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Igualdade e educação em CONDORCET

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Academic year: 2021

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CAMILO PERIN

IGUALDADE E EDUCAÇÃO EM CONDORCET

DR. PAULO EVALDO FENSTERSEIFER

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CAMILO PERIN

IGUALDADE E EDUCAÇÃO EM CONDORCET

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação nas Ciências, na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ-RS), como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientador: Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer

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DEDICATÓRIA

Dedico esta pesquisa aos mestres, amigos e alunos que nos desafiam constantemente ao aperfeiçoamento do conhecimento.

A todas as pessoas engajados por uma educação libertadora e emancipatória.

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AGRADECIMENTO

Agradeço pelo apoio financeiro parcial concedido pela UNIJUÍ para a realização deste estudo.

Agradeço à família, que, desde cedo, mesmo com dificuldades geográficas e financeiras, sempre apoiou e incentivou o estudo dos filhos, bem como deu ênfase à importância do trabalho comunitário.

Agradeço aos professores, da formação básica ao ensino superior, pós-graduação, todos, indistintamente, em cada etapa formativa, os quais foram fundamentais para despertar o interesse pela formação educacional, e, de modo particular, aos mestres do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências que nos conduziram às reflexões filosóficas, provocando crises epistemológicas, mas que souberam provocar nossa capacidade reflexiva para reconstruir novos caminhos hermenêuticos, principalmente para o campo educativo que os novos tempos exigem.

Agradeço a todos os colegas. Primeiro aos colegas do mestrado e doutorado, pelas discussões partilhadas durantes as aulas, bem como, nos grupos de estudo, aprofundamentos e exercícios desenvolvidos para aprimorar o gosto da pesquisa. Em segundo lugar, aos colegas de trabalho, pela ausência quando viajava para participar das aulas e seminários do Programa, cujos colegas faziam a cobertura das funções jornalísticas que surgiam enquanto ausente estava.

Agradeço, de forma especial, ao professor sênior da Unijuí, Dr. Claudio Boeira Garcia, pelo afeto e incentivo à pesquisa. De modo especial ao professor orientador, Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer, pelas sugestões, recortes e orientações delineadas no decorrer da realização desta pesquisa.

E, por último, com carinho, agradeço à disponibilidade dos professores Dr. Tiago Anderson Brutti, Dr. Sidinei Pithan da Silva e Dr. Paulo Rudi Schneider em compor a banca avaliativa desta pesquisa, tecendo suas críticas e contribuições sobre esta problematização apresentada .

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Manifestação de Condorcet sobre a razão:

“Foi enfim permitido proclamar altamente este direito tão antigo, mal conhecido, de submeter todas as opiniões à nossa própria razão, quer dizer, de utilizar para chegar à verdade o único instrumento que nos foi dado para conhecê-la”.

“Cada homem aprendeu com uma espécie de orgulho que a natureza não o havia destinado a crer na palavra alheia, bem como na superstição da Antiguidade ou na desvalorização da razão frente ao delírio de uma fé sobrenatural. Tudo isso desapareceu da sociedade e da filosofia”.

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SUMÁRIO

RESUMO ... 8

ABSTRACT ... 9

INTRODUÇÃO ... 10

a) Contextualização da Pesquisa ... 10

1 Primeiro Capítulo - Os progressos do espírito humano ... 14

1.1 A preparação para a formação da razão humana ... 15

1.2 A instrução pública como tarefa e dever do Estado ... 16

1.3 Instrução pública como meio de aperfeiçoamento humano ... 18

1.4 A divisão da instrução pública proposta por Condorcet ... 20

1.5 A educação pública deve limitar-se à instrução ... 22

1.6 Da instrução comum para as crianças ... 26

1.7 Os conteúdos dos estudos iniciais ... 27

1.8 O segundo grau de instrução ... 31

1.9 O terceiro grau de instrução ... 32

1.10 Dos professores ... 43

2 Segundo Capítulo - ... 36

2 Crítica à desigualdade ... 36

2.1 Os progressos futuros de que o ser humano é capaz ... 39

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 46

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Resumo

Esta dissertação debate teses e argumentos presentes na obra “Cinco memórias sobre a instrução pública” e no relatório e projeto de decreto sobre a organização geral da instrução pública, documento apresentado por Condorcet ao parlamento francês em 1792, e, discute a questão das desigualdades presentes na organização política e social do Estado. Sua crítica contundente às políticas de Estado se expressa na ausência do gozo de iguais direitos, ou seja, o poder dominante de uns sobre os outros, a relação escravocrata que estava enraizada, o privilégio de poucos possuírem o direito do conhecimento, fez o filósofo e também parlamentar propor à Assembleia Nacional da França um plano de instrução completo para o país, que iria desde o ensino primário até o ensino superior, como forma de reconstituir as condições e possibilidades de igualdade de direitos. No seu projeto de decreto sobre a organização geral da instrução pública, Condorcet apresenta os fundamentos filosóficos e seu pensamento educativo acerca da ideia de igualdade, articulando proximamente esta com a liberdade, ideias que no seu entender são concepções fundamentais para a independência das pessoas. A igualdade defendida por Condorcet não era a aplicação uniforme e absoluta de um modelo instrutivo aristocrata e hierárquico, mas um plano que respeitasse o talento dos indivíduos, com igualdade de condições a todos os cidadãos. Outrossim, o processo instrutivo desenvolve no indivíduo um senso progressivo de responsabilidade, sob a égide das luzes. Este trabalho instrutivo, dever do Estado, seria o de destituir os efeitos causados pelas desigualdades naturais e sociais do passado. À escola recairia a tarefa de realizar na prática as políticas de liberdade e de igualdade, indispensáveis à formação dos cidadãos.

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Abstract

This dissertation debates theses and arguments present in the title “Five Memories about Public Education”, and in the report and draft decree on the general organization of public instruction, document presented by Condorcet to the French Parliament in 1792, and discusses the question of inequality present in the state political organization. His scathing critique of egalitarianism is expressed in the absence of equal rights enjoyment, that is, the dominant power of some over others, the slave relationship that was rooted, the privilege of a few possess the right to the knowledge, and made the philosopher and parliamentarian propose to the National Assembly of France, a complete instruction plan for the country, which would go from primary school to higher education, in order to reconstruct the conditions and rights of equal opportunities. In its draft decree on the general organization of public education, Condorcet presents the philosophical foundations and his educational thinking about the idea of equality, linking this closely, with freedom, ideas that, in his view, are fundamental concepts for the independence of people. The equality advocated by Condorcet, was not a uniform and absolute application of an instructional aristocrat and hierarchical model, but a plan that respected the talent of individuals, with equal terms to all citizens. Therefore, the instructional process develops in a progressive sense of individual responsibility, under the aegis of the lights. This instructional work, state duty, would be to remove the effects caused by natural and social inequalities of the past. To school, would be delegated the task to achieve in practice the freedom and equality policies necessary for the education of citizens.

Key words: Instruction, Equality, Reason, Public Education.

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Introdução

Foi no decisivo ano de 17921, das marcas que o regime monárquico da França

deixou registrado, que Condorcet2, na condição de deputado do Departamento de Paris e

integrante do Comitê de Instrução Pública, elabora e apresenta à Assembleia Nacional, o relatório e projeto de decreto sobre a organização geral da instrução pública, documento no qual o legislativo francês discutiu um plano de instrução completo para o país, que iria desde o ensino primário até o ensino superior, e necessário a todas as pessoas.

Ainda que o regime ditatorial do país delimitasse a participação do povo, naquele momento a França já havia obtido várias conquistas libertárias com os movimentos revolucionários que ocorriam há três anos no país, no qual apenas citamos para caracterizar o ambiente em que Condorcet se encontrava, e que propiciou a elaboração do projeto de instrução pública. Cada conquista de direitos do povo, tais como, a Abolição do Regime Feudal, a Proclamação da Liberdade de Imprensa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, as Ordens Religiosas Suprimidas, a Constituição Civil do Clero, o Novo Código Penal, a Abolição da Escravidão, entre outros, propiciou o surgimento do Plano de Instrução Pública com Condorcet, até mesmo como uma necessidade de garantir a defesa dos direitos fundamentais do ser

1

Um período marcado pelos movimentos revolucionários; profundas mudanças legais vivia a França; setembro daquele ano marca o fim da monarquia e a proclamação da República.

2 Apresento a contextualização e síntese biográfica do autor que foi objeto desta pesquisa, conforme

resumo publicado na revista HISTEDBR On-line. Marquês de Condorcet, nasceu Jean-Antoine-Nicolas de Caritat (1743-1794) filósofo, matemático e político francês, nascido em Rebemont, no norte da França. Seu pa, capitão de um regimento de cavalaria, foi morto quatro anos após seu nascimento. Criado pela mãe, católica devota de Maria, mais tarde se tornaria um dos mais contumazes críticos da

“obscuridade” da religião e das práticas tidas por ele como ludibriosas dos padres. Aos doze anos foi entregue ao tio Jaime Condorcet, detentor de cargo episcopal, que cuidou da formação do menino. Assim, aos 13 anos iniciou estudos no Colégio Jesuíta em Reims, transferindo-se aos 15 anos para o Collége de Navarre em Paris, onde em 1758 defendeu tese diante de Jean Le Rond d’Alembert. Entre os anos de 1765 e 1774 dedicou-se aos estudos de entendimento das ciências exatas. A próspera amizade com D’Alembert permitiu que estreitasse relações com Anne Robert Jacques Turgot e tivesse amplo conhecimento dos problemas econômicos da França no período. Deste ambiente, Condorcet construiu suas críticas aos monopólios das práticas mercantilistas adotadas pelo rei, como o fizeram outros autores do século XVIII. A partir daí, deu-se seu maior envolvimento com a política tanto do ponto de vista na construção do pensamento quanto da militância dentro e fora do governo e do parlamento. Sua perspectiva de reivindicação da história e das instituições políticas são a centralidade de sua obras, marcadamente de “Cinco memórias sobre a instrução pública” e “Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano”. Perseguido pelo terror dos jacobinos ao “terror” revolucionário do Comitê de Salvação Pública, viveu escondido sob proteção de amigos, sendo, posteriormente, preso e vitimado de morte (1794) ainda sem explicação convincente.

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humano, que aos poucos estavam sendo reconhecidos e institucionalizados. A movimentação e ação política foi delineadamente permitindo o empoderamento do povo com mais liberdade e igualdade (conquista de direitos), princípios supremos a qualquer cidadão. Em abril daquele mesmo ano, o povo francês festejou suas conquistas, em evento que até nos dias de hoje é comemorado naquele país, a Festa da Liberdade.

Como foi observado, o povo francês não obteve todas estas conquistas de graça. Foi a partir do conflito e de muito embate de forças opostas que as vitórias foram surgindo. Muitos sacrificaram a própria vida, seja nas guerras ou nos movimentos revolucionários, exigindo as mudanças tidas como necessárias para a garantia de igualdade de condições. Foi neste ambiente divergente que Condorcet apresenta à Assembleia seu projeto de decreto para a organização do sistema de ensino público ao seu país, objeto de estudo nesta dissertação.

O eixo que orientou o projeto de Condorcet,segundo Souza3, foi a obra que ele

tinha elaborado pouco antes de exercer a função legislativa, analisando os aspectos ideológicos da França e pensando um possível modelo de instrução pública. Cinco memórias sobre a instrução pública foi sua inspiração e fundamento teórico para elaborar a proposta que organizava o sistema público de instrução nacional.

As memórias juntas, mesmo que publicadas individualmente no ano anterior, foram apresentadas ao público crítico e dão conta do aspecto global no que diz respeito ao ensino da pessoa. Mesmo que no projeto de instrução conste os aspectos mais normativos do ensino, sua obra analisa a “natureza e a finalidade da instrução pública na primeira memória, a segunda apresenta a educação das crianças, a terceira a educação dos adultos, e a quarta e quinta, os aspectos da instrução profissional e científica” (SOUZA, 2008, p.09).

O propósito desta investigação é revisitaro caminho traçado por Condorcet, para

analisar a ideia de progresso do século, que enfatiza a superioridade do presente em relação às épocas passadas. Por ele ter analisado o progresso do espírito humano e ter sido totalmente favorável às luzes, tinha convicção de que não se voltaria mais à obscuridade dos tempos antigos. Mas de que maneira? Qual foi a grande contribuição proposta por Condorcet para superar as nefastas desigualdades que haviam conservado do regime monárquico?

3

Estes princípios que orientaram o projeto de Instrução Pública de Condorcet estão fundamentados nesta obra (Cinco memórias sobre a instrução pública), que, na tradução brasileira, em 2008, foi apresentada por Maria das Graças de Souza, de onde partimos nossa leitura e interpretação conceitual.

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Para o filósofo, a instrução seria o meio capaz de libertar o povo da ignorância e

das desigualdades.Portanto, a formação instrutiva dos indivíduos foi para Condorcet, “o

tempo da razão que venceu a ignorância, o tempo de novas luzes e o progresso só terminará caso o universo termine” (SOUZA, 1993, p.15). Ou seja, o progresso da sociedade sempre esteve acompanhado do progresso das luzes, mas não em todo o tempo, e sim, enquanto o humano foi capaz de desenvolver as suas faculdades com liberdade.

Ao referir-se a filosofia da luzes, Condorcert se conecta ao que foi o espírito

filosófico do século XVIII, a maneira que os próprios filósofos concebiam sua atividade, um grupo de homens, cuja maior preocupação era difundir a verdade e expulsar os preconceitos dos lugares nos quais eles haviam se refugiado, como as escolas, o governo e as corporações. Foi necessário atacar em diversas frentes o mal causado pelas antigas estruturas que promoveram desigualdades políticas brutais, e proclamar a independência da razão e o direito à liberdade de expressão.

Com os filósofos das luzes propiciou-se a disposição dos espíritos que aos poucos foi contaminando muitas pessoas e possibilitando por toda a Europa um ambiente favorável às profundas mudanças. Conforme descreve Maria das Graças Souza na apresentação do livro “Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano”, estas mudanças tiveram uma concepção revolucionária conforme o próprio Condorcet analisa, afirmando que o primeiro efeito dessa nova filosofia foi a independência americana. Viu-se, pela primeira vez, “um grande povo, liberto de todas as suas correntes, dar-se a si mesmo a Constituição e as leis que julgavam mais apropriadas para a sua felicidade” (SOUZA, 1993, p.16). Depois de proclamada, a Revolução Americana, que significou bem mais que uma emancipação política, foi o sinal precursor de outros acontecimentos que transformariam a Europa.

Na sequência dos acontecimentos, veio a Revolução Francesa, motivada pelos movimentos que iniciaram na América. Ainda que, uma revolução na França, naquele momento em que o país vivia envolto numa série de implicadores que impediam a liberdade do povo, o descontentamento fez com que as pessoas se rebelassem contra as estruturas opressoras e entrassem em confronto. Na visão de Condorcet, a Revolução Francesa foi mais transformadora que a Americana, pois conseguiu fazer com que o povo protagonizasse o movimento. “Enquanto a primeira foi mais pacífica, a segunda foi mais violenta. Mas, na medida em que conseguiu atingir o despotismo, a ignorância,

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a desigualdade, ela representou um progresso gigantesco para os homens” (SOUZA, 1993, p.16).

Neste sentido, a Revolução Francesa foi um acontecimento essencial para a aurora da liberdade moderna e, portanto, o progresso da espécie humana foi a marca registrada das luzes. Este despertar e ativação das luzes deu-se, principalmente, por meio da instrução, projeto do qual estaremos apresentando no primeiro capítulo desta dissertação, o esboço do que foi o projeto de decreto da organização do sistema de instrução pública de Condorcet, documento no qual ele associa a liberdade dos cidadãos diretamente com o conhecimento. O filósofo tem a convicção de que a ignorância e a desigualdade de instrução dos homens estão entre as principais causas da tirania, e, por isso, este fator é o motivo principal a ser combatido.

Em sua fundamentação teórica em que pensa o Projeto de Instrução Pública ao novo modelo de Estado, são destacados os três princípios que nortearam a governança deste projeto: “o acesso universal, a gratuidade e a independência” (SOUZA, 2008, p.09). Estes eixos fundantes estruturaram a proposta do ensino francês, apresentado por Condorcet na eminência da proclamação da forma de governo republicano naquele país. No último capítulo, abordaremos uma parte do Esboço de Condorcert, denominado “nossas esperanças”, no qual ele avalia nesta obra, no início do Décimo Período, “sobre o estado futuro da espécie humana podem se reduzir a três pontos importantes: a destruição da desigualdade entre as nações, os progressos da igualdade no interior de um mesmo povo e, enfim, o aperfeiçoamento real do homem” (CONDORCET, 1993, p. 190).

Não nos detivemos neste estudo, na análise de todos os períodos históricos que Condorcet realizou para desencadear no “tempo das luzes” e em seu projeto de instrução pública, todavia, recortamos a temática que motivou a produção científica do filósofo, concentrado no período renascentista, na organização dos princípios da república francesa e na sua proposta legislativa de organizar o processo de educação da França pós regime monárquico.

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Primeiro capítulo

Princípios da Instrução Pública em Condorcet

Para Condorcet, os progressos do espírito humano formam o fio condutor da história, e é a partir deles que a realidade se transforma. Neste sentido, a ideia de progresso está implícita o desenvolvimento da capacidade racional do humano intervir na natureza e desenvolver suas invenções para o crescimento e progresso da sociedade.

A partir desta perspectiva, o significado de progresso do século XVIII considera-se superior aos anteriores, por superar o obscurantismo do passado e embasar-considera-se nas capacidades da razão, nas descobertas das ciências e desenvolvimento do conhecimento. “Se é possível construir o futuro, o progresso é a realização das ideias da razão” (SOUZA, 1993, p. 10). Ou seja, há uma correlação direta entre a construção de uma sociedade desenvolvida com a razão. Exercitando a razão, o homem vai se aperfeiçoando e, portanto, progredindo.

O homem nasce com as faculdades racionais, contudo o aperfeiçoamento da razão não se realiza naturalmente, entendia Condorcet. O homem tem a capacidade de “ligar signos a todos os objetos para melhor reconhecê-los e facilitar suas combinações novas” (CONDORCET, 1993, p. 19), mas é preciso processar as sensações e estímulos que chegam a sua memória em algo duradouro.

Dessa faculdade, unida àquela de formar e de combinar ideias, nascem, entre ele e seus semelhantes, relações de interesse e de dever, às quais a própria natureza liga a porção mais importante, a mais preciosa de nossa felicidade e os mais dolorosos de nossos males (CONDORCET, 1993, p. 20).

Este processo dos progressos do espírito humano poderia ser considerado metafísico, mas ele apresenta esta ideia de historicidade dos fatos e do tempo, e, portanto, o progresso só acontece se há o esforço humano com o desenvolvimento de suas faculdades, que dependem do aperfeiçoamento constante e gradual. Mas, afinal, como é que ocorre este desenvolvimento das faculdades que por natureza o humano possuiu? Condorcet foi enfático na defesa de que o processo para o desenvolvimento das faculdades do homem é alcançado por meio da educação, contudo não a educação dos moldes antigos que impedia a liberdade dos indivíduos e exaltava a desigualdade

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exercida pela sociedade. O filósofo faz um contraponto ao modo como se vinha educando, e por isso apresenta uma moderna concepção de instrução pública que a seguir estaremos apresentando.

1 A preparação para a formação da razão humana

A razão humana teve sua formação lenta e gradual, transpondo-se de todas as barreiras do obscurantismo antigo e formas de aprisionamento que os regimes instituídos e religiões praticavam. Com a superação daqueles modelos e o rompimento destas limitações, a ascensão da razão humana permitiu o avanço da liberdade e o desenvolvimento do período das luzes, trazendo novas perspectivas de vida e um novo modelo civilizatório.

Diferente dos americanos4, os franceses tiveram uma mudança muito mais

profunda do seu sistema, do ponto de vista ideológico e político, pois atacaram simultaneamente vários setores que os impediam de serem livres e iguais perante a institucionalidade do Estado. Os franceses conseguiram realizar uma revolução significativa porque, além de enfrentar o despotismo dos reis, atacaram “a desigualdade política das constituições semilivres, o orgulho dos nobres, a dominação, a intolerância, as riquezas do clero e os abusos da feudalidade, que ainda cobrem a Europa quase inteira” (CONDORCET, 1993, p. 163).

A França revolucionária teve os seus princípios pensados sob a ótica da

integralidade da pessoa humana, e Condorcet contribuiu incisivamente neste aspecto, para que houvesse uma combinação da Constituição com as leis do país, justamente para que as mudanças fossem profundas e mais completas.

Ousou-se, pela primeira vez, conservar para o povo o seu direito de soberania, o direito de só obedecer a leis cujo modo de formação, se este é confiado a representantes, tenha sido legitimado por sua aprovação imediata; leis das quais, se elas ferem seus direitos ou seus interesses, ele possa sempre obter a reforma por um ato regular de sua vontade soberana (CONDORCET, 1993, p. 163).

Este processo de liberação e impulsão da razão se tornou o princípio da revolução nos destinos da espécie humana, e foi Descartes o principal fomentador deste

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Os americanos combateram os preconceitos tirânicos da mãe pátria aliando-se com as potências rivais da Inglaterra, que tornou possível acelerar o desejo de justiça.

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novo modelo de emancipar o homem como agente central da transformação, por meio de sua racionalidade. O avanço sistemático e inovador das ciências apresentaram um quadro de progresso que possibilitou compreender e ordenar as partes e as relações com o conjunto do universo e, portanto, a distância temporal entre o passado e o presente, por si só, já apresentaria as diferenças do povo antigo, visto que a humanidade realiza o princípio da perfectibilidade que a remete a um permanente progresso.

Nesse sentido, o desenvolvimento da razão ocorreu associado ao processo de educação das pessoas, e a proposta apresentada por Condorcet valoriza positivamente esta busca da perfeição. Para ele, a instrução conduz a humanidade à prosperidade geral e à felicidade.

1.2 A Instrução Pública como tarefa e dever do Estado

A proposta de Instrução Pública apresentado por Condorcet estabelece que ela seja uma tarefa e dever do Estado, não apenas no seu aspecto organizacional do ensino escolar, mas enquanto uma questão política. Levando em conta as circunstâncias nas quais foi proposta o projeto de instrução, sua finalidade objetiva foi de contribuir para que a igualdade de direitos instituídos na lei republicana tornar-se-ia efetiva se não fosse obstruída pela desigualdade no desenvolvimento das faculdades do homem.

Para que todos sejam iguais perante a lei, as oportunidades também necessitam ser iguais e por isso a instrução pública proposta por Condorcet se torna um dever da sociedade para com todos os cidadãos, independente das diferenças de espírito que cada um possuiu. O ensino público é o meio que permite o estreitamento das desigualdades naturais que existem nos indivíduos desde que nascem. Através da instrução os homens buscam o desenvolvimento de suas faculdades cognitivas e buscam o crescimento das luzes, buscam a felicidade.

Importante observar que, mesmo que os direitos sejam comuns, haverá alguns indivíduos superiores que outros sem que isso seja um mal, seja pela natural facilidade de desenvolver suas faculdades, seja pela opção que a pessoa quis seguir. Contudo,

[...] para a manutenção da igualdade de direitos, basta que essa superioridade não traga uma dependência real, e que cada um seja suficientemente instruído para exercer por si mesmo, e sem se submeter cegamente à razão de outro, aqueles direitos cujo gozo é garantido pela lei (CONDORCET, 2008, p.18).

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Como vimos, para Condorcet, esta desigualdade de talentos não seria prejudicial para a sociedade, e de certa maneira, as diferenças individuais contribuiriam para o bem comum, mas, no desconhecimento de alguma ciência, jamais algum indivíduo deveria se sujeitar a ficar na dependência do conhecimento do outro por interesses não legais.

Os séculos anteriores da monarquia francesa, bem como na Grécia antiga e mesmo com o Helenismo, houve uma desigualdade instrutiva brutal. O conhecimento era restrito a poucas pessoas e quem o possuía estava numa condição de superioridade perante àqueles que viviam na ignorância. A desigualdade instrutiva foi uma das principais causas da tirania e Condorcet repudiou veementemente este modelo e organização de sociedade excludente.

Outra desigualdade que nasce da diferença dos sentimentos morais só pode ser combatida pela distribuição igualitária da instrução. “Quando a lei torna os homens iguais, a única distinção que os divide em várias classes é a que vem de sua educação. Essa desigualdade não se deve à diferença de luzes, mas à de opiniões, dos gostos, dos sentimentos, que é sua conseqüência inevitável” (CONDORCET, 2008, p.20). A desigualdade social entre ricos e pobres só será combatida se houver uma instituição pública para aproximá-los pela instrução, ou seja, o ensino oportunizará que o filho do rico receba o mesmo tratamento que o filho do pobre e que ambos recebam a instrução necessária a exercer as funções comuns do homem, do pai de família e do cidadão.

Quanto mais os homens forem dispostos, pela educação, a raciocinar com justeza, a apreender as verdades que lhe são apresentadas, a rejeitar os erros dos quais se quer fazê-los vítimas, mais também uma nação, que veria dessa forma as luzes se ampliarem cada vez mais e difundirem-se num maior número de indivíduos, deve esperar obter e conservar as boas leis, uma sábia administração e uma constituição verdadeiramente livre (CONDORCET, 2008, p. 21).

Neste sentido, permanece como dever maior da sociedade, oportunizar a todos o acesso ao conhecimento aos indivíduos e que possam adquiri-lo por meio de sua inteligência através da instrução.

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1.3 Instrução pública como meio de aperfeiçoamento humano

O projeto de instrução pública de Condorcet estabelece também para que o Estado garanta uma formação básica à diversidade das profissões existentes na sociedade, pois elas contribuem para o bem estar comum e, o seu progresso, é o progresso dos homens. “O poder público deve contar entre seus deveres o de assegurar, facilitar e multiplicar os meios para aquisição desses conhecimentos” (CONDORCET, 2008, p.22).

Porque desenvolver uma instrução que fosse igual a todas às funções públicas? Primeiro, acredita Condorcert, por que aperfeiçoaria as artes de forma equitativa e segundo, extinguiria a desigualdade entre os homens e criaria uma igualdade de bem estar. Todos estariam em igualdade de condições e preparados profissionalmente para satisfazer suas necessidades básicas de sobrevivência.

Uma instrução comum para todas as profissões torna-se benéfica inclusive para evitar aqueles homens de má fé, que infectam negativamente a prática das artes, que interrompem o progresso da sociedade. Os conhecimentos mais importantes normalmente advêm da teoria das ciências cujo ensinamentos dirigem as artes e seus autores. “Há uma série de invenções de detalhes que só os artistas podem procurar, porque só eles conhecem sua necessidade e seus benefícios” (CONDORCET, 2008, p.24).

As descobertas científicas possibilitaram o aperfeiçoamento da sociedade e permitiram escapar de todos os males que a ignorância e os preconceitos causam. Para Condorcet, “é pela descoberta de verdades novas que a espécie humana continuará a se aperfeiçoar” (CONDORCET, 2008, p.25), e por isso, favorecer as condições para a busca de novas verdades, torna-se a alternativa mais correta para a busca do aperfeiçoamento da espécie humana.

Condorcert critica a carência de instrução que houve até então. “Até hoje, apenas um pequeno número de indivíduos recebe em sua infância uma instrução que lhe possibilita desenvolver todas as suas faculdades naturais” (CONDORCET, 2008, p.25), e, portanto, aqueles que não tiveram a oportunidade de desenvolver desde a fase inicial da vida a educação, ficaram prejudicados em comparação aos que receberam a instrução. Até existiam os meios instrutivos, mas eles eram restritos. Na instrução

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proposta por Condorcet, os meios tornam-se um benefício público e multiplicam-se as possibilidades de busca da verdade, porque mais indivíduos terão aptidão de buscá-la.

Por outro lado, a instrução também é progressiva e acumulativa de geração em geração, nos aspectos da busca de conhecimento, contudo, ela não é incorporada automaticamente nas pessoas. Se há falha ou ausência da primeira educação nos indivíduos, estes ficarão limitados do progresso da sociedade e de sua própria faculdade, mesmo que tenham nascido com capacidades equitativas. Por mais difícil que possa parecer, Condorcet acredita que, “a cultura pode melhorar as gerações e que o aperfeiçoamento das faculdades dos indivíduos é transmissível a seus descendentes” (CONDORCET, 2008, p. 28), porém, se as pessoas são privadas da educação, além delas mesmas sofrerem a ausência do desenvolvimento de seus talentos, as gerações sucessivas sofrerão os prejuízos decorrentes dessa falta de instrução.

A análise que Condorcet se refere na preparação das novas gerações através da cultura, acima exposta, é no sentido estrutural do ser, tanto no aspecto da constituição física do indivíduo como no aspecto dos conhecimentos produzidos pela espécie humana. “A intensidade de nossas faculdades é ligada, pelo menos em parte, à perfeição dos órgãos intelectuais, e é natural que se creia que essa perfeição não é independente do estado em que se encontram as pessoas que nos transmitem a existência”. (CONDORCET, 2008, p. 29). Assim sendo, o ser humano não se torna um ser isolado do mundo, ele se constitui daquilo que o antecedeu, da sua existência e da interferência que realiza no mundo:

Se esse aperfeiçoamento indefinido de nossa espécie for, como eu creio que é, uma lei geral da natureza, o homem não deve mais se considerar um ser limitado a uma existência passageira e isolada, condenada a desaparecer após uma alternância de felicidade e infelicidade para si, de bem e de mal para aqueles que o acaso colocou junto dele; ele se torna uma parte do grande todo e colaborador numa obra eterna. Numa existência de um momento, num ponto do espaço, ele pode, por seu trabalho, unir-se a todos os séculos e agir ainda por muito tempo depois que sua memória tiver desaparecido da terra (CONDORCET, 2008, p. 29)

Ainda que em parte o homem seja constituído daquilo que o antecedeu, a instrução, destaca o autor, lhe permite seu aperfeiçoamento e do mundo. Inclusive, prossegue ele, tem a responsabilidade de olhar no horizonte para a vida das gerações vindouras, preparando-se para as mudanças causadas pelas próprias leis gerais da natureza ou pelas interferências que o próprio homem realizou com seu trabalho. Afinal, o progresso modifica o cenário em que os indivíduos vivem e os indivíduos também se modificam a cada novo cenário em que se encontram. “As revoluções trazidas pelo

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aperfeiçoamento geral da espécie humana devem sem dúvida conduzi-la à razão e à felicidade” (CONDORCET, 2008, p. 31).

1.4 A divisão da instrução pública proposta por Condorcet

Condorcet compreende que se faz necessário dividir a instrução pública em três grupos distintos: primeiro, que seja uma instrução comum a todas as pessoas, segundo, estudos direcionados as diversas profissões, e terceiro, aos que se dedicam à pesquisa científica. O filósofo assim especifica cada espécie da instrução pública:

Em primeiro lugar, uma instrução comum, na qual se deve propor: 1. Ensinar a cada um, segundo o grau de sua capacidade e a duração do tempo do qual pode dispor, o que é bom para todos, quaisquer que sejam sua profissão e seus gostos; 2. Assegurar um meio de conhecer as disposições particulares de cada indivíduo, a fim de que se possa tirar proveito dessas disposições para o benefício geral; 3. Preparar os alunos para os conhecimentos exigidos pela profissão à qual se destinam.

A segunda espécie de instrução deve ter como objetivo estudos relativos às diversas profissões cujo aperfeiçoamento seja útil tanto para o benefício comum quanto para o bem-estar particular daqueles que a elas se dedicam. A terceira, enfim, puramente científica, deve formar aqueles que a natureza destina ao aperfeiçoamento da espécie humana e, dessa maneira, facilitar as descobertas, acelerá-las e multiplicá-las (CONDORCET, 2008, p. 32).

Além de organizar a instrução pública em três dimensões, Condorcet atenta para uma subdivisão de fundamental importância, qual seja, distinguir o ensino das crianças daquela dos adultos. Para as crianças é preciso ensinar aquilo que é básico e útil para iniciarem sua vida em sociedade, e aos adultos, a instrução necessita desenvolver ensinamentos permanentemente:

O homem que, ao terminar sua educação, não continuar a fortalecer sua razão, alimentar com novos conhecimentos os que já adquiriu, corrigir os erros ou retificar as noções incompletas que tiver recebido, logo verá desaparecer todo o fruto de seu trabalho dos primeiros anos, e o tempo apagaria as primeiras impressões que não tivessem sido renovadas por outros estudos. (CONDORCET, 2008, p. 33).

Como vimos, Condorcet almeja em seu projeto de instrução pública uma formação permanente aos homens, primeiramente um ensino que fundamenta as bases gerais para a iniciação da vida social, depois a preparação para as diferentes profissões públicas que cada indivíduo deseja se habilitar, e por último, aos pesquisadores científicos. Todas as fases da instrução são importantes, contudo, o aspecto da permanente busca e aprimoramentos das verdades já conhecidas, é um sentido novo que o filósofo enfatiza em sua proposta: “não basta, pois, que a instrução forme homens; é

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preciso que ela conserve e aperfeiçoe aqueles que formou, esclareça, preserve-os do erro, impeça-os de recair na ignorância” (CONDORCET, 2008, p. 33).

Mesmo que a base seja comum na instrução inicial, é preciso levar em conta as desigualdades dos indivíduos, observa Condorcet, pois nem todas as pessoas nascem com faculdades iguais, e para não agravar ainda mais as características individuais, é preciso dividir a instrução em vários graus, conforme a capacidade natural e o tempo que cada um necessita para aprender.

Os motivos que estabelecem os diversos graus da instrução comum são distintos. Primeiramente, aquela que é para uma profissão particular que tem o lucro ou a glória como interesse principal, quanto mais subdividida for, maiores serão as vantagens que o indivíduo poderá ter enquanto estiver apto para exercê-la. Neste sentido, “forma-se necessariamente, na nação, uma espécie de aristocracia, não de talentos e de luzes, mas de profissões” (CONDORCET, 2008, p. 36). No entendimento do filósofo, é preciso que as leis simplifiquem o exercício destas profissões e que o sistema de educação ofereça uma instrução comum propícia para todos que desejam exercer suas funções.

Condorcet percebeu também, que quanto mais as profissões se dividiam, tanto mais estas pessoas ficavam a mercê da estupidez, pois ficavam restritas ao tipo de trabalho e ao conhecimento que o mesmo exigia. Só com a instrução seria possível combater esse mal, acreditava o filósofo, porque a lei tem a igualdade como requisito, mas quem pode possibilitar na prática este princípio são as instituições de instrução. Elas têm as condições de oferecer a instrução comum para capacitar todos os homens a exercer as funções públicas, considerando as especificidades das profissões e as capacidades do indivíduo de absorver os conhecimentos.

E, por último, a instrução geral tem a tarefa de educar aquelas pessoas que possuem a vaidade e a ambição exacerbadas. Para Condorcet, os homens com estes instintos naturais são deficientes de esclarecimentos, e ainda almejam governar sua cidade. Faz-se necessário que a instrução forme homens honestos, sem aspiração de ambição e que estejam em condições de guiar suas escolhas, que sejam esclarecidos.

É necessário que ela (instrução) possa ser proporcional à sua capacidade natural, à extensão de sua primeira instrução e ao tempo que podem ou que ainda querem dedicar ao estudo, a fim de que se estabeleça toda igualdade que pode existir entre coisas naturalmente desiguais, ou seja, a igualdade que exclui, não a superioridade, mas a dependência (CONDORCET, 2008, p. 39). Tanto para crianças como para adultos, a instrução defendida por Condorcet tem como princípio a igualdade de condições na busca da independência do conhecimento.

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De nada adianta uma Constituição tendo como princípio a liberdade se parte dos cidadãos subsistir na ignorância, obrigando-os “a se pronunciar sobre o que não conhecem, a escolher quando não podem julgar” (CONDORCET, 2008, p. 40). Uma

Constituição,conclui, com uma parte do povo ignorante e corrompido, estaria fadada ao

fracasso.

1.5 A educação pública deve limitar-se à instrução

Ao constituir sua proposta, Condorcet se depara diante de um problema fundamental a ser resolvida antes de delimitar a estrutura organizacional e cada grau de instrução. Qual seja: “1 - se a educação pública, instituída por um poder nacional, deve limitar-se à instrução; 2 - até onde se estendem, a respeito dessa instrução, os direitos do poder público; 3 - se a instrução deve ser a mesma para os dois sexos ou se, para cada um, são necessários estabelecimentos particulares” (CONDORCET, 2008, p. 41).

Esta problematização que o filósofo instiga é decisiva de analisar, pois ela direciona sua tese basilar, e estes conceitos ainda repercutem no contexto contemporâneo da educação, ou seja, quando Condorcet se refere a educação pública e a instrução, ele não está se referindo a conceitos iguais, a educação é tarefa da família e a instrução é responsabilidade do poder público.

Havia uma compreensão entre os filósofos antigos, de que uma educação comum desenvolvida pela república sustentaria um modelo ideal para conservar a liberdade e as virtudes de seu povo. Contudo, bastou algumas gerações sucederem-se para perceber que este modelo de formação não funcionaria para as nações modernas. “Essa igualdade absoluta na educação só pode existir entre os povos nos quais os trabalhos da sociedade são exercidos pelos escravos” (CONDORCET, 2008, p. 42). Nas sociedades escravocratas, mesmo que se buscasse a igualdade pelo meio do método educativo, havia fundamentalmente a base da desigualdade da relação entre escravo e senhor. Este modelo estrutural de desigualdade social tem uma relação direta com a educação, e reflete nas relações das famílias da sociedade moderna. Condorcet compreende que não há possibilidade da educação familiar ter características semelhantes se uma família é rica e outra pobre, pois a disponibilidade de recursos e

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prioridades são totalmente distintas. “A educação comum não pode ser graduada como a instrução. Ela precisa ser completa, senão será nula e mesmo prejudicial” (CONDORCET, 2008, p. 43).

Outro fator que limita a educação pública somente à instrução são os direitos naturais do cidadão:

Os homens se reuniram em sociedade tão-somente para obter o gozo mais completo, mais tranquilo e mais seguro de seus direitos naturais e, sem dúvida, deve-se compreender entre tais direitos o de cuidar dos primeiros anos de seus filhos, de suprir sua falta de inteligência e de prepará-los para a felicidade. Trata-se de um dever imposto pela natureza, e dele resulta num direito que a ternura paterna não pode abandonar (CONDORCET, 2008, p. 44).

Portanto, é de direito e cabe aos pais dar-lhes a educação inicial aos seus filhos, aquela educação doméstica, do desenvolvimento das virtudes, sentimentos amorosos de relações entre pais e filhos, aquela educação familiar constitutiva no princípio da vida. Se a instrução entrasse neste espaço familiar para educar, Condorcet teme que, ao invés de se criar uma nação de pessoas irmanadas, se criaria uma sociedade de tiranos.

E, por último, a educação pública se torna contrária à independência das opiniões, visto que, ao ensinar as verdades e cálculos, ensina-se como e o que pensar, logo, estar-se-ia impedindo o exercício da liberdade do cidadão. “Aquele que, ao entrar na sociedade, carrega as opiniões que lhe foram dadas pela educação não é mais um homem livre; é escravo de seus mestres” (CONDORCET, 2008, p. 45). Agora, se ele receber de sua família estas opiniões, mesmo uma crença religiosa, não deixará de não ser livre, mas logo perceberá que estas opiniões e crenças não são universais e, portanto, estará sujeito às mudanças:

Com efeito, os preconceitos que recebemos da educação doméstica são um efeito da ordem natural das sociedades, e uma sábia instrução, difundindo as luzes, é o seu remédio, ao passo que os preconceitos infundidos pelo poder público são uma verdadeira tirania, um atentado contra uma das partes mais preciosas da liberdade natural (CONDORCET, 2008, p. 45).

Para as gerações antigas, não havia esta compreensão de liberdade. A natureza só tinha criado máquinas cujas peças e cuja ação a lei deveria regular e dirigir. Agora, com a ascensão das luzes, as opiniões não são mais estabelecidas, mas se constituem continuamente. Contudo, mesmo que as opiniões estejam em constante constituição e sejam livres, o poder público não tem o direito de ensiná-las, afirma Condorcet: “O poder público não pode nem mesmo, em nenhum assunto, ter o direito de mandar ensinar opiniões como se fossem verdades ‹...› seu dever é o de arregimentar contra o erro, que é sempre um mal público, toda a força da verdade” (CONDORCET, 2008, p.

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48). Entendo o filósofo, que também não é dever do estado, decidir onde reside a verdade ou onde se encontra o erro.

Ao poder público cabe a responsabilidade de não confiar a instrução a professores corporativistas, ligados a congregações religiosas, pois eles teriam como finalidade o aumento do poder institucional da sua ordem e não o progresso das luzes. Condorcet arriscou dizer que se o Estado confiar o ensino às corporações de professores, “estareis certos de ter criado tiranos ou instrumentos da tirania”. Segundo Condorcet, é impossível que opiniões não se misturem às verdades que devem ser objeto da instrução, justamente porque as ciências são progressivas, e ao serem expostas à compreensão, são passíveis de erro, até porque, acreditasse que a verdade se constitui progressivamente.

Também não é dever do poder público se utilizar de suas opiniões como base para a instrução, nem mesmo seria justo considerá-las para a prática do desenvolvimento das luzes. Aquele que exerce as funções do poder público age sob determinadas leis e verdades que possuem, e os homens responsáveis pela instrução necessitam constantemente refletir as práticas e vivências da sociedade e as próprias leis, para incidir em modificações que se tornam necessárias para o bem comum. “O objetivo da instrução não é perpetuar os conhecimentos que se tornaram gerais numa nação, porém aperfeiçoá-los e estendê-los” (CONDORCET, 2008, p. 52).

Condorcet insistia para que a Constituição de cada país fosse parte dos estudos básicos dos cidadãos, possibilitando que todos soubessem com propriedade as leis do seu Estado. Caso julgassem necessário, em alguma circunstância, modificar alguma das normas estabelecidas, com conhecimento e capacidade de interferência estes cidadãos tivessem condições de realizar, pois “o fim da instrução não é fazer que os homens admirem uma legislação pronta, mas torná-los capazes de avaliá-la e corrigi-la” (CONDORCET, 2008, p. 53). Este ensino não teria como fim submeter os cidadãos ao Estado, mas esclarecê-los ao máximo para gradualmente tornarem-se governados pela própria razão.

Além de expor que a educação pública deve limitar-se à instrução e que ela precisa ser disseminada em diferentes graus de ensino, Condorcet quer que ela seja também igual para todos, tanto para homens como para mulheres: “Como toda instrução se limita a expor as verdades, a desenvolver suas provas, não se vê como a diferença de sexo exigiria uma diferença na escolha das verdades ou na maneira de prová-las” (CONDORCET, 2008, p. 57). Na época, as mulheres não eram chamadas às funções

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políticas, mas nem por isso, entendia o filósofo, elas deveriam estar excluídas do sistema de instrução comum, pois se alguma profissão que era exclusiva aos homens, e necessitassem de formação específica, seria dada uma instrução complementar para prepará-los às funções exigidas.

O filósofo analisou as dificuldades que as mulheres enfrentavam, quando se tratava da dedicação ao progresso das luzes, a produção científica, uma vez que elas exerciam as funções maternas e grande parte do seu tempo dedicavam para o cuidado com o crescimento dos seus filhos e os serviços domésticos. Por outro lado, Condorcet defendeu o direito das mulheres compartilharem a mesma instrução que os homens, pois quem mais acompanhava os filhos no lar, eram as mães, e para que elas pudessem contribuir na instrução dos filhos com maior eficiência, prepará-los para as atividades do sistema público, era necessário a formação básica das mães, e em casa que fariam.

Seria, pois, impossível estabelecer na instrução a igualdade necessária à manutenção dos direitos dos homens, sem a qual não se poderia nem mesmo empregar nela legitimamente os recursos das propriedades nacionais, se, não fazendo as mulheres percorrerem pelo menos os primeiros graus da instrução comum, não as colocássemos em condições de cuidar da instrução de seus filhos (CONDORCET, 2008, p. 59).

Portanto, se não fosse oportunizar acessos iguais à instrução, desde então, estar-se-ia introduzindo uma notável desigualdade não apenas na família (marido e esposa), mas em toda a sociedade: “A igualdade é, em todo lugar, mas sobretudo nas famílias, o primeiro elemento da felicidade, da paz e das virtudes” (CONDORCET, 2008, p. 59). Além do mais, há vivências no lar que se transformam em conhecimentos para a vida. Num primeiro momento, aqueles conhecimentos vivenciados no íntimo da família, podem até serem considerados inúteis, mas eles fazem parte de uma educação geral, demonstrados na generosidade amorosa que se expressa nas relações e caráter de cada indivíduo. A equiparação à instrução possibilita várias outras vantagens, para justificar a argumentação de Concorcet, pois o homem estando ao lado de uma mulher tão bem instruída quanto ele, ambos teriam um desenvolvimento mútuo, debateriam temáticas juntos, teriam um aperfeiçoamento recíproco.

As mulheres têm os mesmos direitos que os homens; logo, elas têm o direito de obter as mesmas facilidades para adquirir as luzes, que podem lhes dar os meios de exercer realmente tais direitos, com uma mesma independência e numa extensão igual (CONDORCET, 2008, p. 61).

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Se o direito à instrução é comum tanto para homens como para mulheres, também deve ser igual o direito na escolha dos mestres. Deve ser confiado, tanto para homens como para mulheres a função de professor. É salutar para os costumes, entendia Condorcet, a junção dos sexos para o bom exercício dos direitos, até mesmo para superar as divergentes práticas que a antiga moral religiosa exercia, a discriminação e rebaixamento da mulher, ou seja, um tratamento desigual diante de uma Constituição que tinha por princípio a igualdade.

1.6 Da instrução comum para as crianças

Condorcet traçou um plano de instrução comum, com princípios basilares aos diferentes graus e necessidades de educação.

O primeiro grau de instrução seria básico e com o objetivo de oportunizar a todas as pessoas terem as condições mínimas de compreender a legislação de convivência. “Este grau de instrução comum tem a finalidade de colocar todos os habitantes de um país em condições de conhecer seus direitos e seus deveres, a fim de poder exercer uns e cumprir outros, sem serem obrigados a recorrer a uma razão alheia” (CONDORCET, 2008, p.71). Necessário que esta instrução atenda as necessidades básicas para que todos possam exercer funções públicas, como provê a Constituição francesa, por exemplo, para exercer o direito de eleitor, jurado e membro de conselhos gerais.

Neste sentido, para que todos possam ter acesso à instrução e consigam exercer as funções de cidadãos, fez-se necessário uma escola pública em cada microrregião, com a disposição de um mestre em cada educandário. Em regiões mais populosas, haveria mais escolas e mais mestres, não permitindo que cada mestre tivesse sob sua responsabilidade de instrução mais que duzentos alunos.

A proposta de Condorcet para este primeiro grau de instrução comum teria duração de quatro anos e seria disponibilizada para todas as crianças entre nove e treze anos de idade. Nesta fase inicial de formação, nenhuma criança estaria sujeita a perder alguma oportunidade de formação profissional ou outro impedimento essencial. Ela apenas estaria disponível a receber a instrução básica e comum para todo e qualquer cidadão, necessárias para a vida.

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Diferente situação seria para as fases seguintes da instrução, que conforme Condorcet, seriam mais dois graus, com igual tempo de permanência em cada um deles, ou seja, “as crianças seriam conduzidas naturalmente até a idade de 21 anos, termo escolhido na França para a inscrição cívica e que, visto o atual estado das luzes, logo se converterá na época comum da maioridade em todos os países” (CONDORCET, 2008, p. 73). Se fosse o caso de existir apenas uma escola naquele povoado, os alunos seriam distribuídos em quatro classes distintas, e receberiam uma aula por dia, sendo que metade dela seria dada pelo professor e a outra metade por um aluno escolhido pelos seus colegas que estivesse naquela etapa de instrução. Ou seja, o professor estaria meio turno em cada uma das quatro classes e o restante do tempo os alunos receberiam tarefas pré-estabelecidas pelo auxiliar do professor.

Seria diferente a metodologia utilizada, na proposta de Condorcet, se houvesse dois professores na comunidade. Cada um deles seria responsável para dar aulas a duas turmas sequenciais, primeira e segunda um, terceira e quarta outro, para que no ano seguinte o mesmo professor continuasse acompanhando a instrução dos mesmos alunos até o final do período. Segundo o filósofo, este processo de distribuição teria suas vantagens: “Primeiro, os alunos não trocariam de professor, o que é um grande bem não somente para a instrução, mas também para seu caráter, e segundo, é preciso que cada professor tenha condições de dar a totalidade do curso, o que impede de se confiar os primeiros elementos a homens de uma ignorância absoluta” (CONDORCET, 2008, p. 74).

1.7 Os conteúdos dos estudos iniciais

Basicamente, no primeiro ano de estudos, os alunos terão a tarefa de aprender a ler e escrever. O conhecimento do sentido das palavras e frases dar-se-ia em momento posterior, com instruções adequadas ao nível da dificuldade apresentada. As crianças estariam tendo as instruções necessárias para formar as conexões de objetos com o respectiva palavra, constituído o sentido das palavras e, por conseguinte, num nível mais avançado, o sentido das frases. Este exercício teria o subsídio de um livro orientador, um para o professor e outro para o aluno. O aprendizado seria o resultado deste esforço entre o desconhecido e o conhecido. “Seria para elas (as crianças), um exercício divertido, uma espécie de jogo no qual se desenvolveria sua emulação

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nascente, no seio de uma alegria que impediria que o triste orgulho se aproximasse de suas almas puras e ingênuas” (CONDORCET, 2008, p. 75).

Um segundo passo importante dos estudos iniciais, presente no livro que auxiliaria os estudos, seriam as curtas histórias morais, propõe Condorcet. Seria de fundamental importância às crianças desenvolver o senso dos primeiros sentimentos morais:

Ter-se-ia o cuidado de afastar dessas histórias qualquer máxima, qualquer reflexão, já que não se trata ainda de lhes dar princípios de conduta ou de lhes ensinar verdades, mas de dispô-las a refletir sobre seus sentimentos e prepará-las para as ideias morais que devem nascer, um dia, dessas reflexões (CONDORCET, 2008, p. 76).

Na proposta de Condorcet, os sentimentos de piedade devem ser estimulados já na fase inicial de instrução das crianças, e que sejam exercitados em todas as pessoas e para toda a vida. Estes sentimentos de piedade “são fundados em motivos simples e próximos de nossas sensações imediatas de prazer e dor” (CONDORCET, 2008, p.76), tão logo que constituímos a ideia distinta de indivíduo. Ou seja, os sentimentos de piedade e de virtude emergem do interior de cada pessoa como um sentimento irrefletido e quase orgânico, produzido pelos sentidos sensoriais do corpo ou, também, pela sensibilidade de outro ser, mas que são necessários ativá-los, para que sejam desenvolvidos pela pessoa.

Se habituarmos uma criança a ver animais sofrerem com indiferença ou até mesmo com prazer, enfraqueceremos ou destruiremos nela, mesmo a respeito dos homens, o germe da sensibilidade natural, princípio ativo de toda moralidade, assim como de toda virtude, e sem a qual ela não é mais nada senão cálculo de interesse, fria combinação da razão (CONDORCET, 2008, p. 76).

O desenvolvimento destes sentimentos morais não acontece de maneira igual em todas as pessoas, pois depende das atividades cotidianas que habitualmente a pessoa esteja envolvida, ressalta Condorcet, pois se uma criança é deixada de lado e absorvida pelos maus tratos, obviamente que ela se tornará uma pessoa bruta: “O hábito da dureza produz uma disposição para a ferocidade, que é a maior inimiga das virtudes da liberdade dos povos, a única desculpa dos tiranos, o único pretexto especioso de todas as leis fundadas na desigualdade” (CONDORCET, 2008, p. 77). Portanto, basta desenvolver estes sentimentos, e para tal, não se faz necessário muito conhecimento, apenas exercitar a razão será suficiente para que as pessoas tornem-se boas, afirma o filósofo.

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Outra atividade a ser desenvolvida na fase inicial do primeiro ano da instrução, propõe Condorcert, seria escolher histórias descritivas de animais e vegetais, para que após a leitura os alunos pudessem fazer o comparativo entre o texto e o objeto descrito, e pudessem, assim, perceber que nem toda realidade poderia ser captada pelos sentidos, mas que com o auxílio do texto/escrita seria possível chegar até os objetos e à vida dos mesmos. No primeiro ano, os alunos ainda conheceriam o sistema de numeração decimal, sempre na metodologia de conhecer e comparar com a realidade. Todas as atividades instruídas aos alunos estariam subsidiadas com o livro do aluno e, um outro, específico para o professor, com instruções complementares ao seu próprio conhecimento ou que viesse a espontaneamente surgir, com as dúvidas que os alunos poderiam suscitar. Para a eficácia do conhecimento, não menos importante, sugere Condorcet, que os pais também tivessem um livro específico para acompanhar em casa a educação de seus filhos.

As etapas de compreensão vão ocorrendo aos poucos no processo de instrução das pessoas. Segundo Condorcet, ela inicia com ideias vagas e incompletas na primeira fase educativa; posteriormente, nas fases seguintes, com mais elementos para análises das situações, ela se complementa com ideias mais abrangentes e precisas, “sem nunca atingir os limites com essa precisão e esse conhecimento completo dos objetos” (CONDORCET, 2008, p. 83). Importante sublinhar para este processo de aprendizado que o conhecimento dos objetos e significado das palavras, uma vez compreendidas, não se tornam ideias completas e determinadas, mas são passíveis de novas interpretações e aprofundamento de sentido.

No segundo ano da primeira fase de instrução, o livro de leitura teria em seu interior histórias morais, contudo, os sentimentos naturais a serem levados à classe seriam mais e melhor refletidos. A centralidade do conteúdo a ser trabalhado no segundo ano foi assim definido por Condorcet:

[...] os primeiros movimentos da piedade seriam substituídos pelos da benevolência e das doçuras que acompanham o cuidado com a humanidade; o sentimento de reconhecimento seria substituído pelo prazer de manifestá-lo por meio de sinais, o zelo atento da amizade por suas doces emoções (CONDORCET, 2008, p. 86).

Na proposta do filósofo, é importante que a partir desta idade as crianças desenvolvam o senso moral. O objetivo das histórias é fazer “que nasçam ideias morais, de modo que as crianças, advertidas a prestarem atenção a seus sentimentos, possam

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elas mesmas formarem essas ideias” (CONDORCET, 2008, p. 86), auxiliadas sempre pelo professor, seu método e o livro.

Para além da moral, a instrução tem por finalidade o ensinamento das ciências às crianças. O método do ensino das ciências deve variar segundo as finalidades que alunos e professor se propõem. Se o objetivo for obter um conhecimento geral das ciências, faz-se necessário introduzir uma sistematização de conhecimento desde os primeiros anos da escola, para que o aluno consiga dominar e ter presente em sua memória os princípios científicos quando necessários aplicá-los em alguma defesa conceitual. Agora, se o ensinamento das ciências for voltado para utilidades mais circunstanciais da vida, “nunca seria demais investigar, familiarizar o espírito dos alunos com as ideias que são relativas a essa ciência, com as operações das quais podem ter necessidade de executar” (CONDORCET, 2008, p. 89). As instruções científicas desta última perspectiva estariam mais voltadas para experimentos práticos e necessários para o viver cotidiano, priorizando os conhecimentos básicos.

As ideias morais estarão melhor estruturadas e formadas nos alunos quando estiverem frequentando o terceiro ano da instrução, pois terão condições mais adequadas de analisar as histórias dos livros com o sentido que as palavras tem. A reflexão moral far-se-á pelo indivíduo exclusivamente. O professor facilitará o caminho do conhecimento, mas a compreensão necessariamente passará pelos sentidos interiores do indivíduo, “porque as ideias neste caso não se formam pela visão dos objetos sensíveis nem por combinações precisas de ideias abstratas” (CONDORCET, 2008, p. 91). No terceiro ano, os alunos terão, também, a continuação dos conhecimentos de História Natural (toda parte descritiva), resolução de problemas em Aritmética (questões simples inicialmente e depois complexas), noções em Geometria e Agrimensura (conhecimento que utilizarão para medição de terrenos, desenhos de figuras geométricas para auxiliar no reconhecimento de áreas, enfim, utilizar-se dos cálculos matemáticos para o domínio de questões práticas da vida).

No último ano do primeiro nível de instrução, Condorcet propõe que seja priorizado o estudo dos princípios morais, “pois já é tempo de apresentá-los aos alunos diretamente, e a um pequeno código de moral que seja suficiente para toda a conduta da vida” (CONDORCET, 2008, p. 92). Nesta faixa etária, importante que as crianças já tenham presente em sua vida as noções morais no que tange as questões dos relacionamentos em geral - do marido com a mulher, do pai com os filhos, do funcionário público com os cidadãos – para que numa fase posterior as crianças tenham

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facilidade de assimilar os deveres e direitos básicos que a ordem social impõe a todos os cidadãos. Por fim, o quarto ano de instrução dar-se-ia ainda, noções básicas de física, no intuito de auxiliar a compreensão dos alunos sobre o funcionamento das máquinas utilizadas nos afazeres domésticos.

De um modo geral, o estudo desta primeira fase da instrução seria mais para preservar as pessoas do erro do que para apresentar verdadeiras luzes: “Uma das maiores vantagens da instrução, com efeito, é a de proteger os homens contra as falsas opiniões nas quais podem se afundar por causa de sua própria imaginação e pelo entusiasmo pelos charlatões” (CONDORCET, 2008, p. 95). Estimular a imaginação criativa e própria nas crianças, facilitará a apropriação de ideias justas. Não seria uma memorização de teorias externas, e sim, lembra Condorcet, o entendimento das histórias lidas, das palavras escritas e dos problemas analisados.

Podemos resumir sinteticamente que na proposta de Condorcet, conforme descrevemos acima, a primeira instrução tem como meta atingir os conhecimentos mais necessários desenvolvendo na criança a possibilidade da formação da inteligência, da memória e do raciocínio. Estas três características fundamentais na constituição do ser humano formam a base para que ela consiga seguir em frente na busca de uma formação mais extensa e completa nas fases seguintes. “Ao cumprir esse primeiro objetivo da educação, que deve ser o de desenvolver, fortalecer e aperfeiçoar as faculdades naturais, ter-se-ão escolhido, para exercer tais faculdades, assuntos que terão, pelo resto da vida, uma utilidade diária” (CONDORCET, 2008, p. 96). Contudo, por mais que os esforços sejam fortalecidos durante a instrução, é no meio familiar, entre pais e filhos, que se inicia o processo pelo gosto do estudo e o interesse por alçar vôos mais fecundos para a vida adulta.

1.8 O segundo grau de instrução

Para este grau de instrução, com menos público a frequentar, os estabelecimentos seriam criados em menor número. Condorcet propõe que tivesse um estabelecimento em cada distrito, abrangendo a junção de várias comunidades de uma mesma região territorial. Neste grau, diz o filósofo, o ensino será separado em duas partes:

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Na primeira, um curso regular de instrução geral dará continuidade àquela que já foi recebida. Esse curso durará quatro anos, o que obriga a que se tenham dois ou quatro professores, a fim de que o ensino de um deles possa corresponder, em cada ano, a uma das quatro divisões do curso, e que cada um possa percorrer, sucessivamente, a totalidade para a mesma classe de alunos. A segunda parte será destinada a ensinar, com mais detalhes e maior extensão, as ciências particulares cuja utilidade for maior. E, assim, seja que os cursos particulares dessas ciências durem um ou dois anos, serão distribuídos de modo que cada aluno possa seguir todos no espaço de um ano, ou seguir um só e repeti-lo várias vezes (CONDORCET, 2008, p. 98).

Nesta formatação estrutural do curso, todos os alunos dispõe de uma base comum de instrução, enquanto que, para aqueles que se sobressaem intelectualmente, teriam a sua disposição cursos específicos conforme os gostos e aptidões desejadas por eles. Mas quais seriam estes elementos que formariam a base comum dos estudos? Segundo Condorcet, entre os objetos da instrução que serviria para a vida de todas as pessoas, estaria incluído um estudo elementar de Matemática, de História Natural e de Física. Além destas matérias, seria incluído também os princípios das ciências políticas - conteúdo necessário para embasar o conhecimento da Constituição nacional: “serão explicadas as principais disposições das leis segundo as quais o país é governado” (CONDORCET, 2008, p. 99) – e as noções fundamentais da Gramática e da Metafísica, os princípios elementares da Lógica e ideias elementares de História e de Geografia. A organização do ensinamento destas ciências seria distribuída respectivamente para quatro professores, prevê Condorcet. Os mestres devem instruir seus alunos com o propósito de que os conhecimentos adquiridos sejam bons tanto para a felicidade própria do aluno como para ocupar cargos públicos dignamente.

Não nos deteremos em nossa análise, no modo de ensinar cada ciência proposto neste segundo nível de instrução, contudo, elas contêm a base para uma educação geral a todos, oferecida pelo Estado. Quem desejar e possuiu habilidades específicas, há a possibilidade de um aprofundamento especial do conhecimento delas, neste caso, pelo ensino das ciências particulares. Esta instrução complementar, oferecida por professores mais esclarecidos, permitiria uma aceleração do conhecimento e o progresso da razão.

1.9 O terceiro grau de instrução

Este grau de instrução seria assim organizado: “A geral seria dada na capital de cada departamento, por quatro professores que seguiriam cada curso de quatro anos, e

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