Ainda, no que se refere ao letramento digital, Freitas (2010) compreende letramento digital “como o conjunto de competências necessárias para que um indivíduo entenda e use a informação de maneira crítica e estratégica, em formatos múltiplos, vinda de variadas fontes e apresentada por meio do computador-internet (...)”. Assim, a partir desse conceito, Freitas (2010) ainda enfatiza a importância não só de exercer a escrita e a leitura no meio digital, mas também de se apropriar da tecnologia criticamente e criativamente.

Freitas (2010) aponta para a necessidade de o professor aprender e estar “conectado” com o contexto digital situado do aluno, visto que, estar receptivo ao novo faz com que as duas culturas distintas, professores (estrangeiros digitais) e alunos (nativos digitais) possam crescer juntos e um aprender com o outro. Além disso, estar aberto à tecnologia e compreender e usar criticamente sua linguagem é ser letrado digital. Assim, o letramento digital deve estar inserido em todas as disciplinas, para além do uso instrumental do aluno e do professor.

2.5 Letramento Acadêmico

As abordagens mais recentes dos estudos sobre letramento(s), com destaque para os Novos Estudos do Letramento (NEL, NLS), têm apontado para a heterogeneidade das práticas sociais de leitura, escrita e uso da linguagem em sociedades letradas e voltadas para o caráter sociocultural e contextualizado das práticas de letramento.

Nas palavras de Street (2003),

implica o reconhecimento dos múltiplos letramentos, que variam no tempo e no espaço, mas que são também contestados nas relações de poder. Assim, os NLS não pressupõe coisa alguma como garantida em relação aos letramentos e às práticas sociais com que se associam, problematizando aquilo que conta como letramento em qualquer tempo-espaço e interrogando-se sobre “quais letramentos” são dominantes e quais são marginalizados ou de resistência. (STREET, 2003, p.77)

Como se pode observar, usa-se o termo Letramentos no plural, que de acordo com Hamilton (2002, p. 4) chama de letramentos dominantes de “institucionalizados” e os

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distingue dos letramentos locais “vernaculares”. Para a autora, os letramentos dominantes estão associados a organizações formais tais como a escola, as igrejas, o local de trabalho, o sistema legal, o comércio. Os letramentos dominantes, portanto, estão relacionados aos agentes (professores, autores de livros didáticos, pesquisadores, pastores, juízes e advogados) que, em relação ao conhecimento, são socialmente valorizados e a eles é atribuído poder na sua instituição de origem. Por outro lado, os letramentos vernaculares não são regulados, controlados e tem sua origem na vida cotidiana , nas culturas locais e por isso, muitas vezes, são desvalorizados ou desprestigiados pela cultura oficial.

Em relação ao letramento acadêmico, correlacionando com o pensamento de Kleiman sobre os Novos Estudos do Letramento, Junior (2013) afirma que:

Na esfera acadêmica, o trabalho com a leitura e a produção textual tem se desenvolvido à luz dos chamados Novos Estudos do Letramento e de uma metodologia muitas vezes baseada nos gêneros discursivos. Essa tomada de posição faz inferir que os processos de leitura e produção textual são considerados interacionais, plásticos e relacionados às instâncias de usos da linguagem, das posições de sujeito e de identidade e da assunção do caráter heterogêneo dos textos. No que tange à "democratização" da cultura dita letrada, sobretudo relacionada à emergência de uma "nova clientela" no Ensino Superior, resultado dos processos hodiernos de ampliação de vagas no Brasil, alguns trabalhos (BONINI; FIGUEIREDO, 2006; MATÊNCIO, 2002, BAGNO; REIS, 2011) têm demonstrado algumas das dificuldades de apropriação dos usos da escrita altamente formalizados e dos processos de negociação identitária que percorrem as práticas letradas no Ensino Superior. (JUNIOR, 2018, p. 8)

Em relação à complexidade do uso apropriado da escrita exigida pela universidade, “Cabe notar que os eventos e práticas de letramento que ali acontecem exigem gêneros, sobretudo secundários. Nessa esfera, os gêneros têm sempre finalidades definidas, concepções de autoria e destinatários específicos” (JUNIOR, 2013, p.8). Para exemplificar melhor a complexidade desse gênero secundário, Bakthin (2011, p. 263), na obra Estética da Criação Verbal, relata com mais detalhes sobre gêneros do discurso, primários e secundários. A partir disso, como mencionado por Junior (2013, p. 8), o gênero secundário é complexo devido aos temas, aos elementos composicionais e estilo, por exemplo, o artigo científico, o ensaio e a resenha crítica.

Para contextualizar melhor o gênero primário na esfera acadêmica, que para Gee (1999) são domínios específicos de letramento, Fischer (2007, p. 33), afirma que:

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Os Discursos primários, conforme Gee (1999, p. 137), são os que os sujeitos “aprendem” muito cedo na vida, no grupo de socialização primária, o qual envolve a família e/ou a comunidade local. Esses Discursos constituem a primeira identidade social de um sujeito. É comprovado, biológica e historicamente, que para todos os seres humanos, os Discursos primários se dão pela oralidade, em contextos de comunicação face-a-face. Eles contribuem para que o sujeito compreenda quem é e quais pessoas estão mais próximas nas interações cotidianas, demonstrando os mesmos valores e crenças do grupo social a que pertencem. Por serem, então, a base constitutiva dos sujeitos letrados, os Discursos primários os auxiliam na aquisição e aprendizagem de outros Discursos, em etapas posteriores da vida, e em outros domínios de letramento. Não se pode descartar, segundo Gee (1999), que muitos outros Discursos, de esferas públicas, para além da família e/ou comunidade de inserção inicial, podem causar interferências, remodelar aspectos do Discurso primário dos sujeitos.

A partir do discurso primário o sujeito letrado desenvolve sua identidade social, estabelecendo seu jeito de se comunicar. Já os discursos secundários estão mais presentes nas esferas de poder, como exemplo, as esferas políticas.

Estes envolvem instituições sociais, as quais são nomeadas como instituições secundárias por Gee (1999). Incluem escolas, locais de trabalho, bibliotecas, escritórios do governo, igrejas entre outros tantos domínios sociais. Os Discursos dessas instituições se dão na associação com e/ou para além dos Discursos primários. Constroem e expandem os usos da linguagem, dos valores, atitudes, crenças adquiridos como parte dos primários. Pressupõem aprendizagem como parte da socialização em grupos locais, estaduais ou nacionais. Os Discursos secundários constituem, de forma reconhecida e significante, os atos públicos mais formais na sociedade. (FISCHER, 2007, p. 34)

Para um estudante egresso do Ensino Médio obter êxito com o gênero discursivo secundário demanda outros conhecimentos: “Para além da forma escrita dos textos, o domínio de Discursos secundários envolve outros tipos/formas de textos e tecnologias: pintura, literatura, filmes, televisão, computadores, telecomunicações – artefatos/objetos de um Discurso” (FICHER, 2007, p.34). Igualmente importante é desenvolver um olhar reflexivo e crítico sobre os textos que lê e aqueles que produzem oralmente ou por escrito, por exemplo, uma resenha crítica ou um artigo acadêmico, que está no topo da lista dos gêneros textuais mais difíceis de compreensão e produção na esfera acadêmica e devem ser apresentados de acordo com as normas preconizadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

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Segundo Cruz (2007), a raiz de algumas dificuldades de leitura e de produção textual/discursiva na esfera acadêmica resulta do desconhecimento dos gêneros que nela circulam, gêneros secundários. Cruz (2007) ressalta que “na inadequação dos usos e das funções da escrita enquanto prática social, nas situações comunicativas contextualizadas é possível notar a diferença dos padrões linguísticos que o estudante traz com os da universidade” (Cruz, 2007, p. 06). Ainda, de acordo com Cruz (2007), são apontadas vertentes teóricas no que se refere a leitura, a escrita e o letramento como práticas sociais, (Barton, 1994; Gee, 2000; Street, 1994; 1995), procurando compreender estas práticas em contexto de ensino superior. Para isso, ela conceitua o letramento a partir de três perspectivas que se sobrepõem: “(1) um modelo de estudo de habilidades, (2) um modelo de socialização acadêmica e (3) um modelo de letramentos acadêmicos”. (Cruz, 2007).

O primeiro modelo compreende que a escrita e o letramento são habilidades individuais e cognitivas e focaliza as características linguístico-discursivas, presumindo que o estudante possa fazer transferências desse conhecimento de um contexto pra outro. O modelo de socialização acadêmica diz respeito à aculturação aos discursos e aos gêneros específicos das disciplinas e dos conteúdos, ou seja, o estudante adquire os modos de falar, de escrever, de pensar e de usar o letramento que os membros tipificados de uma disciplina ou área temática usam. No modelo de socialização acadêmica leva-se em conta a assunção de que os gêneros que permeiam uma dada esfera de discursos, em uma visão bakhtiniana, são relativamente estáveis, o que nos faz inferir que uma vez que o estudante tenha aprendido e compreendido as regras básicas de um determinado discurso acadêmico, ele estará, certamente, mais apto a se engajar discursivamente nessa data esfera social da atividade humana. O terceiro modelo diz respeito ao fazer sentido, à identidade, ao poder, à autoridade e aos princípios de natureza institucional, logo políticos e ideológicos, do que “conta como conhecimento em qualquer contexto acadêmico” (Lea e Street, 1999). Neste modelo, a atenção é centrada nos adequados e efetivos usos do letramento como questões epistemológicas mais complexas, dinâmicas, situadas e que envolvem processos sociais como as relações de poder entre pessoas e instituições, além de questões de identidades sociais. (CRUZ, 2007, p.8)

Os alunos, ao ingressarem na universidade, são expostos a várias práticas e demandas de leitura e de escrita bastante diferentes daquelas utilizadas em suas ações cotidianas. Entretanto, podemos considerar que esses usos fazem parte do conjunto de ações que se situam no conhecimento dos letramentos acadêmicos, que anteriormente esses alunos não tinham conhecimento. De tal forma, são eventos dentro de práticas sociais que demandam práticas de letramento específicas e, portanto, devem ser ensinadas na Universidade (CRUZ, 2007, p.10).

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Fischer (2007) mostrou que:

[...] É através da interação de sala de aula, das formas de orientação de letramento pelos professores e de concepções-base desses profissionais (sujeito, língua, linguagem, texto, formação acadêmica etc.) que é possível aos alunos construírem tipos específicos de letramentos acadêmicos. Não se pode desconsiderar que os propósitos dos alunos, por estarem nesse curso universitário, é também fator decisivo se compreender os modos de constituição letrada nesse percurso educacional. É com o olhar voltado ao contexto sóciocultural, o qual envolve professores e alunos, que se abrem possibilidades de compreender melhor quais são as dificuldades dos alunos ingressos, por que elas são assim manifestadas e o que é oportunizado como possibilidade de transformação aos alunos. (FISCHER, 2007, p. 11-12)

Para Gee (2001 apud FISCHER, 2007), a abordagem sobre letramento é um conjunto plural de práticas sociais, pois cada sujeito tem a possibilidade de assumir papeis sociais diversos nas interações. O autor ainda ressalta a relevância dos diferentes letramentos que explicam a constituição dos sujeitos letrados. Diz Gee (2001, p. 35), “Os letramentos podem ser caracterizados como dominantes ou vernáculos, em função da relação que estabelecem com os domínios sociais”. Dessa forma, o letramento dominante estabelece uma linha tênue com as relações de poder.

Street (2003) defende que mais que atentar para a dimensão cultural das práticas de letramento é desvelar a dimensão de poder conferida a essas práticas. Existem aspectos sobre o poder como suposições sobre um conjunto específico de ideias, concepções e grupo cultural, que são, de alguma maneira, assumidos por outro grupo. Quanto a isso, Street (2003) lança alguns questionamentos: qual a relação de poder entre esses grupos?; quais são os recursos privilegiados?; qual a direção adotada pelas pessoas ao assumirem uma forma de letramento no lugar de outra?; como é possível questionar os conceitos dominantes de letramento? Na opinião deste autor, parece ser quase impossível tratar da questão do letramento sem examinar, ao mesmo tempo, esses aspectos que têm a ver com o poder. Para ele, um modelo cultural de letramento, especial a visão reificada da cultura, em lugar da cultura como sendo um processo, leva as pessoas às antigas reificações: um grupo determinado de pessoas se torna associado a um letramento específico, enquanto que outro grupo se associa a outro/diferente tipo de letramento. Fica perdida, dessa forma, a contestação sobre o que conta como letramento e sobre que entidades determinam que o letramento seja dominante. (FISCHER, 2007, p. 35)

Já o letramento vernáculo é adquirido por meio de práticas informais, cotidianas que estabelece a socialização primária, ou seja, o dialogo oral. A saber, é a linguagem secundária que requer legitimação, “A formação letrada, anterior à entrada na universidade, também ajuda a explicar o porquê do estranhamento, por parte de muitos alunos, com a linguagem que

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circula no meio acadêmico, a qual provém, basicamente, da esfera científica.” (FISCHER, 2007, p.50).

Reforçam-se, então, que novas práticas e gêneros discursivos circulam na esfera acadêmica e são desconhecidas dos recém-chegados à universidade, tais como fichamento, resumo, resenha crítica, ensaio, relatórios, projetos de pesquisa, seminários, trabalho de conclusão de curso. Ler e produzir tais gêneros significa aprender o que são e quais funções desempenham para apreender os temas, os elementos composicionais e estilo de cada um destes textos.

Com base em Alves e Moura (2016), em relação à escrita acadêmica,

A escrita no contexto acadêmico tem sido observada e reconhecida como uma atividade complexa, dada a sua especificidade, bem como dentro da perspectiva dos novos estudos dos letramentos, como uma prática situada, a partir da qual o simples ingresso do graduando em curso de nível superior não é suficiente para a apropriação e o domínio dos gêneros que circulam nessa esfera. São exigidos outros letramentos, o que implica a adaptação a novas formas de saber: novas maneiras de compreender, interpretar e organizar o conhecimento (Cf. LEA; STREET, 1998, p. 158).

Acrescenta-se ao exposto o fato de os calouros encontram dificuldades em relação não somente aos novos gêneros textuais/discursivos que a academia pratica. No que se refere à dificuldade encontrada pelos alunos na produção de textos acadêmicos, Silva (2008) acrescenta uma reflexão acerca das práticas de escrita desenvolvidas ao longo dos anos escolares do alunado. A autora aponta que, historicamente, “os alunos têm convivido com a prática de cópia de produções textuais de outros, seja parcial ou total, com omissão da fonte” (SILVA, 2008, p. 357). Assim, de acordo com Silva (2008), a prática do plágio que se percebe nos anos escolares de nível superior nada mais é do que um reflexo das práticas escolares que incentivaram, durante anos de escolarização, as atividades baseadas em cópia.

Ainda, com relação à produção de textos para a esfera acadêmica, segundo Junior (2013, p. 7) “Ao se tratar a esfera acadêmica, é preciso ainda aproximá-la do chamado "discurso científico", justamente porque os diversos campos de saber e conhecimento que circulam no Ensino Superior dizem respeito ou são margeados por critérios ditos científicos.” Em suma, a trajetória de anos baseada em atividades baseadas em cópias, interações sobre

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compressão baseado no leitor-texto, contextualiza a dificuldade do processo de interpretação, no que tange a intertextualidade na elaboração de um texto.

Neste sentido, as dificuldades se somam: desconhecimentos dos gêneros textuais/discursivos tanto para a leitura como para a produção de textos. Ler com compreensão e interpretar dados para refletir e assumir uma posição crítica frente aos gêneros textuais acadêmicos demanda tempo e reflexão. Há uma problemática maior nesse contexto, pois a produção de textos não pode ser plágio (cópia) de outros autores. As citações e referências a outros textos já publicados ocupam um lugar de destaque nos textos que circulam na esfera acadêmica e precisam estar adequadamente mencionados o que é uma prática de produção textual recorrente nos gêneros textuais acadêmicos.

Espera-se que, ao longo da graduação, o estudante consiga ler e produzir textos em gêneros textuais/discursivos em meio físico ou digital que permitam a participação em eventos de letramento no ensino superior por meio das disciplinas e eventos de letramento acadêmico.

Para Junior (2013, p. 07) ser proficiente “[...] requer que se reconheça, por um lado, o caráter institucional dos dizeres que circulam nessa esfera social e, por outro, que se estabeleça um diálogo ativo com os textos na modalidade dos enunciados bakhtinianos.”.

Com base nos referenciais citados, assume-se a definição de letramento acadêmico proposta por Street (1995, 2003), Gee (2001) e Soares (2003) para fins desta pesquisa.

A seção a seguir apresenta a Grade Curricular do Curso de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina com vistas a descrever e analisar as disciplinas que a compõe objetivando refletir sobre o letramento acadêmico.

2.4 Grade Curricular do Curso de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina

O curso de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) está direcionado para a Licenciatura (formação de professores em português ou professores em línguas estrangeiras: inglês, francês, alemão e espanhol), para o tradutor de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e para o Bacharelado: Secretariado Executivo.

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A análise da grade curricular do curso de Letras (licenciatura e secretariado) objetiva mostrar quantas disciplinas são oferecidas semestralmente e qual a carga horária de cada uma delas buscando evidenciar aquelas direcionadas para os estudos de leitura e escrita.

A grade curricular de Letras-Português apresenta carga horária de disciplinas teóricas, divididas em disciplinas obrigatórias entre bacharelado (2870 h/a) e licenciatura (3371 h/a), a Prática como Componente Curricular (PCC), disciplinas optativas presenciais e atividades acadêmico-científico-culturais e de extensão. Na licenciatura, há o estágio obrigatório nos segmentos de ensino fundamental e médio; para o bacharelado, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

O projeto pedagógico do curso de Letras-Português enfatiza que, além da compreensão linguística e literária, o profissional de Letras deverá ler e produzir textos orais e escritos adequados às diferentes situações discursivas, bem como o domínio da norma culta que são demandas da formação acadêmica. Todavia, as disciplinas de Norma Padrão Escrita I e II, por exemplo, são oferecidas como optativas. Os conhecimentos linguísticos propostos como objeto de estudo nestas disciplinas são necessários e oferecem possibilidade de análise linguística sobre a língua: conhecimentos que ampliam a formação de um professor de português, bem como de um futuro revisor de textos.

O currículo de Letras apresenta até a quinta fase disciplinas que são comuns ao Bacharelado e à Licenciatura (mesmo embasamento teórico de conhecimentos) em Linguística, Teoria Literária, Literaturas, Latim e Produção de Textos, conforme ilustra o Quadro I abaixo:

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Quadro 1: Disciplinas Obrigatórias até a 5ª fase do Curso de Letras- Português

Código Fase Disciplina PCC/horas

LLV7001 1 História dos Estudos Linguísticos 60

LLV 7002 1 Estudos Gramaticais 60

LLV 7003 1 Produção Textual Acadêmica I 60

LLV 7201 1 Literatura Brasileira I 60

LLV 7401 1 Teoria Literária I 60

LLV 7004 2 Fonética e Fonologia do Português 60

LLV 7005 2 Morfologia do Português 60 LLV 7202 2 Literatura Brasileira II 60 LLV 7301 2 Literatura Portuguesa I 60 LLV 7402 2 Teoria Literária II 60 LLV 7006 3 Sintaxe do Português 60 LLV 7101 3 Língua Latina I 60

LLV 7203 3 Literatura Brasileira III 60

LLV 7302 3 Literatura Portuguesa III 60

LLV 7403 3 Teoria Literária III 60

LLV 7007 4 Semântica 60

LLV 7102 4 Língua Latina II 60

LLV 7303 4 Literatura Portuguesa III 60

LLV 7404 4 Teoria Literária IV 60

LLV7501 ou LLV7502 ou LLV7503

4

Estudos Literários I: Viagens, Natureza, Novo Mundo. Estudos Literários I: História, Literatura/Invisibilidades. Estudos Literários I: Campo, Sertão-Cidade.

60 LLV 7008 ou LLV 7009 5 Teoria da Enunciação ou Linguística Textual 60 LLV 7010 ou LLV 7011 5 Aquisição da Linguagem ou Psicolinguística 60 LLV 7103 5 Língua Latina 60 LLV 7405 5 Teoria Literária V 45 LLV7504 ou LLV7505 ou LLV7506 5

Estudos Literários II: Literat, Polít. Ideologia. Estudos Literários II: Gên./Ident./Etnias/Represent.

Estudos Literários II: Literatura, Imaginário e Construções de Nacionalidade.

45

Total de horas 1470

Fonte: Elaborado pela autora.

São 31 disciplinas ofertadas ao longo das cinco fases com carga de 1470 h/a. Nota-se que, somente no primeiro semestre, na disciplina de Produção Textual Acadêmica I (60h/a), há a especificidade de ensino-aprendizagem de leitura e escrita que compreende o estudo e a produção de gêneros acadêmicos: fichamento, resumo, resenha, artigo e seminário com vistas à inserção dos estudantes em práticas de leitura e de produção textual acadêmica. As demais disciplinas estudam teorias linguísticas com carga horária total de 660 h/a e estudos de teorias literárias e literaturas com total de 750 h/a.

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Em cada disciplina obrigatória, o aluno deve aplicar o conhecimento teórico em prática por meio da Prática como Componente Curricular (PCC), isto é, o estudante pode realizar um trabalho interdisciplinar. Desta forma, o aluno escolhe o gênero textual (ensaio, resenha, até mesmo um artigo, por exemplo) e produz um texto escrito com base nos conhecimentos adquiridos na disciplina.

Na quinta fase, a disciplina de Linguística Textual, com 60h/a, propõe uma concepção de texto como objeto de estudo. Além disso, essa disciplina aborda conceitos sobre textualidade, tessitura textual, construção de sentido, processamento textual, tipologias e gêneros textuais. É uma disciplina que enfatiza a importância da leitura e da escrita em uma perspectiva teórica e aplicada, pois contempla não só conceitos importantes de como escrever um texto e diferenciar tipos e gêneros textuais, como também ressalta a relevância da coesão e da coerência. Ainda, nesta fase, há a disciplina de Psicolinguística (com foco em aquisição da linguagem e letramento), mas que não está voltada para atividades de produção de escrita.

Na sexta fase, o aluno de Letras Português deve optar entre licenciatura ou bacharelado. A Licenciatura oferece disciplinas específicas da educação (teorias, métodos e práticas de ensino), já o Bacharelado diminui a carga horária obrigatória e aumenta a carga horária de disciplinas optativas, somadas a 480 h/a para esta fase. A licenciatura tem carga horária optativa de 225h/a, devido o estágio requerer 504h/a obrigatoriamente.

Da sexta fase à décima, somam-se mais nove disciplinas obrigatórias da licenciatura. Contam-se as horas obrigatórias e mais os PCCs. Conforme o quadro 2 a seguir:

Quadro 2: Disciplinas de Licenciatura da 6ª a 10ª fase.

Código Fase Disciplina PCC/horas

EED5187 6 Organização escolar 72

PSI5137 6 Psicologia Educacional: Desenvolvimento e Aprendizagem 72 LLV7014 7 Linguística Aplicada: Ensino de Língua Materna 90

MEN5604 7 Didática D 72

LLV7500 8 Literatura e Ensino 60

MEN7000 8 Metodologia Ensino Língua Portuguesa e Literatura 144

LSB7904 9 Língua Brasileira de Sinais I 72

MEN7001 9 Estágio Ensino Língua Portuguesa Literatura I

252 MEN7002 10 Estágio Ensino Língua Portuguesa

Literatura

252

Total 1.086

Referências

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