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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Letras. Andreza Barroso Gonçalves

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(1)

Andreza Barroso Gonçalves

A ALTERNÂNCIA ENTRE AS FORMAS PRONOMINAIS DE PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL, NA COMUNIDADE DE FALA DE BELO HORIZONTE:

uma abordagem variacionista

Belo Horizonte 2013

(2)

Andreza Barroso Gonçalves

A ALTERNÂNCIA ENTRE AS FORMAS PRONOMINAIS DE PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL, NA COMUNIDADE DE FALA DE BELO HORIZONTE:

uma abordagem variacionista

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestra em Linguística e Língua Portuguesa.

Orientador: Marco Antônio de Oliveira

Belo Horizonte

(3)

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Gonçalves, Andreza Barroso

G635a A alternância entre as formas pronominais de primeira pessoa do plural, na comunidade de fala de Belo Horizonte: uma abordagem variacionista / Andreza Barroso Gonçalves. Belo Horizonte, 2013.

152f.: il.

Orientador: Marco Antônio de Oliveira

Dissertação (Mestrado)- Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras.

1. Língua portuguesa - Pronome. 2. Língua portuguesa - Verbos. 3. Linguagem e línguas - Variação. 4. Sociolinguística. 5. Linguística - Estudo e ensino. I. Oliveira, Marco Antônio de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras. IV. Título.

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Andreza Barroso Gonçalves

A ALTERNÂNCIA ENTRE AS FORMAS PRONOMINAIS DE PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL, NA COMUNIDADE DE FALA DE BELO HORIZONTE:

uma abordagem variacionista

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestra em Linguística e Língua Portuguesa.

____________________________________________________________________ Marco Antônio de Oliveira (Orientador) – PUC Minas

____________________________________________________________________ Arabie Bezri Hermont – PUC Minas

_____________________________________________________________________ Vanda de Oliveira Bittencourt - UFMG

(5)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus por permitir a vida e, assim, poder compreender o valor da educação para minha formação humana e pessoal.

Não poderia deixar de expressar a dificuldade em agradecer e fazer uma pequena homenagem ao meu querido orientador. Difícil porque agradecer aos empréstimos cotidianos de sua sabedoria, serenidade e maestria no ato de ensinar, é uma tarefa quase impossível. No entanto, minha singela homenagem é fazer com que minha trajetória de vida seja pautada, sempre, nessa maneira tão peculiar, simples e repleta dos mais diversos conhecimentos, do grande professor, Marco Antônio.

A vocês, pai e mãe, que me fazem perceber o verdadeiro sentido da palavra amor, pois se um dia a terra ceder aos meus pés, se minhas obras desmoronarem, se ninguém a minha volta estender a mão, esquecerei minha maturidade, passarei pela minha mocidade, voltarei a minha infância e balbuciarei entre lágrimas e esperanças, as últimas palavras que sempre estarão cravadas na minha alma: minha mãe, meu pai! Obrigada por tudo.

Ao meu namorado, que carinhosamente chamo de Guigui, obrigada por estar ao meu lado, compreender meus dilemas, suportar minhas crises e ser o meu melhor e mais fiel companheiro.

Obrigada minha querida irmã, Deia, por ser especial e fazer parte da minha história. Ao meu tio-pai, Afonso, pelo imenso carinho demonstrado por mim durante toda minha vida. A todas as minhas amigas e amigos, especialmente a minha ‘colega’ Ana Paula, por me ouvir e me aconselhar sempre.

Não poderia deixar de demonstrar minha gratidão a algumas pessoas que colaboraram, de forma significativa, para a elaboração deste trabalho: Luiz Felipe Calabria Lopes, D. Marlene Dupin e os meus informantes.

Agradeço à PUC e aos funcionários da pós-graduação, por trabalharem com seriedade e compromisso com os alunos e alunas dessa Instituição.

(6)

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo descrever e analisar a variável da 1ª pessoa do plural e suas variantes, nós e a gente, na comunidade de fala de Belo Horizonte – MG, tendo como base a teoria da Variação Linguística ou Sociolinguística Variacionista. Para a realização deste trabalho foram coletadas 24 entrevistas espontâneas com falantes residentes na capital mineira por, no mínimo, 5 anos. Obtivemos um total de 484 dados, que foram analisados em relação a fatores linguísticos (função gramatical, desinência número-pessoal, transitividade

verbal, tempo verbal, localização na frase, referência e saliência fônica) e fatores sociais

(gênero, faixa etária, logradouro, classe social e escolaridade). Os dados extraídos foram submetidos a uma análise quantitativa, a partir do programa Varbrul 2001 e, em seguida, foi feita a análise qualitativa. Os resultados alcançados procuram mostrar se a forma inovadora a

gente está substituindo o pronome nós em determinados contextos sociais e linguísticos e se o

fenômeno linguístico analisado é uma mudança em progresso ou um caso de variação estável. Os resultados desta pesquisa podem colaborar para futuros estudos relacionados à área da sociolinguística e da variação dialetal. As principais conclusões a que chegamos são: a forma

a gente está sendo mais usada do que o pronome nós em vários contextos sociais e

linguísticos; estamos diante de uma mudança em progresso, devido ao processo de variação linguística caminhar para sua resolução a favor da forma a gente, em detrimento de nós; o fato de cinco dos oito grupos de fatores selecionados pelo Varbrul como significativos serem de natureza estrutural, evidencia que a forma a gente está sendo inserida cada vez mais no sistema pronominal do português.

Palavras chaves: Variação da 1ª pessoa do plural. Sociolinguística Variacionista. Variáveis linguísticas e sociais.

(7)

ABSTRACT

The purpose of this study is to describe and analyze the use of the 1st person plural and its variables “nós” and “a gente” by the Portuguese-speaking community in the city of Belo Horizonte, State of Minas Gerais, Brazil. The study is based on the theory of Linguistic Variation or Variationist Sociolinguistics. Twenty-four (24) spontaneous interviews were conducted with speakers who have resided in the aforementioned city for a period not shorter than five (5) years. A total of 484 data were obtained and analyzed according to linguistic factors (part of speech, number-person inflections, verb transitivity, verb tense, position in the

sentence, reference and phonetic stress) and social factors (gender, age, street addresses, social class and education) . All data were submitted to a quantitative analysis using “Varbrul

2001” and to a qualitative analysis. Results should show whether the innovative form “a

gente” is replacing the pronoun “nós” in certain social and linguistic contexts and whether this

linguistic phenomenon is a change in progress or a stable variation. Results shall contribute to future studies related to the area of sociolinguistics and dialectal variation. The main conclusions of this study are: the form “a gente” is used more often than the pronoun “nós” in several social and linguistic contexts; such phenomenon is a change in progress, as the process of linguistic variation moves towards discarding the use of “nós” in favor of “a

gente”; insofar as five (5) out of the eight (8) factor groups selected by Varbrul as significant

have a structural nature, it may be inferred that the form “a gente” has been increasingly inserted in the Portuguese pronoun system.

Keywords: Variation of the 1st person plural. Variationist Sociolinguistics. Social and linguistic variables.

(8)

Tabela 1 – Presença de P4 em tempo real de curta duração ... 32

Tabela 2 - Frequência e probabilidade de a gente na sequência do discurso ... 35

Tabela 3 - Área territorial, população e densidade demográfica de Belo Horizonte ... 71

Tabela 4 - Taxas anuais de crescimento populacional (%), Brasil ... 79

Tabela 5 - Censo Demográfico 2000-2010 ... 83

Tabela 6 - Valores obtidos a partir de testes que evidenciam os grupos de fatores significativos para o uso da variável independente a gente ... 126

Tabela 7 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores gênero em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos relativos ... 127

Tabela 8 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores nível de escolaridade em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos relativos ... 128

Tabela 9 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores estilo de fala em relação ao uso das variantes a gente e nós ... 129

Tabela 10 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores transitividade verbal em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos relativos ... 130

Tabela 11 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores localização na frase em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos relativos ... 131

Tabela 12 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores referência em relação ao uso das variantes a gente e nós ... 132

Tabela 13 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores desinência número-pessoal em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos ... 133

Tabela 14 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores disposição da variável na sequência do discurso em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos relativos ... 135

Tabela 15 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores classe social em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos relativos . 138 Tabela 16 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores função gramatical em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos relativos ... 139

Tabela 17 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores faixa etária em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos relativos . 141 Tabela 18 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores logradouro em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos relativos ... 143 Tabela 19 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores tempo

(9)

Tabela 20 - Resultados do total de ocorrências e frequência do grupo de fatores saliência

fônica em relação ao uso das variantes a gente e nós e seus respectivos pesos relativos 146

Tabela 21 - Resultados do total de ocorrências e frequência da junção dos grupos de fatores gênero e dos informantes com até 35 anos, em relação ao uso das variantes a

gente e nós ... 148

Tabela 22 - Resultados do total de ocorrências e frequência da junção dos grupos de fatores gênero e dos informantes que possuíam acima de 35 anos, em relação ao uso das variantes a gente e nós ... 148

(10)

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Traços morfo-semânticos de gênero, número e pessoa de gente e a gente .... 31

Quadro 2 - Relação dos informantes por gênero, faixa etária, logradouro, classe social e escolaridade ... 96

Quadro 3 - Níveis de saliência fônica ... 108

Quadro 4 - Níveis de saliência fônica – alterações ... 109

Quadro 5 - Relação dos informantes por gênero, faixa etária, logradouro, classe social e escolaridade ... 110

Quadro 6 - Relação dos informantes por gênero ... 113

Quadro 7 - Relação de informantes por faixa etária ... 113

Quadro 8 - Relação dos informantes por logradouro ... 114

Quadro 9 - Relação dos informantes por profissão e grupo social ... 116

Quadro 10 - Relação dos informantes por nível de escolaridade ... 118

(11)

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Percentual de casos de a gente e nós ... 124 Gráfico 2 - Porcentagem do número de informantes por faixa etária, em relação ao uso do nós e a gente ... 142

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 A VARIÁVEL DEPENDENTE ... 15

2.1 As variantes: nós e a gente ... 15

2.2 A mudança de a gente ... 16

2.3 Processo de gramaticalização de a gente ... 18

2.4 A gente nas gramáticas ... 37

3 REVISÃO DA LITERATURA ... 40 3.1 Lopes (1999) ... 40 3.2 Rocha (2009) ... 43 3.3 Almeida (1991) ... 45 3.4 Maia (2003, 2009, 2012) ... 48 3.5 Zilles (2005, 2007) ... 54 3.6 Omena (1996) ... 56

3.7 Considerações acerca dos pronomes pessoais nas gramáticas ... 58

4 COMUNIDADE DE FALA ... 63

4.1 Belo Horizonte ... 63

4.1.1 Cronologia histórica e evolução da ocupação de Belo Horizonte ... 66

4.2 As regionais Barreiro, Leste e Oeste de Belo Horizonte ... 67

4.2.1 Regional do Barreiro ... 67

4.2.2 Regional Leste - Santa Tereza ... 69

4.2.3 Regional Oeste – Prado ... 71

4.3 Aspectos sociais, econômicos e demográficos de Belo Horizonte... 72

4.3.1 Evolução sócio-demográfica de Belo Horizonte ... 72

4.3.2 Características demográficas de Belo Horizonte ... 76

4.3.3 Mobilidade urbana em Belo Horizonte ... 78

4.5 Considerações sobre os aspectos sociodemográficos apresentados ... 80

5 METODOLOGIA ... 82

5.1 Teoria da Variação e Mudança Linguística ... 82

5.2 Seleção dos informantes ... 87

5.3 Análise Quantitativa ... 91 6. AS VARIÁVEIS ... 95 6.1Variáveisindependentes ... 95 6.1.1 Variáveis estruturais ... 95 6.1.2 Função gramatical ... 95 6.1.3 Desinência número-pessoal... 97 6.1.4 Transitividade verbal ... 97 6.1.5 Tempo verbal ... 98 6.1.6 Localização na frase ... 98 6.1.7 Referência ... 99

(13)

6.1.9 Saliência fônica ... 101

6.2 Variáveis não estruturais ... 103

6.2.1 Gênero ... 105 6.2.2 Faixa etária ... 107 6.2.3 Logradouro ... 108 6.2.4 Classe social ... 109 6.2.5 Escolaridade ... 111 6.2.6 Estilo de fala ... 112 7 ANÁLISE QUANTITATIVA ... 114 7.1 O Varbrul ... 114

7.2 Resultado geral da análise da variação da 1ª pessoa do plural ... 118

7.3. Grupos de fatores não selecionados ... 121

7.3.1 Gênero ... 121 7.3.2 Nível de escolaridade ... 122 7.3.3 Estilo de fala ... 123 7.3.4 Transitividade verbal ... 123 7.3.5 Localização na frase ... 124 7.3.6 Referência ... 125

7.4 Análise dos grupos de fatores selecionados ... 126

7.4.1 Desinência número-pessoal... 127

7.4.2 Disposição da variável na sequência do discurso ... 128

7.4.3 Classe social ... 131 7.4.4 Função Gramatical ... 133 7.4.5 Faixa etária ... 135 7.4.6 Logradouro ... 137 7.4.7 Tempo verbal ... 138 7.4.8 Saliência fônica ... 140 8 CONCLUSÕES ... 141 REFERÊNCIAS ... 148

(14)

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como meta pesquisar um fenômeno específico de variação linguística, no âmbito do dialeto de Belo Horizonte – MG. Pretende-se analisar a variação pronominal entre as formas de “nós” e as formas de “a gente”, de acordo com os dados coletados em entrevistas individuais feitas no decorrer do curso e entrevistas do banco de dados do projeto “Descrição sócio-histórica do Português de Belo Horizonte”. Serão consideradas ocorrências, como:

(1)

a) E graças a Deus,vinha lá pelas quatro, cinco hora, cinco e meia a gente vinha embora, com as vasilha vazia. (1+#Ç!)

b) De vez em quando tinha aquelas festas deles. Serestra né, a gente ia. (1+#Ç!)

c) Se dentro de três meses, se não chega a tira o seu salário, nós cobrimo. (0'+#Ç!)

Nas sentenças acima nota-se que o falante faz referência a ele + alguém do discurso. Além disso, nota-se que nos exemplos (1a e b) a forma a gente expressa à voz do falante.

(2)

a) A gente que é homem (1-#B) b) Nós fomos. (0-#B)

Nos exemplos acima, a forma inovadora ocorre com o verbo no tempo presente e com a desinência da 3ª pessoa do singular. O pronome nós ocorre com o verbo no tempo passado e com a desinência da 1ª pessoa do plural.

(3)

a) Sempre foi péssima ..nunca foi uma boa visão não.. tem muito é... é como se a

gente fosse abandonado... pela saúde pública, pelo governo pela sociedade. é

descriminados... sabe. Então, mas como a gente. Mas em outras parte é conveniente também pra gente. (1+#p)

(15)

Na sentença 3 (a) é possível perceber o efeito do paralelismo formal, ou seja, se o falante optar por usar a forma inovadora a gente, provavelmente continuará usando esta forma; caso opte pelo pronome nós a tendência é continuar usando o nós.

Vários aspectos já citados em trabalhos anteriores foram debatidos em estudos linguísticos recentes (ALMEIDA, 1991; LOPES, 1999; ZILLES, 2005; MAIA, 2009; ROCHA, 2009), porém as conclusões acerca da variação pronominal da 1ª PP divergem em alguns pontos. Por exemplo, Maia (2003) em sua análise de tempo aparente da variação da 1ª PP afirma estar diante de uma mudança em progresso. Rocha (2009) declara que os resultados obtidos em sua pesquisa sugerem uma variação estável.

Zilles (2005) apresenta em seu estudo a análise da variação de uso entre o pronome

nós e a forma inovadora a gente, entre falantes da cidade de Porto Alegre – Rio Grande do

Sul. Para autora, esse processo faz parte de uma reestruturação gramatical pela qual o português do Brasil está passando. Assim, a forma a gente passou a ser usada com o sentido de nós, devido o processo gramaticalização que vem sofrendo desde o século XIX.

Lopes (1999) faz um exame cuidadoso da implementação da forma a gente no sistema pronominal do português, realizando estudos de tempo real de longa e curta duração. A autora apresenta, entre outras coisas, uma leitura histórico-descritiva de natureza etimológica da forma ‘gente’. O corpus diacrônico possibilitou verificar que aconteceram perdas e ganhos em relação às propriedades formais e semânticas dos dois itens, nós e a gente. Assim, a autora fez um levantamento de fatores linguísticos e extralinguísticos que podem dar conta do processo de gramaticalização do substantivo gente, com base nos pressupostos variacionistas, da teoria gerativa e da teoria funcionalista.

Maia (2003) mostra os resultados do seu trabalho, realizado numa localidade urbana e outra rural, respectivamente, Belo Horizonte e Pombal - Minas Gerais. A autora apresenta resultados referentes à variação de 1ª pessoa do plural. Para isso, foi realizado um estudo dos fatores linguísticos e extralinguísticos, com base na Teoria da Variação de Weinreich, Labov e Herzog. Tais fatores evidenciam a força da morfologia no fenômeno em questão. Além disso, a análise de tempo aparente verificou uma mudança em progresso.

Rocha (2009) faz uma investigação sobre as alternâncias entre as formas nós e a gente, nos pronomes pessoais, e seu, sua (s), dele, dela (s), nos pronomes possessivos. Os dois casos foram quantificados e analisados conforme as técnicas e pressupostos da Teoria da Variação. A alternância entre as variantes da 1ª pessoa do plural, nós e a gente, sofreu um processo de gramaticalização e passou a estar presente em construções em que se esperaria o pronome nós

(16)

(ROCHA, 2009). Assim, com base no estudo dos fatores estruturais e não-estruturais, Rocha (2009) afirma que os resultados indicam que a variação da 1ª pessoa do plural é estável.

A partir do trabalho de Maia (2003) e Rocha (2009) sobre o dialeto dos moradores de Belo Horizonte em relação ao perfil da variável de 1ª pessoa do plural, espera-se também, definir se se trata de uma mudança em progresso ou de uma variável de natureza estável.

Esta dissertação contém oito capítulos. O primeiro capítulo é a Introdução. No capítulo dois será feita uma análise das variantes do fenômeno de variação linguística da 1ª pessoa do plural, nós e a gente, baseado nos estudos que já existem no português e na fala belorizontina, apresentando comentários sobre as informações encontradas em gramáticas normativas e descritivas sobre a ocorrência da forma a gente, descrições das mudanças ocorridas com a

gente e das fases do processo de gramaticalização. O capítulo três faz uma descrição dos

trabalhos sobre a variação pronominal do português, especialmente, a alternância entre as formas nós e a gente. O capítulo quatro trata dos aspectos demográficos etnográficos e do contexto social da comunidade de fala de Belo Horizonte. O capítulo cinco é composto pela metodologia, especificamente, sobre o recorte dos grupos de fatores, mostrando quais e o porquê os critérios foram escolhidos na seleção da comunidade fala. O capítulo seis apresenta uma breve descrição das variáveis independentes de ordem estrutural e não estrutural. O capítulo sete mostra a análise quantitativa e qualitativa dos dados, baseados na rodada do GOLDVARB, e apresenta a avaliação do resultado da pesquisa sobre o sistema pronominal da cidade de Belo Horizonte, referente ao uso do pronome nós e da forma inovadora a gente. E o último capítulo é direcionado para as considerações finais, acerca do trabalho desenvolvido.

(17)

2 A VARIÁVEL DEPENDENTE

Pretende-se neste capítulo fazer uma análise das variantes do fenômeno de variação linguística da 1ª Pessoa do plural, nós e a gente. Inicialmente discorreremos sobre o pronome

nós e, em seguida, sobre a forma inovadora a gente. A respeito deste último serão feitos

comentários sobre as informações encontradas em gramáticas normativas e descritivas sobre a ocorrência da forma a gente (CUNHA, 1975; NEVES, 2000; PERINI, 1997). Além disso, será feita uma descrição das mudanças ocorridas com a gente e das fases do processo de gramaticalização que esta forma sofreu, fundamentando-se em trabalhos como os de Omena (1996), Almeida (1991), Lopes (1999), Maia (2003), Rocha (2009), Zilles (2005, 2007).

Vale ressaltar que uma das autoras mais citadas neste capítulo e em outras partes deste trabalho é Lopes (1998, 1999, 2002, 2004), devido à relevância de seu extenso trabalho sobre a variação pronominal da 1ª pessoa do plural. A autora faz um levantamento histórico-descritivo da inserção de a gente no sistema pronominal do português. Para isso, foram examinados corpora orais e escritos, sendo estes retirados do Projeto NURC – RJ e aqueles textos escritos do século XVIII ao XX, analisados em tempo real de longa e curta duração.

2.1 As variantes: nós e a gente

Segundo Faraco & Moura (2000) nós, o pronome sujeito de 1ª pessoa do plural, representa quem fala ou quem escreve – de quem parte o discurso. O pronome nós também é usado pelos falantes para não fazer imposições oriundas do maior uso do eu.

Cunha (1972) afirma que o pronome nós era usado com intuito de poupar um tom impositivo ou muito pessoal, quando opiniões ou discussões fossem proferidas. Tal emprego referente à 1ª pessoa do plural por sua correspondente do singular é chamado de Plural de Modéstia.

A forma a gente vem sendo usada como concorrente do pronome nós, conforme alguns estudos já citados, como Lopes (1999) com dados de informantes cariocas, Omena (1996) com informantes do Rio de Janeiro, Maia (2009) com informantes das áreas rurais e urbanas de Minas Gerais, Zilles (2007) com informantes do Rio Grande do Sul, entre outros. Esses trabalhos evidenciam que a forma a gente está concorrendo com o pronome nós, ou seja, representa uma alternativa de expressão da primeira pessoa do plural, fazendo parte de

(18)

uma das variáveis linguísticas do atual paradigma do sistema pronominal do português brasileiro.

Note-se que as duas variantes podem ocorrer na fala de um mesmo informante, como nos exemplos de (2):

(4)

a) Sei. Mas não pode ser assim, um dia a gente leva uma cacetada. (1- #O!) b) Elas ri até de mim. Aí ontem mesmo nós trocamos. (1- #O!)

Tomando como base Omena (1996), sobre a mudança do substantivo gente para o pronome a gente, será feita uma descrição desse processo a seguir.

2.2 A mudança de a gente

De acordo com Omena (1996) a forma a gente origina-se do substantivo feminino latino gens, gentis, podendo ser usada como substantivo para nomear, de forma coletiva e indeterminada, um grupo de pessoas que se identificam entre si, por terem ideias comuns, por exemplo. Além dessa maneira de usar a forma gente, foi acrescentado o artigo a para indicar a 1ª pessoa do discurso, no singular e no plural. Segundo Omena (1996, p. 188) “Modificou-se,

assim, a forma quer do ponto de vista semântico, quer do ponto de vista gramatical.” Em

relação à mudança semântica, foi acrescentado ao sentido original, indefinido, a referência à pessoa que fala, determinada deiticamente. Já em relação à transformação gramatical, a gente deixa de ser um substantivo e começa a fazer parte do sistema pronominal do português.

O uso da forma a gente como pronome faz parte de um conjunto de modificações no sistema pronominal, que vem sendo reestruturado (OMENA, 1996). Pesquisas recentes (LOPES, 1999; ROCHA, 2009; ZILLES, 2005), com base em análises da língua falada, evidenciam as discrepâncias entre o que se fala e o que as gramáticas da língua portuguesa defendem e assinalam.

Conforme Omena (1996), a forma a gente é excluída dos registros referentes às formas canônicas dos pronomes pessoais e não existe consenso em sua definição, nas gramáticas da língua portuguesa. Omena cita algumas gramáticas, dizendo que:

(19)

Lendo diferentes gramáticas, observamos que, em Said Ali (1996, p. 116), por exemplo, ela é classificada como pronome indefinido, originário ‘de um substantivo’, usado ‘principalmente na linguagem familiar da atualidade’; em Cunha e Cintra (1985, p. 288), ela é chamada de ‘fórmula de representação da 1ª pessoa’, empregada no uso coloquial normal por nós e, também, por eu; na descrição dialetológica de Nascentes (1953), essa forma é vista ora como pronome indefinido – ‘Usa-se muito o indefinido a gente em lugar de nós’ (p.89), ora como substantivo coletivo – ‘Na classe inculta, os coletivos gente, pessoal levam o verbo ao plural: A gente vamos hoje [...]’ (p. 70)” (OMENA, 1996, p. 189).

Cunha (1975), no capítulo de seu livro Gramática da Língua Portuguesa sobre os pronomes pessoais, classifica a gente como forma de tratamento de 1ª pessoa, da seguinte maneira:

‘Na linguagem coloquial, emprega-se a gente por nós e, também, por eu.

‘Há tanta mágoa nesta vida. Que a gente sofre sem dizer [...]’ (A. Meyer, P, 102.)

‘Disse: - ‘A gente tem cada cisma de dúvida boba, dessas desconfianças[...]’’ (G. Rosa, PE, 13.)

Como se vê dos exemplos acima, o verbo deve ficar na 3ª pessoa do singular. (CUNHA, 1975, p. 295)

Esses registros ratificam que a forma a gente invadiu o sistema pronominal, alternando com as formas tradicionais e gerando um fenômeno de variação linguística. O fato de o sistema pronominal permitir a entrada de nomes com significado generalizante não é característico somente do português. Outras línguas românicas também possuem tal permissão, como o caso de on1 no francês, que alterna com tu/ vous, (LABERGE (1977), apud OMENA (1996)).

Omena (1996) afirma que a gente se dá nas funções sintáticas de sujeito, objeto direto, adjunto adverbial, adjunto adnominal, objeto indireto, complemento nominal e predicativo do sujeito. A autora mostra, também, uma análise da frequência de uso de a gente em relação ao pronome nós. Os dados mostram que a porcentagem geral para o uso de a gente é de 69%, se for comparado com o nós, sendo a gente mais usado na função de adjunto adverbial, depois sujeito e complemento, que são iguais.

Conforme Omena (1996: 190) a forma a gente achou ambientes favoráveis para ser usada, iniciando uma variação linguística que, possivelmente, irá se completar em determinados contextos, em que está abandonando o traço de indefinição, alternando com o pronome nós e ainda não abrangeu alguns pontos da estrutura.

(20)

2.3 Processo de gramaticalização de a gente

Para entender como se deu o processo de gramaticalização de a gente é necessário tratar de alguns aspectos importantes, que são inerentes ao elemento gramaticalizado.

Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, a origem do substantivo gente é do latim gens, gentis2, referente ao povo, e consequentemente, a marca da pluralidade e o traço de pessoa são intrínsecos.

A partir da Meillet (1912), Zilles (2007) discorre sobre o processo de gramaticalização, definindo-o como uma mudança linguística que consiste no acréscimo de status mais gramatical a um elemento lexical considerado de antemão como autônomo, como os substantivos e verbos. A autora cita Hopper (1991) e Hopper e Traugott (1993), entre outros, que defendem a capacidade de alguns itens linguísticos já gramaticalizados, poderem gramaticalizar-se mais, como é o caso da forma a gente.

O processo de gramaticalização é delineado por Zilles “como um tipo particular de mudança linguística em virtude de certas características que lhe são inerentes” (ZILLES, 2007, p. 28). Um desses aspectos está relacionado ao fato de ser a gramaticalização um processo linguisticamente motivado e encaixado linguisticamente. Desse modo, os fatores que provocam e dão continuidade ao processo de gramaticalização de algum item linguístico estão associados a outras transformações que acontecem ou aconteceram concomitantemente em subsistemas linguísticos relacionados. Em relação à forma a gente, o subsistema linguístico é construído pelos pronomes pessoais, que fazem parte do sistema maior, que é o dos pronomes.

Outra característica relativa à gramaticalização é a “unidirecionalidade”3 (ZILLES,

2007), ligada à maneira como o processo se desenvolve. O protótipo desse jeito peculiar e

continuum de gramaticalizar-se pode ser representado pelo seguinte esquema:

“palavra lexical > palavra gramatical > clítico > afixo > zero”. (ZILLES, 2007, p.

29)

Zilles (2007) citando Heine (2003) explica que existem quatro mecanismos que podem descrever o conjunto de mudanças que ocorrem na gramaticalização de um item linguístico. O

2

Dicionário Eletrônico Houassis da Língua Portuguesa explica que a etimologia da palavra gente é um agrupamento familial, clã, a casa em sua totalidade, família, povo, raça, geração, prole; (pl.) estrangeiros, bárbaros (romanos) pagãos, gentios, idólatras.

3 Vale ressaltar que não serão consideradas as discussões sobre a necessidade da unidirecionalidade no processo

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primeiro deles é a dessemantização, ou seja, perda do valor semântico do item lexical. O segundo é a extensão, que é a generalização contextual – uso em novos contextos. O terceiro é a decategorização, perda de propriedades morfossintáticas, incluindo a perda do status de palavra independente, própria da cliticização e da afixação. Por fim, a erosão que é a redução fonética ou perda de substância fonética. Além disso, para explicar a maneira como o processo de gramaticalização constituído por vários mecanismos de mudança acontece, Zilles (2007) pauta-se nos pressupostos teórico-metodológico da sociolinguística laboviana.

Lopes (2004) afirma que o processo de gramaticalização é a mudança de um item lexical que, em certas circunstâncias, torna-se um item gramatical ou quando um item gramatical se torna mais gramatical. Esse processo é caracterizado por um contínuo de regularidade e previsibilidade, no instante em que o elemento perde a eventualidade criativa do discurso para ser conduzido por algumas limitações gramaticais. Lopes (2004) explica que esses itens vão perdendo suas capacidades de referenciar ações, características e seres da vida social e, com isso, vão recebendo a função de formar a estrutura do léxico na gramática, como adquirir funções anafóricas, dentre outras.

Lopes (2003) citando Lichtendberk (1991) reviu as discussões sobre o problema da

transição, defendendo que o gradualismo no processo de gramaticalização é considerado algo

intrínseco aos fenômenos analisados. Além disso, por ser um processo ininterrupto, a gramaticalização não pode se invalidar. Esse aspecto é condizente com os princípios da teoria sociolinguística laboviana, na ideia de que as mudanças linguísticas e da vida humana não acontecem repentinamente, e é por isso que as transformações linguísticas requerem a análise de dois ou mais estágios de uma determinada língua.

A gramaticalização de a gente aconteceu lentamente, envolvendo estágios intermediários em que o substantivo gente perdeu o fator sintático [+ plural] e cristalizou o sintagma nominal (artigo definido + nome) com a interpretação semântica coletiva e genérica (ZILLES, 2005).

Lopes (2004) ao discorrer sobre o processo de gramaticalização de gente (nome) > a

gente (pronome), afirma que nem todas as propriedades formais do substantivo gente

perderam-se, e que as características dos pronomes pessoais não foram totalmente absorvidas. Assim, o traço formal de 3ª pessoa é conservado, apesar de assumir uma interpretação semântico-discursiva de 1ª pessoa, no caso [+EU].

Conforme Zilles (2007) o encaixamento linguístico de a gente está causando indiretamente mudança no modelo de concordância verbal, indicando sua redução, devido à

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alta frequência de a gente com o verbo na 3ª pessoa do singular. A autora também discorre sobre o objeto nulo, que além de ser uma novidade sintática no português brasileiro, se comparado ao português europeu, intensifica a necessidade de especificar o sujeito pela desinência verbal, pelo uso de pronome ou SN (sintagma nominal).

Zilles (2007) assegura que a introdução de a gente no sistema pronominal português tem uma motivação inerente ao processo de gramaticalização, pois não é difícil entender porque a palavra gente é a fonte dessa mudança. Baseada nos estudos de Castilho (1997) e Heine e Kuteva (2002), a autora explica que as línguas normalmente possuem uma tendência em ter como fonte para pronome indefinido, nomes que tem como característica a generalidade, por exemplo, homem e povo.

De acordo com Lopes (1999), os estudos referentes à análise de tempo real de longa

duração mostram que houve o desaparecimento do uso de homem como pronome indefinido

no português arcaico e o surgimento de gente como pronome. A autora sustenta que a forma a

gente, ao se pronominalizar, começa a ocupar o buraco deixado no sistema pelo homem indefinido (LOPES, 1999, p. 40).

O processo de pronominalização de a gente foi gradual, tendo em vista a localização de ocorrências dessa forma como pronome, que se deu somente no século XVIII (Lopes, 2002). Anterior a isso, existem poucos exemplos em que a gente tinha ambiguidade interpretativa, podendo se referir ao pronome nós ou ser sinônimo de “pessoas”. Assim, nos casos encontrados de uso da forma a gente o traço semântico de pessoa começa a mudar, deixando de ser [φ EU] – a não pessoa (Lopes apud Benveniste, 1998) ou a terceira pessoa do discurso, modificando-se para [+ EU], devido à inserção mais nítida do falante.

Conforme Lopes (2002) os casos de a gente eram poucos no português arcaico, mas tornaram-se mais comuns a partir do século XVI. Já no século XVII, houve um aumento considerável de exemplos do uso dessa forma, o que significa que esse momento pode representar o início do processo de transição do uso exclusivo de a gente como substantivo, para a utilização efetiva como pronome, que ocorre de fato no século XIX.

Lopes (2002) apresenta uma análise cuidadosa sobre a transição dos traços de “gênero, número e pessoa” da forma a gente. A autora (1999, 2003) observa ainda a concordância interna no SN em sua análise dos dados de longa duração, do século XVIII ao XX. A autora determinou o controle da presença do traço de número no substantivo gente, com o objetivo

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de marcar cronologicamente a perda da subespeficificação do número formal [α PL], considerando a importância desse fator na transformação do substantivo gente > a gente.

Sobre a mudança no traço formal de número, a autora postula que, com o tempo, ele se perdeu, conforme os registros na sintaxe. Os resultados mostraram que o substantivo gente apresentava claramente as propriedades que qualificavam o nome, como a subespecificação do [αpl], podendo ser usado tanto no plural (as gentes) ou no singular (a gente). Segundo Lopes (2002) no século XVI houve uma ausência considerável do traço de número, com percentual relevante de 74%. Assim, desse período em diante, associado a outros fatores, com a ocorrência de casos de a gente com sentido ambíguo, a perda do traço de número aconteceu rapidamente. Logo, no século XX atingiu 100% e no século XXI consolidou-se no uso de forma categórica.

Vale ressaltar que Lopes (2002), baseada em Heine & Reh (1984, p. 42), defende que o apagamento da subespecificação de número [+PL] não implica na irrelevância semântica da pluralidade, sendo esse apagamento apenas gramaticalmente menos importante.

Em relação à mudança nos traços formais e semânticos de gênero, Lopes (2002) declara que o processo de pronominalização de a gente apresenta uma subespecificação semântica referente ao gênero, que é [αFEM]:

A matriz lexical minimamente especificada do substantivo não apresentava correlação entre forma e sentido, pois o substantivo gente não impõe restrições quanto ao sexo dos referentes, uma vez que se refere a um grupamento de pessoas [+genérico]. (LOPES, 2002, p. 4)

Lopes (2002) alega que este período é considerado de “transição”, devido à forma pronominal a gente conservar algumas características de classe-origem, não adotando completamente os aspectos referentes à nova categoria de que faz parte. Para comprovar esse fato, a autora apresenta exemplos de falas do século XIX, em que as ocorrências de a gente como pronome estão associadas a um adjetivo no feminino-singular, sendo que o referente é do sexo masculino. Essa combinação formal de gênero pode ser compreendida com ambiguidade, ainda que o falante esteja claramente incluso no contexto. Além disso, as observações feitas por Lopes, com base em Weinreich (1968) e Labov (1972), estão de acordo

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com a concepção de “transição” defendida por esses autores, que presume ser a generalização de uma mudança linguística inconstante e duradoura.

Houve mudança, também, nos traços de gênero, sendo eles formais ou semânticos (Lopes, 2003). O substantivo gente não possui ligação entre forma e sentido em sua matriz lexical, que é significativamente pouco determinada. Isso se explica devido ao fato de o substantivo gente não estabelecer restrições relacionadas ao sexo dos referentes, pois faz referência a um grupo de pessoas [+ genérico]. A forma a gente, em seu processo de pronominalização, possui subespecificação semântica em relação ao gênero [α FEM], ainda que não tenha gênero formal assim como os outros pronomes considerados legítimos (eu, tu,

nós, vós). Desse modo, a subespecificação semântica permite a referência a homens e

mulheres, dependendo do adjetivo com o qual concorda.

A respeito dos traços de pessoa, Lopes (2002) afirma que do século XIII ao XV a

gente era usado com maior frequência com P6 (terceira pessoa do plural), se comparado ao a

P3 (terceira pessoa do singular). A partir do século XVI a situação muda, e a forma a gente passa a combinar cada vez mais com P3, prolongando-se até o século XIX. De acordo com os estudos de Lopes, é no século XIX que a pronominalização de a gente começa a se projetar com mais nitidez, por ser diferente dos séculos XVII/XVIII, e a apresentar uma quantidade maior de ocorrências da forma pronominal. As análises das ocorrências de a gente no século XIX mostram que dos 212 dados levantados, 30 eram de a gente pronominal e 36 ocorrências da forma a gente apresentavam ambiguidade interpretativa. Ao comparar as frequências relativas de uso da forma a gente como substantivo e como pronome, Lopes averiguou que dos 212 casos avaliados, 31% são de a gente pronominal (66 ocorrências), em oposição a 69% (146 ocorrências) como substantivo. Já nos séculos anteriores, “90,4% (113 ocorrências de um total de 125) foram da forma substantiva e apenas 9,6% (12 ocorrências) são de a gente

não-substantivo.” (LOPES, 2002, p. 7).

No português arcaico, dos séculos XIII ao XV, existia grande variedade de concordância, relacionada fundamentalmente com o plural do substantivo gente (LOPES, 2004). Conforme a autora:

Na amostra analisada por Lopes (1999), foram identificados 23 dados, 08 deles apresentando concordância com um adjetivo no feminino singular [+fem,-pl].

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Verificou-se, como era esperado, que a combinação do substantivo gente com formas sintáticas que apresentassem os traços [+fem] (do tipo “toda a gente da aldeia ficou arrasada”) era frequente (17/23, 73%), havendo apenas certa variação de número (15/23, 65% para [+PL]) (todas as gentes da aldeia ficaram arrasadas) e 08/23, 35% para [-pl] (toda a gente da aldeia ficou arrasada). (LOPES, 2004, p. 56) Assim, a partir do século XVI, a possibilidade de concordância diminui pouco a pouco, até chegar nos séculos XIX e XX e a concordância tornar-se categórica para o feminino singular.

Assim, Lopes (2003) explica que a forma gramaticalizada a gente, perde a especificação positiva de gênero formal [+fem] do substantivo, e torna-se neutra ([φ fem]), da mesma maneira como acontece com os pronomes de primeira e segunda pessoa (eu/nós,

tu/vós/vocês) que não possuem gênero formal. Em relação à interpretação semântica de

gênero, o traço [φ fem] que não define claramente o gênero semântico do referente, passaria a ser semanticamente subespecificado, a partir da pronominalização. Desde a alteração dessa propriedade, a concordância formal com o predicativo, ou seja, com o masculino ou feminino, estaria diretamente associada ao sexo do referente. Porém, pelo fato de a gente coocorrer com o pronome nós e, consequentemente, pressupor “o falante e mais alguém”, admite várias interpretações ao determinar a concordância com adjetivo em estruturas predicativas. Desse modo, baseada no corpus do Projeto NURC-Rio, Lopes (2003) constatou que existem duas possibilidades de co-ocorrência de a gente em estruturas predicativas, que são: masculino-singular – referente [misto], [genérico] ou [homens-exclusivo] – e/ou feminino-masculino-singular – referente [mulheres-exclusivo].

É importante lembrar que a forma a gente, combinada com o feminino-plural limita-se a predicados verbos-nominais (Lopes, 2003). Nos casos encontrados no projeto NURC-Rio, de estruturas predicativas canônicas, a combinação com o plural só foi aprovada com o sujeito

nós pleno ou nulo, de acordo com a sentença4: Nós estamos encostados nesse trabalho.

Lopes (2003) declara que a maior alteração de comportamento linguístico identificada em sua pesquisa está relacionada ao uso do masculino-singular, que se generaliza, de maneira que concorda tanto com o nós como o a gente, em ambos os sexos. Esse comportamento pode estar relacionado ao fato de o masculino ser uma forma neutra, não marcada, especificamente quando a referência não é definida, sendo o referente [misto] ou [genérico]. Tal afirmação é comprovada no estudo feito por Viana (2003) e citado por Lopes (2004), numa amostra de

4

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fala popular, que confronta dados de duas décadas – anos 80 e anos 2000 – com informantes diferentes (mulheres), apresentando uma mudança de comportamento. A autora afirma que aparentemente houve a seguinte inversão de comportamento linguístico, devido à generalização do masculino-singular: de uma década para outra houve uma alteração de 44% nos anos 80 para 63% nos anos 2000. O uso do feminino-singular foi excedido de 56% para 38% vinte anos depois. Portanto, o caráter genérico da forma a gente pode estar condicionando o maior emprego de estruturas predicativas com o masculino-singular nos últimos anos.

Sobre o gênero, Lopes (2002) afirma que é difícil definir quem de fato iniciou a mudança linguística do sistema pronominal, referente à forma a gente. Tendo como pressuposto que a gramaticalização de a gente aconteceu realmente a partir do século XIX, a autora defende que foram as mulheres que deram início a esse processo, de acordo com os dados analisados. O gênero foi escolhido na subamostra do século XIX, apresentando resultados semelhantes em todas as vertentes do português que foram examinadas, isto é, a nova forma pronominal tem seu uso favorecido pelas mulheres.

Conforme os resultados oriundos de seu corpus, Lopes (1999, 2002) verificou que os falantes considerados cultos usam a forma a gente da seguinte maneira:

a) a concordância com o masculino é melhor quando o referente é misto ou genérico;

b) a concordância com o feminino prevalece quando o referente são as mulheres, sendo que a gente combina com o singular e o nós com o plural;

c) se o referente for misto, os homens usam mais o nós, e as mulheres uma ou outra variante;

d) caso o referente seja genérico ou abstrato, o uso de a gente concorda com o masculino singular, tanto com homem quanto mulher;

e) entre os homens e mulheres, a forma a gente é usada com o masculino singular e o pronome nós é usado com o masculino plural.

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O grupo tipologia semântica do sujeito foi selecionado de forma sistemática nas diferentes amostras do trabalho de Lopes (2002), apresentando resultados parecidos. De acordo com as análises acerca do substantivo homem, usado como pronome indefinido no português arcaico, averiguou-se que esse emprego está ligado inteiramente à perda da referência do nome substantivo, porque ao ser utilizado como pronome adota um significado de indeterminação.

O quadro a seguir mostra alguns resultados da mudança no sistema de traços, proposta por Lopes (1999, 2003):

Quadro 1 – Traços morfo-semânticos de gênero, número e pessoa de gente e a gente

TRAÇOS GENTE A GENTE

NÚMERO FORMAL SEMÂNTICO [ α pl] [+PL] [-pl] [+PL] GÊNERO FORMAL SEMÂNTICO [+fem] [φ FEM] [φ fem] [α FEM] PESSOA FORMAL SEMÂNTICO [φ eu] [φ EU] [φ eu] [+EU] Fonte: Lopes, 2003

Com relação ao Quadro 1, Lopes (2003) discorre sobre a conservação da pessoa formal e alteração da pessoa semântica no processo de pronominalização de a gente. Como postulado, na sistematização dos traços de pessoa, a forma a gente herdou o traço formal [+eu] do substantivo gente, porque entre os falantes escolarizados a concordância é com as formas verbais de P3 “- ‘a pessoa default’ de Rooryck (1994) ou a ‘não-pessoa’ de Benveniste (1998)” (LOPES, 2003, p. 60). Contudo, em relação à pessoa semântica, houve uma mudança no sentido devido à compreensão do “eu-ampliado”: antes o traço era [φ EU], alterando-se para [+EU] na forma pronominal. Para explicar essa mudança, Lopes (2003) apresenta duas marcas sintáticas oriundas do processo de pronominalização de a gente, que são: concordância verbal com P4 (1ª pessoa do plural) recorrente no português não-padrão e a coindexação pronominal com nosso(s)/ nossa(s).

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Os resultados da pesquisa feita por Lopes (1999) indicam que a co-referência ou coindexação aos possessivos de P3, como seu/dela e de P4 (nossa) está em distribuição complementar, ou seja, estes correspondem à forma pronominalizada a gente e aqueles ao substantivo gente. Isso pode ser comprovado nas ocorrências da forma (a) gente como substantivo, do século XIII ao XVIII, em que foram encontrados 21 casos de coindexação às formas de P3 (seu/dele). Já no século XIX, que é marcado pelo início da pronominalização de a

gente, seu uso com o possessivo nossa começa a ser estabelecido. Lopes (1999) encontrou 01

exemplo no século XIX e 19 no século XX, sendo que todos estavam ligados ao pronome gente. Na análise das entrevistas com os falantes cultos, Lopes (1999, 2003) não encontrou qualquer ocorrência da forma a gente com o verbo na primeira pessoa do plural. Mas a autora buscou fazer um controle da presença, ou não, de itens linguísticos que estivessem na 1ª pessoa do plural associando-se com a gente. A autora constatou que mesmo que a gente não apresente concordância verbal com P4 entre os falantes, as ocorrências dessa forma estão em paralelismo com P4, ou seja, fica claro que a estrutura conceitual de a gente pressupõe a inserção do falante ou o traço semântico [+EU]. Assim, ainda que a forma a gente não tenha modificado o traço formal do substantivo [Øeu], a compreensão semântica [+EU] pode ser vista no contexto sintático-discursivo, de acordo com a tabela 1 a seguir:

Tabela 1 – Presença de P4 em tempo real de curta duração Valor de aplicação: a gente

Década de 70 Década de 90 Grupo: Nº/T % Nº/T % Presença de P4 Ausência de P4 010/142 095/110 07 86 028/076 118/124 37 95 Fonte: Adaptado por LOPES, 2003

Baseada nos resultados de sua pesquisa, Lopes (2003) afirma que, embora os valores de frequência estejam abaixo da média para a presença dos traços formais de P4 com a gente, a mudança de comportamento de uma década para outra aconteceu. O acréscimo de 37% indica que a interpretação semântica [+EU] está gradativamente mais presente em termos formais, ainda que os falantes considerados cultos não estabeleçam concordância da forma a

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Lopes (2003) faz um resumo relacionado a algumas mudanças inerentes ao substantivo gente. Confirmou-se a persistência na forma gramaticalizada a gente, conforme os termos de Hopper (1991), da concordância com o verbo na terceira pessoa singular, apesar de a interpretação semântica ser de 1ª pessoa do plural, mantendo o caráter indefinido e coletivo do substantivo primitivo.

Houve, também, mudanças ou atribuição de propriedades caracteristicamente pronominais. Esse fato nos remete ao princípio da decategorização (LOPES, 2003). Devido ao processo de gramaticalização, a gente passa a se relacionar mutuamente a adjetivos no masculino ou feminino em estruturas predicativas. Além disso, houve a perda gradual das vantagens sintáticas da categoria nominal, como a capacidade do nome gente poder ser determinado por anteposição, posposição ou anteposição e posposição simultânea de determinantes no SN, admitindo uma das principais características dos pronomes pessoais que é o de não poder ser definido no sintagma nominal, acontecendo preferencialmente isolado no SN, como no exemplo de Lopes (2003, p. 65): “a gente saiu”. Assim, a determinação do nome e a indeterminação do pronome pessoal seria um dos fatores mais relevantes que contrapõe uma classe a outra. Porém, não é possível ter certeza em relação a essa leitura porque existem casos duvidosos, que são considerados de interpretação ambígua.

Lopes (2003) defende que a presença de um determinante anteposto ou posposto a um elemento linguístico beneficia o emprego desse item como substantivo. Lopes (2003) apud Heine & Reh (1984), Croft (1993), Lehmann (1982) e Martellota et alli (1996), endossam que determinado item lexical torna-se mais gramatical quando começa a ocupar posições mais fixas, provocando, consequentemente, a impossibilidade de se locomover de maneira autônoma, ocorrendo como núcleo isolado. Com isso, fica comprovado que os nomes, ao se pronominalizarem, tendem a acontecer no sintagma nominal, instituindo os usos funcionais distintivos e reservados.

A entrada da forma a gente no sistema pronominal provocou mudanças na forma de organizar o sistema pronominal, tanto no subsistema dos pronomes pessoais quanto no sistema pronominal como um todo, que exercem função de complementos diretos e indiretos. Assim, Lopes (2003), ao citar o trabalho de Omena (1986), defende que a forma a gente se desenvolveu mais em algumas situações do que em outras. Conforme Omena (1996), ao analisar os dados computados em conjunto, e em destaque para crianças e adultos, confirmou-se que, no geral, a introdução da forma a gente é maior na função de adjunto adverbial, em seguida na de sujeito e complemento, que possuem porcentagens iguais. A autora ressalta que

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a gente está começando a abranger o uso do possessivo na função de adnominal, no lugar em

que prevalece o emprego do nosso.

Omena (1996) afirma que a forma a gente mudou do ponto de vista semântico e gramatical. Semanticamente, foi acrescentado ao significado original, que possui como característica o caráter indeterminador, a referência à pessoa que fala, marcada deiticamente. Em relação à mudança gramatical, a forma substantiva passa a fazer parte do sistema dos pronomes pessoais, cultivando a concordância com o verbo na 3ª pessoa gramatical. Assim, a entrada da nova forma a gente no sistema pronominal português, dentre outras, provocou uma reestruturação no sistema, passando a alternar com as formas antigas, o que gerou um fenômeno de variação.

De acordo com a análise sincrônica feita por Omena (1996), a gente identificou-se mais com o pronome pessoal nós, de primeira pessoa do plural, devido ao fato de ser menos frequente com o pronome eu, ainda que no tipo de discurso avaliado o entrevistado fale bastante de si.

Omena considera que um dos motivos pelo qual o uso de a gente por nós se ampliou foi, “A necessidade de, na 1ª pessoa do discurso no plural, contrapor uma referência precisa a uma imprecisa foi talvez o que deu origem ao uso de a gente, substituindo nós.” (OMENA, 1996, p. 190). Assim, a gente encontrou ambientes favoráveis para seu emprego, iniciando o processo de variação que está perto de se concluir em determinados contextos, em que a forma está deixando o traço de indefinição, alternando-se com nós. Entretanto, em outras situações ainda não alcançou determinados pontos da estrutura, como o caso do uso do possessivo na função adnominal, em que ainda prevalece o uso de nosso.

Omena (1996) apresenta um estudo feito sobre a frequência de uso de a gente versus

nós em relação à função sintática. O uso de a gente, quando comparado ao da forma nós,

apresenta a porcentagem geral de 69%. Um dos fatores que indicam a variação da 1ª pessoa do plural ser um fenômeno de mudança em processo é o aumento do uso da forma a gente entre os falantes considerados mais jovens. É importante considerar que os dados são provenientes de estudo de tempo aparente e, portanto, não garantem a devida segurança que a mudança em questão esteja em processo.

Omena (1996) afirma que assim como os pronomes, as formas a gente e nós são usadas mais comumente na posição de sujeito do que na de objeto, o que é característico dos pronomes pessoais. Desse modo, a autora tenta explicar em seu trabalho porque o falante tem dado preferência à forma a gente no lugar do pronome nós, a partir da análise dos fatores linguísticos (estruturais) e da ação das características sociais do falante em relação a esse uso.

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Em sua amostra, Omena (1996) esclarece que as formas nós e a gente são usadas nas funções dêiticas e anafóricas. Quando fazem referência apenas ao locutor e ao receptor, elas são, em sua maioria, dêiticas. Porém, se nomeiam o conjunto, ou seja, o falante (ou ouvinte) e as outras pessoas, o que prevalece é a função anafórica. Assim, para entender como funciona essa influência no discurso, Omena considerou a disposição das formas na sequência do

discurso. A seguir, a tabela 2 vai mostrar como os fatores selecionados interferem na escolha

entre as variantes, nós e a gente, de acordo com a sequência das formas no discurso:

Tabela 2 - Frequência e probabilidade de a gente na sequência do discurso

Fonte: Omena, 1996 FATORES ADULTOS CRIANÇAS FREQUÊNCIA PROB. FREQUÊNCIA PROB. 1) 1ª referência .49 .54

2) forma antecedente a gente com

referente igual .81 .78 3) forma antecedente a gente com

referente diferente

.65 = 91% .65 4) forma antecedente nós com

referente igual .14

= 24% .25 5) forma antecedente nós com

referente diferente

= 49% .42 .26 6) forma antecedente zero com

desinência verbal de 3ª pessoa do singular com referente igual

= 80% .61

7) forma antecedente zero com desinência verbal de 3ª pessoa do singular com referente diferente

= 68% .41

8) forma antecedente zero com desinência verbal de primeira pessoa do plural com referente igual

= 42% .38

9) forma antecedente zero com desinência verbal de primeira pessoa do plural com referente igual

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Essa tabela mostra que a probabilidade de se usar a forma a gente, no lugar de nós, é maior quando o antecedente formal for a gente e a referência for igual à anterior (adultos: ,81 e crianças: ,78) e, também, quando a forma antecedente for zero com desinência verbal de terceira pessoa do singular com referente igual (adultos: ,61). Além disso, passa a desfavorecer o aparecimento dessa forma (0.41) e a privilegiar o uso de nós (.059), quando o referente altera.

A tabela 2 indica que a probabilidade para o emprego de a gente com antecedente nós e referente igual é de .14 para os adultos e .25 para as crianças. Isso implica, consequentemente, que para utilizar o nós nessa conjuntura, a probabilidade é de .86 e .75 para adultos e crianças, respectivamente. Existe uma queda de probabilidade do uso de nós quando o referente muda, especialmente, para os adultos, sendo que a probabilidade para o uso de a gente, nesses casos, é de .42, e de nós é .58.

Conforme Omena (1996), na tabela 2 outros fatores que desfavorecem o uso da forma

a gente na função de sujeito são a forma antecedente zero com desinência verbal de terceira

pessoa do singular com referente diferente (.41) e a forma antecedente zero com desinência verbal de primeira pessoa do plural com referente igual (.38).

Omena (1996) afirma que é importante analisar, no caso da 1ª referência, que não existe interferência sobre a variável, tendo em vista que a probabilidade fica em torno de .50. A escolha de uma ou outra forma na sequência do discurso é devida a outros fatores. Entretanto, ao escolher entre uma das variantes, nós ou a gente na função de sujeito, essa seleção age diretamente no emprego das formas ulteriores, até que outro fator aja, gerando uma nova escolha.

De acordo com Omena (1996), a tendência à repetição é bem marcada e evidenciada claramente nos dados das crianças, devido ao fato de a mudança do referente não causar interferências. Além disso, as formas antecedentes com sujeito zero têm maior influência semântica, porque a não especificação da forma e a modificação de referente se combinam para enfraquecer o mecanismo da repetição. A autora faz uma ressalva em relação à necessidade de indicar que a mudança do referente pode acarretar uma nova escolha da forma, ou seja, “muda-se o referente, muda-se a forma.” (OMENA, 1996, p. 197).

Outro fator que interfere na escolha das formas nós e a gente na função de sujeito é a saliência fônica (Omena, 1996). Quanto menor a saliência fônica, maior a possibilidade de uso de a gente. A influência desse fator já foi investigada por Lemle e Naro (1977) e

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Fernandes e Severo (1984), em ocorrências de concordância verbal. Em seu trabalho Omena testou o seguinte grupo de fatores:

a) a mesma forma para ambas as pessoas. Ex.: cantando;

b) manutenção da sílaba tônica e acréscimo da desinência –mos. Ex.: falava/falávamos;

c) infinitivo com acréscimo da desinência –mos ou formas parecidas. Ex.: cantar/cantarmos;

d) mudança do acento tônico e acréscimo da desinência –mos. Incluem-se os verbos que possuem maior ou menor fechamento da vogal pretônica. Ex.: fala/ falamos;

e) diminuição dos ditongos finais em vogais, com acréscimo da desinência -mos. Ex.: cantou/ cantamos;

f) monossílabos tônicos ou oxítonos que passam a paroxítonos, aumento ou não de mais uma vogal, fechamento maior ou menor da vogal pretônica, acréscimo da desinência –mos. Ex.: faz/ fazemos;

g) diferenças fonológicas acentuadas. Ex.: veio/ viemos; é/ somos. (OMENA, 1996, p. 201).

Os resultados da pesquisa de Omena (1996) confirmam o esperado, ou seja, em relação ao uso da forma a gente em função de sujeito tem-se que as formas verbais que possuem menor saliência fônica são as que, para fins de probabilidade, beneficiam o emprego da forma em questão, dando-se o inverso com o pronome nós.

O emprego de a gente como sujeito foi categórico entre os adultos e crianças nas formas gerundiais em que não há flexão verbal, se comparado ao de nós. É importante destacar, no que se refere à saliência fônica, que as formas de terceira pessoa do singular e primeira pessoa do plural se distinguem pouco, beneficiando o uso de a gente em detrimento de nós. Aliada a essa influência, existe uma tendência a impedir na língua o uso do infinitivo flexionado. Conforme Omena (1996) exemplifica, a grafia na escrita de alunos, de “falar-mos” por “falar“falar-mos”, mostra que existe um conflito na interpretação da desinência com o pronome oblíquo, que é pouco usado na fala.

O uso de a gente na função de sujeito também foi categórico em construções sintáticas em que aparece como sujeito de uma oração completiva ou desempenha a função de objeto da oração principal e sujeito da oração subordinada (Omena, 1996, p. 201), como no exemplo: “Que é mais gostoso da gente se lidar com ela porque[...]”. Conforme a autora, nesses casos, assim como nos de gerúndio, a alternância entre nós e a gente não existe mais. Nessa posição só se acha a forma a gente ou zero.

Em relação ao tempo verbal Omena (1996) afirma que as porcentagens e probabilidades registradas evidenciam que na função de sujeito, para os tempos não marcados

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e o presente, a maior perspectiva de uso é de a gente (,83 e ,55, respectivamente). Já o tempo passado e futuro beneficiam o pronome nós (,64 e ,75).

Conforme os resultados da pesquisa de Omena (1996), ficou constatado que para o falante, na escolha entre as duas formas, a gente e nós na função de sujeito, a ocorrência da primeira forma está relacionada à referência mais geral e indeterminadora.

Nos dados dos adultos, Omena (1996) testou a força que os fatores semânticos

indeterminação e número maior ou menor de referentes exercem nos casos em que

ambiguidade está presente. A autora averiguou que em relação a um maior número de pessoas, em que a referência é normalmente indeterminada, o que interessa ainda é a indeterminação, haja visto que a probabilidade de se usar a forma a gente, considerando o fator relacionado ao “grupo grande e indeterminado” dos referentes, é de ,72. Outra evidência dessa afirmação é que ao mesclar o grupo grande e determinado de referentes, o emprego de

nós é beneficiado, sendo que a probabilidade para o uso de a gente é de ,28 e para nós é ,72

(Omena, 1996).

Em relação aos tipos de discurso, Omena (1996) declara que existe uma distribuição complementar entre a gente e nós na função de sujeito. Com base em Hopper (1979, p. 213), esta repartição está relacionada aos conceitos de “figura” e “fundo”. As narrativas são feitas por meio de períodos que ligam o conteúdo a história ou geram informações complementares. Na narrativa, o que se refere a fatos já acontecidos, relativos ao fio condutor da narrativa (figura), em que prevalecem os traços morfossintáticos e semânticos, como tempo passado, aspecto perfectivo e referência determinada, a preferência é pelo uso de nós. Já o uso de a

gente está ligado ao fato do falante descrever atividades, festas, passeios; fazer descrições

sobre comportamento, costumes e formas de lazer; falar de si; dentre outros. Tais atitudes são feitas de forma indeterminada, generalizada, e se referem a ações ou estados que se mantêm.

A ocorrência de a gente e nós em outras funções sintáticas é bem menor do que na função de sujeito. De acordo com Omena (1996, p. 206), “Nas 64 entrevistas analisadas, obtivemos cerca de 600 dessas ocorrências, em contraposição às 2701 ocorrências de sujeito.”. Assim, as funções de adjunto adverbial e complemento nominal é que favorecem o emprego de a gente. Em contrapartida, a posição de adjunto adnominal não beneficia o uso dessa forma. Além dessas, na função de complemento verbal, as formas a gente e nós são usadas de maneira igual.

Referências

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